S115
Saberes e modernização no cerrado / Organizadores, Ademir Luiz da Silva, Eliézer Cardoso de Oliveira. Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2015.
195 p.: 22 cm.
ISBN 978-85-7103-889-9
O livro Saberes & Modernização no Cerrado, organizado por Ademir Luiz da Silva e Eliézer Cardoso de Oliveira, é um volume da Coleção Tessituras do Cerrado, publicado em Goiânia pela Editora da PUC Goiás em 2015. A obra, que resulta de um projeto de financiamento do edital CAPES/FAPEG (Auxílio n. 1664/2013) para a implantação e estruturação do Mestrado Interdisciplinar em Territórios e Expressões Culturais no Cerrado, propõe-se a conectar duas categorias centrais nas ciências humanas e sociais: "saberes" e "modernização". O título, com sua ambiciosa semântica, demanda esclarecimentos adicionais, especialmente sobre o que significa o desejo de ser moderno no contexto do Cerrado.
A "modernização" é definida pelos organizadores como o "desejo de ser moderno," uma ânsia por transformação que, no contexto brasileiro, remete, de forma enganosamente simples, aos modelos de organização social da Europa e dos Estados Unidos. Essa conotação, muitas vezes, implica "abrir mão de uma identidade longamente construída" e requer a homogeneização das práticas e expressões culturais populares. O debate sobre a modernização brasileira é retomado, contrastando a visão de inautenticidade e artificialidade de autores como Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil ) com a perspectiva de Gilberto Freyre (Sobrados e Mucambos ), que enxerga um processo constante, mas seletivo e diferente, de modernização desde o início do século XIX.
A modernização, sendo um processo irreversível e global que chegou ao Cerrado "como um trator," impõe a necessidade de conciliar a transformação com a justiça social, a exploração equilibrada dos recursos naturais e o respeito aos "saberes tradicionais". No Cerrado, esse processo resultou em "desenvolvimento econômico, crescimento demográfico, urbanização acelerada" e maior integração logística, mas também em "degradação ambiental, o crescimento desordenado das cidades, o desaparecimento das expressões culturais e saberes dos grupos tradicionais".
A segunda categoria, "saberes," é diferenciada entre o "saber científico moderno," produto dos especialistas e peritos, de caráter universal e legitimado pelo método racional , e os "saberes populares," preservados pelos "guardiães da tradição" como as benzedeiras, indígenas e contadores de causos. O livro propõe um "diálogo franco e respeitoso" entre esses dois tipos de conhecimento, reconhecendo os limites da ciência moderna e a "importância heurística e social dos saberes populares".
A obra está dividida em duas partes: "SABERES" e "MODERNIZAÇÃO". A Parte 1, "SABERES", é introduzida pelo Capítulo 1, "Ensino universitário e pesquisa em história: um testemunho," de Ciro Flamarion Cardoso, no qual o historiador relata sua trajetória, destacando como o ensino e os alunos influenciaram e mudaram a direção de seus processos de pesquisa. Cardoso menciona que, em sua carreira, buscou sistematicamente a polêmica, como no embate contra a união de positivismo e historicismo e no diálogo crítico com as tendências pós-modernas e a Nova História Cultural. O Capítulo 2, "O domador de bicicletas: cultura, identidade e originalidade em Geraldinho Nogueira," de Ademir Luiz da Silva, analisa a trajetória e o mito de Geraldinho Nogueira, o "maior ícone da cultura popular goiana". O autor critica a visão de Geraldinho como um "bom-selvagem" ou um mero "exemplar retirado ao acaso" da identidade caipira. Silva argumenta que o comediante era um ator intuitivo, consciente de seu talento cênico, e que sua prosa, cheia de humor, revela que ele adotava os avanços tecnológicos, como o rádio e a bicicleta, no seu cotidiano, não sendo "imune ou desinteressado no novo". O Capítulo 3, "Valente mesmo era Catulino: um estudo biográfico sobre um policial em Goiás no tempo da República Velha," de Eliézer Cardoso de Oliveira e Talliton Túlio Rocha Leonel de Moura, utiliza a micro história para analisar a vida de Catulino Antônio Viegas, um policial mediano que, no entanto, participou de momentos políticos cruciais em Goiás entre 1915 e 1930. O estudo revela o caráter "valente" e "maldade" do tenente Catulino, notadamente sua participação nas tragédias da Chacina do Duro e da prisão de Santa Dica, e sua proximidade com a família Caiado, elementos que possibilitam conhecer os "bastidores da República Velha em Goiás". O Capítulo 4, "Idas e vindas nos giros das folias: elos que unem religiosidade, cultura popular e sociabilidade," de Maria Idelma Vieira D'Abadia e Ondimar Batista, apresenta um estudo in loco das Folias de Reis e de São Sebastião em Anápolis (GO). A análise enfatiza como a folia, uma tradição de origem ibérica que se popularizou com a aculturação de negros e indígenas, se "reinventa e se reatualiza" no espaço urbano, mantendo viva a religiosidade coletiva, a solidariedade e a sociabilidade, e resistindo à "homogeneização global". O Capítulo 5, "Os indígenas nos trilhos da historiografia," de Poliene Soares dos Santos Bicalho, traça um panorama dos estudos sobre comunidades indígenas no Brasil, desde o século XIX até a atualidade. A autora analisa as visões de Martius, Varnhagen (que construiu uma imagem pejorativa do indígena ), Capistrano de Abreu (que o reconheceu como "verdadeiro dono das mesmas" ), Manoel Bomfim, Gilberto Freyre e Florestan Fernandes, e conclui que, apesar de o indígena ter sido relegado por muito tempo, a partir da década de 1970, surge uma "nova história indígena" que o visualiza como "sujeito histórico atuante, participativo e fundamental no processo de formação da Sociedade e do Estado brasileiro".
