Entrevista Exclusiva: Vitor Zindacta e as Rupturas do Universo Literário

REDAÇÃO: É um prazer recebê-lo, Vitor. Seu trabalho transita com notável fluidez entre o romance psicológico, a não-ficção e até mesmo o dark romance, o que já denota uma complexidade. Para começar, o que move essa sua incessante busca por espectros temáticos e estilísticos tão distintos?

VITOR ZINDACTA: O prazer é meu. Acredito que essa "incessante busca", como você coloca, é menos uma estratégia de mercado e mais uma necessidade intrínseca do meu processo criativo. Cada tema exige uma voz, uma arquitetura narrativa única. O luto, por exemplo, em "Viver com a Perda", demandou uma prosa cirúrgica e empática, enquanto o submundo emocional de um dark romance exige uma entrega visceral, quase perversa, à ficção. A transição é o meu modo de evitar a fossilização do estilo. A escrita é, para mim, um campo de testes perene.


I. A Natureza da Criação e o Espectro Literário

REDAÇÃO: Se a escrita é um campo de testes, em que medida a autoficção — ou a inevitável projeção do "eu" na obra — se manifesta, mesmo em narrativas de caráter puramente ficcional, como seus romances? Onde traçamos a linha, ou ela é, no fundo, uma ilusão?

VITOR ZINDACTA: A linha é uma pretensão acadêmica. Ela se esmaece no ato da escrita. Mesmo quando crio um assassino de aluguel em Nova York, as motivações dele são filtradas pela minha compreensão da psique humana, pelos meus medos e minhas observações do mal. O escritor não inventa a emoção; ele a recicla. A ficção é o meu melhor disfarce.

REDAÇÃO: Se a emoção é reciclada, qual o papel da pesquisa empírica e da imersão social na construção de universos ficcionais tão densos? É suficiente apenas a introspecção?

VITOR ZINDACTA: De forma alguma. A introspecção fornece a chama, mas a pesquisa fornece o combustível e a estrutura metálica. Não se escreve sobre o luto sem ter encarado a perda, nem sobre a violência sem ter estudado suas nuances sociológicas e psicológicas. A verossimilhança exige mais do que imaginação; exige diligência.

REDAÇÃO: Na sua visão, qual é o maior dilema ético que um escritor contemporâneo enfrenta ao abordar temas tabus ou moralmente ambíguos, como a violência ou o desejo predatório, sem cair na romantização ou na simplificação?

VITOR ZINDACTA: O dilema reside em não oferecer conforto. O escritor não é um pregador ou um terapeuta; ele é um observador. O desafio é explorar a sombra sem julgamento explícito, permitindo que o leitor confronte suas próprias zonas de desconforto. Romantizar é trair a complexidade. A seriedade jornalística exige a nuance, e a ficção não deveria exigir menos.

REDAÇÃO: Com a ascensão da Inteligência Artificial, há um temor crescente sobre a desumanização da escrita. O que a IA representa para o ofício do escritor? Um co-piloto ou uma ameaça existencial à originalidade?

VITOR ZINDACTA: A IA é um espelho pragmático. Ela pode mimetizar a estrutura, a sintaxe, até mesmo o estilo, mas não a experiência intrínseca e o trauma que dão alma à narrativa. Ela é uma ferramenta eficiente para a carpintaria, mas jamais para a arquitetura emocional. A ameaça não está na escrita em si, mas na nossa preguiça de valorizar o que é genuinamente humano.


II. O Processo Criativo e a Arquitetura da Obra

REDAÇÃO: Seus livros, mesmo os de não-ficção, demonstram uma preocupação notável com a musicalidade da prosa. Qual é o peso da sonoridade e do ritmo na sua revisão, e como isso se conecta com a carga semântica?

VITOR ZINDACTA: O ritmo é a batida cardíaca da frase. Uma frase mal ritmada, mesmo com semântica impecável, tropeça na leitura. Na revisão, eu leio em voz alta, procurando o eco, a cadência, a pausa dramática. A musicalidade não é um ornamento; é um veículo para a emoção. A dor, o desejo, o suspense, cada um tem seu próprio tempo na página.

REDAÇÃO: O que, em sua opinião, distingue o "bom" diálogo do mero preenchimento narrativo, especialmente em gêneros que dependem da tensão interpessoal, como o romance e o thriller?

