Resenha: Considerações sobre a poesia goiana, org. Giovana Blever, et all


O volume "Considerações sobre a poesia goiana" , organizado por Giovana Bleyer Ferreira dos Santos, Goiandira Ortiz de Camargo e Jamesson Buarque , emerge como uma contribuição fundamental e necessária à historiografia e à crítica da produção poética no estado de Goiás, preenchendo lacunas de pesquisa e sistematizando um campo vasto e por vezes subvalorizado. Publicado em Goiânia pela Cânone Editorial em 2018 , o livro é o resultado de projetos de pesquisa vinculados à Rede Goiana de Pesquisa em Leitura e Ensino de Poesia, executados na Universidade Federal de Goiás (UFG), na Universidade Estadual de Goiás (UEG) e no Instituto Federal de Goiás (IFG), e apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG). A obra se propõe a ser um primeiro passo em um empreendimento de longo prazo, notadamente o projeto "Apresentação da poesia goiana: de 1948 aos dias atuais" , dedicando-se à socialização de estudos e ao estímulo da recepção qualificada da poesia goiana.

O livro está estruturado em duas partes principais: "Estudos de Teoria e de História Literária" e "Estudos Críticos". A primeira seção busca estabelecer uma base reflexiva e de ingresso na literatura goiana, contando com a colaboração de renomados pesquisadores. Fernanda Coutinho, em "Campo literário", com a palavra, Pierre Bourdieu" , discute a articulação entre Sociologia e criação artística , utilizando o conceito de "campo literário" de Bourdieu para abordar questões de produção e recepção da obra, o que se mostra "fundamental para construir uma possibilidade de abordagem da literatura goiana". Coutinho ressalta a complexidade da figura do escritor e a dinâmica das relações entre produtores, leitores, editores e críticos no campo. O ensaio de Gilberto Mendonça Teles, "A Crítica e a História Literária na (pós) modernidade" , oferece uma discussão essencial sobre os conceitos e a especificidade dessas duas áreas dos estudos da literatura, diferenciando a natureza sincrônica da Crítica, que se debruça sobre a obra como "um todo textual" , e a natureza diacrônica da História Literária, que trata das "transformações" dos elementos da obra ao longo do tempo. Teles critica a "crise epistêmica da modernidade" e a adesão apressada a modelos teóricos estrangeiros que negligenciam a substância cultural nacional. Complementarmente, Goiandira Ortiz de Camargo, Leandro Bernardo Guimarães e Olliver Mariano Rosa, em "Presença da historiografia literária em Goiás" , mapeiam as obras de história literária e aquelas que, mesmo sem se autodenominarem como tal, fazem inserções históricas. O estudo reconhece o livro A poesia em Goiás (1964), de Gilberto Mendonça Teles, como o "marco inicial da historiografia literária em Goiás" e categoriza a produção historiográfica local em quatro "linhas": prefácios e textos de jornais , obras de crítica literária , obras de história literária , e dicionários e antologias , destacando a importância dessas obras para suprir a falta de estudos historiográficos de fôlego. Finalizando a primeira parte, Jamesson Buarque questiona, em "Poesia goiana ou em Goiás?" , a própria noção de uma poesia adjetivada regionalmente, propondo uma discussão teórica que recorre a conceitos de Antonio Candido (Literatura como sistema) e Pierre Bourdieu (campo literário). Buarque conclui que a poesia feita em Goiás é, sobretudo, poesia brasileira , mas argumenta que a partir de 1948, as condições locais de produção, circulação e formação de autores, bem como o "sentido coletivo" de solidificar a produção, configuram um "marco da poesia goiana".

