Responsive Ad Slot

Rauai: Uma Jornada Intensa pelo Sertão Pernambucano - Entrevista Exclusiva com a Autora Katyuscia Brito


A obra de Katyuscia Brito, escrita em menos de um mês em 2017, traz uma narrativa intensa e envolvente sobre as realidades do sertão pernambucano. Em seu romance de estreia, a autora aborda as complexidades das relações no mundo do crime, através da história de Rauai e Neto, primos envolvidos em atividades ilegais e perigosas. Com uma escrita hábil e envolvente, Katyuscia explora as nuances de seus personagens, mostrando que não há apenas o bem e o mal, mas sim indivíduos complexos em busca de seu próprio caminho. Em uma jornada de vida e morte, paixão e traição, guerra e paz, a autora nos leva a refletir sobre as escolhas que fazemos e as consequências que enfrentamos. Entrevista exclusiva com Katyuscia Brito, confira!


1. Qual foi a inspiração por trás de Rauai?


Resposta: Escrevi Rauai, primeiramente, porque sou nordestina, pernambucana, e carrego em mim, de forma latente, o Nordeste. É algo que pulsa no meu coração e corre em minhas veias. Saí do nordeste quando eu tinha 11 anos de idade, mas o nordeste nunca saiu de mim. No entanto, Rauai poderia ser ambientado em qualquer região do Brasil, afinal, o livro conta a história de um jovem pobre e sem perspectiva que entra para o mundo do crime em busca de uma vida melhor – fato este que acontece com muitos jovens em todo o país. Vejo que a mídia nacional destaca muito os problemas com o tráfico de drogas no Rio de Janeiro e a questão da segurança pública na cidade do Rio, mas esse é um problema que não é apenas regional, pois acontece em todo o território nacional, e não apenas na região sudeste.



2. Como é o seu processo criativo ao escrever um livro?


Resposta: Tenho rotina! Sou uma pessoa diurna e tenho um melhor rendimento pela manhã. Enfim, independente se estou escrevendo um livro ou um artigo, gosto de escrever sempre no mesmo horário e no mesmo local. Penso na história, nos personagens e nas situações em vários momentos do dia, mas, geralmente apenas no horário que separo para escrever é que passo tudo para o “papel”.


3. Quais são os temas que mais gostou de abordar em Rauai?


Resposta: Sinceramente, me apaixonei por cada um deles. Em cada capítulo mergulhei de forma intensa em cada situação. Para mim é difícil escolher um tema que mais gostei, pois “vivenciei”, mentalmente, intensamente cada um.


4. Como você lida com o bloqueio criativo durante o processo de escrita?


Resposta: Criando um cenário mental sobre a história. Costumo vivenciar, mentalmente, intensamente, cada situação.


5. Quais são os autores que mais te influenciam na sua escrita do seu livro Rauai?


Resposta: Com certeza o Paulo Coelho. Sou fã dele! Embora o tema do meu livro e os temas que ele costuma abordar sejam totalmente diferentes, sempre gostei da forma fluída como ele escreve. E sempre busquei escrever dessa forma.


6. Qual foi o maior desafio que enfrentou ao escrever Rauai?


Resposta: O meu maior desafio foi lidar com a autocrítica. Desde quando comecei a escrever Rauai, disse para mim mesma que iria escrever sem “filtros”, sem receio. Acredito que uma boa escrita é aquela com a qual  a gente consegue escrever despidos de qualquer limitador, de qualquer censura. E assim fiz! 


7. Como você escolheu o título do seu livro?


Resposta: Na verdade, o título surgiu antes mesmo de eu começar a escrever o livro. Eu estava pensando sobre o personagem principal do livro “que ele era forte como uma força da natureza” e, pronto, Rauai “Hawaii” surgiu na minha cabeça. 

  

8. Como foi o processo de pesquisa para o desenvolvimento do livro?


Resposta: O livro ´”Rauai - o Patrão do Polígono da Maconha” é uma obra de ficção. Criei todos os personagens e imaginei uma história para cada um deles naquele cenário “O sertão Pernambucano”, especificamente o Polígono da Maconha. Eu já conhecia um pouco da história, do contexto, do Polígono, fora isso, assisti alguns documentários e reportagens sobre o local e fiz pesquisas no Google.


09. O que você espera que os leitores sintam ao ler sua obra?


Resposta: O livro convida o leitor a fugir do senso comum e a enxergar as coisas, um pouco, sob outra perspectiva. O que é “certo”? O que é “errado”? Será que realmente existe um lado “certo” e um lado “errado”? Ou tudo depende do ponto de vista de cada um? Sei que nada justifica a escolha de um jovem em entrar para o mundo do crime. Assim também como sei que nada justifica a escolha de um político em se tornar corrupto "entrar para o mundo do crime". Embora em "lados  opostos”, ambos são bandidos e estão interligados, afinal, o tráfico é só mais um efeito colateral, ou subproduto, da corrupção. A principal diferença é que um causa um tipo de terror específico, o da violência, e mata com a pistola. Enquanto o outro assombra através da vulnerabilidade social e mata com a caneta.


10. Qual conselho você daria para escritores que estão começando suas carreiras?


Resposta: A escrita é uma paixão, não é uma escolha. É algo que te dá prazer e que te motiva, independente de qualquer coisa. Sendo assim,  mergulhe naquilo que te move e escreva como se ninguém fosse ler. Essa é uma ótima estratégia para driblar a autocensura. Fora isso, acredite em você! 

Maternidade e Poder: O debate de Elisabeth Badinter em 'O conflito'

Foto: Arte digital
 

APRESENTAÇÃO

Um livro que questiona o mito de que toda mulher tem o desejo e o instinto natural de ser mãe. Em O conflito: A mulher e a mãe, a autora reflete e pondera sobre os efeitos e causas da queda acentuada nas taxas de natalidade em todos os países desenvolvidos, o aumento do número de mulheres que não querem ter filhos, o renascimento do discurso naturalista para conquistar as mulheres no seu papel de mães e uma espécie de "ditadura do aleitamento materno". A maternidade agora está carregada de expectativas, restrições, obrigações e Badinter reflete sobre essas mudanças na sociedade de hoje.O conflito vendeu mais de 80.000 exemplares na França. O livro retoma o assunto de O mito do amor materno, que fez estrondoso sucesso na década de 80 e ficou meses em primeiro lugar nas listas dos mais vendidos da Europa, tornando-se um best seller na França. Existe grande interesse da imprensa em entrevistar a autora quando o livro for lançado. "[...] este livro torna urgente o questionamento sobre o lugar da maternidade em nossos dias, mas, sobretudo, afirma a liberdade de cada mulher." ― Márcia Tiburi"Denuncia a tirania da maternidade, que está mandando mulheres de volta para casa." ― L'Express"Um livro pungente." ― Le Point


RESENHA


O estilo de vida da mulher, caracterizado naturalmente pela diferença histórica e social a torna, sobretudo, donas de seu próprio caminho, podendo construir ou derrubar pontes sem pensar muito além do bem-próprio e de suas próprias intuições, independente do local onde se está inserida e o meio ao qual atravessa, claro que isso nem sempre foi assim, e este livro debate essa mudança de perspectiva na vida da mulher, sobretudo, do direito de optar ou não por ser uma profissional qualificada, uma mãe dedicada, uma esposa, ou simplesmente uma mulher solteira com ambições próprias e sem planejamentos concretos derivados de diálogos sociais impostos pela pressão social do ser mãe. Élisabeth Badinter nos lembra que a maternidade, apesar de ser gratificante, não é o único caminho para a realização pessoal. Na França, o modelo iluminista valorizava a emancipação feminina da maternidade, separando a identidade das mulheres desse papel. Atualmente, a ênfase está no desenvolvimento pessoal e na escolha consciente de ter filhos para enriquecer emocionalmente a vida de cada indivíduo. Para Badinter, a sociedade contemporânea é caracterizada pelo hedonismo e individualismo, influenciando as decisões relacionadas à maternidade.


Desde a década de 1970, testemunhamos uma revolução na forma como encaramos a maternidade. Esta transformação coincide com as revoluções sexuais e contraceptivas daquela época. E então, o que passou a ser uma forma natural de ser mãe, advinda do pensamento de que se é natural que toda mulher em idade fértil tenha um filho, Badinter discute sobre as múltiplas perspectivas que se acenderam com o passar dos anos, tornando as mulheres menos propensas à maternidade e elevando assim, a idade 'fértil' das mulheres, fazendo-as focar em relacionamentos saudáveis, vida a dois ou uma vida profissional despreocupada por um tempo sem o peso e responsabilidade da maternidade, o que as leva a desejar ou não ter filhos de forma mais tardia, não mais na casa dos vinte anos, mas agora, dos trinta e cinco aos quarenta, o que em sua maioria, ocorre apenas pela pressão do relógio biológico feminino, temendo então, desta forma, 'se atrasar' para se tornar mãe, embora algumas jamais optem por esta escolha.


