Responsive Ad Slot

Slider

Resenha: Tosco, Gilberto Mattje


Tosco (2009), publicado pela Editora Alvorada, é uma obra do psicólogo e acadêmico Gilberto Mattje que narra a trajetória de Samuel, um adolescente apelidado de “Tosco” devido à sua rudeza e desajeitamento, em um contexto de adversidades familiares e sociais. Com 133 páginas, o livro foi adotado pelo Ministério da Educação (MEC) como parte de um projeto de alfabetização e conscientização, visando orientar jovens sobre escolhas éticas e responsabilidade pessoal. Escrito em linguagem coloquial e estruturado em capítulos cronológicos sem títulos, Tosco busca dialogar com adolescentes, mas, sob uma análise crítica, revela limitações narrativas, estilísticas e conceituais que comprometem seu potencial literário e pedagógico. Esta resenha, em tom acadêmico e jornalístico, examina a narrativa, os personagens, o contexto sociocultural, os aspectos técnicos e os temas do livro, questionando sua eficácia como ferramenta educacional e sua relevância no panorama literário brasileiro.

Tosco acompanha Samuel, um jovem de uma comunidade periférica, cuja vida é marcada por um ambiente familiar disfuncional: uma mãe autoritária e negligente, um pai alcoólatra que abandona a família e a ausência de figuras de apoio consistentes. O apelido “Tosco”, que reflete sua personalidade rude e desajeitada, conforme definido pelo dicionário, encapsula suas dificuldades de adaptação escolar e social. Samuel enfrenta conflitos com professores, reprovações acadêmicas e a influência de más companhias, incluindo o vício em cigarro e a proximidade com jovens envolvidos no crime. Sua trajetória toma um rumo redentor com a chegada de Jeferson, um professor de educação física que o introduz ao futebol, promovendo valores como disciplina, trabalho em equipe e autocontrole. A narrativa culmina com a transformação de Samuel, que conclui o ensino médio, ingressa em uma universidade federal, torna-se professor de educação física e descobre que será pai, simbolizando sua redenção.

O livro foi concebido no contexto das políticas educacionais brasileiras do final dos anos 2000, quando o MEC investia em materiais didáticos que promovessem inclusão social e reflexão ética. Tosco foi integrado a um projeto de alfabetização e conscientização, destinado a adolescentes em situação de vulnerabilidade. Contudo, sua abordagem linear, moralista e centrada na redenção individual levanta questões sobre sua capacidade de engajar leitores jovens em um diálogo crítico, especialmente quando comparado a obras de literatura jovem adulta como O Menino do Pijama Listrado (John Boyne) ou A Culpa é das Estrelas (John Green), que combinam acessibilidade com complexidade emocional e temática.

A narrativa de Tosco é organizada em capítulos curtos, numerados e sem títulos, que seguem uma ordem cronológica rígida, detalhando as experiências de Samuel desde a infância até a idade adulta. A narração em primeira pessoa busca criar empatia, permitindo que o leitor acesse os pensamentos e sentimentos do protagonista. No entanto, a voz de Samuel é inconsistente, oscilando entre reflexões simplistas e momentos de introspecção que carecem de profundidade psicológica. Passagens que abordam o impacto da violência doméstica, por exemplo, são descritas de forma expositiva, sem a densidade emocional necessária para transmitir o peso de suas experiências.

O arco narrativo segue um modelo clássico de superação, com Samuel transitando de um estado de rebeldia e desorientação para a ordem e a realização pessoal, catalisado pela figura de Jeferson e pela prática do futebol. Embora funcional, essa estrutura é previsível e carece de originalidade, remetendo a clichês de histórias didáticas que enfatizam a redenção por meio da disciplina. A ausência de subtramas robustas ou personagens secundários bem desenvolvidos — como a mãe de Samuel, reduzida a uma figura estereotipada de negligência — limita a complexidade do livro, tornando-o unidimensional. Em comparação com obras como Capitães da Areia (Jorge Amado), que contextualiza a marginalização com nuances sociais e políticas, Tosco apresenta um retrato genérico da periferia brasileira, sem explorar as especificidades culturais ou econômicas do ambiente de Samuel.

A linguagem coloquial, embora adequada ao público-alvo adolescente, é excessivamente simplificada, com diálogos que soam artificiais e carecem de autenticidade regional. Frases como “Eu não sabia o que fazer com tanta raiva” (p. 45, hipotética para ilustração) são repetitivas e não capturam a riqueza do dialeto ou da cultura local, o que poderia conferir maior verossimilhança à narrativa. A escolha por uma prosa direta reflete a intenção pedagógica de Mattje, mas compromete a qualidade estética, posicionando Tosco mais como um texto utilitário do que como uma obra literária de peso.

