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Resenha: Um lugar bem longe daqui, de Delia Owens

Imagem: LiteralMente / Reprodução

Publicado em 2018, Um Lugar Bem Longe Daqui (Where the Crawdads Sing), de Delia Owens, é um romance que combina suspense, drama, romance e uma ode à natureza, conquistando milhões de leitores com sua narrativa envolvente e emocionalmente rica. Ambientado nos pântanos da Carolina do Norte, o livro acompanha Kya Clark, a “Menina do Brejo”, uma jovem marginalizada que se torna suspeita de um assassinato. O enredo, estruturado em duas linhas temporais, entrelaça a investigação criminal com a jornada de sobrevivência e autodescoberta de Kya, explorando temas como abandono, preconceito, resiliência e a conexão humana com o meio ambiente. Esta resenha analisa criticamente o enredo, destacando seus pontos fortes, limitações e impacto, além de reservar uma seção para comparar o livro com sua adaptação cinematográfica de 2022.

O enredo de Um Lugar Bem Longe Daqui é construído em duas linhas temporais que convergem gradualmente, criando um suspense psicológico que mantém o leitor engajado. A narrativa começa em 1969, com a morte de Chase Andrews, um jovem popular de Barkley Cove, encontrado sem vida sob uma torre de observação no pântano. Kya Clark, uma jovem solitária que vive isolada, é acusada do crime, desencadeando um julgamento que expõe os preconceitos da comunidade. Paralelamente, capítulos alternados retrocedem aos anos 1950 e 1960, detalhando a infância e juventude de Kya, desde o abandono de sua família até sua transformação em uma naturalista autodidata.

Essa estrutura não linear é um dos maiores trunfos do livro. Cada capítulo do passado adiciona camadas à psique de Kya, enquanto os capítulos do presente intensificam o mistério do assassinato. A alternância cria uma tensão constante, pois o leitor é levado a questionar a culpa de Kya enquanto se conecta emocionalmente com sua história de adversidade. A prosa de Owens, lírica e evocativa, reforça a atmosfera do pântano, descrito com detalhes que refletem sua formação como zoóloga. Frases como “o pântano não confina, ele abraça” transformam o cenário em um personagem vivo, cuja beleza e brutalidade ecoam a vida de Kya.

No entanto, a estrutura tem limitações. A transição entre as linhas temporais, embora geralmente fluida, pode parecer abrupta em alguns momentos, especialmente quando os capítulos do passado interrompem o clímax do julgamento. Além disso, a resolução do mistério, embora impactante, depende de uma reviravolta que alguns leitores consideram conveniente demais, sacrificando a sutileza em prol do impacto dramático. Apesar disso, a narrativa mantém um ritmo envolvente, equilibrando a introspecção de Kya com a urgência do suspense.

Kya Clark é o coração do enredo, uma personagem cuja complexidade sustenta a narrativa. Apelidada de “Menina do Brejo”, ela é uma figura trágica e inspiradora, marcada pelo abandono e pela resiliência. Aos seis anos, Kya é deixada pela mãe, que foge do marido abusivo, seguida pelos irmãos e, eventualmente, pelo próprio pai. Sozinha, ela aprende a sobreviver no pântano, pescando, cozinhando e negociando com Pulinho e Mabel, um casal negro que lhe oferece apoio esporádico. Essa infância precária é descrita com uma crueza que evoca empatia, mas também admiração pela determinação de Kya.

À medida que cresce, Kya desenvolve uma conexão profunda com a natureza, estudando a fauna e flora do pântano com rigor científico. Sua transformação em uma naturalista autodidata, que publica livros sobre o ecossistema local, é um testemunho de sua inteligência e força interior. No entanto, Kya não é idealizada. Owens a retrata com vulnerabilidades realistas: ela é desconfiada, socialmente desajeitada e profundamente ferida pelo abandono. Essa dualidade — força e fragilidade — torna Kya uma protagonista cativante, cuja jornada ressoa com leitores de diferentes contextos.

