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Resenha: A Consulta, de Katharina Volckmer


 APRESENTAÇÃO

No consultório de um certo dr. Seligman, em Londres, uma jovem realiza um procedimento sobre o qual temos apenas pistas. A paciente está de pernas para o alto enquanto narra em detalhes sua vida e seus desejos, em especial as lutas que trava com a própria identidade sexual, de gênero e nacional. Nascida e criada na Alemanha, ela vive na Inglaterra há vários anos, determinada a libertar-se de suas origens familiares e do fardo de pertencer a uma pátria assombrada pelas atrocidades cometidas na guerra. A morte recente do avô e uma herança inesperada, entretanto, deixam claro que não se pode fugir facilmente à própria vergonha, seja ela física, familiar, histórica, pátria, ou todas as opções anteriores. Ou será que pode? Com a ajuda do dr. Seligman, é o que procura descobrir nossa narradora. Nesta espécie de O complexo de Portnoy às avessas, ela confessa ao médico judeu seu fascínio pelas vítimas do Holocausto, ao mesmo tempo em que admite a profundidade das feridas por ele abertas: “nunca estivemos de luto; no máximo, interpretamos uma nova versão de nós mesmos, histericamente não racista sob qualquer perspectiva, e negando qualquer diferença sempre que possível.” Num monólogo que retoma a melhor tradição do romance neurótico, ela nos conduz por uma jornada verborrágica que vai de mães controladoras e fantasias sexuais com Hitler até as propriedades medicinais da cauda do esquilo, passando pela inusitada ideia de que as mudanças anatômicas podem servir de reparação histórica. Hilário e mordaz, implacável e profundamente honesto, A consulta é uma estreia literária audaciosa, que desafia nossas noções do que é fluido e do que é imutável, provocando-nos a pensar sobre as formas de fazer as pazes com os outros e conosco no século 21.

RESENHA

"A Consulta" (2020), o romance de estreia da escritora alemã Katharina Volckmer, apresenta ao leitor uma narrativa fascinante e complexa que se desenrola durante uma sessão de terapia. A protagonista, uma mulher alemã sem nome, relata ao seu terapeuta, o Dr. Seligman, suas experiências de vida marcadas por conflitos identitários, sexualidade reprimida e uma profunda solidão. Ao longo da consulta, a narradora expõe suas memórias, fantasias e obsessões, revelando uma psique tortuosa e multifacetada. 

O enredo de "A Consulta" é essencialmente construído em torno dessa sessão terapêutica, na qual a protagonista compartilha com o Dr. Seligman uma série de relatos autobiográficos, memórias e devaneios. Desde o início, fica claro que a narradora luta com questões profundas relacionadas à sua identidade de gênero, sexualidade e lugar no mundo. Ela revela ter tido sonhos perturbadores nos quais se identifica com a figura de Adolf Hitler, refletindo uma complexa relação com a história alemã e sua própria imagem corporal.

À medida que a narrativa avança, a protagonista aborda temas como seu relacionamento conturbado com os pais, especialmente a mãe, e sua frustração com os padrões de beleza e feminilidade impostos pela sociedade. Ela também relata sua breve, porém intensa, relação com um artista enigmático chamado K., que a levou a explorar sua própria sexualidade de maneiras não convencionais. Esses episódios são narrados de forma não linear, com a narradora transitando livremente entre memórias, fantasias e reflexões sobre sua condição existencial.

Um aspecto notável do enredo é a maneira como a protagonista se posiciona em relação à sua herança alemã e ao legado do Holocausto. Ela expressa uma profunda ambivalência, oscilando entre sentimentos de culpa, repulsa e desejo de redenção. Essa tensão é evidenciada em sua fascinação por um homem judeu imaginário, chamado Shlomo, com quem ela fantasiava ter um relacionamento que a ajudaria a superar o fardo do passado alemão.

Ao longo da consulta, a narradora também revela sua obsessão por um método não convencional de lidar com sua solidão e insatisfação sexual: a aquisição de um robô sexual projetado por um inventor japonês. Essa ideia é explorada de maneira complexa, refletindo suas ansiedades sobre a desumanização e a perversão da sexualidade.

A estrutura do romance é marcada pela alternância entre os relatos da protagonista e os comentários e intervenções do Dr. Seligman. Essa estrutura dialógica cria uma dinâmica intrigante, na qual o leitor é convidado a acompanhar não apenas a narrativa da personagem, mas também as reações e questionamentos do terapeuta.

O estilo narrativo de Volckmer é denso, introspectivo e repleto de divagações filosóficas. A narradora se expressa de maneira eloquente, com uma prosa rica em imagens poéticas e reflexões profundas sobre a condição humana. Sua voz é marcada por um tom confessional, que confere autenticidade e vulnerabilidade à narrativa.

O enredo de "A Consulta" é uma jornada introspectiva e perturbadora, na qual a protagonista confronta seus conflitos identitários, sexualidade reprimida e solidão existencial. Ao longo da sessão terapêutica, a narradora revela camadas complexas de sua psique, desafiando os limites da normalidade e explorando temas universais como a busca pela identidade, a luta contra os padrões sociais e a necessidade de conexão humana. O resultado é um romance profundamente enraizado na experiência humana, que convida o leitor a mergulhar na psique de uma personagem singularmente complexa.

Resenha: A ligação, de Katharina Volckmer

O romance "A ligação" (2023), da escritora alemã Katharina Volckmer, é uma obra que se destaca pela sua abordagem inovadora e provocativa de temas complexos relacionados à identidade, sexualidade e isolamento social. A história se desenrola em torno de Jimmie, um personagem complexo e multifacetado que trabalha em um call center de uma agência de viagens em Londres. Jimmie é um indivíduo que carrega consigo uma série de traumas e inseguranças, resultado de sua relação conturbada com a mãe e de sua própria luta para encontrar um lugar no mundo, sendo um garoto gay e gordo.

Um dos temas centrais do romance é a exploração da sexualidade e da intimidade em um contexto de solidão e alienação social. Jimmie, sente-se deslocado e incompreendido, encontra refúgio e conexão em suas interações telefônicas com estranhos, incluindo uma conversa erótica com um homem chamado Alex. Essa dinâmica revela a necessidade de Jimmie de se sentir aceito e valorizado, mesmo que de forma virtual e efêmera.

Outro tema fundamental é a questão da identidade e da pertença cultural. Jimmie, filho de imigrantes italianos, luta constantemente com sua própria compreensão de identidade, oscilando entre a herança cultural de seus pais e a realidade de sua vida na Inglaterra. Essa tensão é exacerbada pela forma como a sociedade o percebe e o julga, levando-o a questionar seu lugar nela.

O enredo é permeado por elementos simbólicos e metafóricos que amplificam a complexidade dos temas abordados. Por exemplo, a obsessão de Jimmie com a cor laranja, que permeia diversos aspectos de sua vida, pode ser interpretada como uma representação de sua própria condição de marginalidade e desconforto com o mundo que o cerca.

A narrativa de "A ligação" é construída de forma não linear, com constantes saltos temporais e alternância entre diferentes perspectivas. Essa estrutura fragmentada reflete a natureza fragmentada da própria identidade de Jimmie, bem como a maneira como ele experimenta o mundo ao seu redor. O estilo de escrita de Volckmer é marcado por uma prosa densa e evocativa, repleta de imagens poderosas e linguagem simbólica. A autora habilmente entrelaça elementos realistas com toques de fantasia e surreal, criando uma atmosfera que oscila entre o mundano e o transcendental.

Uma das características notáveis do romance é a forma como Volckmer manipula a linguagem para refletir os estados emocionais de Jimmie. A alternância entre passagens de intensa intimidade e momentos de distanciamento emocional espelha a jornada do personagem em busca de conexão e aceitação.