A segunda parte do livro, "Estudos Críticos" , apresenta sete textos focados em poetas de Goiás, resultado de investigação em andamento pelos pesquisadores da Rede. Ebe Maria de Lima Siqueira, em "O prato azul-pombinho", de Cora Coralina: a reiteração de notas épicas em voz lírica , analisa o poema de Cora Coralina (1889-1985) e defende a presença da épica na lírica recordativa da poeta , contestando teóricos como Lukács (2000) e Bakhtin (1988) que negam a permanência do épico na modernidade. A análise destaca o caráter narrativo , a dimensão do tempo mítico , a oralidade e a "necessidade e o propósito de contar a história de sua vida e de sua cidade na primeira pessoa" , o que é corroborado pela extensa composição do poema e pelo uso da memória como mecanismo de perenidade. Deusa Castro Barros e Élis Regina Castro Araújo, em "A recepção de poesia goiana na escola: uma experiência de leitura com alunos do Ensino Médio" , relatam a experiência de mediação de leitura no IFG/Campus de Goiânia , utilizando poemas de Darcy França Denófrio, Dheyne de Souza, Wilton Cardoso e José Godoy Garcia. O estudo visa a desconstruir a ideia da inacessibilidade da poesia e combater o "apagamento" dos autores goianos no cânone e no espaço escolar , propondo uma leitura pautada na fruição estética e não na cobrança de conteúdos. Giovana Bleyer Ferreira dos Santos e Marília Steger Consuelo Mendes, em "Configurações do lirismo na poesia goiana contemporânea: a morte e a perecibilidade do ser" , exploram o tema universal da morte em poemas de Darcy França Denófrio (Amaro mar, 1992) , Edmar Guimarães (Caderno, 2000) , Mônica Gomes (Meus versos, 2017) e Wesley Peres (Palimpsestos, 2007) , sob a perspectiva da inspiração lírica como "experiência de alteridade" de Maulpoix. A análise demonstra a diversidade de tratamentos do tema na poesia goiana contemporânea , com Denófrio apresentando resignação e conformidade existencial , Guimarães utilizando a alteridade para metaforizar o fim da vida, como o "escargô fora da concha" , Peres mesclando vida, morte e o poder da palavra , e Gomes expressando esperança e a imortalidade da alma, recorrendo ao mito de Caronte. Maria Aparecida Barros de Oliveira Cruz, em "Imagens de Goiás na poesia goiana" , analisa o "sentido de goianidade" e a representação de Goiás a partir da Marcha para o Oeste nos poemas "Goiás" de Gilberto Mendonça Teles (Saciologia goiana, 1970-2001) e "Goiás: terra e pedra" de Yêda Schmaltz (Urucum e alfenins, 1964-2002). A autora conclui que ambos os poetas, atuando como "escritores-sociógrafos" , buscam revelar e inscrever Goiás no mapa literário e social do Brasil, aproximando o sertão e o litoral. Maria Severina Batista Guimarães, em "Projeções de sonhos nas imagens poéticas de Edmar Guimarães em Desenhos de sol" , investiga a elaboração imagética na obra de Edmar Guimarães , que se aproxima da poética surrealista. A análise foca em como a imaginação do poeta, livre da lógica cartesiana, projeta no poema "Desenhos de sol" uma realidade de sonho e de "nonsense" , rompendo com a verossimilhança aristotélica. O trabalho destaca a força das imagens inusitadas e a função da poesia em celebrar o mundo. Leidiane Gomes da Rocha e Nismária Alves David, em "A 'invenção da lembrança' em Perau, de Carlos Fernando Filgueiras de Magalhães" , analisam a representação da memória no livro póstumo Perau (2003) do poeta, dramaturgo e crítico. As autoras utilizam a distinção de Paulo Henriques Britto (2000) entre memória épica (coletiva) e memória lírica (individual) e focam nos poemas da seção "invenção da lembrança" para demonstrar que a obra funde a memória do vivido/inventado com a experiência poética , com o sujeito lírico revivendo e eternizando o passado e o amadurecimento diante do destino. Rogério Canedo, em "Modernismo, tradição e poesia em Bernardo Élis" , aborda a poesia do renomado romancista , notadamente seu único livro de poesia, Primeira chuva (1955) , como um "laboratório inicial do projeto estético" e uma contribuição para a sistematização de um "sistema literário goiano". Canedo utiliza o conceito de tríade literária de Antonio Candido (autor, obra, público) e argumenta que, embora tardia (produzida entre 1934 e 1943) , a poesia de Élis, com seu tom irônico e realista , capta a decadência da velha capital (Cidade de Goiás) e as contradições do modernismo , preenchendo uma necessidade social e histórica na região.

Em suma, "Considerações sobre a poesia goiana" é um marco nos estudos da literatura local, ao mesmo tempo em que dialoga com as grandes discussões da teoria e crítica literária , desde Bourdieu e Candido até Maulpoix, Lukács e Bakhtin. O livro atesta a diversidade e a riqueza da poesia produzida em Goiás , desde os traços épicos na lírica de Cora Coralina até a experimentação de vanguarda de Edmar Guimarães e Carlos Fernando Filgueiras de Magalhães , passando pela crítica social de Bernardo Élis e pela emergência de novas vozes femininas, como Darcy França Denófrio e Mônica Gomes. A obra não apenas cataloga, mas analisa, problematiza e projeta o futuro dos estudos literários goianos, estimulando a pesquisa contínua e a formação de leitores.

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