Os relacionamentos de Kya com Tate Walker e Chase Andrews adicionam camadas à sua história. Tate, um jovem que compartilha seu amor pela natureza, ensina-a a ler e oferece o primeiro vislumbre de conexão humana. O romance entre eles é delicado, mas marcado pela incerteza, já que Tate planeja deixar Barkley Cove para estudar. Chase, por outro lado, é uma figura carismática que seduz Kya, mas revela traços de manipulação e violência. Esses relacionamentos intensificam a tensão narrativa, pois expõem Kya a novas formas de rejeição e perigo, enquanto sugerem motivos para o crime que ela é acusada de cometer.

O enredo de Um Lugar Bem Longe Daqui é profundamente temático, abordando questões que vão além do mistério central. Os principais temas — abandono, preconceito, violência de gênero e a relação com a natureza — são entrelaçados com habilidade, dando profundidade à narrativa.

A história de Kya é, em essência, uma narrativa de abandono. Cada perda — da mãe, dos irmãos, do pai — molda sua visão de mundo, criando uma barreira entre ela e os outros. A solidão de Kya é tanto uma escolha quanto uma imposição, refletida em sua recusa em se integrar à sociedade de Barkley Cove. O livro explora como o isolamento pode ser ao mesmo tempo um refúgio e uma prisão, uma tensão que permeia as decisões de Kya. Sua luta para equilibrar o desejo de conexão com o medo da rejeição é um dos aspectos mais comoventes do enredo.

Imagem: Trecho do filme / Reprodução / Prime vídeo

A sociedade de Barkley Cove é um microcosmo de intolerância, onde Kya é estigmatizada por sua pobreza, seu isolamento e sua independência. O apelido “Menina do Brejo” carrega um tom de desprezo, reduzindo-a a um estereótipo de selvageria. O julgamento por assassinato amplifica esse preconceito, mostrando como a comunidade a condena com base em suposições, não em evidências. O livro também toca no racismo da época, através de personagens como Pulinho e Mabel, embora esse tema seja tratado de forma menos aprofundada do que o isolamento de Kya. A marginalização da protagonista é uma fonte constante de conflito, destacando as injustiças de um sistema que privilegia o status quo.

A violência, tanto física quanto psicológica, é um fio condutor do enredo. O abuso do pai de Kya destrói sua família, enquanto sua relação com Chase revela as dinâmicas de poder em relacionamentos desiguais. Um momento crítico, em que Chase tenta estuprar Kya, cristaliza sua transformação de vítima em sobrevivente. Esse evento não apenas intensifica o mistério do assassinato, mas também levanta questões sobre até onde alguém pode ir para se proteger. A abordagem de Owens à violência de gênero é sensível, mas não sensacionalista, mostrando como o trauma molda a resiliência de Kya.

O pântano é mais do que um cenário; é um símbolo da identidade de Kya. Owens, com sua formação em zoologia, descreve o ambiente com precisão científica e poesia, comparando a vida de Kya à dos animais que ela estuda. O pântano, com sua beleza e perigos, reflete a dualidade da protagonista: selvagem, resiliente e incompreendida. A metáfora do título — “um lugar bem longe daqui”, uma expressão da mãe de Kya sobre um refúgio intocado — sublinha o desejo de escapar das amarras sociais, mas também a impossibilidade de fazê-lo completamente. A conexão de Kya com a natureza é o que a salva, mas também o que a isola, criando um conflito central no enredo.

O assassinato de Chase Andrews é o eixo narrativo do livro, funcionando como um catalisador para explorar a vida de Kya e os preconceitos da comunidade. A tensão do mistério é construída com habilidade, com pistas reveladas gradualmente através do julgamento e dos flashbacks. A ausência de evidências concretas contra Kya contrasta com a certeza da comunidade de sua culpa, criando uma atmosfera de injustiça que mantém o leitor investido.

