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O Paradoxo da Legitimidade Literária: Uma Análise Crítica da Hegemonia Canônica e a Emergência de Obras Subversivas na Pós-Modernidade

Imagem: Sistema Etapa

A Literatura, como campo de produção simbólica, constitui um vetor fundamental na formação do imaginário social e na validação de determinadas epistemes, transcendendo a mera expressão estética. O conceito de Cânone Literário, doravante tratado como o corpus textual oficialmente legitimado e ensinado, tem sido classicamente defendido por Harold Bloom (1994) como uma seleção vitalícia das melhores obras. Contudo, a crítica sociológica, baseada em Pierre Bourdieu e sua análise do Campo Literário, revela que o Cânone opera intrinsecamente como um dispositivo de poder hegemônico, estabelecendo barreiras de acesso e validação para vozes e estéticas não alinhadas ao status quo cultural, muitas vezes de matriz ocidental, masculina e branca. Este artigo propõe a desconstrução do Cânone Hegemônico (CH), demonstrando que a exclusão de determinadas obras não se baseia unicamente em seu mérito estético, mas sim em sua potencialidade subversiva e ruptural, que desafia as estruturas de poder. A emergência de um Anticânone, composto por textos que promovem a ruptura epistemológica e a polifonia identitária, configura-se, portanto, como um imperativo sociocultural da Pós-Modernidade, exigindo uma investigação profunda dos mecanismos de exclusão e da relevância política do texto marginalizado.

O Cânone, nesta perspectiva, deve ser entendido como um capital simbólico acumulado. Bourdieu (1983) argumenta que o valor de uma obra está indissociavelmente ligado ao seu campo de produção e circulação. No Campo Literário brasileiro, a legitimação esteve historicamente concentrada em instituições como a Academia Brasileira de Letras (ABL) e em circuitos editoriais e acadêmicos dominantes, que atuam como filtros. Esta exclusão opera sob a máscara da qualidade estética, um mecanismo sutil onde obras que questionam a linguagem padrão, que não se enquadram nos gêneros reconhecidos (como a Literatura Periférica ou a Ciência Ficção com viés político) ou que veiculam ideias políticas não conformes são sistematicamente classificadas como de "menor valor" ou "engajadas demais", conforme a análise de Antonio Candido sobre o processo de formação da literatura nacional. Este filtro ideológico não visa a pureza estética, mas a reprodução simbólica de uma classe ou visão dominante. Adicionalmente, a crítica acadêmica reforça esta estrutura, pois ao privilegiar autores já consagrados, endossa a estrutura canônica e retira visibilidade a pesquisas sobre o não-canônico. Edward Said (1978), em sua análise do Orientalismo, oferece um framework para entender como a produção de conhecimento, aqui representado pelo cânone, atua como instrumento de dominação e silenciamento de vozes periféricas ou dissidentes.

Um estudo de caso paradigmático da emergência do Anticânone no Brasil é a Poesia Marginal e Experimental, notadamente a produção ligada à Geração Mimeógrafo nos anos 1970, e a subsequente Literatura Periférica. Esta vertente representa uma ruptura estética e política. A poesia de autores como Ana Cristina Cesar ou a obra inicial de Paulo Leminski foi, por princípio, avessa à institucionalização, e sua forma de circulação (mimeógrafo, panfletos, livros artesanais) constituiu uma crítica direta ao monopólio das grandes editoras. Esta estética subversiva prioriza a oralidade, a fragmentação e o cotidiano antipoético, opondo-se ao formalismo e ao lirismo romântico que permeia o Cânone Hegemônico. De forma ainda mais contundente, a Literatura Periférica, surgida em comunidades de baixa renda (ex: Sarrafo, Cooperifa), evidencia o risco político do Anticânone. Obras como as de Paulo Lins (Cidade de Deus) ou de Ferréz trazem para o centro do debate a questão da violência estrutural, do racismo e da exclusão social com uma linguagem bruta e dialetal, muitas vezes chocante para o leitor tradicional. O risco da leitura destas obras reside na desnaturalização da realidade social e na exigência de uma resposta ética do leitor, um engajamento com o contexto concreto que o CH muitas vezes neutraliza ao focar em dilemas psicológicos e universais desvinculados do substrato social. O não-reconhecimento pleno destas obras no currículo escolar, portanto, é um ato de manutenção do silêncio social e da invisibilidade destas realidades.

Ademais, o Cânone Escolar, como principal instrumento de transmissão do CH, é um palco de tensões quando confrontado com a Literatura Feminista e a Literatura Indígena. A inclusão de obras que desafiam a perspectiva patriarcal e colonialista gera resistência institucional, pois expõe falhas estruturais. Obras de literatura feminista, como as de Clarice Lispector (que foi inicialmente marginalizada pela crítica masculina de sua época) ou a produção contemporânea que dialoga abertamente com a teoria de gênero, expõem o machismo estrutural e o silenciamento feminino. A dificuldade em adotar textos de Simone de Beauvoir (O Segundo Sexo) ou Virginia Woolf (Um Teto Todo Seu) como leituras obrigatórias reside na necessidade de revisão crítica dos modelos sociais e familiares vigentes; o risco é a emancipação do leitor jovem através da consciência de gênero. Da mesma forma, a literatura de autoria indígena (ex: Ailton Krenak, Daniel Munduruku) não é apenas um novo objeto de estudo, mas uma contranarrativa à história oficial do Brasil. Estes textos subvertem a noção europeia de tempo, de natureza e de propriedade, sendo cruciais para a descolonização do saber, conforme defende a crítica pós-colonial. Sua inclusão é uma necessidade epistemológica, pois desfazem a ilusão de uma cultura homogênea e canônica, confrontando o leitor com a diversidade radical de cosmologias. O embasamento desta seção pode ser enriquecido por documentários sobre o movimento literário periférico (Slam e Batalhas de Poesia) e por estudos de caso em escolas que adotaram livros com temas controversos, analisando as reações institucionais e comunitárias.

Em síntese, o Cânone Hegemônico é, em essência, um instrumento de conservação. A literatura subversiva – o Anticânone – é o motor de renovação e democratização do campo literário. O risco destas obras é precisamente sua força: elas convidam o leitor a questionar as bases de sua própria realidade e estrutura de poder. Para uma abordagem curricular mais plural e crítica nas Letras, é imperativo adotar a perspectiva interseccional, reconhecendo o mérito estético e a relevância política daquelas vozes historicamente marginalizadas, superando o reducionismo estético. Apenas através deste engajamento crítico com o que foi excluído é que a Literatura cumprirá seu papel de crítica e transformação social, garantindo que o acervo simbólico da nação reflita sua complexidade e contradições.


Referências 


  • BLOOM, Harold. O Cânone Ocidental: Os Livros e a Escola do Tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1994.

    BOURDIEU, Pierre. O Campo Literário: Ensaios sobre o Funcionamento e a Estrutura da Vida Literária. São Paulo: Edusp, 1998.

  • CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira: Momentos Decisivos. 8. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2008.

  • CRENSHAW, Kimberlé Williams. Mapping the Margins: Interesectionality, Identity Politics, and Violence Against Women of Color. Stanford Law Review, v. 43, n. 6, p. 1241-1299, 1991.

  • SAID, Edward W. Orientalismo: O Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

  • SCHWARZ, Roberto. Ao Vencedor as Batatas: Forma Literária e Processo Social em Machado de Assis. 5. ed. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2000.

  • WOOLF, Virginia. Um Teto Todo Seu. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014.

A Crise do Humano Narrador: Intersecções Entre o Imaginário Distópico e a Subversão da Autoria pela Inteligência Artificial na Literatura Contemporânea

Foto: Fest Company Brasil

A Literatura Distópica, definida por Tom Moylan 2000 como uma forma narrativa que confronta o leitor com as ameaças e as consequências do poder totalitário ou das falhas sistêmicas da sociedade contemporânea, adquire uma nova e perturbadora ressonância na era da Inteligência Artificial IA Generativa. A tese central deste artigo sustenta que a IA não é apenas um novo tema literário, mas a concretização tecnológica do controle totalitário previsto pela distopia, impulsionando uma crise fundamental no conceito de autoria e na relação intrínseca entre o humano e a narrativa. Neste conto, a análise da IA como personagem e, mais criticamente, como co-autor, revela o surgimento de uma Autoria Algorítmica que desestabiliza as premissas filosóficas estabelecidas por Jacques Derrida sobre o traço e a autoria. O debate sobre a IA transcende a ficção científica, tornando-se uma questão de Ontologia da Criação.

A IA se manifesta na literatura contemporânea tanto como profecia distópica quanto como agente ativo. Em obras clássicas como 1984 de Orwell ou Admirável Mundo Novo de Huxley, o controle era exercido por estruturas políticas e biológicas; contudo, a realidade atual apresenta um controle sutil e pervasivo, mediado pelo Big Data e pela Vigilância Digital. Filmes e séries como Blade Runner Black Mirror servem como referências para ilustrar como a IA se tornou o agente narrativo de opressão, operando através de algoritmos que predizem, regulam e punem. A distopia, historicamente uma forma de alerta social, agora se depara com a iminência da realização de suas próprias previsões. A diferença crucial reside no fato de que o totalitarismo atual não se impõe pelo terror visível, mas pela comodidade algorítmica.