"A ligação" se destaca como uma obra significativa no panorama da literatura contemporânea, abordando temas complexos e relevantes de maneira inovadora e desafiadora. A narrativa de Volckmer se insere em um contexto mais amplo de obras que exploram a questão da identidade, sexualidade e marginalidade social, contribuindo para um diálogo importante sobre essas temáticas.

A complexidade dos personagens e a riqueza simbólica da narrativa convidam o leitor a uma leitura atenta e reflexiva. O romance desafia as noções convencionais de normalidade e convida o público a questionar suas próprias percepções e preconceitos.

Além disso, a obra de Volckmer se destaca por sua maestria estilística, demonstrando a habilidade da autora em manipular a linguagem para criar uma experiência literária imersiva e envolvente. Sua prosa poética e sua capacidade de capturar a essência da experiência humana a tornam uma voz relevante no cenário literário contemporâneo.

"A ligação" de Katharina Volckmer é um romance que se destaca pela sua abordagem inovadora e provocativa de temas complexos relacionados à identidade, sexualidade e isolamento social. Através de uma narrativa fragmentada e uma prosa evocativa, a autora cria uma obra que convida o leitor a uma reflexão profunda sobre a natureza da conexão humana e a busca por pertencimento em um mundo cada vez mais fragmentado. Essa obra merece atenção e destaque no campo da literatura contemporânea

Resenha: ❛Projeto Querino, de Tiago Rogero



APRESENTAÇÃO

Depois do sucesso de crítica e público dos podcasts Vidas Negras e Negra Voz, Tiago Rogero se consolidou como um dos principais nomes do jornalismo brasileiro com o projeto Querino, empreitada de fôlego que chega agora em sua terceira fase com a publicação do livro projeto Querino: um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil. Baseado no 1619 Project, trabalho da jornalista estadunidense Nikole Hannah-Jones para o The New York Times, Rogero propõe um olhar sobre a história do Brasil a partir da centralidade do povo negro.

Com uma pesquisa minuciosa empreendida por uma equipe de especialistas de peso, o projeto Querino abarca, além do livro, um podcast produzido pela Rádio Novelo em 2022 — vencedor do prêmio Vladimir Herzog em 2023 e um dos mais ouvidos do streaming — e uma série de matérias publicadas na revista piauí no mesmo ano. Mais de quarenta profissionais trabalharam no projeto, que teve também o apoio do Instituto Ibirapitanga.

Agora, o livro conta com material inédito que amplia os oito episódios do podcast — incluindo entrevistas e imagens de figuras negras que foram apagadas dos manuais de história. Com firmeza e afeto, Rogero conduz o leitor pelo caminho da excelência e da dor em direção a uma nova compreensão da presença negra na construção do Brasil. Nesse sentido, o livro resgata a relevância de pessoas sequestradas e escravizadas — e a de seus descendentes —, ao mesmo tempo que denuncia os desdobramentos da diáspora no país de hoje.

Como bem descreve Ynaê Lopes dos Santos no texto de orelha do livro: “O projeto Querino é um banho de chuva. Chuva que molha, encharca, incomoda, nos obrigando a pisar em um chão quase pantanoso. Mas, passado o tempo, ela limpa e até refresca. Os pés seguem encharcados e são eles que pisam firme, abrindo espaço para uma nova escuta”.

De Luiz Gama a Chiquinha Gonzaga e Jorge Ben, passando por dona Laudelina de Campos Melo até chegar na pec das Domésticas, este livro se torna um retrato histórico-jornalístico potente de como o racismo, e também a agência do povo negro, formam o alicerce deste país.

RESENHA

O livro "Projeto Querino", de Tiago Rogero, oferece uma imersão profunda na complexa relação entre o tráfico de escravizados e as políticas coloniais no Brasil, traçando um panorama histórico que conecta figuras proeminentes como o príncipe regente D. João e o rei Adandozan do Daomé, atual Benim. O autor habilmente examina eventos cruciais de 1811, quando D. João recebeu presentes luxuosos e crianças escravizadas do rei africano, situando essa interação no contexto de um intrincado jogo de interesses econômicos e políticos. O temor de Adandozan em relação a um tratado de D. João com o Reino Unido, que visava a gradual abolição do comércio de escravos, revela a luta pela continuidade de um sistema que se tornaria integral à economia brasileira. Ao mesmo tempo, a rivalidade com o rei de Ardra destaca o crescente antagonismo entre reinos africanos, moldando um passado esquecido, mas relevante, na formação do Estado-nação brasileiro.

A análise de Rogero sobre a origem da escravidão e sua transformação no Brasil é particularmente impactante. Ele rastreia a desumanização dos africanos, que começou com a escravidão mercantil no século XV, até a forma brutal que a exploração do trabalho escravo assumiu nos séculos seguintes. A descoberta de que o tráfico de escravizados sempre foi um pilar econômico do Brasil oferece uma nova perspectiva sobre a construção da identidade nacional e a infraestrutura econômica do país.

A obra também se destaca ao trazer à tona a figura de José Bonifácio, um defensor da abolição que enfrentou resistência dos poderosos senhores de escravizados, mas que, sob a sua influência, conseguiu impactar D. Pedro. A narrativa culmina com os eventos políticos de 1821, ao relatar as exigências das Cortes Gerais e a turbulenta intersecção de interesses que conduziram à Independência do Brasil, enfatizando que esse "grito" foi, na verdade, um momento elitista, cercado por poder e privilégios.

O autor também se desdobra sobre o COVI-19 e a participação do ex-presidente da República Jair Bolsonaro em relação à crise sanitária enfrentada pelo Brasil, evocando assim, a morte de milhares de brasileiros.

A presença de Joaquim, o "Rei do Café", como um símbolo da riqueza oriunda da exploração da mão de obra escravizada, traz à tona a crueldade entrelaçada à prosperidade que caracterizou a economia brasileira. A resenha expõe a hipocrisia de uma independência que mantinha a escravidão e perpetuava um sistema de desigualdade raciais e sociais que ecoa até os dias atuais. A análise crítica dos efeitos persistentes da escravidão — refletida em salários desiguais e em postos de trabalho desfavoráveis ocupados pela população negra — evidencia a necessidade de um olhar atento e renovado sobre esses legados históricos ainda presentes na sociedade contemporânea.

Além disso, a crítica à representação da população negra na novela "Sinhá Moça" ilustra como a mídia perpetuou narrativas excludentes e problemáticas, sugerindo uma transição simplista entre trabalho escravo e livre. A resenha revela como essa visão distorcida ainda Nutre a ideia de uma sociedade meliorada pela "branquitude", ignorando as injustiças históricas perpetuadas. A menção à legislação contra o racismo e as violações de direitos humanos após a Abolição sublinha a continuidade da luta pela equidade racial no Brasil.

Por fim, a evocação do "Tratado do Engenho Santana", um documento redigido pelos escravizados em 1789 que reivindicava liberdade e dignidade, não apenas enriquece o texto, mas também atesta o desejo persistente de autonomia e respeito por parte dos oprimidos. "Projeto Querino" se configura, assim, como uma leitura essencial para todos que buscam compreender as raízes e as consequências da escravidão e da desigualdade racial no Brasil, oferecendo uma reflexão crítica e necessária sobre um passado que ainda ressoa no presente e molda o futuro. A obra de Tiago Rogero, portanto, é um convite à reflexão e à ação, enfatizando a urgente necessidade de reconhecimento e reparação das injustiças perpetradas ao longo da história.

Conheça ❛Projeto Querino❜: Uma perspectiva da história do Brasil em uma visão afrocentrada



Lançado em 6 de agosto de 2022, o Projeto Querino é uma iniciativa inovadora que busca ressignificar a história do Brasil a partir de uma perspectiva afrocentrada. Inspirado no aclamado “1619 Project” da jornalista Nikole Hannah-Jones, Querino é um projeto jornalístico brasileiro que envolve um podcast narrativo produzido pela Rádio Novelo, além de uma série de publicações na renomada revista piauí.