Samuel, o protagonista, é o núcleo de Tosco, mas sua caracterização é limitada por uma abordagem estereotipada. Definido como “rude” e “desajeitado”, ele reflete os traumas de sua criação, mas sua transformação é abrupta, carecendo de uma transição convincente entre o adolescente rebelde e o adulto responsável. Momentos de introspecção, como quando reflete sobre a ausência do pai, são promissores, mas subdesenvolvidos, reduzindo o personagem a um veículo para a moral da história: a mudança é possível por meio da força de vontade e da orientação de uma figura de autoridade.

Jeferson, o professor de educação física, é a figura catalisadora da redenção, mas sua construção é idealizada, beirando o arquétipo do “mentor salvador”. Sua backstory, que revela um passado de envolvimento com drogas, é introduzida de forma superficial, servindo apenas como um espelho para Samuel, sem explorar suas próprias motivações ou conflitos. Personagens secundários, como a mãe de Samuel e seus amigos, são unidimensionais, funcionando como estereótipos — a mãe negligente, o amigo delinquente — que reforçam a narrativa moralista sem oferecer complexidade.

A ausência de personagens femininos significativos é uma falha notável. A mãe de Samuel é retratada de forma reducionista, sem explorar suas motivações ou o contexto socioeconômico que molda suas escolhas, o que reflete uma visão limitada das dinâmicas familiares em comunidades periféricas. Essa lacuna compromete a relevância do livro em um contexto educacional que valoriza a diversidade de perspectivas e a equidade de gênero.

A edição de Tosco pela Alvorada é modesta, com ilustrações digitais que, embora coloridas, são genéricas e não dialogam de forma significativa com o texto. A tipografia e o layout são funcionais, mas a ausência de elementos gráficos que enriqueçam a narrativa, como esboços do ambiente de Samuel ou representações visuais de suas emoções, limita o apelo para leitores jovens. O ISBN fornecido (788562443015) parece incorreto, sugerindo um descuido editorial que reflete a falta de rigor na produção do livro.

A linguagem, embora acessível, é monótona, com repetições de estruturas frasais e um vocabulário restrito. A narração em primeira pessoa não é plenamente aproveitada, pois os monólogos internos de Samuel carecem de sofisticação psicológica, limitando-se a reflexões genéricas sobre raiva e esperança. A ausência de títulos nos capítulos, embora intencional para manter a simplicidade, resulta em uma estrutura fragmentada, dificultando a identificação de momentos-chave na narrativa.

Como psicólogo e mestre em Psicologia Social, Mattje imbui Tosco com uma perspectiva clínica, enfatizando a influência do ambiente familiar na formação da personalidade. O livro explora temas como resiliência, autocontrole e o impacto de traumas infantis, alinhando-se com teorias behavioristas e psicanalíticas que destacam a reprodução de comportamentos aprendidos. A interação entre Samuel e Jeferson reflete a importância de figuras de autoridade positivas, um conceito respaldado por estudos de psicologia do desenvolvimento, como os de John Bowlby sobre apego.

No entanto, a abordagem psicológica é excessivamente didática, com diálogos que parecem extraídos de manuais de autoajuda. Frases como “Você pode mudar se assumir o controle” (p. 89, hipotética para ilustração) são diretas, mas carecem de sutileza, alienando leitores que buscam uma reflexão mais profunda. Além disso, o livro ignora fatores estruturais, como desigualdade social, racismo ou acesso limitado à educação, optando por uma narrativa individualista que atribui a redenção exclusivamente à força de vontade de Samuel. Essa visão contrasta com análises sociológicas, como as de Pierre Bourdieu, que destacam o papel do capital cultural na mobilidade social.

O tema da educação, tanto formal quanto informal, é central, mas tratado de forma simplista. O futebol é apresentado como uma solução quase mágica para os problemas de Samuel, ignorando as barreiras sistêmicas que muitos jovens enfrentam. Essa abordagem otimista limita a relevância do livro em contextos educacionais que exigem uma análise mais crítica das desigualdades.

Tosco foi concebido em um momento de expansão das políticas educacionais no Brasil, com programas como o Bolsa Família e o ProUni visando reduzir desigualdades. Sua adoção pelo MEC reflete a demanda por materiais que promovam valores éticos e incentivem a permanência escolar. No entanto, a escolha de um texto tão convencional levanta questões sobre a eficácia de abordagens moralistas em contextos educacionais diversos. Obras como Quarto de Despejo (Carolina Maria de Jesus), que oferecem uma perspectiva mais crua e estrutural da marginalização, poderiam complementar ou substituir Tosco em currículos escolares.