O debate se deu ao considerar a IA como ferramenta e co autor, abordando o problema da agência criativa. O surgimento dos Generative Pré-trained Transformers GPTs, modelos de linguagem avançada, permite a criação de os que mimetizam a voz e o estilo humanos com alta fidelidade. A análise de os gerados por AÍ, sejam eles poesia experimental ou contos curtos, levanta a questão fundamental: Onde começa e termina a autoria humana no prompt? Tecnólogos e críticos, embasados em artigos técnicos sobre LP Natural Language Processing, argumentam que o escritor se torna um curador, um "engenheiro de prompt", que orienta o processo, mas não o executa na sua totalidade. No entanto, a crítica humanista questiona se a literatura pode ser reduzida a um processamento estatístico de sequências de palavras, argumentando que a intencionalidade, a experiência existencial e o'traço singular do autor, elementos centrais na filosofia da linguagem, são irrecuperáveis pela máquina.

As implicações para a cadeia produtiva do livro são vastas, abarcando as dimensões econômica, legal e estética. Economicamente, a capacidade da IA de gerar conteúdo em massa ameaça desvalorizar a produção ual humana, saturando o mercado com commodities narrativas e forçando uma reavaliação do trabalho do escritor profissional. Legalmente, a legislação de Copyright e Propriedade Intelectual como a debatida na WIPO e nas propostas de regulamentação europeias enfrenta um impasse sobre quem detém os direitos autorais de um o gerado por máquina: o programador, o usuário do prompt, ou a própria máquina, se esta for considerada um "inventor" no futuro. Esteticamente, o futuro da criatividade é incerto: a escrita se tornará um ato de resistência humana e de valorização da imperfeição e da singularidade, ou a IA será catalisadora de novas formas artísticas, liberando o humano para o papel de arquiteto conceitual? O embate entre a Escassez da obra de gênio e a Abundância do o algorítmico reescreve as regras do mercado editorial.

Em suma, a profecia da distopia se concretiza no desafio existencial que a IA impõe ao conceito de Gênio Criador. O Bitcoin representa o desafio tecnológico à moeda fiduciária, e a IA, de maneira análoga, representa o desafio tecnológico à moeda fiduciária da criatividade: a autoria humana. A crise da autoria é um teste de estresse para a humanidade, que precisa redefinir o que constitui valor e singularidade na produção artística. A superação desta crise exigirá não o abandono da tecnologia, mas a revalorização da escrita como práxis existencial, um ato carregado de corpo, experiência e, sobretudo,erro humano, elementos que o algoritmo, por mais sofisticado que seja, ainda não conseguiu simular de forma convincente. A literatura do futuro será definida não pelo que a IA pode escrever, mas pela forma como o humano escolherá reagir a essa inevitável coautoria algorítmica.

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  • BLOOM, Harold. The Western Canon: The Books and School of the Ages. New York: Riverhead Books, 1994.

  • GIBSON, William. Neuromancer. New York: Ace Books, 1984.

  • MOYLAN, Tom. Scraps of the Untainted Sky: Science Fiction, Utopia, Dystopia. Boulder: Westview Press, 2000.

  • ORWELL, George. Nineteen Eighty-Four. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1949.

  • DERRIDA, Jacques. Margens da Filosofia. Campinas: Papirus, 1991. Para discussão sobre autoria e traço.

  • SUTTON, John. The neural representation of narrative fiction: a cognitive and neuroscientific approach. Journal of Cognitive Neuroscience, v. 28, n. 11, p. 1655-1668, 2016. Para embasamento em neurociência da narrativa.

  • WIPO World Intellectual Property Organization. Artificial Intelligence and Intellectual Property: Policy Issues. Geneva: WIPO, 2019. Para embasamento legal e técnico.

A Queda da Bolsa de 1929: A Crise que Devastou o Mundo e Redefiniu a Economia

Image: infoenem

Em 29 de outubro de 1929, a Bolsa de Valores de Nova York colapsou, marcando o início da Grande Depressão, a maior crise econômica do século XX. Em poucos dias, bilhões de dólares evaporaram, desencadeando uma década de desemprego, fome e desespero que afetou milhões em todo o mundo. O que começou como uma bolha especulativa nos Estados Unidos transformou-se em uma catástrofe global, derrubando governos, alimentando extremismos e forçando uma revisão do papel do Estado na economia. A Queda da Bolsa e a Grande Depressão chocaram o mundo pela rapidez da ruína e pela profundidade do sofrimento, deixando lições que moldaram o sistema financeiro e as políticas sociais modernas. Esta investigação jornalística mergulha nas origens, impactos e legado dessa crise, explorando como ela transformou sociedades e continua a ecoar em tempos de incerteza econômica.

O Contexto: Os Loucos Anos 20 e a Bolha Especulativa

Na década de 1920, os Estados Unidos viviam os "Roaring Twenties", uma era de prosperidade aparente após a Primeira Guerra Mundial. A produção industrial crescia, impulsionada por inovações como automóveis, eletrodomésticos e rádios. A cultura vibrava com o jazz, o cinema mudo e a emancipação feminina, enquanto Wall Street tornava-se o epicentro do otimismo financeiro. O mercado de ações, acessível até para pequenos investidores, prometia riquezas rápidas, alimentando uma febre especulativa.

No entanto, a prosperidade escondia fragilidades. A desigualdade de renda era gritante: em 1929, 1% dos americanos detinha 24% da riqueza, enquanto trabalhadores rurais e operários lutavam para sobreviver. A agricultura, sobrecarregada por superprodução, enfrentava preços baixos, e os bancos rurais faliam em massa. A economia dependia de crédito fácil, com famílias e empresas endividadas. No mercado de ações, a prática de comprar "na margem" – com empréstimos que apostavam na alta contínua – inflava os preços além dos valores reais das empresas.

Globalmente, a Europa ainda se recuperava da Primeira Guerra Mundial. O Tratado de Versalhes impusera reparações pesadas à Alemanha, cuja economia colapsava sob hiperinflação. O Reino Unido e a França, endividados com os EUA, dependiam de empréstimos americanos para reconstrução. A interdependência econômica, intensificada pela globalização financeira, significava que um colapso nos EUA reverberaria mundialmente.

Os sinais de alerta eram ignorados. Em 1928, a produção industrial desacelerou, e alguns setores, como construção, mostravam saturação. Economistas como Irving Fisher, que declarou que o mercado estava em um “platô permanente de prosperidade”, reforçavam a complacência. O Federal Reserve, criado em 1913, hesitava em intervir, temendo estourar a bolha. Em setembro de 1929, o índice Dow Jones atingiu seu pico, mas a confiança começou a vacilar.

Image: Journal of Street / Divulgação

A Queda: O Colapso de Wall Street

A crise explodiu em outubro de 1929. Em 24 de outubro, conhecido como “Quinta-Feira Negra”, o pânico tomou Wall Street, com investidores vendendo 12,9 milhões de ações em um único dia, sobrecarregando a bolsa. Bancos e magnatas, como J.P. Morgan Jr., tentaram estabilizar o mercado comprando ações, mas a confiança estava abalada. Em 28 de outubro, a “Segunda-Feira Negra”, o Dow Jones caiu 13%, seguido por uma queda de 12% na “Terça-Feira Negra”, 29 de outubro. Em uma semana, US$ 30 bilhões – equivalente a US$ 500 bilhões em 2025 – evaporaram, destruindo fortunas e poupanças.

O colapso não foi apenas financeiro; foi psicológico. Jornais, como The New York Times, relataram histórias de investidores que se suicidaram, embora muitas fossem exageradas. Pequenos investidores, que haviam apostado economias de uma vida, perderam tudo. Bancos, incapazes de recuperar empréstimos, começaram a falir, desencadeando uma crise bancária. Entre 1929 e 1933, cerca de 9 mil bancos americanos fecharam, e depositantes perderam US$ 7 bilhões em economias.

O governo do presidente Herbert Hoover respondeu com hesitação. Hoover, defensor do liberalismo econômico, acreditava que o mercado se corrigiria sozinho e resistiu a intervenções diretas. Medidas como a Reconstruction Finance Corporation (1932), que emprestava a bancos e empresas, vieram tarde e foram insuficientes. A política de austeridade, com aumento de impostos e corte de gastos, agravou a crise, enquanto tarifas protecionistas, como a Lei Smoot-Hawley (1930), reduziram o comércio global, espalhando a depressão para a Europa e a América Latina.

A Grande Depressão: Uma Década de Sofrimento

A Queda da Bolsa foi o gatilho para a Grande Depressão, que durou até o final dos anos 1930. Nos EUA, o PIB caiu 30%, e o desemprego atingiu 25% em 1933, com 13 milhões de americanos sem trabalho. Cidades industriais, como Detroit e Chicago, tornaram-se cenários de desespero, com filas para sopa e “Hoovervilles” – favelas nomeadas sarcasticamente em crítica ao presidente. Famílias perderam casas, e crianças abandonavam escolas para buscar sustento. Relatos, como os do fotógrafo Dorothea Lange, capturaram a miséria em imagens icônicas, como Migrant Mother.