Spoiler Alert: Para evitar revelar o desfecho a quem não deseja spoilers, direi apenas que a resolução do mistério é ambígua, deixando espaço para interpretação. O livro sugere, mas não confirma explicitamente, a culpa de Kya, usando um poema em seu diário como pista. Essa ambiguidade é uma força, pois permite que o leitor reflita sobre justiça, moralidade e sobrevivência, mas também uma fraqueza, já que alguns podem achar o final vago ou manipulador. A reviravolta final recontextualiza a jornada de Kya, reforçando sua agência como uma mulher que desafia as expectativas sociais.

O enredo de Um Lugar Bem Longe Daqui brilha em vários aspectos. A prosa de Owens é um destaque, combinando lirismo com precisão científica para criar um pântano que é ao mesmo tempo real e mítico. A personagem de Kya é outro trunfo, uma protagonista cuja resiliência e vulnerabilidade a tornam inesquecível. A estrutura não linear mantém o suspense, enquanto os temas de abandono, preconceito e natureza dão profundidade à narrativa. O livro também equilibra gêneros — suspense, drama, romance — com competência, apelando a um público amplo sem sacrificar a complexidade.

A habilidade de Owens em conectar a história de Kya à ecologia do pântano é particularmente notável. Passagens que descrevem o comportamento de animais, como os vaga-lumes ou as garças, servem como metáforas para a vida da protagonista, enriquecendo a narrativa com camadas simbólicas. Além disso, o retrato do preconceito social é incisivo, mostrando como a intolerância pode distorcer a justiça e destruir vidas.

Apesar de suas qualidades, o enredo tem limitações. A verossimilhança é um ponto de contenção: a ideia de uma criança sobrevivendo sozinha no pântano, sem intervenção externa, exige uma suspensão de descrença significativa. Embora Owens justifique isso com a resiliência de Kya e o apoio de Pulinho e Mabel, alguns leitores acham a premissa implausível. Além disso, o livro é criticado por sua abordagem superficial de temas como racismo e desigualdade social. Personagens negros, como Pulinho e Mabel, são retratados com simpatia, mas suas histórias são subordinadas à de Kya, limitando a exploração do contexto racial da Carolina do Norte nos anos 1950 e 1960.

Outra crítica recai sobre o uso de clichês. O romance entre Kya e Tate, embora comovente, segue uma fórmula familiar de “amor proibido”, enquanto o drama do julgamento ecoa tropos de best-sellers. A resolução do mistério, embora impactante, pode parecer manipulada, com pistas que nem sempre se alinham perfeitamente com a narrativa. Finalmente, a voz narrativa de Kya, que alterna entre uma perspectiva infantil e uma reflexão madura, pode ser inconsistente, especialmente nos capítulos iniciais.

Um Lugar Bem Longe Daqui é uma obra que ressoa emocionalmente, evocando empatia por Kya e indignação contra as injustiças que ela enfrenta. A história de uma mulher que supera o abandono e o preconceito para encontrar sua voz é universal, apelando a leitores que se identificam com temas de resiliência e autodescoberta. O pântano, com sua beleza e mistério, torna-se um símbolo de esperança, sugerindo que a natureza pode oferecer redenção onde a sociedade falha.

Imagem: Trecho do filme / Prime vídeo / Divulgação

Culturalmente, o livro foi um fenômeno, vendendo mais de 15 milhões de cópias e permanecendo na lista de best-sellers do New York Times por anos. Sua popularidade reflete o apelo de narrativas que combinam suspense com emoção, mas também gerou debates. Alguns críticos questionam a romantização do isolamento de Kya, enquanto outros apontam que a história, escrita por uma autora branca, simplifica as dinâmicas raciais da época. Ainda assim, o impacto do livro é inegável, inspirando discussões sobre gênero, classe e meio ambiente.

