Resenha: O alienista, de Machado de Assis


ISBN-13: 9788502065673
ISBN-10: 850206567X
Ano: 2007 / Páginas: 108
Idioma: português
Editora: Saraiva

As crônicas de Itaguaí, contam que viveu ali em tempos remotos um certo médico o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza do lugar e o maior dos médicos do Brasil, Portugal e Espanha. Com o fim de estudar a loucura, ele trancafia no asilo que construíra e dera o nome de Casa Verde, um quinto da população da vila. Para ele o normal seria algo homogêneo repetido ao infinito, qualquer pessoa com um gesto ou pensamento que fugisse a rotina era objeto de seus estudos. A população aterrorizada se revolta, e aí outros tantos passam a morar no asilo. Mas, Simão Bacamarte tão atento às estatísticas, lembra que a norma está sempre com a maioria, e que é esta afinal quem tem razão. Refaz a teoria, solta os recolhidos e sai ao encalço daqueles poucos que, possuíam coerência moral. Em pouco tempo ele cura a todos, ninguém mais possuía nobres sentimos morais. Só um. Ele o próprio alienista era o único digno de ser trancafiado na Casa

RESENHA

“O cientificismo é uma religião tanto quanto as que essa crença pretende combater.” (ROUDINESCOU, 2000, p. 60)


O livro “O Alienista” de Machado de Assis conta a história de um médico chamado Simão Bacamarte, amante da ciência que vive na cidade de Itaguaí no interior. Simão era casado com D. Evarista, casamento que, segundo ele, foi feito porque D. Evarista, apesar de não ser bonita, tinha as características que ele considerava necessárias para produzir bons filhos, mas eles não o tiveram. Passaram-se um ano, depois outro e depois outro, mas os filhos não vieram.

Simão Bacamarte, então, começa a estudar as questões dos males psíquicos. Consegue um apoio do governo para criar uma casa que abrigasse os loucos da cidade. Esta casa, por ter janelas verdes, é chamada de casa verde. Simão Bacamarte passa muito tempo estudando seus loucos e a esposa começa a se preocupar. Mas Simão a manda ao Rio de Janeiro para fazer compras e se distrair.

A questão é que, enquanto D. Evarista está fora, Simão Bacamarte passa a considerar, baseado em seus estudos, que várias pessoas são doentes ou loucos. A casa verde fica lotada. Simão Bocamante começa a ser visto com desconfiança pela população. A esperança deles é que quando D. Evarista voltasse da sua viagem pudesse dar um jeito na situação e acalmar o alienista. Assim, deu-se uma grande festa em sua volta, mas não atendeu ao desejo da população, pois D. Evarista apenas se preocupava com seus vestidos e objetos que trouxe do Rio. Tanto que, em pouco tempo, até mesmo ela se encontrava na Casa Verde. A situação chegou a tal ponto, que se instaurou em Itaguaí uma revolta chama de a revolução dos canjicas. Eles foram à rua pedindo a morte do alienista, que as pessoas fossem libertadas e a Casa Verde destruída. Foram liderados pelo açougueiro, mas a revolução mudou de rumo e terminou com o açougueiro no poder.

Porém, quando ele assume o comando, não cumpre com os ideais da revolução dos canjicas e firma um acordo com o alienista, contrariando todos os desejos da população. Mas, depois, ele também é destituído do cargo e volta à função de açougueiro. Depois disto, o alienista toma uma atitude considerada inesperada. Ele segue até o prédio da prefeitura e diz que vai soltar todos os que residem na Casa Verde e destituir-lhes os valores pagos pelas estadias. Ele alega que havia errado que os loucos não eram pessoas que tinham comportamentos estranho, mas sim quem tinha uma postura reta e, assim, eram eles que deveriam ir para a Casa Verde.

A reviravolta da história do alienista teve o mesmo efeito que a situação anterior. Logo muitos estavam enclausurados na casa verde por serem “ajuizados demais”. O que não foi muito complicado de se consertar. O alienista deixava eles em situações que faziam com que algum desequilíbrio fosse desencadeado e, então, eram considerados curados.
Ao final da história, Simão Bacamarte tem um insight e ele mesmo é internado na Casa Verde. Dizia-se ajuizado, um cara de bom senso, chegou até a perguntar aos conhecidos e amigos seus defeitos. Estes, já esquecidos do seu ato de internar praticamente a cidade inteira na Casa verde, disseram-lhe que não possuía defeitos. Assim, morreu o alienista: trancado na Casa Verde e se dedicando ao estudo de sua própria cura.

A Psicologia é, muitas vezes, definida como uma ciência diferente das demais. Há quem alegue que isto não está certo, que ela é igual a todas as outras e há quem alegue que nem ciência ela é, mas, se ficarmos do lado de que ela é uma ciência, é muito mais preferível que defendamos que seja uma ciência diferente. A Psicologia, quando enquadrada nos moldes de quem define, normatiza e cataloga, perde por completo seu aspecto mais essencial, o de que é uma ciência humana, porque lida com humanos. Skinner (1981) defende que o homem é um objeto como outro qualquer, que a ciência pode estuda-lo como a qualquer átomo ou estrutura. Posição ingênua essa. Ingênua porque não importa como abordamos o homem, sempre parece nos escapar algo, algo que quando parecemos estar perto o suficiente para encará-lo face a face, foge. Sempre há um aspecto para ser visto, uma palavra para ser ouvida e uma vida para ser sentida. Este algo, para Freud (1915) é o inconsciente. Este por si só é inabordável, fugitivo, mas fundamental para entender a cisão que parece acompanhar o homem do dia do seu nascimento ao dia de sua morte.

Todas as tentativas de estabelecer padrões, entender os determinantes ou enclausurar a loucura humana em uma categoria que implica necessariamente em um padrão de ser humano, terminaria, ou igual ou parecido, a história de Machado de Assis. Por que, afinal, o que é ser humano? Como ser homem? Quem pode responder a isso sem nem mesmo quem o é sabe? Estamos, a cada momento, nos criando e recriando. Cada qual, a sua maneira, cria sua categoria de louco ou não louco, normal ou patológico. A Psicologia, mais especificadamente a Psicanálise, surge para ouvir quando essas definições não são suficientes, para tentar captar o vulto do inconsciente que é deixando quando este, que detém as verdades, insiste em nos deixar com as mentiras.

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