A visão da criança e da maternidade foi transformada ao longo dos séculos, passando pela filosofia de Rousseau no século XVIII, pela ideologia natalista do final do século XIX e pelo advento da psicanálise no século XX. Isso fez com que a sociedade criasse um ideal de boa mãe que está sempre próxima e vigilante durante a criação do filho, o que claro, em partes, se perpetua até os dias atuais, e este é, talvez, um dos motivos que norteiam as decisões de mulheres em se tornar mães de forma mais tardia, assim, o filho se tornaria parte de uma vida agitada e vivida, não mais obrigacionista e direcionada unicamente ao desenvolvimento da criança. Essa visão de que toda mãe deve ser 'boa' e presente, trouxe consigo alguns problemas de curto e longo prazo, um deles, claro é o claro abandono da mulher em suas outras obrigações, ou, na maioria das vezes, agindo como um redutor de possibilidades na vida. Se antes a preocupação da criação do filho era uma preocupação social, pois, lidava diretamente com a felicidade da família, da mãe, da sociedade e do bem-estar da criança, hoje as preocupações se transformaram em uma onda de cuidados para o desenvolvimento humano, social e psicológico do individuo.


Tradicionalmente, há uma distinção entre o feminismo igualitário, defendido por Élisabeth Badinter, e o feminismo diferencialista, essencialista e, acima de tudo, naturalista. O autor critica fortemente este último, por ignorar a questão da igualdade de gênero. As mulheres desta corrente enfatizam suas diferenças de identidade e experiências biológicas, celebrando a natureza e qualidades femininas ligadas à maternidade. O naturalismo contemporâneo é influenciado por preocupações ecológicas, com pais cada vez mais interessados em práticas mais naturais, como parto natural e uso de fraldas reutilizáveis. No entanto, a autora critica esse naturalismo contemporâneo, acusando-o de alienar as mulheres. Esse modelo de parentalidade tem ganhado adeptos, especialmente entre as classes mais altas, muitas vezes mulheres qualificadas com alto capital cultural que optam por ficar em casa com os filhos. Isso contrasta com as advertências de Élisabeth Badinter. Embora nem todas as mulheres possam seguir esse modelo, está se tornando cada vez mais presente na sociedade, impactando as mães de maneiras variadas.


Outro problema, ou não, é o favorecimento da política acerca das práticas reprodutivas das mulheres, funcionando como uma válvula catalisadora da economia do país. Embora nem todos os países conseguem, de forma satisfatória, criar quadro de leis e imposições em prol da maternidade, o mesmo não ocorre na França, onde a taxa de natalidade é superior à de outros países da Europa, embora exista o paradoxo, da mãe que trabalhava em tempo integral à mãe que que esta sempre presente no seio da família. O que torna o peso da responsabilidade materna menor, em alguns aspectos, é o papel do Estado na educação do indivíduo, o que, como sabemos, recai totalmente sobre a educação, não sobre a criação recebida pela criança em casa, menos ainda sobre suas faltas psicológicas, problemas emocionais e outros fatores que norteiam o comportamento da criança. 


Neste trabalho, Élisabeth Badinter destaca a persistente contradição enfrentada pelas mulheres em relação à maternidade e ao trabalho. As mães que trabalham são criticadas pelos defensores da família tradicional, enquanto o mundo profissional as censura por terem filhos repetidamente. Embora a maternidade seja considerada a maior conquista das mulheres, ainda é socialmente desvalorizada.


Cada mulher vivencia a maternidade de maneiras distintas, buscando encontrar o equilíbrio entre sua vida pessoal, vida de casal e papel de mãe. Algumas decidem não ter filhos para focar em seu tempo e energia, enquanto outras escolhem ter filhos e abandonar o trabalho para lidar com as responsabilidades familiares.


Em meio a essas diferentes experiências, a maioria das mulheres francesas adota um modelo misto, continuando a trabalhar enquanto criam seus filhos. Elas buscam estratégias para conciliar essas vidas duplas, encontrando soluções para cuidar dos filhos e trabalhar em meio período, se necessário. As mulheres francesas são mulheres emancipadas, que buscam afirmar sua individualidade independentemente da escolha que fazem em relação à maternidade.


Compre o livro O conflito:

https://www.amazon.com.br/conflito-mulher-m%C3%A3e-Elisabeth-Badinter/dp/6589828393/

Resenha: Gentidades, de Darcy Ribeiro

Foto: Arte gráfica

APRESENTAÇÃO

No livro "Gentidades" estão reunidos três textos do antropólogo Darcy Ribeiro que denotam sua fluência para desvendar os mistérios do homem. O educador analisa "Casa-grande & senzala", obra-mestra de Gilberto Freyre, reflete a respeito do índio Uirá que, um desterrado em sua própria terra, e escreve sobre Salvador Allende, presidente do Chile cuja história política Darcy acompanhou de perto. Esta obra atesta o dom de Darcy para seduzir nossas mentes com sua visão clara e ao mesmo tempo profunda sobre os dilemas humanos.


RESENHA

O livro gentidades, do autor, historiador e antropólogo Darcy Ribeiro, publicado pela editora global em língua portuguesa é uma miscelânea de três grandes ensaios do autor acerca em uma análise sucinta a obra 'casa grande e senzala', de Gilberto Freyre, o índio Uirá que vai ao 'encontro' de Maíra, e finalmente, sobre Salvador Allende, presidente do chile.

No primeiro capítulo, Gilberto Freyre - uma introdução a casa grande & senzada, o autor faz uma análise detalhada da obra e do método de Gilberto Freyre, mas também apresenta críticas e questionamentos. Destaca a importância de "Casa-grande & senzala" como a obra mais importante da cultura brasileira, elogiando a capacidade de Gilberto Freyre de recriar o contexto social concreto e único da sociedade colonial brasileira. No entanto, aponta a falta de uma teoria subjacente consistente na obra, questionando a ambiguidade política e o caráter reacionário do autor. Além disso, destaca a falta de um método claro e sistematizado, ressaltando a pluralidade de métodos utilizados de forma não convencional e até mesmo contraditória por Gilberto Freyre. No entanto, apesar das críticas, o autor reconhece o valor e a importância da obra do autor para a literatura e a antropologia brasileiras.

O capítulo, Uirá vai ao encontro de Maíra, narra as experiências de um índio Urubu que sai à procura de Deus, culminando em seu suicídio em novembro de 1939. O autor explora as raízes sociais e mítico-religiosas por trás da jornada de Uirá, relacionando-a a movimentos messiânicos e de revivalismo vividos por índios desesperados com a expansão da sociedade brasileira.

A análise do autor sobre a documentação coletada ao longo do tempo destaca a importância de compreender as reações individuais e coletivas de pessoas que se veem desesperadas e desiludidas com a vida como ela se apresenta. O autor também explora a cosmogonia Tupi e a figura de Maíra, o criador, como parte integrante da visão de mundo dos índios Urubu, demonstrando como essas crenças influenciaram o comportamento de Uirá em sua busca. A narrativa segue desde a vida tribal dos índios Urubu até a chegada de Uirá às cidades, onde é mal compreendido e acaba enfrentando violência e incompreensão, culminando em sua tentativa de encontrar Maíra no rio Pindaré e finalmente em seu ato final de suicídio.

O autor aborda questões complexas sobre identidade, desespero, crenças e a interação entre diferentes culturas, oferecendo uma reflexão profunda sobre a natureza humana e as diferentes formas de buscar significado em meio ao sofrimento e à desilusão. É uma leitura densa e provocativa que convida o leitor a refletir sobre as consequências da expansão civilizadora e seus impactos nas sociedades tradicionais.

No terceiro capítulo, Salvador Allende e a esquerda desvairada, o autor analisa a trajetória de Salvador Allende, presidente do Chile, e a luta da esquerda desvairada em seu governo. Allende é descrito como um estadista corajoso e lúcido, que buscava construir o socialismo em democracia, pluralismo e liberdade. O autor destaca a importância de Allende e sua luta, ressaltando que ele foi uma figura solitária enfrentando desafios e pressões tanto internas quanto externas. O autor revela as dificuldades enfrentadas por Allende, como a oposição da direita e a falta de apoio internacional, além das contradições e erros cometidos pela esquerda desvairada, que contribuíram para a queda do governo da Unidade Popular. A falta de unidade e a radicalização de alguns setores da esquerda prejudicaram o governo de Allende, facilitando a conspiração da direita e a intervenção estrangeira no Chile. O autor destaca a necessidade de autocrítica por parte das esquerdas, reconhecendo os erros cometidos durante o governo de Allende. Ele ressalta a importância de aprender com a experiência chilena e buscar um caminho mais pragmático e eficaz para a construção do socialismo. O autor finaliza refletindo sobre o legado de Allende e o desafio de seguir seu exemplo, lutando por um socialismo democrático e participativo mesmo diante de adversidades. É um texto potente e reflexivo, que convida à análise crítica e ao aprendizado com a história.