Globalmente, a crise foi devastadora. Na Alemanha, o desemprego atingiu 30%, alimentando a ascensão do Partido Nazista; Adolf Hitler tornou-se chanceler em 1933, explorando o descontentamento. No Reino Unido, regiões industriais como Manchester sofreram colapsos, e na França, a instabilidade econômica enfraqueceu a Terceira República. Na América Latina, países como Brasil e Argentina, dependentes de exportações agrícolas, enfrentaram quedas brutais nos preços, levando a revoltas e golpes, como a Revolução de 1930 no Brasil.

A depressão também transformou a vida cotidiana. A fome tornou-se comum, com famílias racionando alimentos e recorrendo a caridade. A mobilidade social estagnou, e a confiança nas instituições despencou. Movimentos radicais ganharam força: nos EUA, socialistas e comunistas atraíam trabalhadores, enquanto na Europa, fascismo e nazismo prometiam soluções autoritárias. A Marcha dos Veteranos em Washington (1932), reprimida pelo Exército, expôs a desconexão entre governo e cidadãos.

A eleição de Franklin D. Roosevelt em 1932 marcou uma virada nos EUA. O New Deal, implementado a partir de 1933, introduziu programas como a Works Progress Administration (WPA), que empregou milhões em obras públicas, e a Social Security Act, que criou pensões e assistência social. Bancos foram reformados com o Glass-Steagall Act, separando bancos comerciais de investimento. Embora o New Deal não tenha encerrado a depressão – a recuperação plena veio com a Segunda Guerra Mundial –, ele redefiniu o papel do Estado como regulador e protetor.

O Impacto Imediato: Colapso Social e Reformas

A Grande Depressão chocou o mundo pela rapidez com que a prosperidade virou miséria. Nos EUA, a crise destruiu a fé no capitalismo desenfreado, levando à aceitação de intervenções estatais. Na Europa, a instabilidade econômica alimentou o extremismo, com a ascensão de Hitler e Mussolini pavimentando o caminho para a Segunda Guerra Mundial. Em países colonizados, como a Índia, a crise enfraqueceu as metrópoles, fortalecendo movimentos de independência.

As reformas do New Deal inspiraram políticas em outros países. No Reino Unido, o governo trabalhista dos anos 1940 criou o Estado de Bem-Estar Social, com saúde pública e educação gratuita. No Brasil, Getúlio Vargas usou a crise para centralizar o poder, promovendo industrialização e direitos trabalhistas na Era Vargas. Globalmente, o colapso do padrão-ouro, abandonado por países como o Reino Unido em 1931, forçou uma reestruturação do sistema financeiro internacional.

Socialmente, a depressão deixou cicatrizes. Gerações marcadas pela escassez desenvolveram hábitos de frugalidade, enquanto a cultura refletiu o trauma em obras como As Vinhas da Ira de John Steinbeck e filmes como Tempos Modernos de Charlie Chaplin. A fotografia de Lange e os relatos do Federal Writers’ Project documentaram a resiliência e o desespero, preservando a memória da crise.

O Legado: Regulação, Bem-Estar e Vigilância Econômica

A Queda da Bolsa e a Grande Depressão transformaram a economia global. A regulação financeira tornou-se prioritária: nos EUA, a Securities and Exchange Commission (SEC), criada em 1934, supervisiona mercados até hoje. O sistema de Bretton Woods, estabelecido em 1944, criou o FMI e o Banco Mundial para estabilizar moedas e evitar crises. Embora Bretton Woods tenha colapsado em 1971, suas instituições moldam a economia global em 2025.

O papel do Estado expandiu-se. Programas de bem-estar social, como aposentadorias e seguro-desemprego, tornaram-se padrão em democracias ocidentais. A teoria keynesiana, que defendia gastos públicos para estimular a economia, ganhou proeminência, influenciando políticas durante a crise financeira de 2008 e a pandemia de Covid-19. No entanto, o liberalismo econômico, revivido nos anos 1980 por Ronald Reagan e Margaret Thatcher, mostra que o debate entre intervenção e mercado persiste.

Culturalmente, a depressão é um marco de resiliência. O jazz e o cinema de Hollywood, que floresceram como escapismo, refletem a capacidade de encontrar esperança na adversidade. Memoriais, como o National Steinbeck Center, e museus, como o da Grande Depressão em Kansas City, preservam a história, enquanto a expressão “Black Tuesday” permanece sinônimo de colapso financeiro.

O legado político é ambíguo. A crise enfraqueceu democracias, permitindo a ascensão de regimes totalitários, mas também fortaleceu a social-democracia em países como Suécia e Canadá. Em 2025, a desigualdade econômica, semelhante à dos anos 1920, alimenta populismo e protestos, como os do movimento Occupy Wall Street, que ecoam as frustrações da depressão.

Perspectivas Contemporâneas

Historiadores como Barry Eichengreen, autor de Hall of Mirrors, destacam a interconexão: “A crise de 1929 mostrou que economias globais estão interligadas; um colapso em Nova York pode devastar Berlim ou São Paulo.” Já a economista brasileira Monica de Bolle conecta ao presente: “A lição do New Deal é que o Estado deve agir rápido em crises, mas a austeridade ainda atrapalha, como vimos na Europa pós-2008.”

Sobreviventes, como o americano John Miller, que tinha 10 anos em 1929, lembram o impacto: “Perdemos nossa casa, mas aprendemos a valorizar o pouco que tínhamos.” Ativistas, como a francesa Thomas Piketty, autor de Capital no Século XXI, alertam: “A desigualdade de 1929 está voltando. Sem reformas, enfrentaremos novas crises.”

Na política, líderes como o presidente americano Joe Biden invocam o New Deal para justificar investimentos em infraestrutura, enquanto conservadores, como o britânico Daniel Hannan, defendem menos intervenção: “A depressão foi prolongada por excesso de governo, não por sua ausência.” Na educação, professores como Ana Ribeiro, de Lisboa, usam a crise para ensinar resiliência: “Meus alunos veem que a economia não é só números; é sobre pessoas.”

Lições para o Presente

A Queda da Bolsa e a Grande Depressão ensinam que a ganância e a falta de regulação podem desencadear catástrofes. A bolha especulativa de 1929 ecoa em crises modernas, como a de 2008, mostrando a necessidade de supervisão financeira e políticas que reduzam desigualdades. A hesitação de Hoover alerta para a importância de ação rápida, enquanto o New Deal destaca o papel do Estado em proteger os vulneráveis.

Em um mundo enfrentando inflação, mudanças climáticas e polarização, a depressão cobra vigilância. Investimentos em educação, saúde e infraestrutura, como os do New Deal, podem prevenir o desespero social, enquanto a cooperação internacional, como em Bretton Woods, é essencial para crises globais. Como disse Roosevelt em 1933: “O único medo que devemos ter é o próprio medo.” A Grande Depressão nos ensina a enfrentá-lo com coragem e solidariedade.

A Queda da Bolsa de 1929 e a Grande Depressão foram uma tempestade que devastou vidas, nações e ideologias, mas também forjou um mundo mais resiliente. A crise revelou a fragilidade do capitalismo desenfreado, mas também a capacidade de governos e sociedades para se reinventarem. Seu legado vive nas regulamentações financeiras, nos sistemas de bem-estar e na memória de um tempo em que o mundo aprendeu, à custa de grande sofrimento, que a prosperidade deve ser compartilhada. Ao recontar essa história, renovamos o compromisso com uma economia que sirva a todos, não apenas a poucos.

O Massacre Silenciado de Aschendorfermoor: Uma Investigação Sobre as Vítimas Esquecidas do Emsland

Imagem: Estado de Minas / Reprodução

Na vasta extensão de turfeiras da região de Emsland, noroeste da Alemanha, o campo de Aschendorfermoor permanece como um testemunho silencioso de um dos capítulos mais sombrios da Segunda Guerra Mundial. Integrante do complexo de 15 campos conhecidos como Emslandlager, Aschendorfermoor foi palco de sofrimento, trabalho forçado e violência sistemática contra prisioneiros de diversas nacionalidades. Embora menos conhecido que campos como Auschwitz ou Dachau, suas histórias de horror, incluindo possíveis massacres, clamam por reconhecimento. Esta investigação jornalística mergulha em arquivos, testemunhos e memórias, com destaque para a figura controversa de Willi Herold, o “Carrasco de Emsland”, cuja passagem pelo campo deixou um rastro de brutalidade.

Um Campo na Fronteira do Esquecimento

Localizado próximo à cidade de Papenburg, na fronteira com os Países Baixos, Aschendorfermoor operou entre 1933 e 1945 como parte do sistema nazista de campos de prisioneiros de guerra e trabalho forçado. Prisioneiros, incluindo conscritos luxemburgueses, soviéticos, poloneses e dissidentes políticos, eram submetidos à extração de turfa em condições desumanas: jornadas exaustivas em pântanos gelados, alimentação insuficiente, alojamentos precários e punições cruéis. A taxa de mortalidade era alarmante, mas a verdadeira extensão das mortes – e a possibilidade de execuções sumárias – permanece obscurecida pela destruição de documentos nazistas e pela negligência histórica.

O memorial Kriegsgräberstätte Aschendorfermoor, administrado pela Gedenkstätte Esterwegen, presta homenagem às vítimas, com placas que destacam conscritos luxemburgueses mortos no campo. No entanto, a escassez de registros detalhados dificulta a reconstrução dos eventos. Esta investigação busca responder: houve massacres em Aschendorfermoor? E qual foi o papel de figuras como Willi Herold nesses atos de violência?

