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RESENHA: Saberes e modernização do cerrado, org. Ademir Luiz & Eliézer Cardoso

S115 Saberes e modernização no cerrado / Organizadores, Ademir Luiz da Silva, Eliézer Cardoso de Oliveira. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2015. 195 p.: 22 cm. ISBN 978-85-7103-889-9

O livro Saberes & Modernização no Cerrado, organizado por Ademir Luiz da Silva e Eliézer Cardoso de Oliveira, é um volume da Coleção Tessituras do Cerrado, publicado em Goiânia pela Editora da PUC Goiás em 2015. A obra, que resulta de um projeto de financiamento do edital CAPES/FAPEG (Auxílio n. 1664/2013) para a implantação e estruturação do Mestrado Interdisciplinar em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado, propõe-se a conectar duas categorias centrais nas ciências humanas e sociais: "saberes" e "modernização". O título, com sua ambiciosa semântica, demanda esclarecimentos adicionais, especialmente sobre o que significa o desejo de ser moderno no contexto do Cerrado.

A "modernização" é definida pelos organizadores como o "desejo de ser moderno," uma ânsia por transformação que, no contexto brasileiro, remete, de forma enganosamente simples, aos modelos de organização social da Europa e dos Estados Unidos. Essa conotação, muitas vezes, implica "abrir mão de uma identidade longamente construída" e requer a homogeneização das práticas e expressões culturais populares. O debate sobre a modernização brasileira é retomado, contrastando a visão de inautenticidade e artificialidade de autores como Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil ) com a perspectiva de Gilberto Freyre (Sobrados e Mucambos ), que enxerga um processo constante, mas seletivo e diferente, de modernização desde o início do século XIX.

A modernização, sendo um processo irreversível e global que chegou ao Cerrado "como um trator," impõe a necessidade de conciliar a transformação com a justiça social, a exploração equilibrada dos recursos naturais e o respeito aos "saberes tradicionais". No Cerrado, esse processo resultou em "desenvolvimento econômico, crescimento demográfico, urbanização acelerada" e maior integração logística, mas também em "degradação ambiental, o crescimento desordenado das cidades, o desaparecimento das expressões culturais e saberes dos grupos tradicionais".

A segunda categoria, "saberes," é diferenciada entre o "saber científico moderno," produto dos especialistas e peritos, de caráter universal e legitimado pelo método racional , e os "saberes populares," preservados pelos "guardiães da tradição" como as benzedeiras, indígenas e contadores de causos. O livro propõe um "diálogo franco e respeitoso" entre esses dois tipos de conhecimento, reconhecendo os limites da ciência moderna e a "importância heurística e social dos saberes populares".

A obra está dividida em duas partes: "SABERES" e "MODERNIZAÇÃO". A Parte 1, "SABERES", é introduzida pelo Capítulo 1, "Ensino universitário e pesquisa em história: um testemunho," de Ciro Flamarion Cardoso, no qual o historiador relata sua trajetória, destacando como o ensino e os alunos influenciaram e mudaram a direção de seus processos de pesquisa. Cardoso menciona que, em sua carreira, buscou sistematicamente a polêmica, como no embate contra a união de positivismo e historicismo e no diálogo crítico com as tendências pós-modernas e a Nova História Cultural. O Capítulo 2, "O domador de bicicletas: cultura, identidade e originalidade em Geraldinho Nogueira," de Ademir Luiz da Silva, analisa a trajetória e o mito de Geraldinho Nogueira, o "maior ícone da cultura popular goiana". O autor critica a visão de Geraldinho como um "bom-selvagem" ou um mero "exemplar retirado ao acaso" da identidade caipira. Silva argumenta que o comediante era um ator intuitivo, consciente de seu talento cênico, e que sua prosa, cheia de humor, revela que ele adotava os avanços tecnológicos, como o rádio e a bicicleta, no seu cotidiano, não sendo "imune ou desinteressado no novo". O Capítulo 3, "Valente mesmo era Catulino: um estudo biográfico sobre um policial em Goiás no tempo da República Velha," de Eliézer Cardoso de Oliveira e Talliton Túlio Rocha Leonel de Moura, utiliza a micro história para analisar a vida de Catulino Antônio Viegas, um policial mediano que, no entanto, participou de momentos políticos cruciais em Goiás entre 1915 e 1930. O estudo revela o caráter "valente" e "maldade" do tenente Catulino, notadamente sua participação nas tragédias da Chacina do Duro e da prisão de Santa Dica, e sua proximidade com a família Caiado, elementos que possibilitam conhecer os "bastidores da República Velha em Goiás". O Capítulo 4, "Idas e vindas nos giros das folias: elos que unem religiosidade, cultura popular e sociabilidade," de Maria Idelma Vieira D'Abadia e Ondimar Batista, apresenta um estudo in loco das Folias de Reis e de São Sebastião em Anápolis (GO). A análise enfatiza como a folia, uma tradição de origem ibérica que se popularizou com a aculturação de negros e indígenas, se "reinventa e se reatualiza" no espaço urbano, mantendo viva a religiosidade coletiva, a solidariedade e a sociabilidade, e resistindo à "homogeneização global". O Capítulo 5, "Os indígenas nos trilhos da historiografia," de Poliene Soares dos Santos Bicalho, traça um panorama dos estudos sobre comunidades indígenas no Brasil, desde o século XIX até a atualidade. A autora analisa as visões de Martius, Varnhagen (que construiu uma imagem pejorativa do indígena ), Capistrano de Abreu (que o reconheceu como "verdadeiro dono das mesmas" ), Manoel Bomfim, Gilberto Freyre e Florestan Fernandes, e conclui que, apesar de o indígena ter sido relegado por muito tempo, a partir da década de 1970, surge uma "nova história indígena" que o visualiza como "sujeito histórico atuante, participativo e fundamental no processo de formação da Sociedade e do Estado brasileiro".