Em "Gentidades", Darcy Ribeiro demonstra mais uma vez sua habilidade ímpar em desvendar os mistérios da humanidade através de textos profundos e instigantes. Sua análise crítica e reflexiva sobre obras e figuras emblemáticas como "Casa-grande & senzala", o índio Uirá e Salvador Allende, revela a profundidade de seu pensamento e sua capacidade de seduzir o leitor com sua clareza e perspicácia. A maneira como o autor aborda questões complexas como identidade, desespero e luta política, evidencia sua sensibilidade para as nuances da condição humana. "Gentidades" é uma obra que encanta e provoca reflexões profundas, convidando o leitor a repensar conceitos e a compreender a complexidade do mundo que nos cerca. Uma leitura imprescindível para quem busca entender melhor a história e a sociedade em que vivemos.

Resenha: Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno, de Darcy Ribeiro

Foto: Arte digital
APRESENTAÇÃO

Os índios e a civilização é obra da maturidade intelectual de Darcy Ribeiro. No livro, ele analisa com profundidade as relações entre as etnias indígenas e o contingente populacional em processo de expansão de novas áreas no território brasileiro ao longo da primeira metade do século XX.

O objetivo da reflexão de Darcy é expor de forma bem fundamentada – ladeado pelo conhecimento de quem compreendeu a diversidade dos povos indígenas com rara clarividência – como os primeiros habitantes do Brasil lidaram com a o crescimento da pecuária, da agricultura e com o avançado processo de urbanização ocorrido no país no período.

Ao mesmo tempo em que Darcy flagra as marcas do extermínio dos povos indígenas neste movimento de inserção deles na moderna sociedade brasileira, ele visualiza as formas de adaptação que possibilitariam sua sobrevivência e a perpetuação de seu rico legado.

RESENHA

O livro, os índios e a civilização, aborda a situação das populações indígenas no Brasil, evidenciando as dificuldades enfrentadas por esses grupos em meio à expansão da sociedade nacional. O autor destaca que a história e a cultura desse país vasto e desigual são marcadas por contrastes violentos, onde tribos indígenas isoladas coexistem com grandes metrópoles modernas. Ao longo do século XX, o processo de aculturação e assimilação das populações indígenas no Brasil não ocorreu como se esperava. Em vez de serem absorvidos pela sociedade nacional, muitos desses grupos foram exterminados, e os sobreviventes permaneceram como povos distintos, mantendo sua identidade indígena e sofrendo as consequências da dominação.

O autor relata as bases de seu estudo, que incluem observações diretas feitas ao longo de anos de trabalho como etnólogo, exame de arquivos do Serviço de Proteção aos Índios, entrevistas com especialistas e revisão da bibliografia etnológica existente. Ele destaca a importância de compreender as dinâmicas de interação entre índios e não índios para desenvolver uma teoria geral de mudança sociocultural. Darcy Ribeiro propõe uma nova abordagem para analisar o processo de transfiguração étnica das populações indígenas, que se tornaram índios-genéricos, despojados de sua especificidade cultural, mas não assimilados pela sociedade nacional. O autor destaca a necessidade de reavaliar noções tradicionais e desenvolver novos conceitos para compreender melhor a complexidade das relações entre sociedades tribais e nacionais no Brasil.

Em suma, a obra de Darcy Ribeiro lança luz sobre as tensões e desafios enfrentados pelas populações indígenas no Brasil, oferecendo uma análise crítica do processo de aculturação e transfiguração étnica desses grupos em meio à expansão da sociedade nacional. É uma contribuição valiosa para o entendimento das relações interétnicas no país e para o desenvolvimento de teorias mais abrangentes sobre mudança sociocultural.

No capítulo Amazônia extrativista, o autor apresenta um panorama histórico da ocupação europeia na região do delta do Amazonas, destacando a exploração econômica baseada na extração de produtos florestais como o cacau, cravo, canela, entre outros. Inicialmente, a mão de obra indígena era utilizada para a coleta e transporte desses produtos, sustentando uma economia mercantil extrativista na região.

O capítulo ressalta como a exploração da Amazônia se deu de forma desordenada, baseada na busca aleatória por produtos naturais, o que levou à dispersão da população ao longo dos rios e afluentes da região. Os povos indígenas foram primeiramente coagidos a participar das atividades extrativistas, o que resultou em conflitos e exploração dessas populações ao longo dos séculos. O autor segue esclarecendo, que, a chegada da era da borracha representou um ponto de virada na economia amazônica, impulsionando o desenvolvimento das cidades e incrementando a exportação do produto. Contudo, a exploração excessiva levou a consequências desastrosas, como a epidemia de doenças carenciais entre a população dos seringais e o abandono da agricultura, resultando em uma completa dependência da borracha.

O colapso da economia extrativista, com a concorrência da borracha cultivada no Oriente, gerou um período de miséria na região, porém, foi também o momento de libertação das populações indígenas e caboclas da opressão vivida durante a era da borracha. Gradualmente, outras formas de exploração dos recursos naturais da região surgiram, mantendo uma economia de trocas mais sustentável. O capítulo retrata a exploração desordenada e predatória da região amazônica ao longo dos séculos, revelando as consequências sociais, ambientais e econômicas desse modelo econômico baseado na extração de produtos florestais. A sobrevivência dos povos indígenas e a busca por alternativas mais sustentáveis de uso dos recursos naturais da Amazônia são temas centrais abordados na obra.

O capítulo segue analisando o vale do rio negro, discorrendo sobre a ocupação europeia no Vale do Rio Negro desde o século XVII, destacando as diferentes tribos e culturas presentes na região. O autor destaca a violência e exploração sofridas pelos índios, tanto por missionários religiosos quanto por colonos, resultando em graves rebeliões indígenas na Amazônia até meados do século XIX. O autor também aborda a chegada dos missionários salesianos em 1916, que se estabeleceram na região e construíram uma igreja e uma missão. Apesar de prestarem alguns benefícios aos índios, como assistência médica e educação, os salesianos são criticados por sua intolerância e destruição da cultura indígena. A substituição das malocas por choças individuais é apontada como um exemplo dessa atitude, que mina a tradição e a organização tribal dos índios. O autor ressalta que a atuação dos missionários salesianos não contribui de forma positiva para a preservação da cultura indígena, levando os índios a se identificarem cada vez mais com a sociedade branca e rejeitarem suas próprias tradições. A narrativa destaca a resistência dos índios e a importância de preservar suas formas de organização e sobrevivência, que são mais adequadas ao ambiente da floresta tropical. Em suma, o autor critica a postura dos missionários salesianos que, ao invés de promover a integração harmoniosa entre as diferentes culturas, acabam por destruir as tradições e modos de vida indígenas, resultando em uma perda irreparável para as comunidades do Vale do Rio Negro.

Seguindo sua exposição, o autor nos fala sobre os índios do Tapajós e do Madeira, abordando a resistência dos povos indígenas da região do Tapajós e do Madeira contra a colonização e dominação dos brancos ao longo dos séculos. Inicialmente, os Torá foram os primeiros a enfrentar os invasores, porém foram enfraquecidos e posteriormente substituídos pelos Mura, que resistiram com sucesso por um longo período, obrigando até mesmo algumas vilas a se mudarem para longe de sua área de ação. Os Mura, por sua vez, acabaram por conhecer elementos da cultura branca, como armas de fogo, e se concentraram na região do Autaz, mantendo uma população considerável até o século XX. Os Munduruku, tribo tupi do Tapajós, sucederam os Mura e expandiram seu território pelo médio e baixo Tapajós, enfrentando tanto tribos locais como os colonizadores. Sua combatividade foi recrutada pelos brancos para enfrentar tribos hostis, mantendo-se autônomos por um longo período. No entanto, devido a fatores como depopulação e influência missionária, as correrias guerreiras dos Munduruku chegaram ao fim. Por outro lado, os Parintintin surgiram como uma nova tribo guerreira no século XIX, ocupando o território dos Torá, Mura e Pirahã, e se tornando obstáculo à expansão dos colonizadores no Madeira. O autor também destaca a selvageria com que os caucheiros e seringueiros atacavam as populações indígenas, destruindo aldeias e causando mortes em busca dos recursos naturais da região. A resistência dos índios, que muitas vezes se rebelavam e aderiam a movimentos de revolta, como a Cabanagem, mostra a luta contínua dos povos indígenas pela posse de suas terras e contra a exploração a que eram submetidos. Ao final, muitos indígenas se adaptaram à sociedade como produtores e mão de obra, mas mantiveram sua identidade tribal e lutaram por sua libertação.