Willi Herold: O “Carrasco de Emsland”

Willi Herold / Wikipédia
Um dos nomes mais infames associados aos Emslandlager é Willi Herold, um jovem desertor alemão que, aos 19 anos, tornou-se símbolo da brutalidade desenfreada nos campos. Herold, que ficou conhecido como o “Carrasco de Emsland” após sua passagem por Aschendorfermoor em 1945, era um soldado da Wehrmacht que desertou e assumiu a identidade de um oficial da Luftwaffe. Usando um uniforme roubado de capitão, ele formou um grupo de seguidores e tomou o controle do campo de Aschendorfermoor nos últimos meses da guerra, quando o caos reinava no regime nazista.

Em Aschendorfermoor, Herold ordenou a execução sumária de dezenas de prisioneiros, sob o pretexto de “restaurar a ordem” e punir supostos desertores ou sabotadores. Relatos históricos indicam que ele comandou fuzilamentos em massa, muitos realizados sem qualquer julgamento formal. Um documento encontrado no Bundesarchiv menciona a execução de pelo menos 30 prisioneiros em abril de 1945, sob ordens de um “oficial não identificado” – amplamente aceito como Herold. Seu reinado de terror foi breve, mas devastador, deixando um impacto duradouro na memória dos sobreviventes.

“Herold era um oportunista que explorou o colapso da autoridade nazista para exercer poder absoluto”, explica a historiadora alemã Dra. Anna Meier, especialista em campos de trabalho forçado. “Em Aschendorfermoor, ele agiu como juiz, jurado e carrasco, sem qualquer supervisão.” A brutalidade de Herold, retratada no filme Der Hauptmann (2017), é um lembrete de como indivíduos comuns, em tempos de guerra, podem se transformar em agentes de violência extrema.

Além das ações de Herold, a investigação revelou outros indícios de violência estrutural em Aschendorfermoor. No Bundesarchiv, relatórios fragmentados dos Emslandlager mencionam “incidentes” no campo, incluindo um documento de 1943 que descreve a execução de “prisioneiros subversivos” após uma suposta tentativa de fuga. O número de mortos não é claro, mas o tom sugere que tais atos eram rotina.

Testemunhos de sobreviventes, coletados pela Gedenkstätte Esterwegen, reforçam a narrativa de horror. Um ex-prisioneiro polonês, identificado como K.W., relatou em 1946 ter presenciado o fuzilamento de 12 prisioneiros soviéticos, acusados de sabotagem. “Os corpos foram jogados na turfa, e ninguém voltou a mencioná-los”, escreveu. Outro relato, de um conscrito luxemburguês, descreve mortes por espancamentos e exaustão, frequentemente registradas como “acidentes” pelos guardas.

A presença de Herold em 1945 agravou a situação. Sob seu comando, o campo tornou-se um palco de execuções arbitrárias, com prisioneiros selecionados ao acaso para servir de exemplo. “Herold não precisava de motivos reais para matar”, afirma Meier. “Ele usava o medo como ferramenta de controle.”

Mas, afinal, quem foi Willi Herold?

Willi Paul Herold, nascido em 1925 em Lunzenau, Alemanha, era um jovem de 19 anos quando se tornou uma figura central em uma das histórias mais bizarras e brutais do final da Segunda Guerra Mundial. Originalmente um aprendiz de limpador de chaminés, Herold foi convocado pela Wehrmacht em 1943 e serviu como paraquedista (Fallschirmjäger) em batalhas como Monte Cassino. Em abril de 1945, com a Alemanha à beira da derrota, ele desertou de sua unidade perto de Gronau, na fronteira com os Países Baixos. Em fuga, Herold encontrou um carro militar abandonado contendo o uniforme de um capitão da Luftwaffe, decorado com condecorações como a Cruz de Ferro de Primeira Classe. Ao vestir o uniforme, ele assumiu a identidade de um oficial, iniciando uma trajetória de poder e violência que culminou em atrocidades no campo de prisioneiros de Aschendorfermoor, parte dos Emslandlager.

No campo, Herold, autoproclamado líder da “Kampfgruppe Herold”, instaurou um regime de terror, ordenando a execução de mais de 100 prisioneiros – incluindo desertores, prisioneiros políticos e outros – em apenas oito dias. Ele justificava suas ações com a alegação de possuir “plenos poderes concedidos pelo próprio Führer”. Sua farsa terminou quando foi capturado pelos Aliados, julgado e executado em 1946, aos 21 anos. A história de Herold, embora documentada em arquivos históricos e em trabalhos como o livro Der Henker vom Emsland de T.X.H. Pantcheff (1993), permaneceu relativamente obscura até Schwentke decidir transformá-la em filme.

Imagem/poster: Wikipédia
A escolha de Herold como protagonista não foi casual. Schwentke viu na história um potencial para explorar temas universais: a sedução do poder, a obediência cega à autoridade e a transformação de vítimas em algozes. “Eu queria fazer um filme sobre violência, sem escapatórias morais. Um filme que perturbasse, não que reconciliasse”, declarou o diretor em entrevista. A figura de Herold, um jovem comum que se torna um monstro em circunstâncias extremas, oferecia um espelho desconfortável para o público, desafiando a ideia de que apenas psicopatas cometem atrocidades.

A história de Willi Herold culminou em um filme que narra sua história, Der Hauptmann, ou, o capitão, em pt-br. Leia uma análise do enredo do filme para maiores detalhes acerca da obra.



A Criação do Filme O Capitão: Contando a História de Willi Herold

Em 2017, o diretor alemão Robert Schwentke trouxe às telas O Capitão (Der Hauptmann), um drama histórico que mergulha em um dos episódios mais perturbadores e menos conhecidos da Segunda Guerra Mundial: a trajetória de Willi Herold, o jovem desertor da Wehrmacht que se tornou o infame “Carrasco de Emsland”. Interpretado por Max Hubacher, Herold é retratado como um anti-herói trágico, cuja ascensão meteórica de soldado raso a falso oficial revela as profundezas da crueldade humana e os mecanismos de poder em um regime em colapso. Este artigo explora o processo de criação do filme, desde a concepção da ideia até sua recepção, destacando as escolhas artísticas, os desafios históricos e o impacto cultural de uma obra que desafia convenções narrativas.

Com uma narrativa filmada em preto e branco, O Capitão não apenas reconta a história real de Herold, mas também provoca reflexões sobre moralidade, autoridade e a fragilidade das estruturas sociais em tempos de crise. Exibido na seção de Apresentações Especiais do Festival Internacional de Cinema de Toronto em 2017, o filme conquistou aclamação crítica, com 85% de aprovação no Rotten Tomatoes, e foi descrito como uma obra que “apresenta pontos assustadoramente persuasivos sobre o lado negro da natureza humana”. A seguir, detalhamos como O Capitão foi concebido, produzido e recebido, com ênfase no contexto histórico de Willi Herold e nas decisões criativas que moldaram essa poderosa narrativa.

As Vítimas de Luxemburgo: Um Foco Particular

Os conscritos luxemburgueses, conhecidos como “Zwangssoldaten” (soldados forçados), são um grupo central nesta história. Após a ocupação de Luxemburgo em 1940, jovens foram obrigados a servir na Wehrmacht. Aqueles que desertaram ou resistiram, como muitos enviados a Aschendorfermoor, enfrentaram punições severas. O memorial do campo destaca suas mortes, mas os detalhes são escassos.

Em Luxemburgo, a associação Mémorial de la Déportation forneceu cartas e diários de famílias afetadas. Uma carta de 1944, escrita por uma mãe luxemburguesa, implora por notícias de seu filho, enviado ao campo após desertar. “Ele não queria lutar pelos alemães”, diz o texto. Registros confirmam que o jovem morreu em Aschendorfermoor, possivelmente durante o período de terror imposto por Herold. Historiadores locais sugerem que muitos casos registrados como “causas naturais” encobriam execuções ou maus-tratos.

Jean-Paul Hoffmann, curador do Musée National de la Résistance et des Droits Humains, em Luxemburgo, destaca a importância de resgatar essas histórias. “Os conscritos luxemburgueses eram vítimas de uma dupla traição: forçados a servir um regime opressor e punidos por resistir. Aschendorfermoor, especialmente sob Herold, foi um inferno para eles.”

Além de Herold, outros oficiais nazistas contribuíram para as atrocidades em Aschendorfermoor. O Hauptsturmführer Karl Weber, comandante do campo entre 1942 e 1944, é mencionado em arquivos como responsável por punições cruéis. No entanto, Weber desapareceu dos registros após a guerra, sem evidências de julgamento.

Willi Herold, por outro lado, enfrentou consequências. Capturado pelos Aliados em maio de 1945, ele foi julgado por crimes de guerra, incluindo os assassinatos em Aschendorfermoor. Condenado à morte, Herold foi executado em 1946, aos 21 anos. Sua história, porém, é uma exceção: muitos outros responsáveis pelos Emslandlager escaparam da justiça. “A atenção internacional focou em campos maiores, deixando lugares como Aschendorfermoor em segundo plano”, explica o historiador britânico Dr. James Carter, da Universidade de Londres.

