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Três poemas de Rodrigo Cabral

Foto: Acervo pessoal // Divulgação

Rodrigo Cabral, nascido em Campos dos Goytacazes (RJ) no verão de 1990, fundou a editora Sophia em Cabo Frio (RJ). A editora tem como foco a publicação de autores da Região dos Lagos, com ênfase na história e memória locais. O espaço cultural da editora promove uma extensa programação literária, incluindo círculos de leitura, saraus, debates e lançamentos. Em 2024, Rodrigo conquistou o segundo lugar no Prêmio Off Flip na categoria Contos e foi destaque na categoria Poesia. No ano anterior, em 2023, ficou em terceiro lugar no Festival de Poesia de Lisboa e em 2022 foi finalista do prêmio Off Flip na categoria Poesia. Atualmente, está se preparando para lançar seu primeiro livro de poemas em 2024.


Confira três poemas do autor.



monóculo fotográfico



atrás 

do vidrinho

a vida solta

sinais de fumaça

pelas montanhas


atrás

do vidrinho

pigmentos

descascam

fabricações

premonitórias


atrás

do vidrinho

remadores rumam

à boca da barra

pronunciando

caymmi


atrás

do vidrinho,

meu velho,

eu sou

hoje

o seu 

tórax





dobradura 


eu construo barcos

você me fornece o atlântico

eu transformo chapéu em proa

crio tormentas com mindinhos

meu barco é firme

está afundando

você sorri

orgulhosa







canção


a vibração das cordas

o aço das ondas

a bruma na boca


   : é o céu

   : é o corpo

   : é o súbito


Rauai: Uma Jornada Intensa pelo Sertão Pernambucano - Entrevista Exclusiva com a Autora Katyuscia Brito


A obra de Katyuscia Brito, escrita em menos de um mês em 2017, traz uma narrativa intensa e envolvente sobre as realidades do sertão pernambucano. Em seu romance de estreia, a autora aborda as complexidades das relações no mundo do crime, através da história de Rauai e Neto, primos envolvidos em atividades ilegais e perigosas. Com uma escrita hábil e envolvente, Katyuscia explora as nuances de seus personagens, mostrando que não há apenas o bem e o mal, mas sim indivíduos complexos em busca de seu próprio caminho. Em uma jornada de vida e morte, paixão e traição, guerra e paz, a autora nos leva a refletir sobre as escolhas que fazemos e as consequências que enfrentamos. Entrevista exclusiva com Katyuscia Brito, confira!


1. Qual foi a inspiração por trás de Rauai?


Resposta: Escrevi Rauai, primeiramente, porque sou nordestina, pernambucana, e carrego em mim, de forma latente, o Nordeste. É algo que pulsa no meu coração e corre em minhas veias. Saí do nordeste quando eu tinha 11 anos de idade, mas o nordeste nunca saiu de mim. No entanto, Rauai poderia ser ambientado em qualquer região do Brasil, afinal, o livro conta a história de um jovem pobre e sem perspectiva que entra para o mundo do crime em busca de uma vida melhor – fato este que acontece com muitos jovens em todo o país. Vejo que a mídia nacional destaca muito os problemas com o tráfico de drogas no Rio de Janeiro e a questão da segurança pública na cidade do Rio, mas esse é um problema que não é apenas regional, pois acontece em todo o território nacional, e não apenas na região sudeste.



2. Como é o seu processo criativo ao escrever um livro?


Resposta: Tenho rotina! Sou uma pessoa diurna e tenho um melhor rendimento pela manhã. Enfim, independente se estou escrevendo um livro ou um artigo, gosto de escrever sempre no mesmo horário e no mesmo local. Penso na história, nos personagens e nas situações em vários momentos do dia, mas, geralmente apenas no horário que separo para escrever é que passo tudo para o “papel”.


3. Quais são os temas que mais gostou de abordar em Rauai?


Resposta: Sinceramente, me apaixonei por cada um deles. Em cada capítulo mergulhei de forma intensa em cada situação. Para mim é difícil escolher um tema que mais gostei, pois “vivenciei”, mentalmente, intensamente cada um.


4. Como você lida com o bloqueio criativo durante o processo de escrita?


Resposta: Criando um cenário mental sobre a história. Costumo vivenciar, mentalmente, intensamente, cada situação.