Desenvolvido por uma equipe majoritariamente negra composta por mais de 40 profissionais, o projeto começou em 2020 com um ano dedicado a pesquisa documental, bibliográfica e em áudio. Ao longo desse período, foram realizadas dezenas de entrevistas que resultaram na criação de um podcast com oito episódios lançados inicialmente. Essa produção não só conquistou o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog em 2023, como também foi reconhecida como um dos 10 melhores trabalhos jornalísticos em áudio de 2022 pelo Prêmio Gabo.

O nome do projeto é uma homenagem ao intelectual Manuel Raimundo Querino (1851-1923), um importante jornalista, professor e abolicionista que, em 1918, lançou a obra "O colono preto como fator da civilização brasileira", que destaca o protagonismo dos africanos e afrodescendentes na formação do Brasil.

Entre os principais momentos abordados estão a Independência do Brasil, em 1822, e a Abolição da Escravatura, em 1888, que são discutidos a partir da ótica de africanos e seus descendentes. O projeto conta com a idealização e coordenação do jornalista Tiago Rogero e apoio do Instituto Ibirapitanga. A consultoria histórica é realizada por Ynaê Lopes dos Santos, enquanto Paula Scarpin e Flora Thomson-DeVeaux atuam na consultoria narrativa da Rádio Novelo.

Desde seu lançamento, o Projeto Querino gerou grande repercussão na mídia, sendo tema de artigos e reportagens em importantes veículos brasileiros, como a Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo, além do reconhecimento internacional no periódico britânico The Guardian. O podcast já alcançou o primeiro lugar nos rankings de Spotify e Apple, superando, apenas 110 dias após seu lançamento, a marca de 1 milhão de downloads.

Em um episódio especial, publicado em 8 de novembro de 2022, Tiago Rogero teve a honra de entrevistar Nikole Hannah-Jones, uma figura central na discussão sobre a narrativa afro-americana e inspiradora do projeto. Em junho de 2023, a inclusão de vídeos com interpretações em LIBRAS foi uma iniciativa que ampliou o alcance e a acessibilidade do material, mostrando o compromisso do projeto com a inclusão.

Livro Projeto Querino



🌟 Lançamento do Livro do Projeto Querino: Garanta sua pré-venda! 🌟

Após o estrondoso sucesso dos podcasts Vidas Negras e Negra Voz, Tiago Rogero se firma como um dos principais nomes do jornalismo brasileiro com o projeto Querino, que agora chega à sua terceira fase: o lançamento do livro "Projeto Querino: um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil", publicado pela editora Fósforo.

Baseado no emblemático 1619 Project, de Nikole Hannah-Jones, o livro oferece uma perspectiva inovadora sobre a história do Brasil, destacando a centralidade do povo negro em nossa narrativa. Com uma pesquisa minuciosa realizada por uma equipe de especialistas de peso, o projeto não apenas resgata histórias muitas vezes esquecidas, mas também apresenta material inédito que enriquece ainda mais os relatos do podcast premiado.

📚 Por que ler "Projeto Querino"?

  • Ampla Pesquisa: Mais de 40 profissionais colaboraram para trazer uma visão detalhada e rica sobre a presença negra na história do Brasil.
  • Narrativa Poderosa: Tiago Rogero nos guia por uma jornada de excelência e dor, revelando a importância de figuras que foram apagadas dos nossos livros de história.
  • Conteúdo Exclusivo: O livro complementa os episódios do podcast com entrevistas e imagens inéditas.

👉 Convite: Não perca a chance de adquirir o seu exemplar na pré-venda! O projeto Querino é essencial para entendermos a construção do nosso país e as vozes que precisamos ouvir.

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Vamos juntos celebrar e resgatar a história que nos foi ocultada! ✊🏾📖 #ProjetoQuerino #TiagoRogero #Lançamento #PréVenda #LiteraturaAfrocentrada #HistóriaNegra

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Ouça o Podcast Projeto Querino:


Continue ouvindo no site oficial do projeto: Clique aqui.

Uma análise acerca de 'a mais recôndita memória dos homens', de Mohamed Mbougar Sarr ✷

APRESENTAÇÃO

N este romance magistral, vencedor do prêmio Goncourt e traduzido para mais de trinta idiomas, Mohamed Mbougar Sarr se inspira numa história verídica para construir um romance de formação e de aventura que celebra a literatura e revive o melhor da tradição deixada por Roberto Bolaño em Os detetives selvagens. Em 2018, Diégane Latyr Faye, um jovem escritor senegalês, descobre em Paris um livro mítico publicado em 1938: O labirinto do inumano. Seu autor, o misterioso T.C. Elimane, desapareceu sem deixar vestígios depois que uma escandalosa acusação de plágio mobilizou a comunidade literária francesa dos anos 1940. Fascinado, Diégane inicia então seu percurso atrás do “Rimbaud negro”, enfrentando as grandes tragédias do colonialismo e do holocausto. De Dakar a Paris, passando por Amsterdam e pela Buenos Aires dos salões literários das irmãs Ocampo, que verdade o espera no centro deste labirinto? Sem nunca perder o fio dessa busca que se apodera de sua vida, Diégane frequenta um grupo de jovens autores africanos radicados em Paris: entre noitadas de discussões, bebedeiras e sexo, eles se interrogam sobre a necessidade da criação a partir do exílio. Com a sua perpétua inventividade, A mais recôndita memória dos homens é um romance inesquecível, marcado pela exigência de uma escolha entre a escrita e a vida, ou pelo desejo de ir além da questão do confronto entre a África e o Ocidente. Nas palavras do escritor angolano Kalaf Epalanga, autor do texto de orelha desta edição, Sarr “consegue a proeza de construir um romance que celebra a beleza da literatura e a importância da criação artística”.

RESENHA

A mais recôndita memória dos homens do autor senegalês Mohamed Mbougar Sarr é uma obra prima da literatura contemporânea que em traços fictícios narra a história real do autor Yambo Ouologuem, a respeito de sua obra Le Devoir de Violence, que, em 1968 foi premiado com o prêmio Prix Renaudot, porém, acabou sendo acusado de plágio quatro anos depois, tirando o autor e o livro dos holofotes da mídia, o que o fez  desaparecer e viver de forma reclusa. Para narrar a história do autor, Sarr criou o personagem Elimane, autor do livro 'o labirinto do inumano', publicado em 1938, porém, sendo recebido em um período de uma frança racista e excludente, durante um período colonial severo que o levou da ascensão à queda em um curto período de tempo. Diégane Latyr Faye, pseudônimo do protagonista e uma alusão forte ao autor, tornou-se incessantemente imparável em relação à uma busca incessante da obra, até que ela chega às suas mãos através de Siga D, uma escritora senegalesa no auge dos sessenta anos.

O autor então continua sua obra em primeira pessoa em um capítulo intitulado "a teia da aranha mãe", primeira parte deste livro onde ele, em forma de diário, fala abertamente sobre a relação inseparável entre um escritor e sua obra, ambos navegando por um labirinto que leva à solidão, refletindo sobre sua experiência em Amsterdã e a complexidade de Elimane, um personagem enigmático que permanece um mistério. Quanto mais o autor tenta compreender Elimane, mais se depara com sua própria ignorância e a ideia de que a alma humana pode ser inalcançável. Finalmente, o narrador se sente esgotado e decide se recolher ao silêncio, refletindo sobre a futilidade e a possível superficialidade das palavras.