A Parte 2, "MODERNIZAÇÃO", aborda o processo no Cerrado. O Capítulo 6, "O setor sucroalcooleiro em Goiás: características do espaço produtivo," de Divina Aparecida Leonel Lunas Lima e Alexandro Leonel Lunas, analisa a expansão do setor sucroalcooleiro em Goiás a partir de 2005, motivada pela demanda por etanol. O estudo demonstra que a expansão se concentrou na Mesorregião Sul Goiano, elevando a competição por terras e resultando na substituição e retração das culturas de grãos, como a soja, e no desaparecimento da cadeia de leite em algumas microrregiões. O Capítulo 7, "Desenvolvimento regional no Brasil dos anos 1960: uma questão de Estado," de Dulce Portilho Maciel, examina como a "questão regional" se tornou uma "questão de Estado" no Brasil, recorrendo ao caso do Nordeste (SUDENE) e à visão do General Albuquerque Lima, Ministro do Interior pós-1964. A análise mostra que a SUDENE, e posteriormente a SUDAM e a SUDECO, atuou como um mecanismo de integração econômica sob a hegemonia da burguesia industrial do Sudeste, usando o argumento da "segurança nacional" para justificar o planejamento e a expansão do capitalismo monopolista. O Capítulo 8, "Da construção "planejada" de Brasília à (re)produção "desordenada" de seu entorno," de Marcelo de Mello, discute a contradição entre a imagem planejada de Brasília e a realidade de seu entorno metropolitano, marcado pela "ocupação desordenada" e por conflitos sociais. Mello demonstra que a criação de cidades-satélites, como Taguatinga, antes do prazo original e a posterior transferência da pressão urbana para o estado de Goiás, como Luziânia (Cidade Ocidental, Novo Gama e Valparaíso de Goiás), são reflexos do fracasso do controle territorial, e que o Plano Piloto se tornou o "centro gravitacional" impactado pelo entorno. O Capítulo 9, "Discursos fundadores de Brasília na revista A Informação Goyana," de Maria de Fátima Oliveira e Milena d'Ayala Valva, analisa a defesa da transferência da capital federal para o Planalto Central, entre 1917 e 1935, através da revista A Informação Goyana. O periódico, dirigido por goianos, advogava que a mudança traria desenvolvimento para Goiás e para o Brasil, utilizando argumentos geográficos, econômicos, climáticos e até morais, numa "verdadeira campanha" que, embora bairrista, contribuiu para o debate da "mitologia de um Novo Mundo". O Capítulo 10, "A greve e a gripe: limites e contradições do projeto político de modernização paulistana nos anos 1910," de Robson Mendonça Pereira, encerra a seção ao analisar a Greve Geral de 1917 e a pandemia de Gripe Espanhola de 1918 em São Paulo. Pereira demonstra como a administração de Washington Luís, representante da elite cafeeira, se apegava a princípios liberais e evitava intervir no comércio, o que, junto à crise econômica e a inação sanitária, "evidenciaram graves contradições e as limitações do processo de modernização paulistano," atingindo sobretudo a população mais pobre nos bairros industriais.

Em conclusão, Saberes & Modernização no Cerrado oferece uma análise interdisciplinar e multifacetada do Centro-Oeste brasileiro, notadamente Goiás e seu entorno, utilizando as categorias "saberes" e "modernização" como lentes críticas. O livro estabelece um diálogo entre a historiografia da região e os grandes debates das ciências sociais, revelando as tensões, contradições e impactos do desenvolvimento no Cerrado.

Resenha: A última ponte, de Vitor Zindacta

"A Última Ponte" não é apenas um livro; é um tratado de engenharia psicológica e uma jornada de autodescoberta que redefine a noção de romance. Vitor Zindacta constrói uma narrativa com a precisão de um arquiteto e a alma de um músico, transformando a beira do abismo no verdadeiro ponto de partida para a vida. O livro é um espelho que reflete a verdade brutal de que, para algumas almas, a estrutura da vida se torna insuportável, e o amor pode ser a única interrupção temporária da sentença.

A história começa com o encontro improvável e urgente entre Ethan, um pianista obcecado pela perfeição que se tornou arquiteto, e Isadora, uma socióloga genial fugindo da opressão familiar. Ambos estão no parapeito da ponte, prontos para ceder ao vazio, mas o encontro cria uma cumplicidade silenciosa e absoluta.