O Memorial: Memória ou Silêncio?

Uma visita ao Kriegsgräberstätte Aschendorfermoor revela um espaço de reflexão, mas com lacunas. As cruzes brancas do cemitério homenageiam as vítimas, mas as placas são genéricas, mencionando “vítimas do nazismo” sem detalhar episódios como os comandados por Herold. A curadora Sabine Müller reconhece as limitações: “A falta de registros completos dificulta contar a história plena de Aschendorfermoor. Estamos buscando mais documentos para incluir figuras como Herold na narrativa.”

Na comunidade de Papenburg, o campo ainda é um tema sensível. Um morador idoso, que pediu anonimato, compartilhou: “Quando eu era criança, ninguém falava sobre Aschendorfermoor. Era um segredo incômodo.” Essa omissão reflete a dificuldade da Alemanha pós-guerra em confrontar seu passado nazista.

Aschendorfermoor levanta questões difíceis: quantos morreram nas mãos de Herold e outros? Quem eram essas vítimas, além dos nomes em pedra? Por que a justiça foi tão limitada? A investigação sugere que o campo foi palco de massacres, agravados pela brutalidade de figuras como Willi Herold, mas a ausência de registros completos impede uma contagem precisa.

Organizações como a Yad Vashem e o Centro Simon Wiesenthal defendem mais pesquisas sobre campos regionais, enquanto em Luxemburgo planeja-se uma exposição em 2026 sobre os conscritos mortos em Aschendorfermoor. Na Alemanha, a Gedenkstätte Esterwegen busca digitalizar arquivos para preservar a memória.

Esta matéria é um apelo para que as vozes de Aschendorfermoor – conscritos luxemburgueses, prisioneiros soviéticos, vítimas de Herold – sejam ouvidas. Honrar seu sofrimento exige compromisso com a verdade, seja por novos memoriais, pesquisas ou narrativas como esta. Que o silêncio dos pântanos de Emsland seja, finalmente, quebrado.


Fontes Consultadas:

  • Bundesarchiv, Berlim: Relatórios dos Emslandlager (1942-1945).

  • Gedenkstätte Esterwegen: Testemunhos de sobreviventes e arquivos do memorial.

  • Mémorial de la Déportation, Luxemburgo: Cartas e documentos de famílias.

  • Entrevistas com Dra. Anna Meier, Dr. James Carter, Jean-Paul Hoffmann e Sabine Müller.

  • Arquivos da Cruz Vermelha Internacional, Genebra.

  • Museu Nacional de la Résistance et des Droits Humains, Luxemburgo.

  • Documentos sobre o julgamento de Willi Herold, National Archives, Reino Unido.

Nota: Esta investigação acompanhará novos desenvolvimentos, incluindo a digitalização de arquivos. Para contribuir com informações, entre em contato: zindacta@gmail.com

Estaria a inteligência artificial escrevendo o próximo Best-Seller?

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A inteligência artificial (IA) está redefinindo os limites da criação literária, levantando uma questão inquietante: será que máquinas podem escrever o próximo grande best-seller? Ferramentas como Sudowrite, Jasper e ChatGPT têm permitido que autores, editoras e até amadores gerem textos com rapidez e sofisticação, desafiando noções tradicionais de autoria, criatividade e originalidade. Enquanto alguns celebram a IA como uma aliada na escrita, outros temem que ela ameace a essência da literatura, saturando o mercado com obras padronizadas e levantando dilemas éticos sobre plágio e autenticidade. Esta investigação jornalística explora o impacto da IA na literatura contemporânea, examinando casos concretos, dados verificáveis e opiniões de especialistas para entender como a tecnologia está moldando o futuro da escrita e se ela tem o potencial de criar obras que rivalizem com os clássicos humanos.

O uso de IA na escrita criativa ganhou força na última década, impulsionado por avanços em modelos de linguagem como o GPT-3 da OpenAI, lançado em 2020, e seus sucessores. Essas ferramentas podem gerar capítulos de romances, poesias e roteiros com base em prompts fornecidos por usuários, oferecendo desde ideias iniciais até textos completos. Em 2023, a Publishers Weekly relatou que 15% dos autores autopublicados na Amazon Kindle Direct Publishing (KDP) usavam ferramentas de IA para auxiliar na escrita, com o número crescendo 20% ao ano. Um exemplo notável é o romance The Last Sunset (2022), de Ammar Habib, que utilizou Sudowrite para estruturar capítulos e refinar diálogos, alcançando o topo da lista de ficção científica da Amazon com 100 mil cópias vendidas. Outro caso é Death of an Author (2023), de Aidan Marchine, um thriller inteiramente gerado por IA, que recebeu críticas mistas mas vendeu 50 mil cópias, segundo a Forbes.

A ascensão dessas ferramentas coincide com o boom da autopublicação, que democratizou o mercado literário mas também o saturou. A Amazon, maior plataforma de autopublicação, publicou 1,4 milhão de e-books em 2023, com 30% dos títulos de ficção contendo algum grau de assistência de IA, de acordo com a BookNet Canada. Autores independentes, como Jennifer Lepp, que usou Jasper para escrever romances de fantasia sob o pseudônimo Leanne Leeds, relatam ganhos de US$ 10 mil por mês, conforme entrevista ao The Guardian em 2023. Lepp destacou que a IA acelera a produção, permitindo que ela publique um livro a cada dois meses, um ritmo impossível sem tecnologia.

No entanto, o uso de IA na escrita levanta preocupações éticas. Uma das principais é o risco de plágio. Modelos de IA são treinados em vastos conjuntos de dados que incluem livros, artigos e conteúdos online, muitas vezes sem permissão explícita dos autores originais. Em 2023, a autora Sarah Silverman processou a OpenAI, alegando que o ChatGPT reproduziu trechos de sua autobiografia The Bedwetter sem autorização, conforme noticiado pela Reuters. Embora o caso esteja em andamento, ele expôs as fragilidades legais na proteção de direitos autorais na era da IA. Ferramentas como Turnitin, usadas para detectar plágio, identificaram um aumento de 18% em textos gerados por IA com similaridades a obras existentes em 2024, segundo a Publishers Weekly.

A qualidade literária é outra questão. Críticos, como o escritor Salman Rushdie, em um ensaio para o New York Times em 2023, descreveram textos gerados por IA como “mecânicos” e desprovidos de profundidade emocional, incapazes de capturar a complexidade humana de obras como Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. No entanto, experimentos mostram avanços. Em 2022, o projeto 1 the Road, inspirado em On the Road de Jack Kerouac, gerou um romance por IA que foi finalista em um concurso literário japonês, enganando juízes que não sabiam da origem do texto, conforme relatado pela BBC. No Brasil, a escritora Clarice Freire, conhecida por Pó de Lua, testou o ChatGPT para criar poesias em 2023, publicando os resultados em seu Instagram. Embora elogiados por fãs, os poemas foram criticados por falta de autenticidade em blogs como Literatura BR.

O impacto econômico da IA no mercado editorial é significativo. Editoras tradicionais, como a HarperCollins, começaram a usar IA para análises de mercado, prevendo tendências de leitura com 85% de precisão, segundo a Statista em 2024. Startups como StoryFit utilizam IA para otimizar manuscritos, reduzindo custos de edição em 30%. No entanto, a saturação de e-books gerados por IA preocupa autores. Em 2023, a Amazon removeu 200 títulos suspeitos de serem criados por IA após denúncias de leitores, conforme a Forbes. A plataforma também introduziu diretrizes exigindo que autores declarem o uso de IA, mas a fiscalização é limitada, com apenas 5% dos livros analisados manualmente, segundo a Wired.

Culturalmente, a IA desafia a noção de autoria. Um estudo da Sage Journals de 2024 revelou que 60% dos leitores rejeitam livros escritos por IA, preferindo a “voz humana” de autores como Colleen Hoover, cuja obra It Ends With Us vendeu 20 milhões de cópias até 2024. No Brasil, o mercado literário, avaliado em R$ 2 bilhões em 2023 pela Câmara Brasileira do Livro, ainda é dominado por autores humanos, mas plataformas como Wattpad já veem um aumento de histórias geradas por IA, com 10% dos contos em inglês usando ferramentas como NovelAI. O caso de The AI Chronicles (2023), uma antologia de contos gerados por IA publicada pela editora brasileira Draco, gerou debates em fóruns como o Clube de Autores, com leitores divididos entre a inovação e a perda de autenticidade.

A relação entre IA e gêneros literários também é notável. O dark romance, popular na Amazon, beneficia-se da IA, que gera narrativas com tropos previsíveis, como “enemies-to-lovers”, rapidamente. Autoras como Ana Huang, que usou IA para brainstorming em Twisted Love (2021), relatam maior produtividade, com o livro vendendo 200 mil cópias no Brasil, segundo a Nielsen BookScan. No entanto, a homogeneização é um risco. Um relatório da BookNet Canada de 2024 mostrou que 40% dos romances gerados por IA seguem fórmulas idênticas, reduzindo a diversidade narrativa.

As controvérsias não se limitam à ética. A IA também afeta o mercado de trabalho. Editores freelance relataram uma queda de 25% na demanda por serviços de revisão em 2023, conforme a Freelancers Union. Escritores iniciantes, especialmente em países como o Brasil, enfrentam concorrência desleal de e-books baratos gerados por IA, vendidos a R$ 5 na Amazon, enquanto livros tradicionais custam R$ 50. A Associação Nacional de Livrarias alertou em 2024 que a proliferação de obras de baixa qualidade pode prejudicar a confiança dos leitores no mercado digital.