O autor ainda se debruça em narrar o impacto monumental do escritor T.C. Elimane na geração de autores africanos a que pertence. Elimane escreveu um único livro, uma obra-prima que se tornou tanto uma "catedral" quanto uma "arena" para debates intensos e apaixonados entre verdadeiros literatos. Béatrice Nanga, uma crítica literária enérgica, argumenta que só as obras de escritores genuínos merecem tais discussões fervorosas. A lenda de Elimane é composta de mistério: ele desapareceu após publicar seu livro, adotando um nome com iniciais enigmáticas. Seu legado, contudo, transformou a percepção literária e a vida dos leitores. O título do livro é "O labirinto do inumano", um conto fascinante sobre poder e sacrifício que exige intensa reflexão e dedicação de seus leitores. Ao folhear o Compêndio das literaturas negras, ele encontrou pela primeira vez o nome de T.C. Elimane, que era descrito como um talentoso autor senegalês cuja obra, publicada em 1938 em Paris, gerou polêmica e foi retirada de circulação após a eclosão da guerra. O livro se tornou difícil de encontrar e Elimane desapareceu do cenário literário. Ele tentou descobrir mais sobre Elimane, mas encontrou pouca informação. Conversou com um amigo de seu pai, professor de literatura africana, que explicou que a obra de Elimane não teve impacto significativo no Senegal, sendo considerada uma "obra de um Deus eunuco". 


Durante sua estadia em Paris para um colóquio sobre sua obra, Siga D. passa uma última noite no hotel com Diégane Latyr Faye, ela então lê um trecho do raro livro "O labirinto do inumano" de T.C. Elimane, que ela possuía e Diégane buscava há muito tempo. No final, Siga D. entrega o livro a Diégane, propondo um encontro futuro em Amsterdã. Diégane retorna para casa, obcecado pelo livro, iniciando uma jornada solitária. A passagem do reconhecimento da obra é uma forma lúdica de apresentar a segregação enfrentada no meio das artes literárias por autores negros, sobretudo, do senegal, alguns estudiosos acreditavam que a obra fora plagiada de um conto antigo de 1930, segundo ele, o mito original descreve um rei cruel que queimava inimigos e súditos, usando suas carnes como adubo para plantar árvores cujos frutos aumentavam seu poder. Anos depois, o rei se perde em uma floresta resultante dessas árvores e enfrenta as almas das vítimas, quase enlouquecendo. Uma mulher-deusa aparece e o salva, levando-o de volta ao seu povo, que revela que ele esteve ausente por apenas algumas horas.

O romance de Sarr percorre uma linha temporal digressiva, repleta de mudanças abruptas, mantendo um foco consciente na narrativa que elucida de forma transversal o encontro de um leitor e autor em busca de inspiração à uma obra poeticamente incansável e necessária. Com um olhar singelo sobre o período o autor evoca críticas severas à sociedade literária francesa do tempo para criticar a recepção da obra Yambo Ouologuem em um período colonial racista e vertiginosa crescente. A ideia de que uma obra é ricamente indispensável, e que, é nosso dever buscá-la de forma imparável é uma forma de manter uma linha de literatura convicta intacta e tolerante. Podemos encarar essa obra de Sarr indiscutivelmente necessária.

Conheça: Sal de Fruta: Novo livro de poemas de Bruna Beber

Arte digital

Na obra "Sal de fruta", a autora Bruna Beber apresenta uma coleção de poemas dedicados a diferentes frutas, explorando suas características e simbolismos de forma criativa e humorística. Utilizando o formato de prosa, a escritora revisita suas próprias experiências e memórias para criar textos que celebram as peculiaridades de cada fruta. O livro faz parte da série de plaquetes do Círculo de Poemas, onde os autores são desafiados a escrever a partir de um mapa de um lugar específico, e neste caso, a cidade das frutas é o cenário inspirador. A edição conta ainda com ilustrações do artista Daniel Almeida, complementando a experiência de leitura.

Conheça a obra:

Nesse mapa de frutas, a carioca Bruna Beber dedica um poema para cada fruta, como se caminhasse por uma feira ou pelos lugares da memória onde elas habitam. Com humor característico de sua poesia, a autora joga com os sons e lugares comuns, revisita as próprias histórias para compor os textos, todos em prosa, e aprender a lição de cada fruta. Nem tudo o que é barato sai caro, diz ela no poema dedicado à banana. Quem tem coroa e não é rei (nem o abacaxi)? É a rainha. A melancia tem duas caras. A laranja cola o cheiro nos dedos, o caju e o cajá, o caqui, a romã e a maçã.

Sal de fruta faz parte da nova série de plaquetes do Círculo de Poemas. Nela, os escritores são convidados a escolher o mapa de um lugar — real, inventado, desejado — e escrever a partir dele. O poema de Bruna Beber elege essa cidade das frutas, que ganhou um mapa pelas mãos do artista Daniel Almeida. O mapa acompanha a edição.

QUEM ESCREVE


Bruna Beber nasceu em 1984 na cidade de Duque de Caxias (RJ) e, desde 2007, mora em São Paulo. É autora dos livros de poemas A fila sem fim dos demônios descontentes (2006), Balés (2009), Rapapés & apupos (2012), Rua da padaria (2013), Ladainha (2017) e Veludo rouco (2023), além do infantil Zebrosinha (2013) e do ensaio sobre Stella do Patrocínio, Uma encarnação encarnada em mim (2022).

Querido Babaca: Romance de Virginie Despentes desafia preconceitos e aborda questões urgentes da sociedade contemporânea



Virginie Despentes está de volta com um novo romance epistolar que promete capturar com precisão o espírito do nosso tempo. Em "Querido babaca", a autora nos apresenta a história de Rebecca Latté, uma atriz famosa que está passando por um momento de transição em sua carreira, e Oscar Jayack, um escritor de meia-idade que enfrenta acusações de assédio sexual em meio ao movimento #MeToo (movimento criado com intuito de ajudar as vítimas de abuso e assédio sexual à denunciarem seus agressores).

A trama se desenrola por meio de trocas de e-mails entre os dois protagonistas, que inicialmente se envolvem em uma série de insultos e acusações. No entanto, à medida que a correspondência avança, Rebecca e Oscar começam a compartilhar suas angústias, medos e experiências pessoais. Através dessas cartas, emergem temas como machismo, desigualdade de gênero, saúde mental e os desafios de envelhecer em um mundo em constante transformação.

Com uma narrativa enérgica, direta e irônica, "Querido babaca" é também um elogio ao diálogo e à empatia em tempos de polarização e ódio. Despentes cria personagens complexos, pelos quais o leitor pode sentir tanto empatia quanto desprezo, afastando-se de estereótipos simplistas e nos conduzindo por uma reflexão sobre as relações humanas e a sociedade contemporânea.

Apoiando-se e trazendo a tona temas provocantes e atuais,  Despentes nos convida à adentrar o meio dos abusos sexuais não denunciados e à empatia pelas vítimas. O enredo provocativo, ardente e agridoce nos transporta para uma dimensão do dia-a-dia ao qual sabemos muito bem da existência, mas há muito não vemos: abuso, assédio. Com sua escrita incisiva e provocadora, Virginie Despentes se consolida mais uma vez como uma das grandes vozes da literatura contemporânea, abordando questões urgentes e complexas de forma original e envolvente. "Querido babaca" é uma obra que promete mexer com as estruturas e desafiar nossas concepções pré-estabelecidas, nos convidando a refletir sobre nossas próprias atitudes e preconceitos.

Compre o livro no site oficial da editora Fósforo.

QUEM ESCREVE


Virginie Despentes nasceu em 1969, em Nancy, na França. Considerada uma das principais vozes do feminismo francês, é romancista e cineasta, tendo já trabalhado como empregada doméstica, prostituta e jornalista freelancer de rock. Autora da trilogia A vida de Vernon Subutex (v. 1, Companhia das Letras, 2019) e do ensaio autobiográfico Teoria King Kong (n-1, 2016), entre outros, a autora dedica sua obra às questões de gênero, sexualidade e marginalidade, sempre a fim de entender a violência. 