5. Quais são os autores que mais te influenciam na sua escrita do seu livro Rauai?


Resposta: Com certeza o Paulo Coelho. Sou fã dele! Embora o tema do meu livro e os temas que ele costuma abordar sejam totalmente diferentes, sempre gostei da forma fluída como ele escreve. E sempre busquei escrever dessa forma.


6. Qual foi o maior desafio que enfrentou ao escrever Rauai?


Resposta: O meu maior desafio foi lidar com a autocrítica. Desde quando comecei a escrever Rauai, disse para mim mesma que iria escrever sem “filtros”, sem receio. Acredito que uma boa escrita é aquela com a qual  a gente consegue escrever despidos de qualquer limitador, de qualquer censura. E assim fiz! 


7. Como você escolheu o título do seu livro?


Resposta: Na verdade, o título surgiu antes mesmo de eu começar a escrever o livro. Eu estava pensando sobre o personagem principal do livro “que ele era forte como uma força da natureza” e, pronto, Rauai “Hawaii” surgiu na minha cabeça. 

  

8. Como foi o processo de pesquisa para o desenvolvimento do livro?


Resposta: O livro ´”Rauai - o Patrão do Polígono da Maconha” é uma obra de ficção. Criei todos os personagens e imaginei uma história para cada um deles naquele cenário “O sertão Pernambucano”, especificamente o Polígono da Maconha. Eu já conhecia um pouco da história, do contexto, do Polígono, fora isso, assisti alguns documentários e reportagens sobre o local e fiz pesquisas no Google.


09. O que você espera que os leitores sintam ao ler sua obra?


Resposta: O livro convida o leitor a fugir do senso comum e a enxergar as coisas, um pouco, sob outra perspectiva. O que é “certo”? O que é “errado”? Será que realmente existe um lado “certo” e um lado “errado”? Ou tudo depende do ponto de vista de cada um? Sei que nada justifica a escolha de um jovem em entrar para o mundo do crime. Assim também como sei que nada justifica a escolha de um político em se tornar corrupto "entrar para o mundo do crime". Embora em "lados  opostos”, ambos são bandidos e estão interligados, afinal, o tráfico é só mais um efeito colateral, ou subproduto, da corrupção. A principal diferença é que um causa um tipo de terror específico, o da violência, e mata com a pistola. Enquanto o outro assombra através da vulnerabilidade social e mata com a caneta.


10. Qual conselho você daria para escritores que estão começando suas carreiras?


Resposta: A escrita é uma paixão, não é uma escolha. É algo que te dá prazer e que te motiva, independente de qualquer coisa. Sendo assim,  mergulhe naquilo que te move e escreva como se ninguém fosse ler. Essa é uma ótima estratégia para driblar a autocensura. Fora isso, acredite em você! 

Paulo Cotias responde questões sobre seu livro ''12 Lições Contra o Neofascismo''



O livro de Paulo Cotias, intitulado "12 Lições Contra o Neofascismo", mergulha fundo na análise desse fenômeno multifacetado e muitas vezes silencioso. Como historiador e especialista em educação, o autor apresenta uma abordagem clara e contextualizada, alertando para a necessidade de não suavizar a gravidade do neofascismo com eufemismos. Nas 12 lições que compõem a obra, Cotias expõe as características, estratégias e mecanismos utilizados pelos neofascistas, destacando a importância de compreender e combater esse movimento. Com uma linguagem direta e contundente, o autor lança luz sobre um tema urgente e relevante para os tempos atuais. Hoje o autor nos fala em um bate papo rápido sobre sua obra, confira abaixo:

1. Qual foi o motivo que o levou a escrever o livro "12 Lições Contra o Neofascismo"?


A principal motivação está ligada a constatação de que, apesar de algumas produções literárias e visuais sobre a temática, senti falta de algo que pudesse pensar o fenômeno do neofascismo em si. Além disso, percebi o enorme esforço (ingênuo ou deliberado), de pensadores, comunicadores e redes em suavizar e diluir o neofascismo por meio de expressões que funcionam como amortecedores , como eufemismos tais como “conservadores”, “extrema direita”, “populismo de direita”, “radicais”, “extremistas”, todos eles contendo tudo e nada ao mesmo tempo. Ou seja, para combater o que considero o pior inimigo do paradigma de civilização contemporâneo, o neofascismo, é preciso tentar compreender o que ele é, como opera, quais suas estratégias, suas ambições e seus arquitetos e colaboradores. E isso é uma necessidade urgente do nosso tempo.