O que se segue é um dos mais fascinantes pactos literários: o "pacto da mentira". Para adiar a morte, eles decidem contar um ao outro "uma história gloriosa, de aventura, de amor... Não as verdadeiras razões, que são patéticas e pesadas. Mas a versão que nos faria heróis de nosso próprio livro". Essa mentira se torna o andaime para a verdade, pois, como Isadora argumenta: "A verdade já nos matou... Talvez uma mentira seja o que precisamos para um último respiro. Um último 'e se'". A química entre Ethan e Isadora, uma atração que se mistura com a cumplicidade , é o motor que os afasta da ponte e os leva a reescrever o roteiro.

O enredo evolui magistralmente à medida que a mentira se torna um veículo para as confissões mais profundas. Ethan, o arquiteto da catástrofe que salvou a cidade , está, na verdade, fugindo da culpa por ter priorizado a perfeição e a ambição em detrimento da pessoa que amava. Isadora, a socióloga premiada em licença forçada , está fugindo da anulação total de sua identidade, da opressão familiar que a proibiu de demonstrar a compaixão que sentia. Eles usam suas personas falsas para expressar sua dor real, com Ethan percebendo que "o pacto da mentira não era para enganar um ao outro, mas para mascarar a verdade que ambos já sabiam: que suas vidas reais estavam falidas, e que eles precisavam de uma nova história para respirar".

O verdadeiro ponto de virada é alcançado no conservatório de música, o "ponto de colapso" de Ethan. Pressionado por Isadora a confrontar seu medo da falha, ele se senta ao piano e toca uma "melodia melancólica, lenta, cheia de pausas e notas hesitantes". É a "música do erro aceito", a primeira nota de sua cura. Isadora sela o momento com a verdade que o liberta: "Eu não sou o arquiteto da perfeição. Eu sou o músico do erro... E eu sou a socióloga que aprendeu a sentir".

O mapa do tesouro invisível, que eles descobrem, não é ouro, mas um propósito comum: construir um centro de reabilitação para jovens em risco, um "Recomeço". Este projeto é a manifestação física de sua cura. A batalha contra o opressor de Isadora, o frio e calculista Dr. Arthur Bittencourt, é um teste de fogo. Isadora o derrota não com súplicas, mas com a "autoridade da lógica" , provando que sua mente é uma ferramenta para organizar a esperança, e não a fortuna.

O amor deles é profundo e maduro, não um romance efervescente, mas um "contrato de vulnerabilidade" , uma união de duas almas que encontraram a razão para viver no ato de cuidar de si e do outro. A culminação da jornada é o beijo final, "solene, comprometido e lento, o beijo de dois sobreviventes que haviam escolhido a vida. Era a escolha da fragilidade, o reconhecimento de que a força não estava na fuga, mas na vulnerabilidade compartilhada".

Embora o corpo da narrativa termine em uma tragédia comovente e inevitável, um final sombrio que ecoa a dor complexa e a inevitabilidade da tragédia, é o epílogo que injeta a nota final de esperança. A revelação de que toda a jornada foi uma "sinfonia febril tecida pela mente exausta de um jovem em um orfanato" transforma a tragédia em um diagnóstico. O verdadeiro abismo não é a ponte, mas a mente humana , e a história que lemos foi a "falência da esperança dentro de Ethan".

O fechamento é magistral: Ethan, agora no refeitório do orfanato, onde a vida está à sua frente , encontra uma jovem desajeitada com "cabelos eram escuros e lisos" e uma voz de "familiaridade esmagadora" que se apresenta: "Meu nome é Isadora". A vida lhe dá uma segunda chance de reescrever o mapa , e a questão é: ele terá a coragem de escolher a esperança?

"A Última Ponte" é um livro que não deve ser lido, mas vivenciado. É um mapa de possibilidades , uma prova de que a arte de viver é, na verdade, a arte de desenhar a bagunça.

Veredito: Uma obra-prima moderna sobre trauma, vulnerabilidade e a descoberta de que o amor é a única fundação real contra a queda. Leitura obrigatória.

Resenha: A Fórmula do Sorvete e Outras Emoções Mal Medidas


"A Fórmula do Sorvete e Outras Emoções Mal Medidas" é uma obra-prima juvenil moderna que usa a precisão da culinária como metáfora para a busca por ordem e afeto em um mundo de incertezas. Vitor Zindacta constrói um enredo delicado e profundamente inteligente, onde a protagonista, Emily, transforma a solidão em arte e a ausência em criatividade. O livro é uma celebração da persistência discreta e da descoberta de que a vulnerabilidade é o ingrediente secreto da conexão verdadeira.

O enredo gira em torno de Emily, uma jovem que busca estabilidade na única coisa que pode controlar: "medindo ingredientes com precisão científica". Em seu estúdio improvisado, ela cria vídeos de sorvetes artesanais, usando a técnica para lidar com as ausências de seus pais — uma mãe chef de cozinha famosa e um pai cientista viajante.

O ritual da medição é o que a ancora: "O ritual da medição me dá ordens quando o resto da minha vida parece seguir por impulso". A casa de Emily é preenchida por "cômodos que murmuram lembranças" , e o contraste entre a ausência funcional dos pais e sua "saudade que não tem justificativas" é comovente. Mas, em vez de se render, Emily transforma seu canal em uma forma singular de comunicação: "cada receita é uma carta que envio a quem quiser abrir". Gravar é um ato de autopreservação: "Gravar um episódio é uma maneira de me lembrar que ainda produzo algo meu".