O olhar irônico e provocativo de Nabokov sobre Dom Quixote


APRESENTAÇÃO

Entre os anos de 1951 e 1952, Vladimir Nabokov ministrou aulas como professor convidado da Universidade de Harvard. Munido de um conhecimento amplo sobre Dom Quixote, foi para a sala de aula determinado a mudar a visão dos estudantes a respeito dessa obra. Com seu estilo único, cheio de ironia, bom humor e novas perspectivas sobre o clássico cervantino, Nabokov mostrou-se um profícuo professor e crítico literário. As aulas, embora preparadas com maestria, ficaram guardadas em pastas por longos anos até que o editor Fredson Bowers as reuniu e transformou neste Lições sobre Dom Quixote. As anotações completas e os comentários que Nabokov guardava para si são trazidos à luz para quem quiser se aprofundar nos estudos das aventuras de Dom Quixote e seu companheiro Sancho Pança. Mas, se o leitor desejar apenas uma leitura prazerosa acerca dos escritos de um exímio e sarcástico professor para seus alunos universitários, Lições sobre Dom Quixote têm outra chave interpretativa, se transformando em uma nada ortodoxa aula sobre a arte de lecionar. Seja qual for o motivo do interesse, trata-se de um livro que nos apresenta uma nova proposta de análise da obra de Cervantes, tirando-a da classificação de comédia atribuída usualmente pela crítica para provar aos estudantes ― e agora, aos leitores ― que o clássico espanhol é também uma obra brutal, um verdadeiro retrato da escuridão da Idade Média. Lições sobre Dom Quixote é uma preciosa oportunidade de conhecermos um autor clássico por meio de outro, pois pela mirada perspicaz e erudita de Nabokov, descortina-se para nós um novo Cervantes.

RESENHA


Vladimir Nabokov, ao chegar aos Estados Unidos em 1940, trouxe consigo aulas sobre Dom Quixote de Cervantes, que foram escritas durante uma licença na Universidade Harvard em 1951-2. Ele se preparou extensivamente para essas aulas, fazendo um resumo detalhado do romance e planejando sua estrutura com base no tema de vitórias e derrotas. As aulas foram reescritas e organizadas para formar um conceito estrutural superior, com algumas páginas não utilizadas sendo segregadas em uma seção separada. O material editorial reflete a atenção meticulosa de Nabokov aos detalhes e inclui citações completas e passagens adicionais para ilustrar suas observações. A seção "Narrativa e comentário" complementa as aulas, fornecendo uma visão mais abrangente do romance como obra de arte. 

No prefácio da obra, o autor Guy Davenport discute a abordagem de Vladimir Nabokov ao livro Dom Quixote de Cervantes: Nabokov apresentou o texto de forma crua e cruel, contrariando a interpretação mais amena e idealizada que havia se popularizado nos Estados Unidos. Ele buscou revelar o texto original, mostrando a essência cruel e zombeteira da obra. Davenport destaca a importância das aulas de Nabokov sobre Cervantes, que revelaram aspectos profundos da obra e sua relevância para o romance moderno. Nabokov reconheceu a genialidade de Cervantes ao criar um personagem tão complexo que transcendeu o próprio livro, influenciando outros escritores e se tornando um ícone literário. A discussão sobre Dom Quixote se tornou um reflexo da ilusão, da identidade e da crueldade, temas recorrentes na obra de Nabokov, o que fez das aulas sobre Cervantes um triunfo na carreira do autor.

A obra se inicia com um capítulo intitulado 'vida real e ficção', discute a ideia central do texto é a distinção entre a vida real e a ficção, mostrando que não devemos buscar uma representação literal da realidade nos romances. A vida real é baseada em generalizações e o homem comum é apenas uma ficção, um conjunto de estatísticas. Por outro lado, a ficção pode abordar elementos universais da vida humana, como a dor, os sonhos e a justiça. O exemplo de Dom Quixote é usado para ilustrar como a geografia descrita na obra não corresponde à realidade, mas ainda assim é possível aplicar generalizações da vida real ao texto. Por fim, é mencionada a mudança de cenário na segunda parte do livro, mostrando como o autor manipulou a geografia de acordo com sua vontade narrativa.

Nabokov examina os dois retratos que são apresentados na obra de Cervantes: Dom Quixote, um indivíduo único com uma mistura de lucidez e insanidade, uma condição física frágil e uma paixão por aventuras; e Sancho Pança, um típico palhaço que não provoca tanto riso. Dom Quixote é descrito como um proprietário rural, de cerca de cinquenta anos, com uma aparência estranha e um estado mental que oscila entre a lucidez e a insanidade. Sua condição física é descrita como frágil e marcada por uma séria doença renal. A brutalidade do livro e a curiosa atitude em relação à crueldade são abordadas, revelando um personagem complexo e trágico em meio a uma farsa medieval.

Sancho Pança é descrito como um trabalhador braçal, ex-pastor e ex-sacristão que transmite uma sensação de dignidade beócia e idade madura. Ele é descrito como baixo, com um barrigão, pernas longas e uma barba espessa. Na segunda parte do romance, ele se torna ainda mais gordo e bronzeado. Há um momento de lucidez em sua vida quando parte para governar uma ilha continental. Vestido como advogado, monta uma mula melhorada, mas seu burrico cinzento, que representa uma parte de sua personalidade, o acompanha coberto de tecidos de seda. Sancho Pança cavalga com a mesma dignidade néscia desde sua primeira aparição.

O autor faz uma análise estrutural do livro Dom Quixote, de Cervantes. Ele destaca as características físicas e espirituais dos personagens principais, Dom Quixote e Sancho, e discute a evolução da narrativa ao longo das duas partes da obra. O autor também menciona diversos recursos estruturais utilizados por Cervantes, como trechos de baladas, provérbios, diálogos dramáticos, descrições poéticas da natureza, histórias inseridas, temas arcádicos e de cavalaria, entre outros. Ele promete aprofundar a discussão sobre alguns desses pontos ao longo do texto, visando uma melhor compreensão do livro.

O autor esclarece que os livros de cavalaria foram descritos como uma praga social que Cervantes combateu em Dom Quixote, porém a moda dos romances de cavalaria já estava em declínio na época. Cervantes critica a falta de verdade nos romances fantásticos, mas comete os mesmos erros em seu próprio livro. O tema da cavalaria é fundamental em Dom Quixote, com paralelos entre os episódios do cavaleiro e os dos romances de cavalaria. A obra termina com uma cena em que Dom Quixote se identifica com os santos cavaleiros das imagens esculpidas, e prenuncia seu destino final.

O autor segue examinando os temas da crueldade e da mistificação presentes na obra Dom Quixote, de Cervantes. Na primeira parte do capítulo, são destacados exemplos de crueldade física, enquanto na segunda parte, a crueldade é principalmente mental e consiste em mistificações. São analisadas as formas de tormento e zombaria que o personagem principal, Dom Quixote, e seu escudeiro, Sancho Pança, enfrentam ao longo da história. Além disso, são abordados os feitiços e os magos que surgem na trama, como a tentativa de desfazer o encantamento de Dulcineia. O autor destaca o elemento de crueldade presente na obra, destacando a necessidade de enxergar além da visão geralmente associada à história. Ao explorar o episódio da gruta de Montesinos e as mistificações ducais na segunda parte, o autor destaca a estrutura e o desenvolvimento da trama, bem como a complexidade dos personagens e das situações que enfrentam, resultando em um livro que é, ao mesmo tempo, cômico e amargo.

No capítulo 'O tema dos cronistas, Dulcineia e a morte', o autor discute o tema dos cronistas na obra de Cervantes, destacando a utilização de diferentes recursos narrativos e estruturais. Também aborda a relação entre Dom Quixote e Dulcineia, mostrando como a personagem feminina é construída e idealizada pelo protagonista. Por fim, discute o momento da morte de Dom Quixote, destacando a cena tocante em que ele faz seu testamento e o impacto de sua partida nos personagens ao seu redor, encerrando com uma reflexão sobre a representação da morte como a desencantadora Dulcineia, uma cruel e irônica referência ao mundo cruel e irreal do romance.