2. Como foi o processo de pesquisa e elaboração das 12 lições apresentadas no livro?


Eu já havia me dedicado a escrita de livros didáticos para o ensino superior na área de história contemporânea, o que já havia prorporcionado revisitar a temática do fascismo e do totalitarismo. Aliado a isso, procurei também me dedicar a leitura de obras que operam com o tema, entender suas abordagens e contribuições. O esforço maior, no entanto, foi o de fazer o exercício desafiador de todo o historiador do seu próprio tempo, ou seja, o de buscar o máximo de fontes por meio de notícias e conteúdos não apenas que falassem do neofascismo, mas, sobretudo, o que foi produzido por neofascistas. Desse modo, a proposta desde o princípio foi adotar o estilo ensaístico, embasado, mas não propriamente um livro nos padrões acadêmicos clássicos. É uma obra para o pensamento, para discussão, para a provocação de reflexões. Um livro fundamentado, para ser lido e para servir de inspiração para outras reflexões.

3. Como você lida com a questão social em relação ao neofascismo? Você encontrou alguma barreira ao levantar questões tão pertinentes ao momento político atual?


Tenho observado com muita preocupação a capacidade de sedução que o neofascismo tem conseguido impor aos mais difentes campos como o progressismo e até mesmo a centro-esquerda. Essa receita não é propriamente nova, pois o fascismo acenara outrora para os diferentes círculos de trabalhadores, ativistas e intelectuais, dos quais captou muitos que acreditaram que teriam vantagens pragmáticas ou algum prestígio estratégico em um eventual novo regime. Tanto ontem, como hoje, os seduzidos pela política fascistóide são meros meios utilitários. A barreira que encontro é a da hipocrisia, sobretudo por parte dos que se deixaram envolver e se entregaram ao neofascismo. Eram críticos de outrora, mas que levados pelo pragmatismo do poder pelo poder, das benesses desse poder, fingem que não sabem com quem se envolvem ou o que defendem. Dão desculpas para si próprios e para as redes. Quando o fascismo foi derrotado, não foram poucos que ficaram expostos a essa vergonha.




4. Qual a importância de contextualizar historicamente o neofascismo para compreendê-lo melhor?


Isso é importante para evitar tanto o anacronismo, quanto o academicismo. Fascismo e neofascismo são experiências com datação, lugar e sujeitos históricos particulares. Porém, é necessário estabelcer o que temos de reacapitulação e o que se prolongou na longa duração do fascismo desde a sua derrota na Segunda Guerra Mundial. Foi derrotado, mas não foi deletado. E o neofascismo assume formas novas, mas trazendo aspectos dorsais dessa experiência originária. Além do mais, você só combate o que conhece. É um principio básico. E o neofascismo tem se esforçado e conseguido operar de modo escamoteado. É hora de levâ-lo à luz de dia.

Foto: Arte digital / Folha da cultura

5. Quais são os principais desafios enfrentados pela democracia atualmente para combater o avanço do neofascismo?

Um primeiro desafio é o da própria percepção do que é democracia atualmente. Em um cenário piolítico no qual ela geralmente é fixada como a “festa do voto” e amplamente confundida com um estado dispensador de serviços, é desafiador promover uma discussão capaz de recolocar a democracia como um valor indispensável. E por que? Nem todas as nações conhecidas são democráticas. Sejam de direita ou esquerda, algumas formam ditaduras abertas ou escamoteadas por eleições viciadas, além das riquíssimas nações que se projetam no cenário internacional e que possuem sistemas autocráticos ou até mesmo despóticos. O que isso significa? Que a democracia não é um valor natural e muito menos universal. Pior, seja pela globalização ou pela geopolítica, as democracias se relacionam ou até se vinculam em diferentes graus com esses outros regimes o que levanta questões muito fortes sobre a ética e os limites dessas relações. O neofascismo não tem nenhuma dificuldade de operar nesse mundo caleidoscópico, pois essa é justamente sua natureza. Sendo assim, pode muito bem defender qualquer outro regime no lugar da democracia, alegando que dará o que os seus seguidores desejam e os protegerá dos próprios inimigos por ele criados.