O autor expõe que a ocupação do Juruá-Purus ,região da Amazônia, originalmente habitada por indígenas, foi marcada pela rápida e violenta invasão dos seringueiros em busca de borracha. Com a chegada dos nordestinos fugindo da seca, a população da região rapidamente aumentou, mas em detrimento da população indígena, que foi praticamente dizimada. Os contatos superficiais entre os seringueiros e os povos indígenas resultaram em uma grande confusão em relação às tribos existentes na região, dificultando o trabalho dos etnólogos e linguistas. Os índios foram submetidos a violências, escravidão e exploração, sendo muitas vezes perseguidos, mortos e suas terras invadidas. Os relatórios do Serviço de Proteção aos Índios narram inúmeras chacinas e violências cometidas contra os indígenas, que eram forçados a trabalhar nos seringais em condições miseráveis. Mesmo após anos de conflitos, os índios tentaram resistir e se defender, mas acabaram se rendendo e sofrendo ainda mais opressão. Com o tempo, a presença dos indígenas nas terras concedidas pelo Governo Federal passou a ser vista como uma ameaça e eles foram expulsos, mesmo sendo utilizados como mão de obra gratuita. A exploração e a violência contra os indígenas continuaram, com relatos de massacres e firmas comerciais mantendo homens armados para matar aqueles que se opunham à ocupação predatória de suas terras. A ocupação do Juruá-Purus foi um exemplo trágico de como a ganância, a violência e a exploração dos recursos naturais levaram à destruição de populações indígenas inteiras, deixando um legado de dor e sofrimento para aqueles que habitavam originalmente a região.

Já no capítulo 2, as fronteiras da expansão pastoril, aborda a expansão das fronteiras pastoris no Brasil e o impacto dessa expansão nas populações indígenas do Nordeste. A ocupação do interior do país, inicialmente destinada à criação de gado, levou à dispersão dos criadores de gado por todas as regiões do Nordeste, resultando na ocupação econômica dos extensos sertões interiores. Esse processo de ocupação resultou em conflitos violentos entre os indígenas e os invasores europeus, com os primeiros resistindo à invasão de seu território. Os índios dos sertões do Nordeste opuseram resistência à invasão de seus territórios, sendo trucidados ou apresados como escravos para os canaviais da costa. Após a expulsão dos jesuítas, em 1759, a administração das aldeias indígenas foi entregue a sacerdotes menos interessados na obra catequética, resultando na exploração dos índios e na reversão das terras concedidas a eles para o domínio de grandes empresas agroindustriais. Os remanescentes indígenas do Nordeste, como os Potiguara, Xukuru, Fulniô, entre outros, enfrentaram dificuldades na manutenção de suas terras e tradições. Muitos foram obrigados a dispersar-se e a se assimilar à sociedade nacional, perdendo a língua tribal e abandonando práticas ancestrais. Mesmo assim, esses grupos indígenas persistiram em se identificar como índios, resistindo à pressão assimilacionista da sociedade envolvente. O autor ressalta a importância de preservar e proteger as terras e tradições dos povos indígenas do Nordeste, destacando a resistência e a resiliência desses grupos em meio às adversidades enfrentadas durante a expansão pastoril no Brasil.

O capítulo 3, expansão agrícola na floresta Atlântica, o autor aborda a expansão agrícola na floresta atlântica do sul do Brasil e o impacto dessa expansão sobre as tribos indígenas que habitavam essa região. O autor descreve como a chegada dos colonizadores e a necessidade de mão de obra escrava levaram à subjugação e, muitas vezes, extinção dessas tribos.

O capítulo também destaca a resistência das tribos indígenas, que lutaram para manter seus territórios e modo de vida tradicional, mesmo diante da invasão e da pressão dos colonizadores. Além disso, mostra como missionários e autoridades tentaram civilizar e catequizar os indígenas, muitas vezes resultando em conflitos e chacinas. A narrativa é detalhada e apresenta um panorama complexo da relação entre colonizadores e indígenas na região da floresta atlântica. O autor destaca o papel da economia, da política e das missões religiosas nesse processo, mostrando as contradições e os conflitos que marcaram a história dessas tribos.

O capítulo 4, penetração militar em Rondônia, discute a penetração militar em Rondônia, focando principalmente na atuação da Comissão Rondon, liderada por Cândido Mariano da Silva Rondon na construção das linhas telegráficas que ligariam Mato Grosso ao Amazonas. O autor aborda como os índios do Brasil eram caçados e oprimidos pela civilização, sendo escravizados e expulsos de suas terras. A atuação da Comissão Rondon se destaca como uma exceção, adotando uma postura amistosa e buscando a integração das tribos indígenas à sociedade brasileira. Rondon, inicialmente destacado para servir em Mato Grosso, teve seus primeiros contatos com populações indígenas, trabalhando para estabelecer relações pacíficas e demarcar terras indígenas. A narrativa destaca a importância de Rondon na proteção dos índios contra a exploração dos fazendeiros, na promoção do trabalho e na defesa dos direitos dos indígenas. Ao longo de sua carreira, Rondon enfrentou desafios e hostilidades, como a pacificação dos Bororo de Garças e a penetração no território dos Nambikwara, considerados índios violentos e antropófagos. Apesar das dificuldades, Rondon conseguiu conquistar a confiança e a amizade das tribos indígenas, evitando conflitos e promovendo a paz. A obra de Rondon não se limitou à construção das linhas telegráficas, mas também contribuiu para o conhecimento das populações indígenas, da geologia, da flora e da fauna do Brasil interior. Sua abordagem humanística e pacífica estabeleceu um novo padrão nas relações entre povos tribais e nações civilizadas. O autor destaca como a atuação de Rondon influenciou a formação dos primeiros indigenistas brasileiros e a criação do Serviço de Proteção aos Índios.

Já o capítulo 5, a política indigenista brasileira, traz a tona o esclarecimento de que a política indigenista brasileira nos primeiros anos da República era marcada por conflitos violentos entre colonos e índios, com tribos sendo exterminadas e terras sendo disputadas. A fundação do Serviço de Proteção aos Índios em 1910 foi uma resposta a esses conflitos, visando proteger os povos indígenas e garantir seus direitos. O autor destaca a atuação do general Rondon, que ganhou destaque por suas expedições e métodos pacíficos de interação com os índios. Ele substituiu a visão tradicional do índio como inimigo e fera indomada por uma imagem mais humanizada, onde os índios mereciam proteção e respeito. As discussões sobre a política indigenista brasileira se dividiam entre abordagens religiosas, que defendiam a catequese como solução, e visões laicas, baseadas no evolucionismo positivista de Auguste Comte. Os positivistas propunham uma política de proteção aos índios, com foco na autonomia das tribos e no desenvolvimento social e econômico. A crítica às missões religiosas também é abordada, mostrando como muitas delas falharam em pacificar os índios e acabaram causando mais conflitos. A proposta de Rondon e dos positivistas para a nova política indigenista incluía a manutenção das tradições tribais, a educação dos índios e o respeito à sua autonomia. Em resumo, o autor apresenta a evolução da política indigenista brasileira, desde os conflitos violentos até a busca por uma abordagem mais pacífica e respeitosa em relação aos povos indígenas. A atuação de figuras como Rondon e a influência do positivismo foram fundamentais para essa mudança de paradigma.

O capítulo 6, a pacificação das tribos hostis, narra que Telésforo Martins Fontes conseguiu finalmente estabelecer contato pacífico com os baenã, demonstrando sua coragem e determinação com um gesto ousado. Em uma situação de extrema tensão, despojou-se de suas roupas e se aproximou dos índios nu e desarmado, em um ato de confiança e busca pela paz. Esses exemplos de bravura e habilidade em lidar com situações delicadas são ilustrativos do processo de pacificação das tribos hostis realizado pelo SPI ao longo dos anos. Essas histórias destacam não apenas os desafios enfrentados pelos servidores do SPI, mas também a importância da perseverança e da compreensão mútua para o estabelecimento de relações pacíficas entre sociedade brasileira e populações indígenas.

Já o problema indígena, exposto no capítulo 7, esclarece, que, no Brasil, desde a atuação inicial do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) até a situação atual das terras indígenas no país, os fundadores do SPI acreditavam na transformação dos índios em lavradores e em sua assimilação completa à sociedade nacional. No entanto, a realidade demonstrou que os índios resistiam à mudança e preservavam suas características culturais. Os índios enfrentaram a exploração e o desrespeito desde a chegada dos portugueses ao Brasil. Mesmo com legislação que garantia seus direitos às terras que habitavam, os índios foram continuamente desalojados e tiveram suas terras usurpadas por fazendeiros, empresários e governos locais. O autor destaca que a posse da terra é essencial para a sobrevivência dos indígenas, mas a falta de fiscalização e ações efetivas do governo têm permitido a invasão e exploração das terras indígenas. Os interesses econômicos muitas vezes se sobrepõem aos direitos e à proteção dos indígenas, levando à perda progressiva de seus territórios. A discussão sobre as terras indígenas no Brasil é apresentada como um problema complexo, que envolve interesses econômicos, políticos e culturais. O autor destaca a necessidade de uma regulamentação eficaz e de ações concretas para garantir a posse das terras indígenas e a preservação das comunidades indígenas no país.