A Parte 2, "MODERNIZAÇÃO", aborda o processo no Cerrado. O Capítulo 6, "O setor sucroalcooleiro em Goiás: características do espaço produtivo," de Divina Aparecida Leonel Lunas Lima e Alexandro Leonel Lunas, analisa a expansão do setor sucroalcooleiro em Goiás a partir de 2005, motivada pela demanda por etanol. O estudo demonstra que a expansão se concentrou na Mesorregião Sul Goiano, elevando a competição por terras e resultando na substituição e retração das culturas de grãos, como a soja, e no desaparecimento da cadeia de leite em algumas microrregiões. O Capítulo 7, "Desenvolvimento regional no Brasil dos anos 1960: uma questão de Estado," de Dulce Portilho Maciel, examina como a "questão regional" se tornou uma "questão de Estado" no Brasil, recorrendo ao caso do Nordeste (SUDENE) e à visão do General Albuquerque Lima, Ministro do Interior pós-1964. A análise mostra que a SUDENE, e posteriormente a SUDAM e a SUDECO, atuou como um mecanismo de integração econômica sob a hegemonia da burguesia industrial do Sudeste, usando o argumento da "segurança nacional" para justificar o planejamento e a expansão do capitalismo monopolista. O Capítulo 8, "Da construção "planejada" de Brasília à (re)produção "desordenada" de seu entorno," de Marcelo de Mello, discute a contradição entre a imagem planejada de Brasília e a realidade de seu entorno metropolitano, marcado pela "ocupação desordenada" e por conflitos sociais. Mello demonstra que a criação de cidades-satélites, como Taguatinga, antes do prazo original e a posterior transferência da pressão urbana para o estado de Goiás, como Luziânia (Cidade Ocidental, Novo Gama e Valparaíso de Goiás), são reflexos do fracasso do controle territorial, e que o Plano Piloto se tornou o "centro gravitacional" impactado pelo entorno. O Capítulo 9, "Discursos fundadores de Brasília na revista A Informação Goyana," de Maria de Fátima Oliveira e Milena d'Ayala Valva, analisa a defesa da transferência da capital federal para o Planalto Central, entre 1917 e 1935, através da revista A Informação Goyana. O periódico, dirigido por goianos, advogava que a mudança traria desenvolvimento para Goiás e para o Brasil, utilizando argumentos geográficos, econômicos, climáticos e até morais, numa "verdadeira campanha" que, embora bairrista, contribuiu para o debate da "mitologia de um Novo Mundo". O Capítulo 10, "A greve e a gripe: limites e contradições do projeto político de modernização paulistana nos anos 1910," de Robson Mendonça Pereira, encerra a seção ao analisar a Greve Geral de 1917 e a pandemia de Gripe Espanhola de 1918 em São Paulo. Pereira demonstra como a administração de Washington Luís, representante da elite cafeeira, se apegava a princípios liberais e evitava intervir no comércio, o que, junto à crise econômica e a inação sanitária, "evidenciaram graves contradições e as limitações do processo de modernização paulistano," atingindo sobretudo a população mais pobre nos bairros industriais.
Em conclusão, Saberes & Modernização no Cerrado oferece uma análise interdisciplinar e multifacetada do Centro-Oeste brasileiro, notadamente Goiás e seu entorno, utilizando as categorias "saberes" e "modernização" como lentes críticas. O livro estabelece um diálogo entre a historiografia da região e os grandes debates das ciências sociais, revelando as tensões, contradições e impactos do desenvolvimento no Cerrado.
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