6. Você acredita que a conscientização e resistência democrática são eficazes para evitar retrocessos autoritários?


Sim, mas ainda vemos que os agentes políticos insistem na visão de que a conscientização é algo que se faz no movimento dos que falam para os que escutam. Isso nunca irá gerar consciência. A consciência é uma opção desejante do indivíduo que busca no que o outro produz, seja um livro, um discurso ou uma obra de cultura, os elementos que fazem com que pense, entenda e tome decisões informadas. E é ilusória a noção maniqueísta de que existe uma consciência boa ou má. Existe a consciência e ela se alimentará do cardápio que a convencer. Assim, acredito que tenhamos que ser muito melhores nas formas de ouvir, de integrar, de comunicar e de dispor as trilhas dos saberes que possam garantir que não caiamos em retrocessos civilizacionais. O pior, é que no meio dessa lide ainda temos o profundo fosso da alienação das redes, uma cultura de inutilidade a serviço das novas formas do capitalismo contemporâneo. Não é um cenário fácil.


7. Qual a relação entre a crise do Estado liberal, do capitalismo e a ascensão do neofascismo contemporâneo?

Para mim é muito simples. O neofascismo é a tábua de salvação do estado liberal capitalista. Mas não estamos aqui falando dos liberais progressistas ou dos capitalistas que advogam o bem-estar social. Falo dos ultraliberais que desejam libertar-se completamente de qualquer limitação legal na sua capacidade de ampliar seus lucros e, para tal, precisam controlar definitavamente o estado. Para isso, atacam o estado em suas fragilidades, tentando convencer a opinião pública de que ele é algo unicamemente ruim, caro, ineficiente, perdulário, corrupto e que, para reverter isso, é preciso impor uma mentalidade e uma prática privatista, uma gestão pela eficicência a qual eles, os ultraliberais, se vendem como os unicos portadores e operadores. Na prática isso significa desregulamentar o trabalho aos limites da informalidade, fazer com que os ricos continuem a não pagar impostos ou que paguem ainda menos do que já pagam, que a riqueza continue concentrada, que o rentismo transforme as relações econômicas em um grande cassino especulativo. O povo trabalhador compra esse discurso pois ele é muito bem vendido e massificado. Conclusão, continuará sem os serviços sociais fundamentais, trabalhará cada vez mais em regimes de exploração acentuados, com menos proteação e tendo cada vez menos valor como cidadão. O neofascismo abre mão do controle econômico desde que este permita e sustente a casta ideológica e a casta corrupta no castelo alto que desejam estar. Desde que os ultraliberais concedam os recursos para as ementas, para os propinodutos, para os arranjos e combinações e que continuem pagando os mais diversos canais para propagar que todo esse ambiente de corrupção não existe ou só existiu no passado, eles podem fazer o que quiseram com o erário e com o povo. É um modelo de rapina.

8. Como você enxerga a participação pública no desenvolvimento e propagação de ideias autoritárias?


O debate público está posto em premissas falsas. Fala-se em uma polarização entre nomes, o que apenas interessa aos próprios nomes que estão nos polos da contenda e seus respectivos aliados. Acreditamos na falácia de que o país está dividido em dois, quando na verdade há uma movimentação muito mais complexa em curso. O neofascismo se aproveita desse clima de “nós e eles” para arregimentar cada vez mais adeptos e, para chegar aonde deseja, basta convencer uma maioria simples, vencer as eleições e ter os meios para construir uma opinião pública e comprar a bom preço os meios políticos para desmanchar impunemente as instituições que sustentam o estado democrático de direito. Não se fala em neofascismo. Quanto mais o debate público for um jogo de ataque e defesa e sobre temas pautados pelo neofascismo, ou seja, como mera posição reativa, não vamos avançar. Pelo contrário. Isso sem falar que há um fenômeno muito complicado também em curso que é o decolamento da escolaridade e do conhecimento. Nunca tivemos tantos formados e titulados cuja relação de produção e comprensão do conhecimento fosse tão limítrofe. Somado ao espaço das redes que estimulam, endossam e ressoam os “especialistas” de ocasião, com opiniões ou demonstrações de virtude aparente vazias e temporarias.