No capítulo 8, as etapas da integração, Darcy narra-nos, que, a integração dos grupos indígenas brasileiros na sociedade nacional ao longo do século XX, analisando as diversas etapas desse processo. Darcy destaca a importância de comparar a situação dos grupos indígenas em 1900 com a situação em 1957, a fim de entender o grau de integração na sociedade nacional e a conservação ou perda da autonomia cultural e linguística. A partir de uma análise sistemática, o autor divide os grupos indígenas em quatro categorias: isolados, em contato intermitente, em contato permanente e integrados. Por meio dessas categorias, ele analisa o comportamento e as transformações vivenciadas pelos grupos indígenas ao longo do tempo. Além disso, o autor discute a intervenção do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) como um fator que influenciou o processo de integração. Ao comparar os dados de 1900 com os de 1957, o autor observa que houve uma drástica redução no número de tribos isoladas e uma modificação profunda na composição dos grupos remanescentes em relação ao grau de integração. Ele destaca que a intervenção protecionista do SPI contribuiu para a sobrevivência de muitos grupos indígenas que, de outra forma, teriam desaparecido. Por fim, o autor ressalta que a integração dos grupos indígenas à sociedade nacional é um processo complexo, com diferentes etapas e desafios. A análise dos dados apresentados demonstra a importância de compreender as dinâmicas sociais e históricas que influenciam a integração dos povos indígenas e a necessidade de políticas de proteção e preservação das culturas indígenas. Em suma, o capítulo oferece uma visão abrangente e detalhada da integração dos grupos indígenas brasileiros ao longo do século XX.

O capítulo 9, as compulsões ecológicas e bióticas, destacam as graves consequências do contato entre índios e sociedade civilizada, com foco nas doenças que são levadas aos povos indígenas e nas mudanças na organização social e nos hábitos alimentares que resultam desse convívio. As epidemias de gripe, sarampo, varíola e tuberculose são descritas como causas de alta mortalidade entre os índios, que muitas vezes não possuem imunidade contra essas doenças, levando a uma redução drástica das populações. Além disso, as mudanças na dieta e no estilo de vida dos índios resultam em deficiências nutricionais e problemas de saúde, como cáries dentárias e distúrbios motores. O autor também destaca o impacto da pacificação e do contato com civilizados na organização social e nos costumes tradicionais das tribos indígenas. A imposição de novas práticas e a interferência na vida dos índios resultam em desorganização interna, desmoralização e até mesmo no colapso de alguns grupos, que se veem obrigados a se adaptar a um novo modo de vida. Em resumo, a resenha do conteúdo apresenta um panorama sombrio das consequências do contato entre índios e sociedade civilizada, destacando a importância da preservação da cultura e dos hábitos tradicionais dos povos indígenas para garantir sua sobrevivência e bem-estar.

No capítulo 10, o autor discute as repercussões das coerções socioeconômicas sobre os grupos indígenas que entram em contato com a sociedade brasileira em expansão. Ele destaca como a imposição de novos elementos tecnológicos, como ferramentas de metal e outros bens da civilização, influenciam a cultura e a vida tribal. A introdução desses elementos pode levar a mudanças profundas na estrutura econômica e sociocultural das tribos, afetando sua autonomia e levando a uma dependência econômica fatal. O autor discute como a adoção desses elementos pode trazer benefícios, como maior eficiência nas atividades produtivas e disponibilidade de tempo para o lazer, mas também desafios, como a desintegração das unidades sociais tradicionais, a estratificação étnica e a desorganização social. A introdução de novas tecnologias também pode levar à individualização, à competição racionalista e ao desenvolvimento de atitudes competitivas. Além disso, o autor aborda como a introdução de novos elementos culturais pode levar à degradação da arte indígena, à desvalorização das práticas tradicionais e à perda de identidade cultural. Ele ressalta a importância de equilibrar o valor operativo das inovações com seu valor funcional, para evitar desajustamentos que possam levar ao colapso da vida tribal.

O capítulo 11 discute a interação entre as culturas tribais e a nacional, explorando como as representações simbólicas do mundo e os corpos de crenças e valores motivam a conduta dos povos indígenas diante do impacto da civilização. O autor destaca que essa interação não se resume a simples confrontos culturais, mas sim a um complexo processo de transfiguração étnica, no qual as crenças e valores indígenas são constantemente redefinidos para se adequarem às novas realidades impostas pelo contato com a civilização. Por meio de diversos exemplos de diferentes tribos indígenas, o autor ressalta como as tradições míticas são reajustadas para explicar e justificar as transformações vivenciadas pelo grupo. Mostra como o sincretismo religioso, os movimentos messiânicos e as reações contra-aculturativas são formas de resistência e adaptação dos povos indígenas diante das pressões do mundo moderno. Destaque é dado ao caso dos Bororo, que mesmo após décadas de convivência com os missionários e a integração na economia regional, conseguiram preservar seus cerimoniais fúnebres, manifestando orgulho e identidade cultural em suas práticas rituais. Isso evidencia a resiliência e a capacidade de adaptação dos povos indígenas em meio a desafios culturais e socioeconômicos. Em resumo, o capítulo aborda a complexidade das reações étnicas diferenciais dos povos indígenas frente à modernidade, mostrando como suas tradições e crenças são redefinidas e mantidas como forma de resistência e preservação da identidade cultural em um mundo em constante transformação. É um estudo profundo e perspicaz sobre as dinâmicas culturais e sociais dos povos indígenas diante dos impactos da sociedade nacional.

Já no último capítulo, conclusões, o autor revela que a população indígena do Brasil representa menos de 0,2% da população nacional, com a maioria das tribos localizadas na região da Amazônia. As populações indígenas são classificadas em quatro categorias de acordo com o grau de contato com a sociedade nacional: isolados, contato intermitente, contato permanente e integrados. Cada categoria representa uma etapa no processo de integração das populações indígenas na sociedade nacional, com algumas tribos enfrentando a extinção devido aos impactos da civilização. O autor também destaca a influência dos diferentes setores econômicos (extrativista, agrícola e pastoril) na interação com as tribos indígenas, sugerindo que a dinâmica da sociedade nacional desempenha um papel crucial no destino das tribos. Além disso, são apresentados fatores causais da transfiguração étnica, como as compulsões ecológicas, bióticas, tecnológico-culturais, socioeconômicas e ideológicas que levam as tribos indígenas da condição de índios tribais à de índios genéricos. A sequência típica da transfiguração étnica descrita no conteúdo aborda a progressão do processo de aculturação e integração das tribos indígenas com a sociedade nacional, destacando a importância do ritmo e intensidade dessa transformação no destino de cada grupo. Por fim, a interação entre os índios genéricos e a população brasileira é descrita como mediada por representações preconceituosas que isolam e perpetuam a condição de ambos como alternos em oposição. Em suma, o conteúdo faz uma análise profunda e detalhada sobre a população indígena brasileira, destacando os desafios enfrentados pelas tribos na integração com a sociedade nacional e os impactos dessa interação no destino e identidade desses grupos étnicos. É um estudo relevante que contribui para a compreensão da diversidade étnica e cultural do Brasil.

O livro "Os índios e a civilização", de Darcy Ribeiro, é uma obra fundamental para compreender as relações entre as populações indígenas e a sociedade brasileira ao longo do século XX. O autor analisa de forma profunda e detalhada as diversas etapas do processo de integração e transfiguração étnica das tribos indígenas, destacando os impactos da expansão agropecuária, da industrialização e da urbanização no destino e na identidade desses povos.

Darcy Ribeiro apresenta um panorama sombrio das consequências do contato entre índios e sociedade civilizada, evidenciando as epidemias, a perda da autonomia cultural e linguística, a exploração e a violência sofridas pelas populações indígenas. Ele destaca a resistência, a resiliência e a capacidade de adaptação dos povos indígenas diante das pressões do mundo moderno, mostrando como suas tradições e crenças são redefinidas e mantidas como forma de resistência e preservação da identidade cultural. Ao longo dos capítulos, o autor aborda a atuação do Serviço de Proteção aos Índios, a introdução de novas tecnologias e elementos culturais, as compulsões ecológicas e bióticas, as repercussões das coerções socioeconômicas e as diferentes categorias de contato dos grupos indígenas com a sociedade nacional. Ele analisa os desafios enfrentados pelas tribos na manutenção de suas terras, tradições e identidade cultural, ressaltando a importância da preservação e proteção das terras indígenas para garantir a sobrevivência e bem-estar dessas comunidades.

Em sua conclusão, Darcy Ribeiro destaca a influência dos diferentes setores econômicos na integração das populações indígenas na sociedade nacional, e ressalta a importância de compreender a dinâmica da sociedade brasileira para entender o destino das tribos indígenas. Ele conclui que a interação entre os índios genéricos e a população brasileira é mediada por representações preconceituosas, que perpetuam a condição de ambos como alternos em oposição. Em suma, o livro de Darcy Ribeiro é um estudo profundo e perspicaz sobre as relações interétnicas no Brasil, oferecendo uma análise crítica do processo de aculturação, transfiguração étnica e integração das populações indígenas na sociedade brasileira. É uma obra essencial para quem busca compreender a diversidade étnica e cultural do país e refletir sobre os desafios e dilemas enfrentados pelos povos indígenas em meio à modernidade.

