Resenha Crítica Analítica de Trímeros (Livros de Odes) 1965-1993)


A obra Trímeros (Livros de Odes) 1965-1993), de Heleno Godoy, publicada em 1993 , transcende a mera coletânea cronológica, apresentando-se como um rigoroso exercício de autocrítica e reflexão metalinguística sobre o processo de individuação e a trajetória poética do autor. O livro, cuja própria configuração é triádica , busca na sua estrutura um meio para "restaurar o 'continuum' processual de sua individuação". O poeta, ao final da obra, reconhece que o livro representa o processo de sua caminhada e a "construção do que tem sido meu trajeto como poeta". A unidade da obra, então, reside na mediação da terceira parte, sem a qual o livro seria apenas "mero exercício de artesanato, fria demonstração de / habilidades".

A primeira parte, "Do Livro do Substantivo Próprio" (1965-1967/1992-1993) , é concebida como uma "visão de dentro/interior" , um "locus amoenus" onde se inicia o percurso da subjetividade poética. O poeta descreve esta fase como o resultado de uma tentativa, frustrada na década de 1960, de unir as leituras de Alberto Caeiro e Ricardo Reis, heterônimos de Fernando Pessoa, mas que hoje lhe parecem mais próximas de William Wordsworth e John Keats. Nesta seção, o eu-lírico, em sua relação com Lídia, celebra o Imaginário e a plenitude de uma existência imóvel, comparável a uma "imobilidade estatuesca". A experiência é de "sono sensual a ultrapassar / a ideia da forma e a alcançar o sonho infinito". O sujeito resiste a qualquer "corte castrativo" ou "ferimento" que o lance ao precipício , preferindo a existência em um par ímpar que é só um. O tema da contenção e do "calmo controle" do amor é central. O poeta questiona se a vida seria "apenas o pó imóvel / a recobrir estradas e móveis há muito / não usados?" , respondendo com a afirmação de que "somos a presença e o tempo comuns". O livro I, que se encerra com a promessa de mover "as estrelas de nossos céus extremos" , é o momento em que a subjetividade se opõe à agitação.

O segundo livro, "Do Livro dos Substantivos Comuns" (1969-1975/1992-1993) , é a antítese do primeiro, refletindo uma "visão de fora/exterior". O período de escrita foi de "engajamento político e estético, / propostas e reformulações" , que resultou em uma "visão distanciada, concretizante e autoritária" das coisas. A poesia se esforça por nomear o mundo, mas sem o "corte ou ferimento" da castração, não há trânsito para o Simbólico. O resultado é uma nomeação precária que se torna um "ato divinatório de uma circunstancialidade". Os poemas desta seção assumem um tom objetivado e crítico, tratando de objetos que encarnam a dominação e o tempo da modernidade. "O Relógio", por exemplo, é visto como uma "tirania, / métrica impositiva e estreita" , que "não marca a hora, escande-a" , e cujo mecanismo "ilude e adoece". "O Carro" é igualmente criticado, sendo apenas "repetição" e "exibição de felic- / idade cara e ambulante". O "Poema" reconhece que o texto "não encontra seu próprio caminho" em "estrada lisa, / regular, facilitada" , mas sim em um "caminho errante". A linguagem torna-se o campo de batalha, onde "O espelho não é, pois, inocente, / reflete o abismo de uma ousadia". O "Rio" corre impassível, "sem nada fazer, / sem fazer, precioso ou / privado, novo mundo seu" , e segue um "curso desistente, / ao destruir seu traço / distintivo e ao correr / para o mar da anulação / de seu propósito".

O terceiro livro, "Do Livro dos Substantivos Imaginados" (1991-1993) , de elaboração recente , tem a função estrutural de mediação. O poeta busca "reelaborar ou redimensionar as duas visões anteriormente / referidas" , fundindo as perspectivas "de dentro" e "de fora" em uma só visão que "vê" e obriga a "ser visto". Contudo, a crítica sugere que o sujeito da enunciação "não conseguiu ele-sujeito ou ela- / voz ludibriar o 'vidro cortante'". Os poemas desta seção, que retratam figuras conhecidas do meio cultural goiano e brasileiro como Ático Vilas-Boas da Mota, Bernardo Élis, Miguel Jorge e Yêda Oscarlina Schmaltz, utilizam a descrição animal e a ironia para construir o retrato do habitus e da singularidade de cada um. Bernardo Élis, por exemplo, é "como uma garça, pernalta de / passos largos, um jaburu ensi- / mesmado, taciturno bicho do / mato" , cuja prosa se escreve com "pureza de polvilho". Miguel Jorge, que se esconde "como uma / coruja se esconde entre galhos" , "não mente sobre a idade que / tem: na verdade, ele não a tem / (nem quer)". A poeta Yêda Oscarlina Schmaltz é "como uma girafa esplêndida e seu / alto pescoço e as pernas longas" , cuja "transparência compacta, ociosidade / aplicada, aspereza dúctil, conhe- / cimento impenetrável" a faz conformar-se "à imagem e à semelhança de si mesma". O autor, ao fim, deseja ter "aprendido a deixar de / olhar só para mim mesmo, ou só objetivamente para as coisas e as pessoas". O gozo da leitura e da criação reside no desvelamento desse "só tempo e um só lugar, em três lugares e em três tempos".

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