9. Quais são suas perspectivas em relação ao futuro, a política atual o avanço velado do neofascismo?

Não muito otimista. Há chances reais e sólidas dos neofascistas ampliarem seus espaços de poder e enraizamento nesse ano, pavimentando a ampliação e retomada do poder total em 2026. Por outro lado, quem são as novas lideranças capazes de construir pontes e levar o debate público de volta à rota da civilidade, do progresso, do desenvolvimento e da justiça social? Quais grupos estão se dedicando a qualificar o debate público? O que se vê é meramente um culto à personalidades. Há também muitas questões que estão se tornando perigosamente irreversíveis como a captura da política pelo centrão, o envolvimento dos poderes com a criminalidade, a corrupção e a impunidade institucionalizada pelos próprios pares políticos. E todos esses aspectos não são estranhos ao neofascismo.


Foto: Sophia Editora / Divulgação

10. Quais produções literárias inspiraram a escrita do seu livro? Houve algum?

Autores como Umberto Eco com o seu “Fascismo Eterno”, “Fascismo à Brasileira” de Pedro Dória, “Anatomia do Fascismo”, co Paxton e outros autores que gosto bastante e incorporo nas minhas reflexões como Byung-Chul Han, Hobsbawm, Daniel Arão, Yuval Harari, entre outros.

11. Se você pudesse mudar algo no mercado editorial brasileiro, o que seria?

Creio que um grande gap que observo é o da ponta, ou seja, o como o livro enquanto bem de consumo está ou não acessível. É assustador que tenhamos tantas livrarias fechando e espaços literários como cafés e similares estejam lutando para sobreviver. As bibliotecas no Brasil são pavorosamente escassas e mal estruturadas, salvo honrosas excessões, além das salas de leituras nas escolas que, geralmente, são arremedos, remendos de um espaço literário improvisado em todos os sentidos. Falta campanhas de incentivos, tirar essa pecha de que leitura é uma prática obsoleta. Os preços também acabam afastando e elitizando o hábito. Enquanto rolar feed não custa nada, comprar um ou mais livros é algo que pesa no orçamento da maioria das famílias. Não é que o livro seja caro, a distribuição da riqueza no país é que é vergonhosamente desigual e precarizante.


12. Qual sua dica para quem está iniciando o primeiro livro?


A escrita é um processo orginal e isso é o mais importante. É claro que há parâmetros como os de cada estilo, assim como a escrita acadêmica que tem as suas regras próprias, mas o importante é que possamos nos dedicar com muito zelo e cuidado em cada etada da construção. Outra coisa muito importante é a de não se deixar levar pela vaidade e pela ansiedade. Hoje, há muitos grupos que atendem pelos nomes de “academias”, “confrarias” e coisas do gênero que se transformaram em máquinas de fazer dinheiro produzindo medalhas, diplomas e “honrarias” em troca de “taxas de chancelaria”. Na prática, o autor acaba comprando esse “reconhecimento” e isso não tem nada a ver com a qualidade da sua obra ou o seu talento. Então, um conselho precioso, o livro pode ser lido por uma pessoa ou por milhões, o importante é que haja verdade tanto na escrita quanto na leitura e isso não se mede só pelo quantitativo. Já o sucesso é uma engenharia complexa e depende de fatores que vão muito além do talento. Por isso, é importante ter paciência e, caso deseje se tornar um escritor profissional, é necessário estudar e conhecer esse meio, como em qualquer profissão.



13. O que podemos esperar de seus próximos livros?


O projeto é a realização de uma trilogia. O próximo, que já estou escrevendo, será dedicado ao tema da liberdade e o terceiro vai se dedicar a cidadania. Todos terão o mesmo formato e proposta das 12 Lições.

Resenha: Rauai: o patrão do polígono da maconha, de Katyuscia Brito

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

De agricultor pobre do sertão pernambucano a um dos patrões do Polígono da Maconha, Rauai era o que chamam de “pessoa errada”. No entanto, ao seu modo, fez o que julgava ser certo. Quem nos conta é Neto, primo de Rauai e narrador deste romance de estreia de Katyuscia Brito, que revela as áridas relações do mundo do crime em um dos lugares mais perigosos do Nordeste. Depois que decidiram parar com a plantação de alimentos para montar o próprio bando de roubo de cargas na estrada, Rauai e Neto tiveram que arcar com as consequências de seus atos. Passaram a ser temidos e respeitados, mas também perseguidos e odiados por muitos. Entre negociações delicadas e emboscadas, viveram sob a mira dos inimigos e, também, de seus próprios fantasmas. Neste livro, Katyuscia Brito passa ao largo de concepções estáticas do que é “bom” ou “mau”. Por isso, Rauai e Neto podem ser, ao mesmo tempo, cabras arretados e jovens frágeis em busca de respostas. São personagens construídos e reconstruídos durante um caminho de vida e morte, paixão e traição e guerra e paz no sertão pernambucano.