Paulo Cotias responde questões sobre seu livro ''12 Lições Contra o Neofascismo''



O livro de Paulo Cotias, intitulado "12 Lições Contra o Neofascismo", mergulha fundo na análise desse fenômeno multifacetado e muitas vezes silencioso. Como historiador e especialista em educação, o autor apresenta uma abordagem clara e contextualizada, alertando para a necessidade de não suavizar a gravidade do neofascismo com eufemismos. Nas 12 lições que compõem a obra, Cotias expõe as características, estratégias e mecanismos utilizados pelos neofascistas, destacando a importância de compreender e combater esse movimento. Com uma linguagem direta e contundente, o autor lança luz sobre um tema urgente e relevante para os tempos atuais. Hoje o autor nos fala em um bate papo rápido sobre sua obra, confira abaixo:

1. Qual foi o motivo que o levou a escrever o livro "12 Lições Contra o Neofascismo"?


A principal motivação está ligada a constatação de que, apesar de algumas produções literárias e visuais sobre a temática, senti falta de algo que pudesse pensar o fenômeno do neofascismo em si. Além disso, percebi o enorme esforço (ingênuo ou deliberado), de pensadores, comunicadores e redes em suavizar e diluir o neofascismo por meio de expressões que funcionam como amortecedores , como eufemismos tais como “conservadores”, “extrema direita”, “populismo de direita”, “radicais”, “extremistas”, todos eles contendo tudo e nada ao mesmo tempo. Ou seja, para combater o que considero o pior inimigo do paradigma de civilização contemporâneo, o neofascismo, é preciso tentar compreender o que ele é, como opera, quais suas estratégias, suas ambições e seus arquitetos e colaboradores. E isso é uma necessidade urgente do nosso tempo.


2. Como foi o processo de pesquisa e elaboração das 12 lições apresentadas no livro?


Eu já havia me dedicado a escrita de livros didáticos para o ensino superior na área de história contemporânea, o que já havia prorporcionado revisitar a temática do fascismo e do totalitarismo. Aliado a isso, procurei também me dedicar a leitura de obras que operam com o tema, entender suas abordagens e contribuições. O esforço maior, no entanto, foi o de fazer o exercício desafiador de todo o historiador do seu próprio tempo, ou seja, o de buscar o máximo de fontes por meio de notícias e conteúdos não apenas que falassem do neofascismo, mas, sobretudo, o que foi produzido por neofascistas. Desse modo, a proposta desde o princípio foi adotar o estilo ensaístico, embasado, mas não propriamente um livro nos padrões acadêmicos clássicos. É uma obra para o pensamento, para discussão, para a provocação de reflexões. Um livro fundamentado, para ser lido e para servir de inspiração para outras reflexões.

3. Como você lida com a questão social em relação ao neofascismo? Você encontrou alguma barreira ao levantar questões tão pertinentes ao momento político atual?


Tenho observado com muita preocupação a capacidade de sedução que o neofascismo tem conseguido impor aos mais difentes campos como o progressismo e até mesmo a centro-esquerda. Essa receita não é propriamente nova, pois o fascismo acenara outrora para os diferentes círculos de trabalhadores, ativistas e intelectuais, dos quais captou muitos que acreditaram que teriam vantagens pragmáticas ou algum prestígio estratégico em um eventual novo regime. Tanto ontem, como hoje, os seduzidos pela política fascistóide são meros meios utilitários. A barreira que encontro é a da hipocrisia, sobretudo por parte dos que se deixaram envolver e se entregaram ao neofascismo. Eram críticos de outrora, mas que levados pelo pragmatismo do poder pelo poder, das benesses desse poder, fingem que não sabem com quem se envolvem ou o que defendem. Dão desculpas para si próprios e para as redes. Quando o fascismo foi derrotado, não foram poucos que ficaram expostos a essa vergonha.




4. Qual a importância de contextualizar historicamente o neofascismo para compreendê-lo melhor?


Isso é importante para evitar tanto o anacronismo, quanto o academicismo. Fascismo e neofascismo são experiências com datação, lugar e sujeitos históricos particulares. Porém, é necessário estabelcer o que temos de reacapitulação e o que se prolongou na longa duração do fascismo desde a sua derrota na Segunda Guerra Mundial. Foi derrotado, mas não foi deletado. E o neofascismo assume formas novas, mas trazendo aspectos dorsais dessa experiência originária. Além do mais, você só combate o que conhece. É um principio básico. E o neofascismo tem se esforçado e conseguido operar de modo escamoteado. É hora de levâ-lo à luz de dia.

Foto: Arte digital / Folha da cultura

5. Quais são os principais desafios enfrentados pela democracia atualmente para combater o avanço do neofascismo?

Um primeiro desafio é o da própria percepção do que é democracia atualmente. Em um cenário piolítico no qual ela geralmente é fixada como a “festa do voto” e amplamente confundida com um estado dispensador de serviços, é desafiador promover uma discussão capaz de recolocar a democracia como um valor indispensável. E por que? Nem todas as nações conhecidas são democráticas. Sejam de direita ou esquerda, algumas formam ditaduras abertas ou escamoteadas por eleições viciadas, além das riquíssimas nações que se projetam no cenário internacional e que possuem sistemas autocráticos ou até mesmo despóticos. O que isso significa? Que a democracia não é um valor natural e muito menos universal. Pior, seja pela globalização ou pela geopolítica, as democracias se relacionam ou até se vinculam em diferentes graus com esses outros regimes o que levanta questões muito fortes sobre a ética e os limites dessas relações. O neofascismo não tem nenhuma dificuldade de operar nesse mundo caleidoscópico, pois essa é justamente sua natureza. Sendo assim, pode muito bem defender qualquer outro regime no lugar da democracia, alegando que dará o que os seus seguidores desejam e os protegerá dos próprios inimigos por ele criados.


6. Você acredita que a conscientização e resistência democrática são eficazes para evitar retrocessos autoritários?


Sim, mas ainda vemos que os agentes políticos insistem na visão de que a conscientização é algo que se faz no movimento dos que falam para os que escutam. Isso nunca irá gerar consciência. A consciência é uma opção desejante do indivíduo que busca no que o outro produz, seja um livro, um discurso ou uma obra de cultura, os elementos que fazem com que pense, entenda e tome decisões informadas. E é ilusória a noção maniqueísta de que existe uma consciência boa ou má. Existe a consciência e ela se alimentará do cardápio que a convencer. Assim, acredito que tenhamos que ser muito melhores nas formas de ouvir, de integrar, de comunicar e de dispor as trilhas dos saberes que possam garantir que não caiamos em retrocessos civilizacionais. O pior, é que no meio dessa lide ainda temos o profundo fosso da alienação das redes, uma cultura de inutilidade a serviço das novas formas do capitalismo contemporâneo. Não é um cenário fácil.


7. Qual a relação entre a crise do Estado liberal, do capitalismo e a ascensão do neofascismo contemporâneo?

Para mim é muito simples. O neofascismo é a tábua de salvação do estado liberal capitalista. Mas não estamos aqui falando dos liberais progressistas ou dos capitalistas que advogam o bem-estar social. Falo dos ultraliberais que desejam libertar-se completamente de qualquer limitação legal na sua capacidade de ampliar seus lucros e, para tal, precisam controlar definitavamente o estado. Para isso, atacam o estado em suas fragilidades, tentando convencer a opinião pública de que ele é algo unicamemente ruim, caro, ineficiente, perdulário, corrupto e que, para reverter isso, é preciso impor uma mentalidade e uma prática privatista, uma gestão pela eficicência a qual eles, os ultraliberais, se vendem como os unicos portadores e operadores. Na prática isso significa desregulamentar o trabalho aos limites da informalidade, fazer com que os ricos continuem a não pagar impostos ou que paguem ainda menos do que já pagam, que a riqueza continue concentrada, que o rentismo transforme as relações econômicas em um grande cassino especulativo. O povo trabalhador compra esse discurso pois ele é muito bem vendido e massificado. Conclusão, continuará sem os serviços sociais fundamentais, trabalhará cada vez mais em regimes de exploração acentuados, com menos proteação e tendo cada vez menos valor como cidadão. O neofascismo abre mão do controle econômico desde que este permita e sustente a casta ideológica e a casta corrupta no castelo alto que desejam estar. Desde que os ultraliberais concedam os recursos para as ementas, para os propinodutos, para os arranjos e combinações e que continuem pagando os mais diversos canais para propagar que todo esse ambiente de corrupção não existe ou só existiu no passado, eles podem fazer o que quiseram com o erário e com o povo. É um modelo de rapina.

8. Como você enxerga a participação pública no desenvolvimento e propagação de ideias autoritárias?


O debate público está posto em premissas falsas. Fala-se em uma polarização entre nomes, o que apenas interessa aos próprios nomes que estão nos polos da contenda e seus respectivos aliados. Acreditamos na falácia de que o país está dividido em dois, quando na verdade há uma movimentação muito mais complexa em curso. O neofascismo se aproveita desse clima de “nós e eles” para arregimentar cada vez mais adeptos e, para chegar aonde deseja, basta convencer uma maioria simples, vencer as eleições e ter os meios para construir uma opinião pública e comprar a bom preço os meios políticos para desmanchar impunemente as instituições que sustentam o estado democrático de direito. Não se fala em neofascismo. Quanto mais o debate público for um jogo de ataque e defesa e sobre temas pautados pelo neofascismo, ou seja, como mera posição reativa, não vamos avançar. Pelo contrário. Isso sem falar que há um fenômeno muito complicado também em curso que é o decolamento da escolaridade e do conhecimento. Nunca tivemos tantos formados e titulados cuja relação de produção e comprensão do conhecimento fosse tão limítrofe. Somado ao espaço das redes que estimulam, endossam e ressoam os “especialistas” de ocasião, com opiniões ou demonstrações de virtude aparente vazias e temporarias.