A reviravolta no enredo é sutil e tocante: a entrada de Chris, um observador atencioso que compreende a linguagem única de Emily. Ele não a aplaude, mas a vê de verdade, começando com um comentário que atinge a essência de sua arte: "A metáfora do anfitrião é brilhante. Você escreve sabores como se escrevesse músicas".

A relação se desenvolve a partir da troca de "dados com afeto", onde a lógica e a emoção se fundem. Chris não é um salvador, mas um "observador gentil que sabe anotar o mundo". Ao se encontrar para uma colaboração, Emily experimenta algo raro: "Ser vista sem a expectativa de performance é uma raridade para mim". O afeto deles é construído na aceitação mútua da imperfeição, com Chris ensinando a Emily que "As falhas são tão interessantes quanto os sucessos" e que "Erro é um dado que te ensina. Não é sentença". Essa é a verdadeira fórmula que o livro revela.

O clímax emocional não é um grande evento, mas uma coleção de "gestos pequenos e repetidos" que saciam sua fome por atenção, provando que ela "não está completamente sozinha". No final, Emily encontra a paz na continuação do processo, na aceitação da jornada:

"Por ora, durmo com o gosto da mistura na boca e a sensação de que, se houver uma receita para o que chamamos amor, ela admite erro, conserto, paciência e, acima de tudo, presença. E isso me basta para fechar o livro por enquanto".

"A Fórmula do Sorvete e Outras Emoções Mal Medidas" é um manual sobre como traduzir frustração em doçura. É uma história edificante sobre a coragem de continuar medindo, provando e escrevendo, transformando a fragilidade em força.

Veredito: Uma leitura essencial que celebra a cura encontrada na arte, na disciplina e na quietude da atenção mútua. Absolutamente delicioso.

Resenha: O Corpo Sente: Como as emoções afetam a saúde do corpo


O presente volume, "O Corpo Sente: Como Suas Emoções Afetam a Saúde do Seu Corpo, um Estudo Clínico", de Vitor Zindacta, é uma obra seminal que estabelece um quadro teórico e protocolar robusto para o desmantelamento do dualismo cartesiano na medicina moderna. O texto se posiciona na fronteira da Psiconeuroimunologia (PNI), fornecendo uma investigação clínica detalhada e fundamentada sobre a complexa rede de comunicação entre os sistemas psíquico, nervoso e imunológico. A obra transcende a mera descrição de sintomas para atacar a "raiz subterrânea" das doenças crônicas: a Carga Alostática.

I. Fundamentos Teóricos: A Carga Alostática como Mecanismo Unificador da Patologia Crônica

A premissa central do estudo é que o sofrimento emocional se traduz em uma "resposta química e estrutural no corpo", sendo a Carga Alostática o biomarcador desse desgaste.

I.A. Definição e Mensuração da Carga Alostática

A obra define a Alostase como a capacidade de o corpo "atingir a estabilidade através da mudança" em resposta a estressores. A Carga Alostática é o "desgaste cumulativo que ocorre quando essa resposta de estresse falha em se desligar". O livro identifica o estressor crônico moderno, que "nunca vai embora" e "se disfarça de prazo de trabalho, dívida ou conflito não resolvido", como o motor desse desgaste.

O índice de Carga Alostática, conforme detalhado no Capítulo Dois, é mensurável através de um conjunto de biomarcadores que incluem: Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC), perfil de Cortisol Salivar (Ritmo Diel), Proteína C Reativa (PCR), glicose em jejum e pressão arterial. Uma pontuação elevada indica um "risco significativamente maior de desenvolver doenças cardiovasculares, diabetes e declínio cognitivo".

I.B. As Vias Biológicas do Estresse (PNI Triádica)

O texto mapeia a comunicação bidirecional entre os sistemas psíquico, nervoso e imunológico.

  1. Eixo Neuroendócrino (Eixo HPA): O cortisol e a adrenalina, liberados na resposta de sobrevivência, causam um efeito corrosivo quando cronicamente elevados. O cortisol elevado leva à Resistência à Insulina, à Obesidade Abdominal (gordura visceral) e à Neurotoxicidade no Hipocampo. A disfunção culmina no padrão de Cortisol Achatado ou Invertido, sinalizando "exaustão da glândula adrenal".

  2. Sistema Nervoso Autônomo (SNA): O desequilíbrio entre o SNS (Simpático) — "luta ou fuga" — e o SNP (Parassimpático) — "repouso e digestão" — é a essência da Carga Alostática. A dominância crônica do SNS se traduz em VFC Baixa ("rigidez" do SNA) e hipertensão. O principal mediador da resiliência é o Nervo Vago, que é o "mensageiro da calma".

  3. Inflamação Crônica e Imunológica: A inflamação sistêmica, medida pela PCR-as, é a "raiz subterrânea" que conecta a maioria das doenças. O livro estabelece que a inflamação é o motor da Depressão, da Autoimunidade e do envelhecimento acelerado (encurtamento dos Telômeros).