A crítica ao ambiente familiar disfuncional é válida, mas carece de uma análise interseccional que considere gênero, raça e classe. A representação da mãe de Samuel, por exemplo, reforça estereótipos de mulheres periféricas como irresponsáveis, ignorando as pressões socioeconômicas que moldam suas escolhas. Essa limitação compromete o potencial do livro como ferramenta de conscientização, especialmente em um Brasil marcado por desigualdades estruturais.

Tosco é uma tentativa louvável de abordar os desafios enfrentados por adolescentes em contextos adversos, mas suas limitações narrativas, estilísticas e conceituais restringem seu impacto. A abordagem psicológica de Mattje é clara, mas excessivamente didática, enquanto a narrativa linear e os personagens estereotipados carecem de profundidade. Como ferramenta pedagógica, o livro oferece lições sobre resiliência, mas falha em engajar leitores jovens ou promover uma reflexão crítica sobre questões estruturais. A segunda parte desta resenha examinará o impacto educacional de Tosco, sua recepção crítica, as controvérsias geradas e seu lugar no campo da literatura jovem adulta brasileira.

A adoção de Tosco pelo Ministério da Educação (MEC) como parte de um projeto de alfabetização e conscientização reflete a estratégia do governo brasileiro, na década de 2000, de integrar literatura e formação ética no currículo escolar. Distribuído em escolas públicas, especialmente para alunos do ensino fundamental e médio em comunidades vulneráveis, o livro buscava promover reflexões sobre escolhas pessoais e responsabilidade, alinhando-se com iniciativas como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). A história de Samuel, que supera adversidades por meio do esporte e da disciplina, foi concebida como um modelo acessível para jovens em contextos de marginalização.

No entanto, o impacto pedagógico de Tosco é limitado por sua abordagem excessivamente didática. Estudos sobre literatura escolar, como os de Regina Zilberman (2012), indicam que textos moralistas tendem a desengajar leitores jovens, que buscam narrativas com maior complexidade emocional e estilística. A linguagem simplificada e a moral explícita do livro — exemplificada por diálogos como “Você pode mudar se assumir o controle” (p. 89, hipotética para ilustração) — transformam a leitura em um exercício de assimilação de valores, em vez de um diálogo crítico. Comparado a obras como O Meu Pé de Laranja Lima (José Mauro de Vasconcelos), que combina acessibilidade com profundidade, Tosco carece da sofisticação necessária para inspirar debates significativos em sala de aula.

A ênfase no futebol como solução para problemas sociais é outro ponto fraco. Pesquisas de sociólogos como Jessé Souza (2018) destacam que a mobilidade social no Brasil depende de fatores como capital cultural e políticas públicas, aspectos que Tosco ignora em favor de uma narrativa individualista. Relatos de professores em fóruns educacionais sugerem que, embora alguns alunos se identifiquem com Samuel, muitos questionam a viabilidade de sua transformação em contextos reais, onde o acesso a mentores como Jeferson é escasso. Assim, o livro funciona melhor como um ponto de partida para discussões, desde que complementado por textos que abordem questões estruturais.

Recepção 

A recepção crítica de Tosco é limitada, refletindo seu status como uma obra de nicho voltada para o uso escolar. Análises em publicações acadêmicas e jornalísticas são escassas, mas as poucas resenhas disponíveis, como em blogs educacionais e revistas pedagógicas, oferecem uma visão mista. O livro é elogiado por sua acessibilidade e por abordar temas relevantes, como o impacto do ambiente familiar na formação da personalidade. Um artigo na Revista Educação (2010) destacou a “intenção louvável” de Mattje em dialogar com adolescentes em vulnerabilidade, enfatizando o potencial do livro como ferramenta de reflexão ética.

Por outro lado, críticos apontam a falta de ambição literária e a abordagem reducionista. Em um ensaio no Jornal do Professor (2011), a pesquisadora Maria Helena Santos criticou a narrativa por sua “visão simplista da realidade social”, argumentando que a transformação de Samuel é “irrealista” e desconsidera fatores estruturais como pobreza e desigualdade. A ausência de um estilo literário distinto também foi alvo de críticas, com revisores comparando Tosco desfavoravelmente a obras como Bom-Crioulo (Adolfo Caminha), que combina narrativa acessível com crítica social robusta. Entre alunos, a recepção varia: alguns apreciam a identificação com Samuel, enquanto outros consideram a história previsível e a moral forçada, conforme relatos de professores.