9. Quais são suas perspectivas em relação ao futuro, a política atual o avanço velado do neofascismo?

Não muito otimista. Há chances reais e sólidas dos neofascistas ampliarem seus espaços de poder e enraizamento nesse ano, pavimentando a ampliação e retomada do poder total em 2026. Por outro lado, quem são as novas lideranças capazes de construir pontes e levar o debate público de volta à rota da civilidade, do progresso, do desenvolvimento e da justiça social? Quais grupos estão se dedicando a qualificar o debate público? O que se vê é meramente um culto à personalidades. Há também muitas questões que estão se tornando perigosamente irreversíveis como a captura da política pelo centrão, o envolvimento dos poderes com a criminalidade, a corrupção e a impunidade institucionalizada pelos próprios pares políticos. E todos esses aspectos não são estranhos ao neofascismo.


Foto: Sophia Editora / Divulgação

10. Quais produções literárias inspiraram a escrita do seu livro? Houve algum?

Autores como Umberto Eco com o seu “Fascismo Eterno”, “Fascismo à Brasileira” de Pedro Dória, “Anatomia do Fascismo”, co Paxton e outros autores que gosto bastante e incorporo nas minhas reflexões como Byung-Chul Han, Hobsbawm, Daniel Arão, Yuval Harari, entre outros.

11. Se você pudesse mudar algo no mercado editorial brasileiro, o que seria?

Creio que um grande gap que observo é o da ponta, ou seja, o como o livro enquanto bem de consumo está ou não acessível. É assustador que tenhamos tantas livrarias fechando e espaços literários como cafés e similares estejam lutando para sobreviver. As bibliotecas no Brasil são pavorosamente escassas e mal estruturadas, salvo honrosas excessões, além das salas de leituras nas escolas que, geralmente, são arremedos, remendos de um espaço literário improvisado em todos os sentidos. Falta campanhas de incentivos, tirar essa pecha de que leitura é uma prática obsoleta. Os preços também acabam afastando e elitizando o hábito. Enquanto rolar feed não custa nada, comprar um ou mais livros é algo que pesa no orçamento da maioria das famílias. Não é que o livro seja caro, a distribuição da riqueza no país é que é vergonhosamente desigual e precarizante.


12. Qual sua dica para quem está iniciando o primeiro livro?


A escrita é um processo orginal e isso é o mais importante. É claro que há parâmetros como os de cada estilo, assim como a escrita acadêmica que tem as suas regras próprias, mas o importante é que possamos nos dedicar com muito zelo e cuidado em cada etada da construção. Outra coisa muito importante é a de não se deixar levar pela vaidade e pela ansiedade. Hoje, há muitos grupos que atendem pelos nomes de “academias”, “confrarias” e coisas do gênero que se transformaram em máquinas de fazer dinheiro produzindo medalhas, diplomas e “honrarias” em troca de “taxas de chancelaria”. Na prática, o autor acaba comprando esse “reconhecimento” e isso não tem nada a ver com a qualidade da sua obra ou o seu talento. Então, um conselho precioso, o livro pode ser lido por uma pessoa ou por milhões, o importante é que haja verdade tanto na escrita quanto na leitura e isso não se mede só pelo quantitativo. Já o sucesso é uma engenharia complexa e depende de fatores que vão muito além do talento. Por isso, é importante ter paciência e, caso deseje se tornar um escritor profissional, é necessário estudar e conhecer esse meio, como em qualquer profissão.



13. O que podemos esperar de seus próximos livros?


O projeto é a realização de uma trilogia. O próximo, que já estou escrevendo, será dedicado ao tema da liberdade e o terceiro vai se dedicar a cidadania. Todos terão o mesmo formato e proposta das 12 Lições.

Resenha: Limpa, de Alia Trabucco Zerán

Foto: Arte digital

 APRESENTAÇÃO

Neste romance baseado em um crime real e construído de forma circular — ele começa no ponto em que termina —, Estela está presa em uma sala de interrogatório policial para esclarecer a morte de uma menina a seus inquiridores. Anônimos, eles estão separados da protagonista por um vidro opaco, tal como ela era apartada da cozinha por uma porta translúcida no quarto dos fundos da casa onde vivia como empregada doméstica e babá.


RESENHA


Em Limpa, Alia Trabucco Zerán explora o terror psicológico por meio da história de Estela Garcia. A protagonista narra, inicialmente ao telefone, uma tentativa desesperada de se libertar de um local desconhecido. Durante sua reflexão, ela relembra as mortes que causou em sua vida, incluindo a de animais. Estela discute a inevitabilidade da morte e as motivações por trás de cada ser vivo encontrar seu fim. No desenrolar da trama, revela-se um pedido de ajuda para uma garota que Estela possivelmente auxiliou em sua morte, ao sugerir uma ideia que a levou a seu fim trágico.


E há uns quantos, como a menina, que precisam apenas de uma ideia. Uma ideia perigosa, afiada, nascida num momento de fraqueza (p. 11)


A história começa com Estela respondendo a um anúncio de emprego que solicitava uma empregada em tempo integral e com boa aparência. Em seu primeiro dia de trabalho, ela foi recebida pelo casal de patrões, com ênfase na esposa grávida que examinou minuciosamente sua aparência. Enquanto a esposa estava atenta aos detalhes, o marido parecia indiferente e até se mostrou nu diante da empregada em um momento inesperado. Apesar de sua falta de experiência com crianças, Estela foi contratada e recebeu instruções detalhadas sobre suas responsabilidades naquela casa aparentemente luxuosa. Enquanto explorava a residência, Estela teve um pensamento perturbador sobre a natureza da casa, o que a deixou desconfortável.


Durante a entrevista, a Estela não foi mostrada ao "quarto dos fundos", mas viu-o pela primeira vez no seu primeiro dia de trabalho. O quarto era simples, com uma cama, mesa de cabeceira, cómoda e televisão. Ela sentiu uma estranha sensação ao entrar no quarto, como se estivesse a observar a sua própria transformação. Ela trabalhou para um casal, com a senhora Mara e o Dr. Juan Cristóbal Jensen. Mara era distante e fria, enquanto o Dr. Jensen era obcecado pelo tempo e pelo seu estatuto de doutor. Ela foi inicialmente tratada pelo nome da empregada anterior e sentiu-se como uma estranha naquela casa.


Estela descreve o nascimento da menina Julia e o momento em que ela cuida da criança pela primeira vez. Mara, dona da casa, estava exausta e pediu à Estela, para cuidar da criança. Estela se sente desconcertada com a fragilidade de Julia e a novidade de cuidar de um recém-nascido. Ela limpa, veste e acalma a criança, refletindo sobre a vida e o silêncio. Ela então se sente perdida e paralisada ao vigiar Julia dormir, sem conseguir distinguir o carinho do desespero.


Numa manhã, ao iniciar o dia, uma nova empregada doméstica toma um duche e se veste para o trabalho. Ao chegar à cozinha, encontra um recado na porta da geladeira, indicando alguns itens a comprar no supermercado. Ao sair para fazer as compras, ela se depara com uma mulher idosa semelhante a si mesma, o que a perturba. Durante o percurso, ela se sente seguida e começa a ter sensações estranhas, perdendo a noção da realidade. A experiência a deixa desconfortável e confusa, levando-a a se questionar sobre sua identidade e realidade.


A menina rapidamente cresceu e começou a falar, dizendo a sua primeira palavra, "bá-bá", que era como a babá era chamada. Mara, a senhora, tentou desviar a atenção dela de uma tragédia na televisão, mas a menina continuou a insistir, causando desconforto. A senhora acabou mentindo para o marido, dizendo que a primeira palavra da menina foi "mamã".


Durante a noite, Estela presencia uma cena explicitamente sexual entre os patrões enquanto vai buscar água na cozinha durante a noite. Ao ser descoberta, ela foge para o quarto, sentindo-se perturbada e com sede. A cena a deixa agitada, e ela se masturba para tentar acalmar o desconforto causado pelo que presenciou. Os dias passam e Estela é confrontada com sua realidade e ética após flagrar a patroa traindo o marido e gerando um atrito para ambas, este episódio culminou na quase desistência de Estela ao trabalho, mas ela havia prometido ajudar sua mãe com o salário, então ela engoliu o orgulho e permaneceu na residência do casal. 