Dom Quixote é um livro de grande importância devido à sua ampla difusão mundial, com traduções em diversos idiomas logo após sua publicação original em espanhol. Enquanto o personagem de Sancho Pança é facilmente caricaturado, a figura de Dom Quixote é complexa e fugidia, apresentando várias interpretações ao longo do livro. Além das múltiplas perspectivas apresentadas pelo texto original, existem inúmeras interpretações baseadas em traduções e adaptações desonestas ou conscientes da obra. O herói literário gradualmente se distanciou do livro em que nasceu, tornando-se um símbolo de aspirações nobres e impotentes em diversas culturas ao redor do mundo. Atualmente, Dom Quixote é visto como uma figura gentil, pura, altruísta e corajosa, representando a paródia que se transformou em paradigma.

A obra de Nabokov continua analisando os aspectos da narrativa capítulo por capítulo, da primeira à segunda parte, com o objetivo de exemplificar os pontos abordados na análise anteriormente elaborada nas descrições mencionadas nos capítulos anteriores. O autor se dedica a dissecar minuciosamente o enredo nos capítulos, de maneira separada e cuidadosa, da obra de Cervantes.

Uma análise profunda de "Paixão Simples" de Annie Ernaux



APRESENTAÇÃO

Um dos livros de Annie Ernaux mais adorados pela crítica e pelo público, Paixão simples é também um dos mais ambiciosos por sua tentativa de dar conta da radicalidade da experiência de se apaixonar. Nas breves páginas deste relato profundamente humano, publicado pela primeira vez em 1992, a vencedora do prêmio Nobel de 2022 esmiúça o estado de enamoramento absoluto que experimentou quando, já divorciada e mãe de dois filhos crescidos, viveu um relacionamento com um homem casado. Durante os meses em que se relacionou com A., toda a existência da autora foi regida por um novo signo, que ela disseca com precisão e franqueza. “Graças a ele”, afirma, “eu me aproximei do limite que me separa do outro, a ponto de às vezes imaginar que iria chegar do outro lado”. Essa proximidade do limiar, tão própria do sujeito apaixonado, assume formas variadas no relato. A primeira fronteira a ser deixada para trás é a da razão, que cede espaço ao pensamento mágico por meio do qual se manifesta a expectativa agonizante de ser correspondida. Cada evento, palavra ou pessoa ao redor só tem interesse para Ernaux na medida em que a faz pensar em A. Cada minuto longe dele é uma espera que transcorre de forma diversa do ritmo da vida real. Tema recorrente na obra da escritora, o tempo em Paixão simples não obedece à lógica ou à História. “Para mim não havia essa cronologia em nossa relação, eu só conhecia a presença ou a ausência”, eis o aspecto radical da paixão. Uma vez terminada a relação, o tempo entra em cena novamente, desta vez como índice do rastro deixado por um acontecimento marcante: “Estava sempre calculando, ‘há duas semanas, cinco semanas, ele foi embora’, e ‘no ano passado, nessa data, eu estava aqui, fazendo isso e aquilo’ […]. Pensava que era muito estreito o limiar entre essa reconstituição e uma alucinação, entre a memória e a loucura”. Verdadeira anatomia da alma apaixonada, este livro é também uma reflexão sobre o poder da escrita e um elogio ao luxo que é viver um grande amor.

RESENHA




O livro paixão simples da autora francesa Annie Ernaux, ganhadora do prêmio Nobel de literatura em 2022, com tradução de Marília Garcia, com lançamento no Brasil através da Fósforo editora é a obra mais distinta da autora que se diferencia não em grandiosidade descritiva, mas em intensidade e paixão. A obra lançada originalmente em 1992 se debruça em descrever os períodos de paixão e êxtase absoluto enfrentados pela autora ao se relacionar com 'A', um homem casado que participou de sua vida durante o período turbulento da vida de mãe solo de um casamento recém-acabado.

Ao conversar com outras pessoas, os únicos assuntos que rompiam minha indiferença estavam relacionados a esse homem, ao trabalho dele, ao país de onde vinha, aos lugares que conhecia. (p.8)

Ernaux descreve os efeitos efêmeros provocados pelos encontros casuais sem hora marcada com A, e toda a rotina que precedia de um aviso prévio de que, talvez, em uma hora algo pudesse rolar, como em uma paixão febril e avassaladora que toma conta do corpo mediante a oportunidade de um encontro adolescente regrado de sensualidade.

Se ele anunciava que viria dentro de uma hora — uma “oportunidade” tinha aparecido, ou melhor, uma desculpa para chegar tarde em casa sem que sua mulher desconfiasse [...] Meu desejo era não fazer nada além de esperá-lo (p.9)

Os encontros demoravam a acontecer, e quando finalmente aconteciam, ela não parecia se conectar completamente com o momento. Apenas com a ilusão do efêmero, que sabia que acabaria de forma repentina. Havia um tempo para que tudo se desenrolasse, e isso a deixava apreensiva. Não pelo medo do fim, que sabia que iria ocorrer, mas sim pela forma como se desdobrava.

Ele parecia não sentir algo tão intenso como ela, o que a fazia descrever minuciosamente sua preocupação em relação ao tempo e ao relógio que evitava usar, ao contrário dele, que nunca tirava do pulso. Isso a deixava desconcertada, incomodada e questionando o verdadeiro significado de suas conexões.

Durava apenas algumas horas. Eu nunca cava de relógio, tirava logo antes de ele chegar. Ele mantinha o dele, e eu temia o momento em que o consultaria discretamente. Quando ia à cozinha buscar gelo, eu olhava para o relógio em cima da porta, “mais de duas horas”, “uma hora”, ou “daqui a uma hora estarei aqui e ele terá ido embora”

E, ao final de cada encontro, ela permanecia imóvel contemplando o ambiente e a forma como a qual tudo se desdobrou. Acabou. Ela permanecia imóvel refletindo sobre os copos, talheres e sobre a bagunça, que, de certa forma, mantinham o encontro vivo e palpável. Aqui, ela descreve como uma adolescente em chamas pela paixão, a tristeza e cansaço que lhe tomavam ao findar dos encontros.

Os encontros demoravam a acontecer, e quando finalmente aconteciam, ela não parecia se conectar completamente com o momento. Apenas com a ilusão do efêmero, que sabia que acabaria de forma repentina. Havia um tempo para que tudo se desenrolasse, e isso a deixava apreensiva. Não pelo medo do fim, que sabia que iria ocorrer, mas sim pela forma como se desdobrava.

Depois que ele saía, um cansaço extremo me paralisava. Não conseguia arrumar as coisas de imediato. Ficava um tempo olhando os copos, os pratos com as sobras, o cinzeiro cheio, as roupas e peças de lingerie espalhadas pelo corredor e pelo quarto, o lençol sobre o carpete. Minha vontade era manter aquela desordem tal como estava. (p.11)

Após os encontros e os pensamentos sobre as vezes que viriam ou que poderiam vir a ocorrer, ela passava dias pensando nas carícias, no sexo, na presença e na forma como tudo se conectava, ainda, que, para mim, seus desejos não eram tão correspondidos se levarmos em consideração a forma como ela se entregava ao esplendor do ambiente e dos momentos, em contrapartida, suas descrições sobre a forma como ele admirava o ambiente e preocupava-se com a fluidez líquida dos encontros. O que, de certa forma, comprova que todo este âmago, de certa forma, eram apenas um prazer efêmero da descoberta de novas aventuras sexuais em uma vida pós-abandono, o que, claro, não tira em nenhum instante o mérito inflamável das descrições acaloradas de um amor que se renovava no dia-a-dia.

