Resenha: A Fórmula do Sorvete e Outras Emoções Mal Medidas


"A Fórmula do Sorvete e Outras Emoções Mal Medidas" é uma obra-prima juvenil moderna que usa a precisão da culinária como metáfora para a busca por ordem e afeto em um mundo de incertezas. Vitor Zindacta constrói um enredo delicado e profundamente inteligente, onde a protagonista, Emily, transforma a solidão em arte e a ausência em criatividade. O livro é uma celebração da persistência discreta e da descoberta de que a vulnerabilidade é o ingrediente secreto da conexão verdadeira.

O enredo gira em torno de Emily, uma jovem que busca estabilidade na única coisa que pode controlar: "medindo ingredientes com precisão científica". Em seu estúdio improvisado, ela cria vídeos de sorvetes artesanais, usando a técnica para lidar com as ausências de seus pais — uma mãe chef de cozinha famosa e um pai cientista viajante.

O ritual da medição é o que a ancora: "O ritual da medição me dá ordens quando o resto da minha vida parece seguir por impulso". A casa de Emily é preenchida por "cômodos que murmuram lembranças" , e o contraste entre a ausência funcional dos pais e sua "saudade que não tem justificativas" é comovente. Mas, em vez de se render, Emily transforma seu canal em uma forma singular de comunicação: "cada receita é uma carta que envio a quem quiser abrir". Gravar é um ato de autopreservação: "Gravar um episódio é uma maneira de me lembrar que ainda produzo algo meu".

A reviravolta no enredo é sutil e tocante: a entrada de Chris, um observador atencioso que compreende a linguagem única de Emily. Ele não a aplaude, mas a vê de verdade, começando com um comentário que atinge a essência de sua arte: "A metáfora do anfitrião é brilhante. Você escreve sabores como se escrevesse músicas".

A relação se desenvolve a partir da troca de "dados com afeto", onde a lógica e a emoção se fundem. Chris não é um salvador, mas um "observador gentil que sabe anotar o mundo". Ao se encontrar para uma colaboração, Emily experimenta algo raro: "Ser vista sem a expectativa de performance é uma raridade para mim". O afeto deles é construído na aceitação mútua da imperfeição, com Chris ensinando a Emily que "As falhas são tão interessantes quanto os sucessos" e que "Erro é um dado que te ensina. Não é sentença". Essa é a verdadeira fórmula que o livro revela.

O clímax emocional não é um grande evento, mas uma coleção de "gestos pequenos e repetidos" que saciam sua fome por atenção, provando que ela "não está completamente sozinha". No final, Emily encontra a paz na continuação do processo, na aceitação da jornada:

"Por ora, durmo com o gosto da mistura na boca e a sensação de que, se houver uma receita para o que chamamos amor, ela admite erro, conserto, paciência e, acima de tudo, presença. E isso me basta para fechar o livro por enquanto".

"A Fórmula do Sorvete e Outras Emoções Mal Medidas" é um manual sobre como traduzir frustração em doçura. É uma história edificante sobre a coragem de continuar medindo, provando e escrevendo, transformando a fragilidade em força.

Veredito: Uma leitura essencial que celebra a cura encontrada na arte, na disciplina e na quietude da atenção mútua. Absolutamente delicioso.

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