II. Aplicações Clínicas: A Carga Alostática em Doenças Crônicas

O livro dedica capítulos específicos para demonstrar como o conceito de Carga Alostática se aplica a diferentes patologias, recontextualizando o diagnóstico.

II.A. Dor Crônica e Fadiga Extrema (Cap. 3, 18)

A Fibromialgia (FM) e a Síndrome da Fadiga Crônica (SFC) são enquadradas como "condições de desregulação crônica do sistema de estresse".

  • Mecanismo: A Carga Alostática induz a Sensibilização Central, onde o sistema nervoso amplifica os sinais de dor e fadiga. A Neuroinflamação (inflamação cerebral) rebaixa o limiar da dor.

  • Disfunção Energética: A SFC é marcada pela Disfunção Mitocondrial, um colapso na produção de ATP (energia celular) impulsionado pela inflamação crônica. O sintoma de Mal-Estar Pós-Esforço (PEM) é a prova de um "colapso da Alostase".

  • Dor Pélvica Crônica (DPC): Condições como a Endometriose e Cistite Intersticial (CI) são vistas como disfunções do SNA. A dor é amplificada pela Sensibilização Central e a tensão crônica do Assoalho Pélvico é uma manifestação de "congelamento" (resposta de defesa) induzida pelo trauma.

II.B. Saúde Mental e Neuroinflamação (Cap. 4, 19)

O livro advoga a Hipótese Inflamatória da Depressão, onde a doença é uma "doença inflamatória com manifestações psiquiátricas".

  • Mecanismo: Citocinas inflamatórias ativam a Micróglia (células imunes do cérebro) e desviam o metabolismo do Triptofano para o Ácido Quinolínico (neurotoxina), "roubando os blocos de construção da felicidade" (Serotonina).

  • Dano Estrutural: A inflamação suprime o BDNF, levando à "atrofia do Hipocampo", uma "lesão estrutural".

  • Demência (Alzheimer): A Doença de Alzheimer é redefinida como "Diabetes Tipo 3", impulsionada pela Resistência à Insulina Cerebral e a Neuroinflamação que acelera o acúmulo de placas de Beta-Amiloide.

II.C. Autoimunidade e Tolerância (Cap. 5, 21)

A autoimunidade é o resultado da falha na capacidade de o corpo manter a tolerância.

  • Mecanismo: O estresse crônico induz a Resistência ao Cortisol, liberando o sistema imunológico para inflamar. O Leaky Gut (permeabilidade intestinal) permite que toxinas bacterianas (LPS) e proteínas alimentares entrem na circulação, causando Mimetismo Molecular, onde o sistema imune ataca tecidos próprios (e.g., Tireoide de Hashimoto).

  • Polarização: O estresse sabota as Células T Reguladoras (Tregs), o "exército da paz", permitindo que as vias Th1, Th2 e Th17 ataquem livremente.

III. O Protocolo de Restauração da Alostase: Intervenção Integrada (Cap. 7-15)

O "Protocolo de Restauração da Alostase" é o roteiro prático para o tratamento sistêmico, concentrando-se em seis pilares interconectados.

III.A. Pilar I: Regulação Neural (Vago e VFC)

O objetivo é restaurar a flexibilidade do SNA e aumentar a VFC.

  • Respiração de Coerência Cardíaca (RCC): Prática fundamental de 10 minutos, 3 vezes ao dia, com 5s de inspiração/5s de expiração. A expiração prolongada ativa o Nervo Vago, que libera Acetilcolina (o potente anti-inflamatório endógeno).

  • Biofeedback de VFC: Ferramenta clínica que permite ao paciente "modular sua biologia" e "transforma a intenção mental (respirar calmamente) em um resultado fisiológico mensurável".

  • Estimulação Vagal: O gargarejo vigoroso e a exposição controlada ao frio (banho frio) atuam como "reboot" e "mini-treino" para o Vago.

III.B. Pilar II e III: Reparo Bioquímico e Reversão da Inflamação (Dieta PNI)

O foco é silenciar a inflamação e selar o intestino.

  • Dieta Antidepressiva: É um "protocolo molecular anti-inflamatório" e não calórico.

    • Ômega-3 EPA: Prescrito em doses terapêuticas, pois age como um agente anti-inflamatório que promove a resolução de citocinas.

    • Polifenóis: (Curcumina, Resveratrol) atuam como inibidores do NF-B (o interruptor genético da inflamação) e "acalmam a Micróglia".

  • Cura Intestinal (Protocolo 4R): Essencial para selar o Leaky Gut.

    • Reparadores: L-Glutamina e Zinco para selar as Junções Apertadas.

    • Pós-bióticos: Fibras Prebióticas e Psicobióticos para maximizar a produção de Butirato. O Butirato é um agente epigenético que inibe a HDAC, promovendo a expressão do BDNF.

  • Suporte Adrenal: O uso de Adaptógenos (como Ashwagandha para Cortisol alto e Rhodiola para Cortisol achatado) é vital para normalizar o Eixo HPA. O Magnésio é o mineral crítico que reforça o GABA e protege contra o esgotamento.

