Resenha: Tora! Tora! Tora! (1970)

 

Imagem: MUBI

Tora! Tora! Tora! retrata os eventos que culminaram no ataque japonês a Pearl Harbor, cobrindo os meses anteriores e o dia do ataque, 7 de dezembro de 1941. A narrativa é dividida entre as perspectivas americana e japonesa, mostrando as falhas de comunicação e os erros estratégicos que levaram ao desastre. Do lado americano, o filme segue oficiais como o Almirante Husband Kimmel (Martin Balsam) e o General Walter Short (Jason Robards), que subestimam a ameaça japonesa, e o oficial de inteligência Edwin Layton (Joseph Cotten), que tenta alertar sobre os planos inimigos. Do lado japonês, o Almirante Isoroku Yamamoto (Sō Yamamura) planeja o ataque surpresa, enquanto diplomatas em Washington enfrentam dificuldades para declarar guerra formalmente antes do bombardeio.

A trama é estruturada como uma crônica histórica, alternando entre reuniões estratégicas, preparações militares e o ataque em si, com foco nas duas ondas de bombardeios que devastaram a frota americana. O título, “Tora! Tora! Tora!”, é o código japonês para o sucesso do ataque surpresa. A narrativa evita protagonistas individuais, priorizando o evento coletivo, com personagens servindo como peças de um quebra-cabeça maior. O filme culmina na destruição de Pearl Harbor e na famosa citação de Yamamoto, “Temo que tudo o que fizemos foi despertar um gigante adormecido”, refletindo o impacto estratégico do ataque.

O enredo, baseado em livros como Tora! Tora! Tora! de Gordon W. Prange e The Broken Seal de Ladislas Farago, é meticulosamente factual, sacrificando desenvolvimento emocional para enfatizar a precisão. A colaboração entre diretores americanos (Fleischer) e japoneses (Fukasaku e Masuda) garante uma visão equilibrada, mostrando ambos os lados sem vilanizar ou glorificar.

A direção tripla de Richard Fleischer, Kinji Fukasaku e Toshio Masuda cria uma narrativa coesa, com Fleischer lidando com as cenas americanas e Fukasaku e Masuda dirigindo as japonesas. Filmado em locações no Havaí e no Japão, o filme recria Pearl Harbor com detalhes impressionantes, usando navios reais, réplicas de aviões (como o A6M Zero) e efeitos práticos para as sequências de bombardeio. A cinematografia de Charles F. Wheeler, Osamu Furuya e outros é funcional, com planos amplos que capturam a escala do ataque e closes que mostram a confusão nos navios e bases.

A trilha sonora de Jerry Goldsmith é discreta, com temas marciais que reforçam a tensão, mas cedem espaço ao som das batalhas — explosões, motores de aviões, sirenes. A edição de James E. Newcom, Pembroke J. Herring e Inoue Chikaya mantém um ritmo metódico, alternando entre as preparações dos dois lados e o caos do ataque, com uma duração de 144 minutos que reflete a complexidade do evento.

A produção, com um orçamento de 25 milhões de dólares, foi uma das mais ambiciosas da época, enfrentando desafios como a reconstrução de Pearl Harbor e a coordenação de equipes internacionais. A 20th Century Fox investiu pesadamente, mas o filme sofreu com a saída do diretor original, Akira Kurosawa, devido a divergências criativas. Consultores históricos, incluindo veteranos de ambos os lados, garantiram autenticidade, desde os uniformes até as táticas militares.

O elenco estelar é composto por atores veteranos, mas nenhum personagem domina, refletindo a abordagem coletiva. Martin Balsam, como Kimmel, traz gravidade a um almirante sobrecarregado, enquanto Jason Robards, como Short, captura a frustração de um líder mal preparado. Joseph Cotten, como Layton, oferece uma atuação contida, destacando a importância da inteligência. Sō Yamamura, como Yamamoto, é o destaque, retratando o almirante com uma mistura de visão estratégica e relutância, refletindo sua oposição inicial ao ataque.

Outros atores, como E.G. Marshall (Coronel Rufus Bratton), George Macready (Cordell Hull) e Takahiro Tamura (Tenente-Comandante Mitsuo Fuchida), adicionam autenticidade, com performances que priorizam o realismo sobre o drama. A ausência de estrelas dominantes, como em epics modernos, reforça o foco nos eventos, mas pode limitar a conexão emocional. A escalação de atores japoneses para papéis nipônicos, falando em japonês com legendas, é um toque de autenticidade raro para a época.

Tora! Tora! Tora! é um dos filmes mais precisos sobre Pearl Harbor, recriando o ataque com base em registros históricos, relatórios militares e testemunhos. O filme captura falhas cruciais, como a subestimação americana da ameaça japonesa, a falha na decodificação de mensagens e a falta de coordenação em Washington. A preparação japonesa, liderada por Yamamoto, é fiel, incluindo detalhes como o uso de torpedos adaptados para águas rasas. A representação das duas ondas de ataque, com 353 aviões japoneses destruindo navios como o USS Arizona, é meticulosa, com perdas de 2.403 americanos e 64 japoneses refletidas com precisão.