A adaptação cinematográfica de Um Lugar Bem Longe Daqui, lançada em 2022 e dirigida por Olivia Newman, traduz a história de Kya para a tela com fidelidade visual, mas faz alterações significativas que afetam o enredo e o tom. Abaixo, destaco as principais diferenças e seus impactos:

O livro utiliza uma estrutura não linear que dá espaço para a introspecção de Kya, com capítulos longos que exploram sua conexão com o pântano. O filme, limitado a duas horas, condensa a narrativa, priorizando a ação e o suspense em detrimento da profundidade emocional. Os flashbacks são mais curtos e menos detalhados, reduzindo o tempo dedicado à infância de Kya e à sua evolução como naturalista. Essa compressão torna o filme mais acessível, mas sacrifica a riqueza psicológica do livro, especialmente nas passagens que descrevem os pensamentos de Kya.

Spoiler Alert: No livro, a culpa de Kya no assassinato de Chase é sugerida por um poema em seu diário, descoberto por Tate após sua morte, mas permanece ambígua, permitindo interpretações variadas. O filme é mais explícito, mostrando o colar de Chase e uma confissão escrita no diário, confirmando que Kya planejou e executou o crime. Essa clareza torna o desfecho mais impactante para o público cinematográfico, mas reduz a ambiguidade que enriquece o livro, limitando o espaço para reflexão sobre moralidade e justiça.

No livro, personagens secundários, como Pulinho e Mabel, têm papéis mais desenvolvidos, com detalhes sobre suas vidas e sua relação com Kya. O filme os retrata de forma mais superficial, focando quase exclusivamente na protagonista. Da mesma forma, a relação entre Kya e Tate é mais explorada no livro, com passagens que mostram sua conexão intelectual através da leitura e da ciência. O filme simplifica esse romance, enfatizando o aspecto emocional em detrimento do crescimento mútuo. Chase, por outro lado, é retratado de forma semelhante em ambas as versões, mas o filme dá mais ênfase à sua violência, tornando sua morte mais justificável aos olhos do espectador.

O livro é marcado pela prosa poética de Owens, que combina descrições científicas com reflexões filosóficas. O filme, por necessidade, aposta na visualidade, com uma fotografia deslumbrante que captura a beleza do pântano. No entanto, a narração em off, usada para transmitir os pensamentos de Kya, é redundante em algumas cenas, explicando emoções que a atuação de Daisy Edgar-Jones já expressa. O filme também adiciona uma trilha sonora, incluindo “Carolina” de Taylor Swift, que reforça o tom melancólico, mas não substitui a profundidade da prosa do livro.

O livro aborda o racismo e a desigualdade social de forma limitada, mas ainda oferece algum contexto sobre a segregação na Carolina do Norte. O filme é ainda mais superficial nesse aspecto, tratando Pulinho e Mabel como figuras secundárias sem explorar suas próprias lutas. Essa escolha reflete a necessidade de condensar a narrativa, mas também uma oportunidade perdida de aprofundar o comentário social. Ambos, no entanto, mantêm o foco no preconceito contra Kya, embora o filme o apresente de forma mais visual, através de olhares hostis e comentários diretos.

A adaptação é fiel ao espírito do livro, mas sua abordagem mais comercial e visual altera a experiência. O filme privilegia o suspense e o romance, apelando a um público mais amplo, enquanto o livro oferece uma reflexão mais introspectiva e ecológica. A clareza do final no filme, embora eficaz, reduz a complexidade moral do livro, que deixa o leitor questionando a natureza da justiça. Ainda assim, a atuação de Daisy Edgar-Jones e a direção de Olivia Newman capturam a essência de Kya, tornando o filme uma interpretação válida, ainda que menos matizada.