III.C. Pilar IV: Movimento e Cronoterapia

O foco é a programação PNI para o crescimento neural e o reparo.

  • Movimento como Remédio: O exercício é o "indutor mais eficaz" do BDNF, promovendo a Neurogênese. O Treinamento de Força é crucial para combater a Resistência à Insulina e construir reserva metabólica. Para a SFC, o Pacing adaptativo é obrigatório para evitar o PEM.

  • Cronoterapia do Sono: O sono é a "janela de reparo". A Luz Matinal zera o relógio circadiano, e o Corte da Luz Azul (90 minutos antes de dormir) otimiza a liberação de Melatonina, que é o principal agente anti-inflamatório e antioxidante noturno. A limpeza cerebral (Sistema Glinfático) ocorre no Sono Profundo.

III.D. Pilar V: Integração Psicossocial (Vínculo e Trauma)

Este pilar desativa o estressor primário: a ameaça social e o trauma.

  • Trauma: O trauma crônico (ACEs) é uma "lesão biológica" que programa o Eixo HPA para a hipersensibilidade.

    • Terapia Neural: EMDR e Somatic Experiencing (SE) são usadas para "reprogramação da PNI" e "liberar a energia de luta/fuga que ficou presa no corpo".

  • Vínculo e Segurança: A Conexão Segura e o toque ativam a liberação de Oxitocina, que é o "antagonista direto do cortisol". O isolamento é um estressor que cria um "padrão de vigilância inflamatória" (CTRA).

  • Metacognição: Mindfulness e Perdão são intervenções PNI que fortalecem o Córtex Pré-Frontal (CPF) e "desligam a resposta fisiológica de ameaça".

IV. Fronteiras da PNI: Epigenética e Longevidade (Cap. 16, 17)

A obra se aprofunda nos mecanismos moleculares que ligam o comportamento ao destino genético.

IV.A. Epigenética: O Legado do Estresse

O livro prova que a Epigenética é a "memória biológica" do estresse. O estresse crônico (Carga Alostática) atua como um modificador epigenético, levando à metilação (silenciamento) do Gene do Receptor de Glicocorticoide (GR), o "freio" do Eixo HPA. O trauma pode ser transmitido para a próxima geração, mas o Protocolo de Restauração da Alostase é um "programa de reprogramação epigenética" que pode reverter o silenciamento.

IV.B. Longevidade: O Telômero como Biomarcador PNI

O envelhecimento é a manifestação tardia da Carga Alostática. O encurtamento telomérico, acelerado pela inflamação e pelo estresse oxidativo, é o "biomarcador supremo do desgaste PNI".

  • Reversão: A PNI demonstrou que a atividade da enzima Telomerase pode ser aumentada e o encurtamento telomérico revertido através da adesão ao Protocolo: Mindfulness, Exercício Moderado e Dieta Anti-inflamatória. A Restrição Calórica (Jejum Intermitente) ativa a Autofagia, que recicla células danificadas.

V. Estudos de Caso e Integração (Cap. 23, 24)

O livro utiliza estudos de caso (Sofia e Marcos) para demonstrar a aplicação clínica do protocolo. Sofia, com SII, ansiedade e Resistência à Insulina, ilustra a desregulação do SNS e o Cortisol Achatado. Marcos, com crises de pânico e Fadiga Adrenal, demonstra a "Falha Alostática", onde o sistema de defesa está esgotado.

O tratamento, em ambos os casos, não se resume à medicação, mas sim à Regulação Neural (VFC), à Terapia do Trauma (SE) e ao Suporte Adrenal/Mitocondrial (Adaptógenos/Magnésio).

Em conclusão, "O Corpo Sente" estabelece um novo paradigma de saúde, exigindo que a medicina "não perguntará 'O que está errado com você?', mas sim 'O que aconteceu com você?'". A cura é definida como a Restauração da Alostase, um processo em que o indivíduo recupera a "autonomia biológica" e a capacidade do corpo de se reparar, sinalizando que "o perigo, finalmente, passou". A PNI transforma a saúde em uma "ciência preditiva e preventiva".

Rinaldo Segundo transforma emoções humanas em personagens ficcionais em novo livro

Foto: Acervo Pessoal / Rinaldo Segundo


“O país se buscava, enquanto eu me perseguia. Mas quem eu era? Embora já soubesse a resposta, percorri um longo percurso até viver a minha revelação.”

(Trecho da pág. 58)

O terceiro livro do mato-grossense Rinaldo Segundo ensaia os dilemas do viver e do sentir no livro de contos Emoções: A Grandeza Humana” (144 páginas, Editora Labrador). Natural de Várzea Grande e atualmente vivendo em Cuiabá, no Mato Grosso, Rinaldo é formado em Economia e Direito com mestrado em Desenvolvimento Sustentável pela Harvard Law School. Além disso, segue carreira profissional como promotor de Justiça atuando na área de homicídios e crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Um trabalho intenso onde testemunha histórias que o colocam cara a cara com a dor alheia. 

Seu livro apresenta oito contos ficcionais, cada um sobre uma emoção, classificada como tal ou apropriada pela liberdade artística. São histórias permeadas também por dramas sociais, tais como crianças abrigadas, racismo, diferenças sociais e populismo jornalístico. 