Ela descreve suas preocupações sobre um período de distanciamento com A, o que a fez querer buscar respostas com cartomantes, mas o que abandonou de ímpeto após pensar na possibilidade, de, que, talvez, seus temores fossem confirmados em relação à ausência dele. O alto teor preocupante da narrativa se intensifica através de um único pensamento da autora:

Uma noite, fui tomada pela vontade de fazer um exame de HIV: “Pelo menos isso ele teria deixado em mim” (p.30)

O pensamento de que, talvez, ele tivesse à deixado com o vírus do HIV correndo em seu corpo durante um período sem cura ou sem grandes expectativas é preocupante, mas se iguala em nível de paixão avassaladora, sobretudo, apenas pela vontade de possuir algo dele ainda em si, o que, talvez, acabasse com o sofrimento de sua partida repentina. Algo que, nem se ele quisesse, poderia toma-la.

Ela passou o ver em sonhos, em pensamentos e no dia-a-dia até mesmo nas coisas mais banais, seus pensamentos eram tomados de súbito enquanto pensava nos horários de um trem ou durante uma anotação qualquer, ele estava sempre lá, sempre presente. E essa descrição da autora em relação a como se sucederam os outros dias e momentos são intensificadas por suas breves divagações em forma de diário onde ela expõe sua rotina com a presença quase que palpável dele.

A obra se finaliza com a constatação do retrocesso de uma vida passada ao lado de A, ela descreve com um sentimento de livramento o sentimento e o último encontro, sobretudo, do nascimento do presente livro, ao qual ela descreve sutilmente: Ora, mas não escrevi um livro sobre ele, nem sobre mim mesma. Apenas expressei com palavras — que talvez ele nem leia, e que não são destinadas a ele — o que a existência dele, por si só, me trouxe. Um tipo de dom reverso. A paixão descrita pela autora é, sobretudo, bela em sua essência e única em características próprias da autora: sua capacidade de descrever com clareza e sentimentalismo profundo o mais perfeito encontro de um ser humano com o sentimento do amor - ou da paixão - que nos toma sempre em um momento inesperado da vida. Diferente de tudo o que já li da autora, mas único e incomparável como qualquer coisa expressa por Ernaux, certamente, um livro merecedor de muitos outros prêmios.

Por que ler Annie Ernaux: A voz poderosa da literatura contemporânea

Foto: Jovem Pam

Annie Ernaux é uma das escritoras mais aclamadas da literatura contemporânea e sua obra merece ser explorada por todos aqueles que buscam uma leitura envolvente e profunda. Em seus livros, Ernaux aborda temas como memória, identidade, relações humanas e sociedade de uma forma única e cativante. Se você ainda não teve a oportunidade de conhecer o trabalho dessa renomada autora francesa, não perca mais tempo e mergulhe em suas narrativas intensas e fascinantes. Embarque nessa jornada literária e descubra por que tantos leitores se apaixonaram pelo universo de Annie Ernaux.

Existem várias razões pelas quais alguém que nunca leu Annie Ernaux deveria começar o quanto antes. Aqui estão algumas delas:

1. Ernaux é uma escritora aclamada pela crítica e reconhecida internacionalmente por sua prosa única e poderosa. Suas obras frequentemente exploram temas como memória, identidade, classe social e gênero, oferecendo uma profunda reflexão sobre a condição humana.

2. O estilo de escrita de Ernaux é cativante e envolvente, fazendo com que seus livros sejam leituras envolventes e emocionantes. Sua capacidade de capturar a essência da experiência humana e transmiti-la de forma autêntica e comovente é impressionante.

3. As obras de Ernaux são conhecidas por sua honestidade brutal e sua capacidade de revelar a complexidade e a fragilidade das relações humanas. Seus livros são frequentemente descritos como honestos e cruéis, mas também como poderosos e emocionantes.

4. Ao mergulhar no mundo literário de Annie Ernaux, os leitores podem ganhar uma nova perspectiva sobre suas próprias vidas e experiências, o que pode levar a uma maior compreensão de si mesmos e do mundo ao seu redor.

Em resumo, ler Annie Ernaux pode ser uma experiência transformadora e enriquecedora, que pode abrir novos horizontes e oferecer uma visão mais profunda e perspicaz da condição humana. Por isso, vale a pena começar a explorar sua obra o quanto antes.

Foto: G1

Algumas obras de Ernaux:

UMA MULHER

Cinco anos depois de recompor a vida e a trajetória do pai em O lugar, Annie Ernaux retorna à autossociobiografia, gênero que inaugurou e que a consagrou, para narrar as memórias que guarda de sua mãe, escritas nos meses seguintes à morte dela. Com a tarefa de articular uma narrativa “entre o familiar e o social, o mito e a história”, Ernaux parte da mesma “linguagem neutra” de outros livros para escrever sobre a própria mãe, mas também sobre a vida de uma mulher. No entanto, a dor e a fragilidade do luto alteram essa equação de forma sutil, porém fundamental: em contato com a perda materna, o estilo seco assume um contorno visceral que vai direto ao coração das lembranças. À flor da pele, ela atenta para as muitas facetas da dor, desde as mais ínfimas. “Alguns pensamentos deixam um buraco em mim: pela primeira vez, ela não vai ver a primavera.” Apesar disso, reconhece a dimensão social de seu luto: “perdi o último vínculo com o mundo do qual vim”. Nascida no início do século 20, sua mãe foi operária desde os doze anos. Tinha orgulho do ofício e de buscar a independência. “Ir longe”, assim Ernaux define o princípio que regeu a vida dessa mulher. Depois de se casar, abriu com o marido o café-mercearia onde trabalhou até a terceira idade. Leitora voraz e aberta para o mundo, estimulava os estudos da filha na tentativa de lhe prover o que nunca tivera. Quando, já viúva, vai viver com Ernaux e os netos, mãe e filha experimentam nas miudezas do cotidiano a distância que a ascensão social da filha singrou entre as duas. Com precisão cirúrgica, a autora recupera os detalhes dos gestos maternos, as expressões, a inquietude e a vivacidade que a mãe manteve até o fim da vida, numa casa de repouso, já acometida pelo Alzheimer. Sóbrio e comovente, este livro é peça central no quebra-cabeças do projeto da autora de escrever a vida. Nele é possível acompanhar não só a trajetória de uma mulher da classe trabalhadora, mas os sentimentos viscerais de sua filha: amor, ódio, admiração, ternura, culpa e um vínculo inabalável.



PAIXÃO SIMPLES

Um dos livros de Annie Ernaux mais adorados pela crítica e pelo público, Paixão simples é também um dos mais ambiciosos por sua tentativa de dar conta da radicalidade da experiência de se apaixonar. Nas breves páginas deste relato profundamente humano, publicado pela primeira vez em 1992, a vencedora do prêmio Nobel de 2022 esmiúça o estado de enamoramento absoluto que experimentou quando, já divorciada e mãe de dois filhos crescidos, viveu um relacionamento com um homem casado. Durante os meses em que se relacionou com A., toda a existência da autora foi regida por um novo signo, que ela disseca com precisão e franqueza. “Graças a ele”, afirma, “eu me aproximei do limite que me separa do outro, a ponto de às vezes imaginar que iria chegar do outro lado”. Essa proximidade do limiar, tão própria do sujeito apaixonado, assume formas variadas no relato. A primeira fronteira a ser deixada para trás é a da razão, que cede espaço ao pensamento mágico por meio do qual se manifesta a expectativa agonizante de ser correspondida. Cada evento, palavra ou pessoa ao redor só tem interesse para Ernaux na medida em que a faz pensar em A. Cada minuto longe dele é uma espera que transcorre de forma diversa do ritmo da vida real. Tema recorrente na obra da escritora, o tempo em Paixão simples não obedece à lógica ou à História. “Para mim não havia essa cronologia em nossa relação, eu só conhecia a presença ou a ausência”, eis o aspecto radical da paixão. Uma vez terminada a relação, o tempo entra em cena novamente, desta vez como índice do rastro deixado por um acontecimento marcante: “Estava sempre calculando, ‘há duas semanas, cinco semanas, ele foi embora’, e ‘no ano passado, nessa data, eu estava aqui, fazendo isso e aquilo’ […]. Pensava que era muito estreito o limiar entre essa reconstituição e uma alucinação, entre a memória e a loucura”. Verdadeira anatomia da alma apaixonada, este livro é também uma reflexão sobre o poder da escrita e um elogio ao luxo que é viver um grande amor.