VITOR ZINDACTA: O bom diálogo tem pelo menos três camadas: o que é dito, o que é pensado (a intenção oculta) e o que é revelado sobre o personagem. Diálogos eficientes movem a trama, mas diálogos excelentes movem o subtexto. Se um personagem está apenas servindo para dar informação, ele está falhando.

REDAÇÃO: Qual é o papel da estrutura formal — a escolha entre primeira, terceira pessoa, narrativas não lineares — na definição do tom moral de uma obra? Você percebe essa escolha como um imperativo ético da história?

VITOR ZINDACTA: A estrutura é o prisma através do qual a moralidade da história é refratada. A primeira pessoa, por exemplo, em um romance com um protagonista moralmente comprometido, força o leitor a uma cumplicidade incômoda. É um imperativo de imersão, mais do que ético. A voz que escolhemos define o nível de confiança que o leitor pode depositar na narrativa.

REDAÇÃO: O que significa, para um escritor, "matar seus queridos" — não apenas personagens, mas também parágrafos e ideias intelectuais que, embora brilhantes isoladamente, não servem à totalidade da obra?

VITOR ZINDACTA: É o exercício mais doloroso da humildade. Significa reconhecer que o livro é maior que o seu ego. Uma frase pode ser linda, um conceito pode ser fascinante, mas se desvia o fluxo ou sobrecarrega o leitor, é preciso eliminá-lo. A arte da escrita é, em grande parte, a arte da ablação cirúrgica.

REDAÇÃO: Em um mundo de atenção fragmentada e fast-consumption, qual a responsabilidade do livro em manter a complexidade, a nuance e a demanda por uma leitura lenta e reflexiva? O mercado impõe uma simplificação?

VITOR ZINDACTA: O mercado tenta impor a simplificação. Mas a responsabilidade do livro é a de resistir. Se um livro cede à lógica do scroll, ele perde sua essência. O livro, em sua forma física e conceitual, é um convite à desaceleração. É um contraponto à era do ruído. Se não for para exigir reflexão, que se escreva um tweet.


III. A Recepção, o Legado e a Crítica

REDAÇÃO: Como você percebe a relação entre a intenção autoral e a interpretação do leitor? O leitor tem a palavra final sobre o significado de uma obra, ou o autor detém a chave mestra?

VITOR ZINDACTA: O autor constrói a casa e planta o jardim. Mas, uma vez publicado, o leitor é quem decide como viver nela. A intenção é importante para mim, mas é a experiência do leitor que dá longevidade ao livro. Meu trabalho é garantir que as portas estejam abertas e os cômodos sejam ricos em possibilidades, mas a chave mestra, francamente, fica na mão de quem lê.

REDAÇÃO: No que tange à crítica literária, qual o seu maior temor: a indiferença total ou a crítica que, por má leitura, distorce a essência da sua proposta?

VITOR ZINDACTA: A indiferença é a morte da obra. A crítica distorcida, por mais irritante que seja, pelo menos prova que o livro ecoou, mesmo que dissonantemente. O que me incomoda é a crítica que avalia o livro não pelo que ele é, mas pelo que o crítico gostaria que ele fosse, aplicando métricas ideológicas externas em vez de estéticas internas.

REDAÇÃO: A publicação de obras em gêneros polarizados, como o dark romance, pode gerar uma estigmatização do autor perante a crítica mais tradicional. Como você navega essa dicotomia entre o popular e o erudito?

VITOR ZINDACTA: Eu a navego com um ceticismo saudável. A distinção entre "popular" e "erudito" é, muitas vezes, uma barreira de classe e esnobismo, e não de qualidade intrínseca. A boa escrita reside na execução, na profundidade dos personagens, na construção da linguagem. Se o dark romance permite uma exploração brutal da psique humana com alto nível de escrita, ele merece ser levado a sério. Gosto não é sinônimo de qualidade.

REDAÇÃO: Qual o papel da dor e do sofrimento — não apenas como tema, mas como motor criativo — no seu processo de escrita? É um requisito para a profundidade?

VITOR ZINDACTA: A dor e o sofrimento são os catalisadores mais potentes da empatia. Não são um requisito, mas são inevitáveis. A escrita é, em muitos aspectos, um processo de transmutação: transformar o material bruto da angústia pessoal ou observada em algo estruturado e comunicável. Quem escreve sobre a vida sem tocar na dor está escrevendo uma vida incompleta.