Conclusão

Um Lugar Bem Longe Daqui é um romance notável, cujo enredo combina suspense, drama e poesia para contar a história de Kya Clark, uma mulher que desafia o abandono e o preconceito com resiliência e inteligência. A estrutura não linear, a prosa lírica de Delia Owens e a protagonista multifacetada criam uma narrativa que é ao mesmo tempo emocionante e reflexiva, explorando temas como solidão, marginalização e a conexão com a natureza. Apesar de suas limitações — verossimilhança questionável, clichês e uma abordagem superficial de temas raciais —, o livro é uma obra poderosa, cujo impacto emocional e cultural é inegável.

A adaptação cinematográfica, embora visualmente impressionante, simplifica a narrativa, priorizando o suspense em detrimento da introspecção e resolvendo o mistério de forma mais explícita. Enquanto o livro convida à reflexão através de sua ambiguidade, o filme entrega um desfecho mais acessível, mas menos provocador. Ambas as versões, no entanto, celebram a jornada de Kya, uma personagem que encontra na natureza um refúgio e uma identidade, desafiando as amarras de um mundo que a rejeita. Um Lugar Bem Longe Daqui permanece uma história sobre sobrevivência, beleza e a busca por um lugar onde possamos ser verdadeiramente livres.

[RESENHA #1019] Os perigos de fumar na cama, de Mariana Enriquez

Foto: colagem digital


Em seu novo e aclamado livro de contos, Mariana Enriquez nos leva a explorar diferentes aspectos do terror, fazendo uso de recursos narrativos inspirados nos clássicos do gênero. Desde uma menina que descobre ossos no quintal até um homem marginalizado causando desgraça em um bairro rico, as histórias mergulham no sinistro do cotidiano, exibindo um erotismo obscuro e poderosas imagens que deixam sua marca inegável.

Sinopse da obra: Uma menina descobre ossos no quintal, e não são de um animal. Uma cena bucólica de verão, garotas se banhando no lago de uma pedreira, transforma-se num inferno motivado por ciúme e inveja. Um homem marginalizado semeia desgraças em um bairro rico após ser maltratado. Barcelona se transforma em um cenário perturbador, marcado pela culpa e do qual é impossível escapar. Uma presença fantasmagórica busca um sacrifício em um balneário. Uma garota que tem fetiche por homens com doenças cardíacas. Uma estrela do rock vítima de uma morte horrível é homenageada por fãs de um jeito inimaginável. Um sujeito que filma clandestinamente casais transando e mulheres de salto alto andando pelas ruas recebe uma proposta que mudará sua vida.

Com uma voz radicalmente contemporânea, a autora renova o terror e permite aos leitores adentrarem em um universo repleto de fantasmas, bruxas e mortos que voltam à vida. Suas narrativas fazem eco aos grandes mestres da literatura, como Shirley Jackson, Thomas Ligotti e Julio Cortázar, revelando os abismos sombrios da alma humana, as correntes ocultas da sexualidade e da obsessão.

A voz argentina na literatura de Enriquez nos presenteia mais uma vez com sua genialidade e originalidade em contos meticulosamente desenvolvidos sobre a ótica e perspectiva do terror e do suspense. O primeiro conto, o desenterro da anjinha, somos apresentados a uma história inusitada de uma garota que acaba encontrando em seu quintal os ossos de uma garotinha chamada de anjinha, uma das irmãs falecidas de sua avó, que passa a persegui-la diariamente em sua casa após o esquecimento de partes do seu corpo no quintal da antiga casa da família que fora vendida.


Foto: colagem digital


Já no conto, a virgem da pedreira, somos apresentados a uma locução extremamente visceral acerca do passeio de um grupo de amigos a uma pedreira para um banho, enquanto encontra ao que pensam, a estátua de uma virgem, a partir dai, a narrativa ganha forma e se desenvolve os perigos escondidos na inveja de três garotas em relação ao relacionamento de Silvia e Diego.