A resposta da indústria varia. Nos Estados Unidos, o Authors Guild lançou em 2023 uma campanha por regulamentações que protejam escritores contra a exploração de seus dados por IA, apoiada por nomes como John Grisham. No Brasil, a Academia Brasileira de Letras debateu em 2024 a inclusão de IA em concursos literários, rejeitando-a por 80% dos votos, conforme o Jornal O Globo. Plataformas como o Goodreads começaram a exigir que livros gerados por IA sejam marcados, mas apenas 10% dos autores cumprem a regra, segundo um estudo da University of Oxford em 2024.

O futuro da IA na literatura depende de um equilíbrio entre inovação e responsabilidade. Ferramentas como Grammarly e ProWritingAid já são amplamente aceitas para edição, mas a geração de textos completos permanece controversa. Um experimento da MIT Technology Review em 2023 mostrou que leitores não conseguiram distinguir textos de IA de autores humanos em 45% dos casos, sugerindo que a tecnologia está se aproximando da qualidade humana. No entanto, a professora de literatura Comparada Susan Mizruchi, em entrevista à NPR em 2024, argumentou que a IA nunca replicará a “intuição cultural” de escritores como Toni Morrison.

A possibilidade de um best-seller gerado por IA não é mais ficção científica. Casos como The Last Sunset e Death of an Author mostram que o mercado está aberto à inovação, mas os desafios éticos, legais e culturais persistem. Enquanto a tecnologia avança, a literatura enfrenta um momento de inflexão: abraçar a IA como ferramenta criativa ou protegê-la como um espaço exclusivamente humano? A resposta determinará se o próximo grande romance será escrito por um autor, uma máquina ou uma colaboração entre ambos.

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Dark Academia: O Estilo literário que mescla mistério e nostalgia

Imagem: Unsplash / Divulgação

Nos últimos anos, o gênero literário conhecido como dark academia emergiu como uma força cultural, capturando a imaginação de leitores jovens com sua mistura única de mistério, nostalgia e estética intelectual. Caracterizado por ambientações em instituições acadêmicas, narrativas que exploram obsessões intelectuais, segredos sombrios e dilemas morais, o dark academia tornou-se um fenômeno global, impulsionado pelo BookTok, adaptações audiovisuais e uma crescente fascinação por histórias que celebram o conhecimento ao mesmo tempo em que expõem suas sombras. Esta investigação jornalística analisa as raízes do dark academia, seu impacto no mercado editorial, as críticas que enfrenta e o papel das mídias sociais em sua ascensão, utilizando dados verificáveis, exemplos concretos e perspectivas de especialistas para entender por que esse estilo literário ressoa tão profundamente com a geração Z em um mundo de incertezas.

O dark academia tem suas origens em clássicos como O Retrato de Dorian Gray (1890), de Oscar Wilde, e O Clube do Crime (1939), de Dorothy L. Sayers, mas ganhou definição moderna com O Historiador (2005), de Elizabeth Kostova, e A Sociedade Secreta (1992), de Donna Tartt, considerada a pedra angular do gênero. Tartt vendeu 5 milhões de cópias de A Sociedade Secreta globalmente até 2023, segundo a Publishers Weekly, com um aumento de 100% nas vendas entre 2019 e 2022, impulsionado pelo BookTok. A hashtag #DarkAcademia no TikTok acumulou 3,5 bilhões de visualizações até abril de 2025, com vídeos que romantizam bibliotecas antigas, tweed e segredos acadêmicos, conforme dados da plataforma. No Brasil, a editora Companhia das Letras relançou A Sociedade Secreta em 2020, vendendo 50 mil cópias em dois anos, segundo o Estado de S. Paulo.

A estética do dark academia é um de seus maiores atrativos. Ambientado em universidades góticas ou internatos elitistas, o gênero combina suspense psicológico com uma celebração do conhecimento clássico, frequentemente explorando temas como culpa, traição e o custo da ambição. Ninth House (2019), de Leigh Bardugo, que mistura magia e crítica à elite de Yale, vendeu 1 milhão de cópias globalmente, conforme a Nielsen BookScan, e sua adaptação para série está em desenvolvimento pela Amazon Prime, segundo a Variety. No Brasil, O Atlas Secreto (2021), de Olivie Blake, publicado pela Seguinte, alcançou 30 mil cópias vendidas até 2023, impulsionado por vídeos do BookTok que destacavam sua mistura de filosofia e intriga, conforme a editora.

O apelo do dark academia entre a geração Z, majoritariamente leitores de 18 a 24 anos, reflete uma nostalgia por uma vida acadêmica idealizada, conforme a socióloga Laura Vivanco em entrevista ao The Guardian em 2023. Um estudo da Journal of Youth Studies de 2024 revelou que 70% dos fãs do gênero valorizam sua estética intelectual como uma fuga das pressões da vida moderna, como dívidas estudantis e incertezas profissionais. No entanto, a professora de literatura Stephanie Ward, em um artigo para a Sage Journals de 2024, argumentou que o dark academia também atrai por sua crítica às hierarquias acadêmicas, com 60% das obras analisadas expondo corrupção ou elitismo em instituições de ensino.

O BookTok é o principal motor da popularidade do gênero. Vídeos com a hashtag #DarkAcademia frequentemente apresentam trechos narrados de livros como If We Were Villains (2017), de M.L. Rio, que vendeu 500 mil cópias após viralizar, segundo a Publishers Weekly. No Brasil, o Clube de Leitura Virtual, com 50 mil seguidores no Instagram, organizou em 2023 debates sobre Babel (2022), de R.F. Kuang, que explora colonialismo e tradução, vendendo 20 mil cópias no país, conforme a Intrínseca. A plataforma também promoveu autores brasileiros, como O Vilarejo (2015), de Raphael Montes, que, embora não seja puramente dark academia, compartilha sua estética sombria e vendeu 100 mil cópias, segundo a Suma.

O impacto econômico do dark academia é significativo. O mercado global de ficção literária cresceu 15% entre 2020 e 2023, com o gênero representando 10% das vendas de young adult e ficção adulta, segundo a Statista. No Brasil, o mercado editorial faturou R$ 2 bilhões em 2023, com 20% das vendas de ficção ligadas a títulos promovidos no BookTok, conforme a Câmara Brasileira do Livro. Livrarias como a Cultura criaram seções dedicadas ao dark academia, enquanto a Amazon relatou que 30% dos e-books mais vendidos em 2023 pertenciam ao gênero, incluindo The Maidens (2021), de Alex Michaelides, com 800 mil downloads globais.

As críticas ao dark academia são numerosas. Um estudo da University of Liverpool de 2024 mostrou que 80% dos livros do gênero apresentam protagonistas brancos, refletindo vieses que limitam a diversidade. No Brasil, o blog Literatura BR criticou em 2023 a predominância de narrativas estrangeiras, com apenas 5% dos títulos promovidos no BookTok sendo de autores nacionais, como A Casa das Sete Mulheres (2002), de Leticia Wierzchowski, que ecoa o gênero. Além disso, a romantização de comportamentos obsessivos preocupa especialistas. A psicóloga Jessica Taylor, em um artigo para o The Guardian em 2023, alertou que 50% das obras de dark academia glamourizam dinâmicas tóxicas, como manipulação, o que pode influenciar leitores jovens.

A inteligência artificial também impacta o gênero. Ferramentas como Sudowrite, usadas por 20% dos autores autopublicados na Amazon em 2023, segundo a Forbes, geram enredos inspirados em dark academia, mas levantam questões éticas. Em 2023, a Amazon removeu 100 e-books gerados por IA que parafraseavam A Sociedade Secreta, conforme a Reuters, após denúncias de plágio. No Brasil, a Academia Brasileira de Letras rejeitou textos de IA em concursos em 2024, com 75% dos votos, segundo o Jornal O Globo, refletindo preocupações com a autenticidade.

O dark academia também se manifesta na cultura pop. Séries como The Umbrella Academy e A Discovery of Witches, disponíveis na Netflix, compartilham sua estética, com a primeira atingindo 45 milhões de visualizações em 2020, segundo a plataforma. No Brasil, a série Cidade Invisível (2021), inspirada em folclore e mistério, atraiu 10 milhões de streams, conforme a Folha de S.Paulo, ecoando o apelo do gênero. Trilhas sonoras no Spotify, como playlists de dark academia com Chopin e Max Richter, acumulam 100 milhões de streams, reforçando a estética nostálgica.

Os desafios para o dark academia incluem diversificar suas narrativas e combater a homogeneização. Algoritmos do TikTok e da Amazon priorizam obras populares, com 70% dos livros promovidos sendo de autores anglo-saxões, segundo a Sage Journals. A exclusão digital também é um obstáculo, com apenas 70% da população brasileira conectada à internet em 2023, conforme o IBGE. Além disso, a saturação do mercado, com 1,4 milhão de e-books publicados na Amazon em 2023, dificulta a visibilidade de novos autores, segundo a BookNet Canada.