“Descobri o tema das emoções ao buscar identificar as minhas próprias emoções. Convivo com a dor alheia em meu trabalho como promotor de Justiça, testemunho mães que perderam os seus filhos, crianças sexualmente abusadas e vulnerabilidades sociais”, explica o escritor. “Em alguma medida, tais dores se tornam minhas também, e convertem-se em ilusões e desilusões nos casos em que atuo.” 

Para ele, escrever ficção sobre as emoções foi uma libertação, uma vez que seu cargo representa a força estatal e por ser um homem nascido nos anos 70 cujas emoções eram “naturalmente negadas”. “Traduzir a dor alheia e a minha também em histórias realistas me tornou mais humano.”

Um mergulho na complexidade humana

Foto: Divulgação / Comtato

Na obra, o autor expõe como as emoções são capazes de domar e serem domadas. Como as emoções, mesmo que universais, só podem ser medidas e experimentadas na individualidade. Tal como uma minissérie, os capítulos são nomeados como Solidão, Alegria, Vergonha, Esperança, Medo, Raiva, Paixão e Felicidade. 

“Evidentemente, os contos têm personagens, mas eu também imaginei as emoções como protagonistas das histórias humanas. As emoções protagonizam mudanças e a própria vida das pessoas, como quando alguém tem um acesso de raiva e mata outra pessoa, ou quando no final da vida, alguém percebe ter sido feliz. Por isso, cada conto tem um título remetendo a elas”, justifica.

Em sua estreia na ficção, o autor concebe personagens ricos e com histórias pregressas que tendem a explorar suas intimidades. Alguns deles, como o protagonista de “Alegria”, demonstram ainda uma sofisticação sarcástica em suas interações. A escrita de Rinaldo traduz a natureza complexa das emoções em situações trágicas e cômicas que podem vir ou não, a acabar em redenção. Seus contos falam, sobretudo, de humanidade. 

“Tanto quanto homo sapiens, somos homo motus, seres emocionais. Podemos viver sem ter consciência delas, é verdade, mas elas estão em nossas escolhas e decisões 24 horas por dia. Às vezes, essas emoções são complexas, formadas pela união delas, e às vezes, elas se sucedem rapidamente”, comenta. 

A humanidade sempre lidou com as emoções. E um dos argumentos do livro é justamente mostrar como sem elas, qualquer sujeito se resume a um ser unidimensional. As emoções, por meio de seu portador, podem ser aprisionadas ou permitidas. 

Novos livros em vista

Rinaldo sempre escreveu contos, mas precisou sentir-se confiante para publicar as histórias presentes em “Emoções”. Aos 45 anos, o autor já publicou “Sonhando com Harvard”, em que compartilha suas memórias e conta os passos e iniciativas que o levaram a uma das melhores universidades do mundo, além da não-ficção “Desenvolvimento Sustentável da Amazônia” que, por sua vez, trata do aquecimento global e do desmatamento amazônico, discutindo um modelo de geração de riquezas e redução do desmatamento que dialoga com os desafios ecológicos globais. O livro é fruto da pesquisa de Rinaldo enquanto esteve na universidade americana. 

O autor pretende agora escrever um segundo volume de contos ficcionais. Mais uma vez, relacionado às emoções. Dessa vez, Rinaldo promete tratar de temas mais espinhosos."Quero abordar um lado humano mais esquisito e sombrio, com emoções como a tristeza, o ciúme e o desprezo”, revela. Ele também tem em mente um novo livro de memórias, dessa vez, sobre a experiência de trabalhar com crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes. "Pretendo expor os bastidores e os desafios daquele tipo de trabalho."

Leia um trecho de “Emoções: A Grandeza Humana” (pág. 47):

“Uma criança com um balão não imagina o gás hélio sólido. Se a matéria tem diferentes estados físicos, o ser humano também. A vergonha pode mudar a forma de alguém, de descontraído a tenso, de ereto a encurvado, de confiante a medroso. O envergonhado desvia o olhar do outro, para se desviar de si. Ao redor de seu eu, constrói muralha invisível e cumpre sentença perpétua.” 

Adquira “Emoções: A Grandeza Humana” pelo site da Editora Labrador:

https://editoralabrador.com.br/produto/emocoes-a-grandeza-humana/


O AUTOR

Rinaldo Segundo é promotor de justiça e atua, principalmente, na área de homicídios e crimes sexuais contra crianças e adolescentes, onde sente diariamente as emoções alheias refletidas em si. Formado em Economia e Direito, com mestrado em Desenvolvimento Sustentável (Harvard Law School), também é autor do recém-lançado livro de contos Emoções: A Grandeza Humana” (144 páginas, Editora Labrador). Inspirada em sua vivência profissional, a obra expõe dramas sociais da atualidade e as emoções como ponto comum na experiência humana.

Resenha: O negro no Brasil hoje, de Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes

APRESENTAÇÃO

Para entender “nossa” história e “nossa” identidade é preciso começar pelo estudo de todas as suas matrizes culturais. Neste livro muito bem ilustrado, os autores tentam contar um pouco da história esquecida dos povos africanos que ajudaram a construir o país em que vivemos, um país que pertence a todos os brasileiros sem nenhuma distinção.