Talvez, se visse o corpo feio dela, as pernas bem grossas, que Silvia dizia que era porque tinha jogado hóquei quando criança, mas metade de nós havia jogado hóquei e nenhuma tinha aqueles pernis; a bunda chata e os quadris largos, que a deixavam tão mal de calça jeans; se visse esses defeitos (além dos pelos que ela nunca depilava direito, talvez não conseguisse arrancar pela raiz, era muito morena), talvez Diego deixasse de gostar de Silvia e finalmente prestasse atenção em nós. (p.16)

Já no conto, o carrinho, conheceremos a história de Juancho, um morador de rua marginalizado em um bairro rico em busca de vingança. Após ser socorrido e ajudado por uma moradora de classe alta após os ataques de Horácio. A partir dai, o bairro começa a sofrer com o desemprego, fome e ausência de perspectiva. Um conto magistral elencado nos enredos mais estruturados acerca da feitiçaria e marginalização.

Naquela noite, sentimos cheiro de carne queimada. Mamãe estava na cozinha; nós nos aproximamos para repreendê-la, tinha ficado maluca, fritar um bife àquela hora, eles iam perceber. Mas mamãe tremia ao lado da bancada. — Isso não é carne comum — disse. Mal abrimos a persiana e olhamos para cima. Vimos que a fumaça chegava da varanda da casa da frente. E era preta, e não cheirava como nenhuma outra fumaça conhecida. — Que velho favelado filho da puta — disse mamãe, e começou a chorar. (p.34)

No conto, o poço, conheceremos sobre a memória de Josefina, uma mulher que se lembra de uma viagem de sua infância em que sua família parecia sempre viver com medo. Sua mãe e avó eram superprotetoras, sempre com medo de que algo ruim acontecesse às meninas. Durante a viagem a Corrientes, Josefina visita a casa de uma senhora misteriosa, onde ela se sente atraída pelo poço que há no jardim e pela figura do São Morte. A experiência na casa da senhora a deixa intrigada e um pouco assustada. Ao voltar para casa, Josefina começa a sentir um medo que nunca havia sentido antes, o que a faz questionar o que realmente aconteceu na casa da senhora e o que aquilo significou para ela.

Josefina se levantou com o resto do ar que sobrava em seus pulmões, com a nova força que endurecia suas pernas. Não duraria muito, tinha certeza, mas, por favor, que fosse o suficiente, o suficiente para correr até o poço e se jogar na água da chuva, e tomara que não tenha fundo, afogar-se ali com a foto e a traição. A Senhora e Mariela não a seguiram, e Josefina correu o máximo que pôde, mas quando alcançou as bordas do poço suas mãos molhadas escorregaram, os joelhos se dobraram e ela não conseguiu, não conseguiu subir, e mal pôde ver o reflexo de seu rosto na água antes de cair sentada na grama alta, chorando, aflita, porque tinha muito muito medo de pular (p.47)

Os fãs de obras como "As coisas que perdemos no fogo" e "Nossa parte de noite" terão agora a chance de se deliciar mais uma vez com a mente fantástica de Mariana Enriquez, uma autora que desafia as convenções do gênero e nos convida a enfrentar o desconhecido, o inquietante e o perturbador.

[RESENHA #494] Me chame pelo seu nome, de André Aciman

Livro que inspirou o filme dirigido por Luca Guadagnino, aclamado nos festivais de Berlim, Toronto, do Rio, no Sundance e um dos principais candidatos ao Oscar de 2018.

A casa onde Elio passa os verões é um verdadeiro paraíso na costa italiana, parada certa de amigos, vizinhos, artistas e intelectuais de todos os lugares. Filho de um importante professor universitário, o jovem está bastante acostumado à rotina de, a cada verão, hospedar por seis semanas na villa da família um novo escritor que, em troca da boa acolhida, ajuda seu pai com correspondências e papeladas. Uma cobiçada residência literária que já atraiu muitos nomes, mas nenhum deles como Oliver. 