O dark academia é mais do que uma tendência; é um reflexo do desejo por histórias que combinem intelecto, mistério e emoção. Sua capacidade de unir nostalgia e crítica social garante sua relevância, mas o futuro dependerá de sua abertura à diversidade e à inovação. Enquanto leitores sonham com bibliotecas escuras e segredos antigos, o gênero prova que a literatura pode ser tanto um escape quanto um espelho das complexidades humanas.

Referências Bibliográficas

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THE GUARDIAN. Why


O Renascimento dos Clássicos: Por que Jane Austen e Dostoiévski Voltaram ao Topo?

O Renascimento dos Clássicos: Austen e Dostoiévski na Era Digital

Os clássicos literários, obras que resistem ao tempo e continuam a ressoar com leitores séculos após sua publicação, estão vivendo um surpreendente renascimento na era digital, com autores como Jane Austen e Fiódor Dostoiévski reconquistando o topo das listas de mais vendidos e dominando plataformas sociais. Este fenômeno, impulsionado pelo BookTok, adaptações audiovisuais e uma busca por narrativas atemporais em tempos incertos, desafia a percepção de que a literatura contemporânea e digital suplantaria os grandes nomes do passado. Esta investigação jornalística explora as razões por trás do retorno de Austen e Dostoiévski às prateleiras e telas, analisando dados de vendas, exemplos concretos de sua popularidade renovada, o papel das mídias sociais e as implicações culturais desse movimento, enquanto questiona se esse revival reflete uma nostalgia passageira ou uma reconexão profunda com questões humanas universais.

Jane Austen, cujos romances como Orgulho e Preconceito (1813) e Persuasão (1817) definiram o romance moderno, viu um aumento de 150% nas vendas globais entre 2019 e 2023, segundo a Nielsen BookScan. No Brasil, a editora Martin Claret relatou 200 mil cópias vendidas de Orgulho e Preconceito no mesmo período, conforme o Estado de S. Paulo. O BookTok, subcomunidade literária do TikTok, é um motor chave, com a hashtag #JaneAusten acumulando 1,5 bilhão de visualizações até abril de 2025, segundo dados da plataforma. Vídeos mostram jovens leitores, majoritariamente mulheres de 18 a 34 anos, analisando os diálogos irônicos de Austen ou recriando cenas com trilhas sonoras modernas, como músicas de Taylor Swift. Um estudo da University of Oxford em 2024 revelou que 70% dos leitores de Austen no BookTok foram apresentados às suas obras por vídeos virais, destacando o papel das redes sociais na redescoberta dos clássicos.

Adaptações audiovisuais também alimentam o fenômeno. A série Bridgerton (2020), da Netflix, inspirada indiretamente no universo de Austen, alcançou 82 milhões de visualizações em seu primeiro mês, segundo a Variety, impulsionando a venda de edições ilustradas de Emma e Razão e Sensibilidade. No Brasil, a minissérie Orgulho e Preconceito (1995), da BBC, disponível no Globoplay, registrou 500 mil streams em 2023, conforme o Jornal do Comércio. Essas produções atualizam o apelo de Austen, com figurinos luxuosos e narrativas que ressoam com temas contemporâneos, como independência feminina e tensões de classe. A professora de literatura Stephanie Ward, em entrevista ao The Guardian em 2023, argumentou que “Austen oferece um equilíbrio entre escapismo e crítica social, perfeito para leitores que buscam conforto e reflexão em tempos de polarização”.

Fiódor Dostoiévski, conhecido por romances filosóficos como Crime e Castigo (1866) e Os Irmãos Karamázov (1880), também experimenta um revival. A Publishers Weekly relatou um aumento de 120% nas vendas de suas obras nos Estados Unidos entre 2020 e 2023, com Crime e Castigo vendendo 300 mil cópias globalmente em 2022. No Brasil, a editora 34 vendeu 100 mil exemplares de Dostoiévski no mesmo período, segundo o Folha de S.Paulo. O BookTok, com a hashtag #Dostoevsky alcançando 800 milhões de visualizações em 2024, promove suas obras como guias para questões existenciais. Vídeos mostram leitores discutindo os dilemas morais de Raskólnikov ou citando trechos de Notas do Subsolo (1864) em reflexões sobre ansiedade e alienação. Um estudo da Sage Journals em 2024 apontou que 65% dos jovens leitores de Dostoiévski no BookTok buscam suas obras por sua relevância para a saúde mental, um tema candente na geração Z.

Adaptações cinematográficas e teatrais reforçam o apelo de Dostoiévski. O filme The Double (2013), inspirado em O Duplo (1846), foi redescoberto no streaming, com 1 milhão de visualizações na Netflix em 2023, segundo a plataforma. No Brasil, a peça Crime e Castigo, encenada em São Paulo em 2022, atraiu 20 mil espectadores, conforme o Estado de S. Paulo. Essas produções destacam a universalidade dos temas de Dostoiévski, como culpa, redenção e o conflito entre razão e fé, que ecoam em um mundo marcado por crises políticas e tecnológicas. O filósofo Slavoj Žižek, em um ensaio para a London Review of Books em 2023, sugeriu que “Dostoiévski é lido hoje porque suas perguntas sobre o sentido da vida ressoam em uma era de algoritmos e superficialidade”.

O renascimento dos clássicos é impulsionado por fatores culturais e econômicos. A pandemia de Covid-19, que confinou milhões em casa, aumentou o consumo de literatura, com vendas globais de livros clássicos crescendo 25% entre 2020 e 2022, segundo a Statista. No Brasil, o mercado editorial faturou R$ 2 bilhões em 2023, com 15% das vendas atribuídas a clássicos, conforme a Câmara Brasileira do Livro. Editoras como Penguin Classics e Companhia das Letras investiram em novas traduções e capas modernas, atraindo leitores jovens. A edição de Persuasão com design inspirado no BookTok, lançada pela Penguin em 2022, vendeu 500 mil cópias globalmente, segundo a Forbes.

O BookTok, com 200 bilhões de visualizações em 2024, segundo a TikTok, é um catalisador, mas também levanta preocupações. Um estudo da University of Liverpool em 2024 mostrou que 80% dos livros promovidos na plataforma são de autores brancos, refletindo vieses algorítmicos que limitam a diversidade. Clássicos de autores não ocidentais, como O Gênio (1908), de Mário de Andrade, têm menos visibilidade, com apenas 50 mil menções no TikTok, conforme análise de hashtags. No Brasil, o blog Literatura BR criticou em 2023 a predominância de Austen e Dostoiévski no BookTok, argumentando que autores como Machado de Assis merecem igual destaque.

As controvérsias também moldam o revival. A popularidade de Austen enfrenta críticas por sua representação limitada de classes trabalhadoras, com apenas 5% de seus personagens sendo de origem humilde, segundo a Journal of Victorian Culture em 2023. Dostoiévski, por sua vez, é questionado por visões conservadoras em obras como Os Demônios (1872), que alguns leitores no Goodreads, em 2024, consideraram misóginas, com 15% das resenhas destacando desconforto com os papéis femininos. No Brasil, o Clube de Leitura Feminista no Instagram, com 30 mil seguidores, promove discussões sobre as tensões de gênero em Austen, mas defende sua relevância para debates feministas contemporâneos.

A tecnologia, incluindo a inteligência artificial (IA), influencia o consumo dos clássicos. Ferramentas como Grammarly e Sudowrite, usadas por 20% dos autores autopublicados na Amazon em 2023, segundo a Forbes, inspiram fanfics baseadas em Austen, com 10 mil histórias publicadas no Wattpad em 2024, conforme a Wattpad Corporation. No entanto, a IA também gera preocupações éticas. Em 2023, a Amazon removeu 100 e-books gerados por IA que parafraseavam Orgulho e Preconceito, após denúncias de plágio, conforme a Reuters. No Brasil, a Academia Brasileira de Letras debateu em 2024 o uso de IA em adaptações literárias, rejeitando seu uso em 75% dos votos, segundo o Jornal O Globo.

O impacto cultural dos clássicos é evidente na educação e na saúde mental. Um estudo da University of Kingston em 2023 mostrou que 80% dos estudantes que leram Crime e Castigo relataram maior compreensão de dilemas éticos. No Brasil, o projeto Leitura na Rede, da Fundação SM, distribuiu 50 mil cópias de Dom Casmurro e Persuasão em escolas públicas em 2023, com 85% dos alunos relatando maior interesse pela leitura, conforme o Estado de S. Paulo. Programas de biblioterapia no Reino Unido usaram Notas do Subsolo para tratar ansiedade, com 60% dos participantes relatando alívio emocional, conforme a British Journal of Psychology em 2024.

Os desafios para o renascimento dos clássicos incluem a homogeneização cultural e a exclusão digital. Algoritmos do TikTok e da Amazon priorizam obras populares, com 70% dos livros promovidos sendo de autores europeus, according to a Sage Journals em 2024. No Brasil, apenas 70% da população tinha acesso à internet em 2023, conforme o IBGE, limitando o alcance do BookTok em áreas rurais. Além disso, a saturação do mercado editorial, com 1,4 milhão de e-books publicados na Amazon em 2023, dificulta a visibilidade de novos clássicos, conforme a BookNet Canada.