REDAÇÃO: Se pudesse dar apenas uma advertência ao jovem autor que busca a publicação no mercado saturado de hoje, qual seria?

VITOR ZINDACTA: Não romantize a profissão. Escrever é 5% inspiração e 95% trabalho duro, marketing e a capacidade de suportar rejeição. Escreva porque você precisa, não porque você quer ser famoso. O resto é ruído.


IV. Perspectivas e o Futuro da Leitura

REDAÇÃO: O que a sua incursão pela não-ficção, especificamente em temas como o luto ("Viver com a Perda"), ensinou-lhe sobre a limitação e o poder da linguagem que não estava aparente em suas obras de ficção?

VITOR ZINDACTA: A não-ficção me ensinou a deferência pela realidade. Na ficção, eu crio a catástrofe. Na não-ficção, eu a descrevo e processo. Descobri que, ao lidar com a dor real, a linguagem precisa ser ainda mais humilde e precisa, evitando metáforas vazias. O poder da linguagem, então, reside em sua capacidade de ser um guia, não um mero adorno.

REDAÇÃO: O que o sucesso de obras de não-ficção sobre saúde mental e autoconhecimento reflete sobre o estado atual da sociedade e a relação do indivíduo com a leitura como ferramenta de cura ou compreensão?

VITOR ZINDACTA: Reflete uma sociedade que está finalmente pedindo o manual de instruções que nunca recebeu. Estamos exaustos do espetáculo e buscando o significado tangível. A leitura se torna um ato de auto-resgate, uma busca por validação ou por ferramentas para processar o caos interno e externo. É um sinal de que estamos, talvez, mais dispostos a encarar a complexidade da nossa própria mente.

REDAÇÃO: Qual é o risco de se confundir a leitura terapêutica com a leitura crítica e estética, diluindo o papel da arte em prol da autoajuda?

VITOR ZINDACTA: O risco é o de esvaziar o canhão de sua munição artística. A arte, para ser arte, deve ser subversiva, desconfortável e esteticamente rigorosa. Se ela for reduzida apenas a um conselho útil, perde seu poder de transformação radical. A leitura terapêutica é válida, mas não pode ser o único critério de valor para a literatura.

REDAÇÃO: O que, em sua opinião, é o "Best-Seller" da próxima década? Uma revolução de formato, de gênero, ou um retorno a temas clássicos sob uma nova ótica?

VITOR ZINDACTA: Será o livro que conseguir integrar, de forma orgânica e não forçada, a experiência digital com a profundidade analógica. Não um livro interativo fútil, mas uma narrativa que entende a ansiedade de conexão e a solidão hiperconectada do nosso tempo. Um retorno aos clássicos, sim, mas reescrito com a linguagem da ambivalência moderna.

REDAÇÃO: Você já afirmou que a literatura é um "mapa da falência humana". Poderia expandir essa ideia e explicar como a literatura, ao expor essa falência, paradoxalmente nos redime?

VITOR ZINDACTA: A literatura é o mapa porque ela documenta nossos erros recorrentes: a traição, a ambição desmedida, o amor destrutivo. Ela mostra que somos essencialmente falhos, e é aí que reside a redenção. Ao lermos sobre a falência de um Bentinho, de um Raskólnikov ou de um Dom Casmurro, nós nos sentimos menos sozinhos em nossa própria fragilidade. A arte não resolve a falência, mas a torna suportável e, paradoxalmente, universal.

REDAÇÃO: Para encerrar, qual a pergunta não formulada que você, como autor, gostaria de responder?

VITOR ZINDACTA: A pergunta é: No fim das contas, a escrita vale o preço pessoal que se paga por ela?

REDAÇÃO: E qual é a sua resposta, Vitor?

VITOR ZINDACTA: A escrita é o único caminho para tornar a dor útil. É uma troca: você entrega sua paz em troca de uma história. Sim, vale a pena. É o único modo de sobreviver à complexidade sem enlouquecer.


REDAÇÃO: Vitor Zindacta, muito obrigado por esta conversa tão franca e instigante.

VITOR ZINDACTA: Eu que agradeço o espaço para o desconforto e a reflexão.

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