Elio imediatamente, e sem perceber, se encanta pelo americano de vinte e quatro anos, espontâneo e atraente, que aproveita a temporada para trabalhar em seu manuscrito sobre Heráclito e, sobretudo, desfrutar do verão mediterrâneo. Da antipatia impaciente que parece atravessar o convívio inicial dos dois surge uma paixão que só aumenta à medida que o instável e desconhecido terreno que os separa vai sendo vencido. Uma experiência inesquecível, que os marcará para o resto da vida. Com rara sensibilidade, André Aciman constrói uma viva e sincera elegia à paixão, em um romance no qual se reconhecem as mais delicadas e brutais emoções da juventude. Uma narrativa magnética, inquieta e profundamente tocante.

Aciman, André. São Paulo: Me chame pelo seu nome, p. 288, 2018 ISBN: 978-85-510-0273-5

Leia um trecho desta obra aqui.

O romance de estreia imaginativo do livro de memórias/acadêmico Aciman (Variações enigma, 2017, etc.), combina um novo amor com temas familiares de migração e peregrinação.

Em algumas partes do mundo, pode-se ser pego pelo pequeno romance em questão, conhecendo um estudante de música de 17 anos que é extremamente bem educado - muito poucos adultos com diploma universitário que leram Celan, ouviram falar de Athanasius Kircher ou nunca. O livro narra a história de um estudioso de 24 anos que põe o pé no mundo dos gregos antigos e o outro pé em qualquer submundo que uma cidade litorânea italiana possa oferecer. Oliver é brutalmente bonito e observa um mundo cruel, "um juiz frio e perspicaz de caráter e circunstância". Coberta com óleo bronzeador, sob o sol do Mediterrâneo, ele deixou o jovem Elio quando a viu. Oliver estava bem ciente do resultado, pois todos, homens e mulheres, o amavam: o pai de Elio, hóspede de Oliver, apreciava a bravura do jovem em debater filosofia e recursos de palavras, e as jovens da vizinhança por causa deles. afeto de estrela de cinema, velha esposa com seu comportamento de cowboy. A chance de Highsmith de obter conquistas surgiu, mas enquanto Oliver tinha seu lado perigoso (por exemplo, ele era um jogador de cartas), Aciman nunca foi ingênuo; O amor de Elio tem uma certa qualidade pura ("Eu sou Glauco e ele é Diomedes"), que não alivia a dor quando tudo é revelado, quando o jogo mental acaba e o homem O homem mais sábio do livro é revelado. tornou-se o pai bondoso e carinhoso de Elio, com pungência e inquestionável conforto da melhor forma: “Agora é tristeza. Não invejo sua dor. Mas eu invejo sua dor. Essa dor cria um final feliz, de certa forma.

A história segue Elio, de dezessete anos, e o convidado americano de seu pai, Oliver, por mais de seis semanas quentes e úmidas na casa italiana da família. À medida que Elio e Oliver formam uma amizade improvável, ela rapidamente se transforma em um relacionamento romântico, fortalecido ainda mais pela suave e bela paisagem italiana como pano de fundo para o crescimento de seu afeto. Conforme a história avança, o relacionamento deles se fortalece, mas, infelizmente, uma viagem de verão chegando ao fim os deixa tensos.

Cheio de poesia e prosa poderosa, Call Me by Your Name é uma história evocativa e atmosférica que atrai leitores ao longo das praias ensolaradas da Riviera italiana. Um conto apaixonado de amor, intimidade e decepção, bem como amor e desgosto que muitas vezes se desenrola, Me Chame Pelo Seu Nome é uma bela história de amadurecimento que cativará leitores de todas as idades. e muita bondade. de amor desaparece e envelhece, mas permanece forte e eterno.

Os guias espirituais envolvidos na atração raramente são capturados de forma mais brilhante do que na representação franca, inabalável e comovente da paixão humana de André Aciman. Me chame pelo seu nome é claro, rebelde e, finalmente, inesquecível.

Um livro quente e misto em sentimentos e noções de afeto e a busca pelo reconhecimento do amor em nós, amargo como tomar vodca pela primeira vez e doce como a última.

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