RESENHA

A obra "Negro no Brasil de Hoje", escrita por Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes, é um marco na literatura brasileira que investiga a identidade negra no contexto contemporâneo, compilando reflexões profundas sobre a história, cultura e desafios enfrentados pela população negra no Brasil. Munanga e Gomes não apenas respondem a questões cruciais sobre quem somos como povo, mas também nos levam a compreender a riqueza e a complexidade da formação da identidade brasileira, que é um verdadeiro mosaico cultural.

Aprender e conhecer sobre o Brasil e sobre o povo brasileiro é aprender a conhecer a história e a cultura de vários povos que aqui se encontraram e contribuíram com suas bagagens e memórias na construção deste país e na produção da identidade brasileira. Essa história, na versão de alguns, teve início com os aventureiros e navegadores portugueses que chegaram a uma terra da qual se consideraram descobridores. Embora essa terra já estivesse ocupada e tivesse seus donos, os portugueses anunciaram o seu descobrimento e dela tomaram posse, estendendo para além da Europa seus domínios.

O livro parte de uma análise histórica para desconstruir mitos recorrentes, como a visão de uma passividade dos africanos durante o período da escravidão. Os autores demonstram com contundência que, ao contrário do que muitos ainda pensam, os negros nas terras brasileiras lutaram e resistiram ativamente contra a opressão, participando de revoltas e movimentos que raramente são mencionados nos livros didáticos. Essa perspectiva é essencial para reverter narrativas que perpetuam estigmas e preconceitos, reforçando a importância de um reconhecimento histórico mais justo e equilibrado.

O livro se desdobra ao desvencilhar, de forma minuciosa e precisa, aspectos da história do negro na criação do Brasil atual. Ele aborda tópicos como o encontro de culturas devido à miscigenação dos povos originários em terras brasileiras, a origem e a contribuição dos negros, o histórico da escravidão de mão de obra cativa, descrições do regime escravista, um panorama geral sobre os quilombos, a Revolta dos Malês, a Revolta da Chibata, a redemocratização, e a copeira como uma expressão de arte. Também explora o surgimento e o desenvolvimento da cultura negra, além de fornecer descrições sobre termos como etnia, racismo, etnocentrismo e preconceito racial. Por fim, inclui uma série de citações de homens e mulheres negros que contribuíram para a formação do Brasil como o conhecemos atualmente.

Além disso, Munanga e Gomes exploram a imensidão das contribuições culturais dos negros ao Brasil, defendendo que a musicalidade, a religiosidade e as diversas manifestações artísticas são, sem dúvida, a espinha dorsal da cultura brasileira. A resistência política e cultural do povo negro, capaz de transformar trajetórias e diálogos sociais ao longo da história, é um dos pontos altos da obra. Os capítulos sobre a produção cultural negra e a religiosidade afro-brasileira são especialmente iluminadores, revelando a riqueza das tradições e a beleza dessa cultura que, muitas vezes, é deixada à margem das narrativas dominantes.

Os autores também abordam questões atuais, como o racismo estrutural que ainda permeia a sociedade brasileira, fornecendo dados e reflexões que nos instigam a pensar criticamente sobre o nosso papel na construção de um Brasil mais igualitário. A análise das políticas de ação afirmativa e a pertinência de discussões sobre raça mostram a urgência em se reconhecer as desigualdades persistentes e os direitos dos negros no Brasil.

Uma passagem marcante da obra - das diversas existentes - é o estudo e apresentação do contexto de revolta coletiva em relação a repulsa em desfavor da escravidão no Brasil. O que ocasionou em um movimento de luta do povo negro, tornando possível a criação de quilombos, redes de apoio, insurreições, guerrilhas, insurreições urbanas. Essa crescente onda de resistência ocasionou em diversas revoltas e batalhas, como: A revolta dos Alfaiates (1798); Cabanagem (1835-1840); Sabinada (1837-1838) e a Balaiada (1838-1841).

E uma citação marcante e atemporal:

No contexto de organização do movimento negro brasileiro não podemos nos esquecer do importante papel assumido pelas mulheres negras e suas organizações. Apesar das transformações nas condições de vida e papel das mulheres em todo o mundo, em especial a partir dos anos de 1960, a mulher negra continua vivendo uma situação marcada pela dupla discriminação: ser mulher em uma sociedade machista e ser negra numa sociedade racista.

Negro no Brasil de Hoje é um livro imprescindível não apenas para aqueles que buscam compreender a identidade negra, mas para todos que desejam aprofundar-se nas discussões sobre diversidade, resistência e os desafios sociais que ainda permeiam nossas vidas. A obra é uma leitura reveladora, apaixonada e necessária para quem deseja entender as complexas teias que constituem a sociedade brasileira contemporânea.

Por tudo isso, recomendo veementemente a leitura desta obra. Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes nos presenteiam com um estudo enriquecedor que não só educa, mas também promove a reflexão crítica sobre a identidade e a condição do negro no Brasil de hoje.

Você pode adquirir o livro na Amazon ou site Oficial da Global Editora.

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