O LUGAR


Livro que lançou Annie Ernaux à fama, O lugar, inédito no Brasil, estabelece as bases para o projeto literário que Ernaux levaria adiante por três décadas de consagração crítica e sucesso de público. Nesta autossociobiografia, uma das mais importantes escritoras vivas da França se debruça sobre a vida do próprio pai para esmiuçar relações familiares e de classe, numa mistura entre história pessoal e sociologia que décadas mais tarde serviria de inspiração declarada a expoentes da auto ficção mundial e grandes nomes da literatura francesa como Édouard Louis e Didier Eribon. O resultado é um clássico moderno profundamente humano e original.






OS ANOS


Uma das principais escritoras francesas da atualidade, Annie Ernaux, empreende neste livro a ambiciosa e bem-sucedida tarefa de escrever uma autobiografia impessoal. Com ousadia e precisão estilística, ela lança mão de um sujeito coletivo e indeterminado, que ocupa o lugar do eu para dar luz a um novo gênero literário, no qual recordações pessoais se mesclam à grande História, numa evocação do tempo única. Nascida em 1940, em uma pequena cidade no interior da França, Ernaux pertence a uma geração que veio ao mundo tarde demais para se lembrar da guerra, mas que foi receptora imediata das recordações e mitologias familiares daquele tempo. Uma geração que nasceu cedo demais para estar à frente de Maio de 68, mas que ainda assim viu naquelas manifestações a possibilidade dos mais jovens de uma liberdade que por pouco não pode gozar. Finalista do International Booker Prize e vencedor dos prêmios Renaudot na França e Strega na Itália, Os anos é uma meditação filosófica poderosa e uma saborosa crônica de seu tempo. Pela prosa original de Ernaux, vemos passar seis décadas de acontecimentos, entre eles a Guerra da Argélia, a revolução dos costumes, o nascimento da sociedade de consumo, as principais eleições presidenciais francesas, a virada do milênio, o 11 de Setembro e as inovações tecnológicas, signo sob o qual vivemos até hoje.



O ACONTECIMENTO


Em 1963, Annie Ernaux, então uma estudante de 23 anos, engravida do namorado que acabara de conhecer. Sem poder contar com o apoio dele ou da própria família numa época em que o aborto era ilegal na França, ela vive praticamente sozinha o acontecimento que tenta destrinchar neste livro quarenta anos depois, quando já é uma das principais escritoras de seu país. Com a ajuda de entradas de seu diário e de memórias há muito guardadas, Ernaux reconstrói seu périplo solitário para realizar um aborto clandestino. Ao refletir sobre a onipresença da lei e seu imperativo sobre o corpo feminino, Ernaux nos apresenta mais uma face da mescla indissociável do íntimo e do coletivo tão característica de todo o seu percurso literário. Quando por fim encontra uma “fazedora de anjos” disposta a realizar o serviço, a jovem acaba na ala de emergência de um hospital. Anos se passam sem que ela tenha coragem de revisitar o episódio. Em sua relação radical com a escrita, porém, Ernaux encontra o caminho para falar publicamente de seu aborto e fazer da literatura uma profissão de fé, que comove pela honestidade cortante: “o verdadeiro objetivo da minha vida talvez seja apenas este: que meu corpo, minhas sensações e meus pensamentos se tornem escrita, isto é, algo inteligível e geral, minha existência completamente dissolvida na cabeça e na vida dos outros”.



O JOVEM

Se a capacidade de dizer muito com poucas palavras é um traço característico de Annie Ernaux, ela parece ter atingido um dos pontos mais altos de sua produção literária em O jovem. Nas breves páginas deste livro magistral, a escritora dá conta de uma miríade de temas e afetos ao rememorar o relacionamento que teve, aos 54 anos, com um estudante trinta anos mais novo. Como de costume, Ernaux nunca fala de uma só coisa ao escrever. Para além da diferença de idade dos amantes, estão presentes em O jovem reflexões sobre o desejo feminino, o relacionamento entre pessoas de classes sociais diversas, a passagem do tempo, a memória ― individual e coletiva ―, a escrita e o papel da mulher na sociedade francesa dos anos 1990, que pouco difere da nossa em certos aspectos. Absorta pelo romance, Ernaux descreve: “Meu corpo não tinha mais idade. Era necessário o olhar pesado e reprovador de clientes ao nosso lado num restaurante para que eu me desse conta desse corpo. Olhar que, longe de me envergonhar, reforçava minha determinação de não esconder meu relacionamento com um homem ‘que poderia ser meu filho’, enquanto qualquer sujeito de cinquenta anos podia se exibir com uma moça que claramente não era sua filha sem nenhuma reprovação”. Quando reflete sobre o papel do jovem em sua vida, Ernaux se dá conta de que não é tanto pelo que trouxe de novo, mas justamente pela repetição, que ele deixou sua marca: essa dimensão filosófica dos relacionamentos ― que já havia sido citada pela autora em Os anos com o nome de “sentimento palimpsesto” ― é destrinchada aqui com a maestria de uma escritora para quem a passagem do tempo acrescenta novas camadas àquilo que ela tem a dizer e à qualidade de sua escrita.




A OUTRA FILHA


No final da primeira década dos anos 2000, Annie Ernaux recebeu um convite para participar da coleção francesa Les Affranchis, que pede a escritores que façam a carta que nunca foi escrita. É este chamado do presente que a ajudará a abordar um trauma da infância e dará à luz este, que talvez seja seu livro em diálogo mais direto com a psicanálise. Aos dez anos, no verão de 1950, Ernaux escuta uma conversa da mãe com uma cliente e descobre que antes dela, seus pais tiveram outra filha, morta aos seis anos de difteria. A mãe relata à confidente que nunca contaram nada a Annie para não entristecê-la e emenda: “ela era mais boazinha do que aquela ali”.A irmã mais velha jamais voltou a ser mencionada, exceto quando tias ou amigos deixavam escapar alguma lembrança. Desde aquele dia na infância, Ernaux também oculta seu conhecimento: “Tenho a impressão de que o silêncio nos convinha, a eles e a mim”. Mas as palavras de sua mãe calaram fundo na criança, e mais tarde na mulher, cuja obra é marcada pelo pensamento crítico e pela renúncia de uma moralidade limitadora de sua liberdade. É então nesta pseudocarta endereçada à irmã ― à menina boazinha e espécie de santa ― que a autora destrincha suas memórias e os significados que essa ausência sempre presente teve em sua vida, sua identidade e sua relação com os pais. Ernaux escreve frases breves e cortantes para lidar com a sombra de alguém que nunca conheceu e com a dor da comparação implícita. “Você é a própria impossibilidade do erro e do castigo”, diz à irmã. E vai além, conectando a morte dela com o próprio princípio de sua existência: “eu vim ao mundo porque você morreu e eu te substituí”.Em seu esforço para dar contornos a um fato impreciso de sua história, Ernaux hesita entre interpretar a morte da irmã como a gênese de seu destino de escritora ou como um mero dado biográfico. Sem resolver essa ambivalência, ela testa os limites da linguagem e, como de costume, reflete a respeito da própria escrita: “Você está fora da linguagem dos sentimentos e das emoções. Você é a antilinguagem.”Num jogo de espelhos, A outra filha evoca duplos como pulsões de morte e vida, sonho e realidade, revelações e tabus e convida a uma leitura psicanalítica. Entretanto, a própria autora adverte que as matérias do inconsciente também têm a ver com a História e rejeita interpretações que não tenham em conta seu contexto. Para a vencedora do Nobel, atrelar memória, história privada e social é o único modo de escrever a vida.



Foto: Flip


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