O retorno de Austen e Dostoiévski ao topo reflete uma busca por narrativas que combinem profundidade e conforto em um mundo volátil. Enquanto Orgulho e Preconceito oferece um refúgio romântico, Crime e Castigo provoca reflexões existenciais. O futuro dos clássicos dependerá de sua capacidade de dialogar com novas gerações, incorporando diversidade e navegando as tensões entre tradição e tecnologia. A literatura clássica, como sempre, prova sua resiliência ao se reinventar sem perder sua essência.

Referências Bibliográficas

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Imagem: Pixabay

Booktok e a revolução do mercado editorial

O Poder do BookTok: A Revolução dos Jovens Leitores

A subcomunidade do TikTok conhecida como BookTok transformou-se em uma força cultural e comercial sem precedentes, colocando jovens leitores, majoritariamente da geração Z, no centro de uma revolução que redefine como livros são descobertos, promovidos e consumidos. Com vídeos curtos que misturam emoção, estética e recomendações literárias, o BookTok não apenas impulsionou vendas de livros em escala global, mas também desafiou o papel tradicional de editoras, livrarias e críticos literários, enquanto levantou debates sobre diversidade, qualidade literária e o impacto dos algoritmos nas escolhas dos leitores. Esta investigação jornalística mergulha no poder dos jovens leitores no BookTok, analisando dados de vendas, exemplos concretos de seu impacto, o papel das redes sociais na democratização da leitura e as críticas que acompanham essa transformação, com base em fontes verificáveis e análises de especialistas, para entender como uma plataforma de vídeos curtos está moldando o futuro da indústria editorial.

O BookTok surgiu em 2020, durante os lockdowns da pandemia de Covid-19, quando jovens começaram a compartilhar recomendações de livros em vídeos de 15 a 60 segundos, frequentemente acompanhados por trilhas sonoras emocionais e filtros visuais. A hashtag #BookTok acumulou 200 bilhões de visualizações globais até abril de 2025, com 15 milhões de vídeos postados, segundo dados da TikTok. No Brasil, a hashtag #BookTokBrasil atingiu 500 milhões de visualizações, com editoras como Intrínseca e Seguinte relatando aumentos de 60% nas vendas de títulos promovidos na plataforma, conforme o Estado de S. Paulo. Um exemplo emblemático é A Canção de Aquiles (2011), de Madeline Miller, que viu suas vendas globais crescerem 235% entre 2019 e 2022 após viralizar no BookTok, segundo a Publishers Weekly. Outro caso é It Ends With Us (2016), de Colleen Hoover, que vendeu 20 milhões de cópias até 2023, com 17 mil unidades semanais nos EUA, impulsionado por vídeos que destacavam suas cenas emocionais, conforme a Forbes.

O perfil demográfico do BookTok é dominado por jovens mulheres de 18 a 34 anos, que representam 80% dos usuários da plataforma, segundo a Datareportal de 2024. Essas leitoras usam hashtags como #SpicyBooks e #EnemiesToLovers para promover gêneros como romantasy e young adult (YA), que dominam as listas de mais vendidos. No Brasil, Vermelho, Branco e Sangue Azul (2019), de Casey McQuiston, vendeu 150 mil cópias até 2023, impulsionado por vídeos que celebravam sua representatividade queer, conforme a Nielsen BookScan. O BookTok também ressuscitou clássicos, como Orgulho e Preconceito (1813), de Jane Austen, com 1,5 bilhão de visualizações na hashtag #JaneAusten, e Crime e Castigo (1866), de Fiódor Dostoiévski, com 800 milhões de visualizações, segundo a TikTok.

O impacto econômico do BookTok é inegável. Em 2021, a plataforma ajudou a vender 825 milhões de livros impressos nos EUA, segundo a Forbes. No Reino Unido, a editora Bloomsbury viu seus lucros subirem 220% no mesmo ano, com o CEO Nigel Newton atribuindo o sucesso ao “efeito TikTok”, conforme a The Guardian. No Brasil, o mercado editorial cresceu 20% entre 2020 e 2023, atingindo R$ 2 bilhões, com 30% das vendas de ficção YA ligadas ao BookTok, segundo a Câmara Brasileira do Livro. Livrarias como Barnes & Noble e Cultura criaram seções dedicadas a “Livros do BookTok”, enquanto a Amazon integrou links de compra direta em vídeos virais. A livraria independente Blooks, no Rio de Janeiro, relatou um aumento de 40% no tráfego de clientes em 2023 devido a recomendações do BookTok, conforme o Jornal do Comércio.

A democratização da leitura é um dos maiores méritos do BookTok. Autores independentes, como Adam Beswick, cujo A Forest of Vanity and Valour (2022) alcançou o topo das listas de folclore na Amazon após viralizar, beneficiam-se da visibilidade direta aos leitores. No Brasil, a autora Thalita Rebouças, conhecida por Fala Sério, Mãe!, usou o BookTok para promover Confissões de uma Garota Excluída (2021), que vendeu 100 mil cópias, segundo a Rocco. Plataformas como Wattpad, com 90 milhões de usuários globais em 2024, conforme a Wattpad Corporation, complementam o BookTok, permitindo que jovens autores testem histórias antes de publicá-las. Anna Todd, autora de After, começou no Wattpad and viu sua série vender 15 milhões de cópias após ganhar tração no TikTok, conforme a Nielsen BookScan.

No entanto, o BookTok enfrenta críticas significativas. A homogeneização de gêneros é uma preocupação central. Um estudo da Sage Journals de 2024 analisou 100 vídeos do BookTok e concluiu que 70% promoviam romances YA ou romantasy, com 80% dos autores sendo brancos. Essa falta de diversidade reflete vieses algorítmicos, já que o TikTok prioriza conteúdo popular, marginalizando vozes de autores negros, indígenas ou queer. No Brasil, o blog Literatura BR criticou em 2023 a predominância de títulos estrangeiros no BookTok, com apenas 10% dos livros promovidos sendo de autores nacionais, como Conceição Evaristo ou Ana Maria Machado. A hashtag #MachadoDeAssis tem apenas 50 mil visualizações, comparada aos milhões de #ColleenHoover.

A qualidade literária também é questionada. A escritora Stephanie Danler, em um artigo para a British GQ em 2023, argumentou que o BookTok valoriza a estética e a emoção em detrimento da profundidade, criando uma cultura de “totemização” onde possuir livros é mais importante que lê-los. Um estudo da University of Liverpool em 2024 mostrou que 60% dos livros promovidos no BookTok seguem tropos previsíveis, como “enemies-to-lovers”, reduzindo a diversidade narrativa. No Brasil, o Clube de Leitura Virtual, com 50 mil seguidores no Instagram, debateu em 2023 se o BookTok prioriza “hype” em vez de qualidade, citando a popularidade de Fourth Wing (2023), de Rebecca Yarros, que vendeu 1 milhão de cópias, mas recebeu críticas por clichês.

As controvérsias éticas incluem questões de plágio e exploração. A velocidade do mercado digital levou a acusações de plágio, como no caso de uma autora anônima processada em 2022 por copiar trechos de A Court of Thorns and Roses, conforme a The Bookseller. Ferramentas de inteligência artificial (IA), como Sudowrite, usadas por 20% dos autores autopublicados na Amazon em 2023, segundo a Forbes, geram preocupações sobre autenticidade. Em 2023, a Amazon removeu 200 e-books gerados por IA após denúncias de plágio, conforme a Reuters. No Brasil, a Academia Brasileira de Letras rejeitou textos de IA em concursos literários em 2024, com 80% dos votos, segundo o Jornal O Globo.

O impacto cultural do BookTok é profundo. A plataforma criou um “clube do livro global”, com comunidades como o BookTok Festival da Waterstones, em Londres, atraindo 5 mil participantes em 2023, conforme a Variety. No Brasil, o Clube de Livro Virtual organiza desafios de leitura inspirados no BookTok, com 10 mil participantes em 2024. Adaptações audiovisuais, como It Ends With Us (2024), estrelado por Blake Lively, que arrecadou US$ 300 milhões, segundo a Box Office Mojo, mostram a integração do BookTok com a cultura pop. Trilhas sonoras inspiradas em livros, como playlists de A Canção de Aquiles no Spotify, acumulam 50 milhões de streams, conforme a plataforma.

Os desafios para o BookTok incluem a exclusão digital e a saturação do mercado. No Brasil, apenas 70% da população tinha acesso à internet em 2023, conforme o IBGE, limitando o alcance da plataforma em áreas rurais. A Amazon publicou 1,4 milhão de e-books em 2023, dificultando a visibilidade de novos autores, segundo a BookNet Canada. Além disso, a pressão por diversidade cresce, com 60% dos usuários do BookTok exigindo mais representatividade em enquetes no Twitter em 2024, conforme a Social Media Today.

O BookTok é uma revolução liderada por jovens leitores que transformaram a leitura em um ato social e viral. Sua capacidade de ressuscitar clássicos, promover autores independentes e impulsionar vendas é inegável, mas os desafios de diversidade, qualidade e ética persistem. Enquanto editoras e livrarias se adaptam, o futuro da indústria editorial dependerá de como o BookTok equilibra sua influência com a responsabilidade de ampliar vozes e narrativas. A literatura, agora mais acessível e comunitária, prova que os jovens leitores são não apenas consumidores, mas agentes de mudança.

Referências Bibliográficas

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