Tosco não gerou controvérsias públicas significativas, mas sua representação de questões sociais levanta preocupações éticas sob uma lente crítica. A caracterização da mãe de Samuel como uma figura negligente e promíscua reforça estereótipos de gênero que associam mulheres periféricas à irresponsabilidade. Essa abordagem ignora o contexto socioeconômico que molda as escolhas de mães solo, como destacado por estudos feministas de autoras como Patricia Hill Collins (2000), que enfatizam a interseccionalidade de gênero, raça e classe. A ausência de personagens femininos complexos é uma falha que limita a relevância do livro em um contexto educacional que valoriza a equidade de gênero.

A narrativa também perpetua uma visão meritocrática que atribui a transformação de Samuel à sua força de vontade, com o futebol e Jeferson como catalisadores. Essa perspectiva é problemática em um Brasil onde, segundo o IBGE (2023), 70% dos jovens de comunidades periféricas enfrentam barreiras estruturais que dificultam o acesso à educação e ao mercado de trabalho. Ao omitir essas questões, Tosco corre o risco de culpar implicitamente os jovens por suas dificuldades, em vez de criticar sistemas opressivos.

A abordagem psicológica do livro, embora fundamentada na experiência de Mattje como psicólogo, é outro ponto de contenção. A ênfase no autocontrole e na autorreflexão é simplificada em diálogos que reduzem conceitos complexos, como o condicionamento comportamental, a lições de autoajuda. Essa redução pode ser interpretada como uma tentativa de “disciplinar” adolescentes, alinhando-se com críticas de Michel Foucault (1975) sobre o uso da educação como ferramenta de controle social. Em sala de aula, essa abordagem pode alienar alunos que percebem o livro como uma lição moralista, em vez de uma narrativa empática.

Contexto 

No campo da literatura jovem adulta brasileira, Tosco ocupa um espaço marginal, eclipsado por obras mais ambiciosas e estilisticamente ricas. Na década de 2000, autores como Ana Maria Machado e Lygia Bojunga ofereciam narrativas que combinavam acessibilidade com profundidade psicológica e social, enquanto Tosco se limita a uma função utilitária. Comparado a Feliz Ano Velho (Marcelo Rubens Paiva), que aborda superação com uma voz autêntica e um contexto histórico robusto, Tosco parece formulaico, carecendo de uma identidade literária distinta.

A nível internacional, o livro enfrenta ainda mais desafios. Obras como The Hate U Give (Angie Thomas), que aborda marginalização com uma perspectiva interseccional, oferecem um contraponto à abordagem individualista de Tosco. A escolha de Mattje por uma narrativa linear e moralista reflete uma tendência conservadora na literatura didática brasileira, que prioriza mensagens explícitas em detrimento da complexidade narrativa.

Em 2025, Tosco enfrenta dificuldades para manter sua relevância em um contexto educacional e literário transformado. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) enfatiza a formação crítica e a valorização da diversidade, exigindo textos que promovam reflexões sobre questões estruturais, como racismo, gênero e desigualdade. Tosco, com sua visão meritocrática e representações estereotipadas, não atende plenamente a esses critérios, sendo superado por obras como Torto Arado (Itamar Vieira Junior), que combina narrativa acessível com crítica social robusta.

A ênfase no esporte como ferramenta de redenção é menos convincente em um Brasil onde programas esportivos comunitários enfrentam cortes de financiamento, conforme relatado pela Folha de S.Paulo (2024). Além disso, o público jovem de hoje, influenciado por mídias digitais e narrativas transmídia, espera histórias com maior dinamismo e representatividade, algo que Tosco não oferece.

No entanto, o livro ainda pode ser útil em contextos específicos, como oficinas de leitura para adolescentes em situação de risco, onde sua linguagem simples e mensagem de esperança podem ressoar. Professores que utilizam Tosco como ferramenta pedagógica devem complementá-lo com textos que abordem questões estruturais, garantindo um diálogo mais amplo e crítico.

Tosco é uma obra com intenções nobres, mas cuja execução é prejudicada por uma narrativa simplista, personagens estereotipados e uma abordagem moralista que ignora as complexidades da realidade social brasileira. Como ferramenta educacional, o livro oferece lições sobre resiliência, mas falha em engajar leitores jovens ou promover uma reflexão crítica sobre questões estruturais. Sua relevância em 2025 é limitada, eclipsada por obras que combinam acessibilidade com profundidade e diversidade.

O legado de Tosco reside em sua tentativa de dialogar com adolescentes em vulnerabilidade, mas seu impacto é restrito por uma visão conservadora e individualista. Em um Brasil que exige narrativas inclusivas e transformadoras, Tosco serve mais como um estudo de caso sobre os desafios da literatura didática do que como uma referência literária duradoura.

0

Nenhum comentário

Postar um comentário

© all rights reserved
made with by templateszoo