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Resenha: Um caminho particular do futuro, de Ricardo Bernhard


APRESENTAÇÃO

Francine não conhece mais o próprio filho. Um NÃO escrito num papel ― três letras e um til na caligrafia inclinada do Cláudio ― como um ponto de partida para a incompreensão. Cláudio não cuidava direito do adorado sítio da família. Cláudio não passava os fins de semana com a mulher e o filho. Cláudio estragou as suas finanças. Cláudio abdicou da sua vida. Cláudio fazia o que não se pode entender. O que, afinal, o Cláudio fazia? Sentindo-se isolada no Rio de Janeiro, depois da morte precoce do filho caçula, a viúva Francine decide se mudar para o sítio da família no vilarejo de Sebastião de Ararampava, na Região Serrana do estado. O seu objetivo era encontrar algum conforto nas memórias de um tempo em que ela, o marido Antero e os filhos Vicente e Cláudio viviam juntos, um tempo em que era possível entender quem eram os seus e o que faziam. Mas, àquele NÃO escrito no papel, juntaram-se outras perplexidades, trazidas pelas observações de Francine, pelas conversas com os habitantes do vilarejo, por lembranças até então sufocadas ou agora reinterpretadas. Não há conforto em Ararampava. Não é possível deixar Ararampava. Cláudio está morto, e Francine quer tentar compreender quem ele era. Romance de ideias em prosa transparente, Um caminho particular do futuro trilha rotas insuspeitas que ligam o certo ao errado, conforme são abertas por uma busca individual de entendimento. O radicalismo onde só se notava temperança, a intrepidez de quem só se sabia fraco, a grandeza quando só se podia supor a mesquinhez, numa obra em que os extremos se sobrepõem numa dinâmica sutil e, acima de tudo, ingovernável. Pois, ainda que a palavra queira guiar o destino, o futuro não se deixa levar por todos os caminhos.

RESENHA


O livro 'um caminho particular do futuro', do autor Ricardo Bernhard, explora a vida de Francine e seu marido Antero e seus filhos Cláudio e Vicente. A obra que explora as complexidades existentes no seio familiar e a busca individual pelo entendimento acerca do luto transforma toda trama do autor em um exercício de reflexão leitor-protagonista, o que faz o livro se tornar palpável de forma direta e sem rodeios. A obra se inicia com Francine, protagonista e figura central, que, chega à casa de sua propriedade, na companhia do motorista e da caseira Dona Almerinda. Ao observar a deterioração da casa, ela sente uma mistura de nostalgia e desolação. Ela decide não entrar e caminha até a mata para respirar ar fresco e se recuperar do enjoo da viagem. Na mata, ela se recorda de momentos passados com sua família e encontra conforto na memória. Francine então reflete sobre a necessidade de realizar reformas na casa, mas ainda não está pronta para enfrentar as mudanças necessárias.

Francine já nas primeiras páginas narra a perda de seu filho caçula, Cláudio, e a mudança de seu foco de vida para o sítio em Ararampava, que pertencia à família. Ela descreve a solidão que sente no Rio de Janeiro, apesar de ter companhia, e a forma como a casa da cidade ressalta a ausência e a separação da família. Ela reflete sobre as tentativas frustradas de se aproximar de sua nora, Júlia, após a morte do marido e a falta de reciprocidade. Com a morte do marido Antero, ela decide vender o sítio, mas o filho Cláudio se oferece para comprá-lo e mantê-lo como um espaço familiar. No entanto, ela se sente excluída e não visita o local, optando por ficar no apartamento no Rio de Janeiro.

Na infância dos meninos, Isabela era a única criança da vizinhança que sempre se encontrava nas idas a Ararampava. Os três formaram um trio inseparável, com as personalidades de Vicente e Cláudio se complementando para acolhe-la. Eles brincavam juntos, tomavam banho no riacho, visitavam o bar da Ruiva, acampavam no quintal, entre outros costumes. Com o passar dos anos, Isabela se tornou uma jovem bonita e graciosa, e tanto Vicente quanto Cláudio pareciam cativados por ela. No entanto,  Francine, mãe dos meninos, sentia-se desapontada e até mesmo indignada com a situação, achando que eles estavam perdendo tempo com a vizinha. Ela então reflete sobre seu ciúme como mãe e sua intolerância em relação à ideia de Isabela como uma potencial parceira para seus filhos. Conclui que, apesar de suas preocupações, o tempo mostrou que Isabela acabou se envolvendo com um jardineiro local, e não com seus filhos e isso, de momento, lhe deu alívio momentâneo.

Dona Francine, a caseira Dona Almerinda e o Seu Evanildo, na cozinha da casa conversam sobre se Júlia não conhecia a caseira e o Seu Evanildo, e descobre que o Cláudio, seu filho falecido, vinha sozinho à casa, encontrava-se com a vizinha Isabela e saía no mesmo dia. Dona Francine fica intrigada com essa relação e decide procurar a vizinha para descobrir o que ela queria falar com ela. O capítulo revela segredos e gera mais perguntas sobre a relação entre Cláudio, Isabela e a família.

Vicente visita de forma inesperada a sua casa no sítio em Ararampava, apesar de inicialmente parecer feliz, Vicente se mostra angustiado e desestabilizado durante a estadia, realizando ações estranhas como revirar os quartos da casa. Durante um passeio pela cidade, as pessoas confundem Vicente com seu falecido irmão Cláudio, aumentando ainda mais a tensão do personagem. Durante a madrugada, a protagonista flagra Vicente se encontrando com a vizinha Isabela no quintal, mas a interação entre os dois é tensa e sem romantismo, o que alivia suas expectativas. 

Francine então vai ao encontro do padre Eduardo, que revela a história de Isabela, uma moça da mesma idade que Cláudio, vizinha, que engravidou na adolescência. A tragédia resultou na morte de um dos gêmeos e na entrega do outro filho para adoção. O padre destaca a bondade e coragem de Cláudio em ajudar Isabela, mas a narradora fica perplexa com a revelação, questionando por que nunca soube da história. A narradora tenta processar a informação para entender o passado e as memórias que retornam. 

'Um Caminho Particular do Futuro' do autor Ricardo Bernhard é uma verdadeira obra-prima que explora de forma e sensível as complexidades existentes nas relações familiares e a busca individual pelo entendimento acerca do luto. Bernhard consegue criar uma trama emocionante e reflexiva, que nos faz refletir sobre nossas próprias vidas e relações. A obra é, senão, uma primasia da literatura brasileira contemporânea.

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