Foto: GOOGLE Play Filmes

Algumas simplificações ocorrem, como a condensação de eventos diplomáticos e a omissão de perspectivas civis havaianas. A citação de Yamamoto, embora icônica, é debatida por historiadores, possivelmente apócrifa. A ausência de contexto mais amplo, como a campanha do Pacífico ou o impacto nos EUA, reflete o foco no evento específico. A colaboração americano-japonesa evita estereótipos, mostrando os japoneses como estrategistas competentes, não vilões caricatos.

Lançado em 23 de setembro de 1970, Tora! Tora! Tora! reflete o contexto do final dos anos 1960, quando o interesse pela Segunda Guerra Mundial permanecia forte, mas o público buscava narrativas mais realistas, influenciado pela Guerra do Vietnã e pelo ceticismo com narrativas heroicas. O filme também marca uma reconciliação simbólica entre EUA e Japão, aliados na Guerra Fria, ao oferecer uma visão equilibrada.

O impacto narrativo de Tora! Tora! Tora! reside em sua abordagem quase documental, que recria o ataque com uma precisão que imerge o público no evento. A ausência de um protagonista central e de melodramas pessoais enfatiza a escala histórica, com a tensão construída através da contagem regressiva para o ataque. Sequências como o bombardeio do USS Arizona e a confusão nas bases americanas são visualmente impactantes, capturando o choque do ataque surpresa.

Os temas centrais — falhas humanas, estratégia militar, o custo da guerra e a imprevisibilidade do conflito — são explorados com sobriedade. O filme critica a complacência americana, como na ignorância de sinais de radar, e a pressão sobre os japoneses, forçados a agir por sanções econômicas. A ausência de vilanização explícita reflete uma visão matizada, mostrando ambos os lados como produtos de suas circunstâncias. A narrativa não glorifica a guerra, mas destaca a tragédia de erros que escalaram o conflito.

Cenas como a decolagem dos aviões japoneses, o pânico em Pearl Harbor e a entrega tardia da declaração de guerra japonesa são emocionalmente envolventes, mesmo sem personagens profundos. A escolha de terminar com a citação de Yamamoto sublinha a ironia do ataque, que, embora bem-sucedido, selou a derrota japonesa.

Tora! Tora! Tora! teve recepção mista, arrecadando 37 milhões de dólares contra um alto orçamento, mas foi elogiado por sua autenticidade, ganhando um Oscar de Melhores Efeitos Visuais em 1971 e quatro outras indicações. A crítica, como o New York Times, elogiou sua precisão, mas criticou a falta de emoção, comparando-o desfavoravelmente a epics mais dramáticos. No Japão, o filme foi bem recebido por sua imparcialidade.

O legado do filme é duradouro. Ele estabeleceu um padrão para reconstruções históricas, influenciando filmes como Midway (2019) e Pearl Harbor (2001), embora este último tenha sido criticado por romantizar o evento. Sua abordagem documental inspirou séries como The World at War (1973). Em 2024, postagens no X durante o aniversário do ataque a Pearl Harbor (7 de dezembro) destacaram o filme como uma referência histórica, com historiadores elogiando sua fidelidade.

No Brasil, Tora! Tora! Tora! é usado em aulas de história para discutir Pearl Harbor e em estudos de cinema para analisar o gênero bélico. A teoria da história de Jörn Rüsen, discutida no país, enfatiza a relevância de narrativas como esta, que conectam o passado às reflexões sobre estratégia e responsabilidade.

Tora! Tora! Tora! é historicamente preciso em sua recriação do ataque, com detalhes baseados em extensas pesquisas. A representação das falhas americanas e da estratégia japonesa é fiel, mas a ausência de perspectivas civis e o foco exclusivo no evento limitam o contexto. A visão equilibrada evita estereótipos, mas pode minimizar o impacto do militarismo japonês em outros teatros, como a China.

Críticos modernos elogiam o filme por sua autenticidade, mas observam que sua abordagem fria pode alienar públicos acostumados a narrativas emocionais. A falta de diversidade, como a omissão de havaianos nativos, reflete as limitações da época. Ainda assim, sua capacidade de recriar um momento histórico com imparcialidade o torna uma referência, especialmente em um mundo onde a memória da Segunda Guerra Mundial ressoa em debates sobre diplomacia e conflito.

Conclusão

Tora! Tora! Tora! é um épico de guerra que recria o ataque a Pearl Harbor com uma precisão e imparcialidade notáveis. A direção colaborativa, o elenco sólido e uma narrativa que prioriza os fatos fazem do filme um marco do gênero bélico. Como uma reflexão sobre a Segunda Guerra Mundial, ele destaca as falhas humanas e o impacto de decisões históricas, oferecendo lições sobre preparação, comunicação e o custo da guerra.

Mais de 50 anos após sua estreia, Tora! Tora! Tora! permanece uma referência histórica e cinematográfica, lembrando-nos do peso de eventos que moldaram o século XX. Que seu legado inspire a reflexão sobre a responsabilidade coletiva e a busca por um futuro de paz.


Fontes:

  • Prange, Gordon W. Tora! Tora! Tora!, 1963.

  • Enciclopédia Britânica, “Tora! Tora! Tora!”, 2025.

  • Brasil Escola, “Segunda Guerra Mundial”, 2025.

  • Postagens no X sobre o aniversário de Pearl Harbor, 2024.

  • Rüsen, Jörn. História e Narrativa, 2006.

Nota: Esta resenha foi escrita com o objetivo de oferecer uma análise detalhada e fiel de Tora! Tora! Tora!, respeitando seu contexto histórico e impacto cultural.

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