Estela em um momento de divagação, reflete sobre uma história sobre a figueira do pátio das traseiras e como a morte iminente da árvore se relaciona com a morte que está prestes a acontecer na família, ela reflete sobre a inevitabilidade da morte e como os sinais de que algo está prestes a acontecer estão sempre presentes na atmosfera da casa. Ao limpar os figos caídos da árvore, se deparando com a realidade da morte e a certeza de que a vida tem um ciclo que inclui o princípio, o meio e o fim. 


Estela recebe a visita inesperada de sua prima Sonia, que anuncia a morte repentina de sua mãe. Sonia explica que um homem desconhecido, colega de trabalho da mãe, havia cuidado do enterro. Estela não sentiu nada com a notícia, apenas ficou atordoada. Sonia pediu ajuda financeira e partiu. Depois da morte da mãe, Estela entrou em um silêncio profundo, sem intenção de comunicar. Mesmo realizando tarefas diárias, ela deixou de falar e se isolou, percebendo que as palavras têm uma ordem necessária enquanto o silêncio permite todas as palavras ao mesmo tempo. Com o tempo, seu silêncio se tornou poderoso, até que uma tragédia aconteceu: a menina afogou-se, mesmo sabendo nadar. 


Estela divaga por um momento relembrando de um episódio que aconteceu quando Juan retornou de seu turno de trabalho e lhe falou até às sete da manhã. O senhor, visivelmente perturbado, abre-se sobre um encontro com uma mulher em um hotel, que acaba revelando um caso de infidelidade, enquanto permanece narrando o episódio de falecimento de uma paciente de sete anos durante os meses finais do curso de medicina, aos quais, manteve em segredo por mais de vinte anos.  Nesse dia, o senhor ficou na cama com febre e tosse, fechando-se no quarto para ver as notícias. Pediu um consomê no almoço e a empregada, Estela, tentava não olhar para ele. Enquanto isso, uma vendedora ambulante gritava na rua. À noite, Estela ouviu um assalto em andamento na casa, com os ladrões revirando tudo em busca de dinheiro e joias. A polícia chega algumas horas depois de um assalto à casa. O senhor da casa não revela todos os detalhes do roubo, mas a senhora fala por eles. Durante as semanas seguintes, o senhor fica obcecado com a ideia de se proteger, chegando mesmo a comprar uma pistola. Enquanto fazia uma limpeza, a empregada encontra a pistola escondida e decide guardá-la consigo. Ela reflete sobre a certeza da morte e a sensação de poder que a arma lhe dá, guardando-a debaixo do colchão no quarto dos fundos.


Guardei a pistola dentro do lenço e quando ia pô-la no lugar onde devia ficar escondida, arrependi-me. E levei-a comigo, foi isso. Levei a pistola para o quarto dos fundos e guardei-a debaixo do colchão. Não fosse um dia, ou uma tarde, ter vontade de responder a essas duas perguntas: como e quando


Após um evento traumático na casa, Estela é demitida e recebe um cheque de um mês como compensação pelo mês trabalhado, até encontrar um novo trabalho. Em seu último dia de trabalho, Estela observa da cozinha, enquanto prepara um último chá antes de partir, o corpo da filha do casal, Júlia, boiando sob a piscina - ela estava morta.


Fiquei a olhar para ela, à espera de que acordasse. Não acordaria. As memórias gravadas na sua mente desapareceriam com ela e eu também, porque eu era uma dessas memórias. Não sei o que senti. Nem tem importância. Mas interroguei-me se por acaso sentiria falta das suas canções, das suas corridas no corredor, do seu constante desespero.


A história se finaliza com Estela saindo pela porta da frente e acordando em um local desconhecido tentando contato através do telefone de forma desesperada em busca de auxílio.


Limpa, de Alia Trabucco Zerán, é um mergulho profundo no terror psicológico através da história de Estela Garcia. A narrativa intricada e envolvente da autora nos leva a questionar a natureza da vida, da morte e das relações interpessoais de forma intensa e emocionante. Os personagens são complexos e cheios de camadas, tornando a história ainda mais cativante. A escrita de Zerán é envolvente e impactante, levando o leitor a refletir sobre temas profundos e perturbadores. Uma obra que certamente ficará na mente do leitor por muito tempo após a leitura.

Resenha: O homem que explodiu o presidente, de Thiago Barrozo

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Um ex-professor, ex-alcoólatra, ex-pai de família.Um homem atormentado pelo passado encontra num bilhete de loteria premiado a oportunidade de vingança que sempre almejou. Seu algoz? Ninguém menos que o Presidente da República. Uma jornada arriscada onde uma prostituta suicida, um amigo sem memória, um advogado assassino e um traficante vaidoso embaralham os conceitos de certo e errado; onde a morte não é a última das consequências, mas, sim, o início de um longo caminho. Afinal, como bem disse Shakespeare, é a tentativa, e não o ato, o que nos aniquila.


RESENHA

A obra o homem que explodiu o presidente é uma obra de ficção escrita por Thiago Barroso, publicado pela editora flyve. O enredo se inicia com um enunciado provocante, sobre como o personagem, Otelo, matou o presidente e a si próprio usando explosivos, ele documentou tudo de forma antecipada em fitas de audio documentadas em um estojo de alumínio dentro da gaveta de uma mesa.


Bom, se você está ouvindo esta gravação é porque encontrou as fitas no estojo de alumínio dentro da gaveta da mesa. Elas estão numeradas e é melhor escutá-las na sequência. Você pode ouvir fora de ordem se quiser, mas garanto que vai ser mais difícil desse jeito.


Otelo narra que sua jornada começou após ter ido comprar uma roupa de presente para o aniversário de seu amigo, Celembra, no brechó de Maria Flor, onde, por coincidência, encontrou um bilhete premiado da mega-sena e um cartão com um número rabiscado. 


Se tivesse escolhido o outro botão, jamais encontraria o comprovante da Mega-Sena. Nem o com-provante, nem o cartão com um número de telefone rabiscado à mão.


Otelo esconde um passado acerca de um acidente que ocorrera consigo, sobretudo, com seu amigo Celembra, que sofreu com um linchamento que o fez desenvolver uma amnésia retrógrada.


Hoje ele é uma espécie de irmão mais novo pra mim, mas houve um tempo em que ele entendia das coisas. Um tempo em que o Pátio do Colégio era nossa casa e ninguém me chamava de Otelo, Eu era simplesmente "o Novato". Você nunca esquece a primeira noite na rua. O frio da madrugada, o movimento das sombras, a superfície áspera da calçada. Leva um tempo até você fechar os olhos e conseguir relaxar. Um tempo ou uma garrafa de Corote - o que seu corpo absorver primeiro.


Após confirmar os números do bilhete, Otelo, decide procurar pelo dono da camisa para descobrir quem era o ganhador do bilhete premiado, porém, Dona Flor não conhecia o proprietário doador da camiseta, o que o fez tomar partido e ligar para o número que estava junto ao bilhete. Quem atendeu ao número foi Vivian, uma mulher grávida com pensamentos suicidas que estava em um envolvimento com Robson, o dono do bilhete, que, não por coincidência, estava desaparecido desde sua viagem à Itália. Vivian vivia escondida a mando de Robson para se proteger dos inimigos que ele fez, sobretudo, de um homem chamado Salvatore. Otelo então decide reencontrá-la outras vezes até levá-la em uma das suas visitas para casa de Dona Flor, dizendo-a ser sua prima.


Em uma noite, Dona Flor e Otelo assistem ao fantástico e veem uma notícia acerca da morte de Robson no exterior, onde Vivian deseja a morte de Salvatore. Otelo e Salvatore não se conheciam de fato, eles apenas se envolveram em um acidente de trânsito, onde ele e o até então, senador, Fernando Messias Cardoso, que dirigia sozinho um Pajero blindado preto quando bateu contra o Ford Ka vermelho de Otelo após ser flagrado dirigindo bêbado. O acidente ocasionou em Otelo ferimentos graves na cabeça, mas não em punições para o senador, levando em consideração que ele teve Salvatore como seu advogado na defesa, o que o fez sair ileso. Este acontecimento foi o primeiro ponto para Otelo desejar a morte de Fernando Messias Cardoso, pelo menos até o segundo momento em que Robson fora morto, deixando Vivian desamparada e grávida.


Após todos estes acontecimentos, ocorre na história outros desdobramentos que fazem a narrativa ganhar forma visceral. A forma como o autor trabalhou o desejo de vingança, de Otelo, seu passado, a história de Robson e Vivian, a relação de afeto e cumplicidade de Celembra, Dona Flor, Bira e o Francês são pontos fortes na narrativa, eles são responsáveis por amenizar os acontecimentos e desenhar contornos entre os conflitos, o que torna a história mais palpável, mais próxima da realidade. O mais impressionante no enredo é, que, saber que Otelo mata o presidente nas primeiras páginas e a arma do crime, não influenciam em nada na história, apenas torna-a melhor, alimentando a curiosidade do leitor em desbravar cada uma das fitas para entender todos os percursos de Otelo até a consumação. Uma história instigante e cativante, difícil não ler.

© all rights reserved
made with by templateszoo