RESENHA

Rauai era um homem cercado por pessoas, mas se sentia sozinho. Ele questionava se as pessoas realmente o adoravam ou apenas o temiam. Aos 27 anos, ele havia acumulado um grande patrimônio e sonhava em deixá-lo para seus futuros filhos. Nascido em uma comunidade hippie no Ceará, ele aprendeu que seu nome era uma homenagem a um lugar nos Estados Unidos. Apesar de ter realizado muitas aventuras radicais e viajado pelo mundo, Rauai ainda buscava algo mais para preencher a solidão que sentia. A morte de seus pais em um acidente de carro, quando ele tinha 9 anos, foi um ponto de virada em sua vida. Ele se tornou o único sobrevivente e foi morar com um tio no sertão pernambucano, no Polígono da Maconha. A construção de hidrelétricas no Vale do São Francisco atraiu muitos trabalhadores rurais em busca de emprego, impulsionando o cultivo e comércio de maconha na região, conhecida como Polígono da Maconha. Desde o século XIX, a planta já era presente na área. As décadas de 1930 e 1970 marcaram a repressão e a popularização da maconha. Os agricultores do Polígono, divididos em categorias, sonham em se tornar patrões, os verdadeiros líderes do tráfico. Em 1997, a operação "Cactos" tentou combater o plantio, mas a atividade continuou após a prisão de alguns envolvidos. Alguns mudaram de região, investiram na política ou se tornaram patrões.

Neto continua narrando como durante uma formatura, eles comemoraram uma promoção no Vip Night Club, fechado por uma mulher chamada Dona Nena. Ela ofereceu garotas como presente e os chamou de novos patrões do sertão. Neto e Rauai cresceram juntos, com um vínculo forte após perderem os pais. A entrada no mundo do crime parecia ser a melhor opção, devido à falta de oportunidades na agricultura que enfrentavam. A história narrada por Neto descreve como Rauai e seus amigos decidiram montar um bando para roubar cargas na estrada, visando mudar de vida. Tenorinho, um poderoso do Tráfico de drogas, decidiu comprar o sítio deles e oferecer ajuda para começar o negócio ilegal. Com a ajuda dele, Rauai e seus amigos conseguiram o equipamento necessário para iniciar e fecharam um acordo para vender as cargas roubadas a Tenorinho. Finalmente, a propriedade do sítio foi transferida para uma das primas de Tenorinho. Eles saem do sítio para realizar roubos de carga, seguindo a liderança de Rauai, que dá as ordens e organiza as ações. Após várias tentativas frustradas, finalmente conseguem cometer um roubo bem-sucedido, que lhes traz um bom lucro. Com o tempo, cada membro encontra seu papel dentro do grupo e decidem alugar um lugar para morar em Salgueiro. O relato revela a dinâmica da gangue e o desejo de progredir por meio dos roubos de carga.

Após quase cinco meses desde a primeira carga, eles decidiram pagar a promessa ao Galego e foram ao Recife assistir a uma partida de futebol do Sport.  Após alguns meses desde a chegada deles de Recife, os negócios estavam indo bem e eles continuavam a roubar cargas na estrada. Em uma noite, descobriram que uma carga que haviam roubado estava recheada de maconha, pertencente a um dos patrões do Polígono. Apesar da tentação de lucrar com a droga, decidiram devolver a carga para o dono, mesmo sem encontrar o motorista. Com isso, foram até a fazenda do Zé Maria, onde foram recebidos e agradecidos pela devolução da carga. No final, decidiram que não valia a pena ficar com aquela maconha, e seguiram com seus negócios na estrada.

Neto e Rauai decidem subir de posto no mundo do crime e se tornam empregados de Tenorinho, um criminoso perigoso. No entanto, após perceberem que estão sendo explorados e descobrirem que Tenorinho lucra muito mais do que eles, decidem seguir por conta própria. Um novo comprador para as cargas roubadas é encontrado por eles e conseguem negociar um acordo melhor. No entanto, Tenorinho não aceita a traição e tenta matar Beto, um dos membros do grupo. Após o ataque, eles mudam de endereço e se preparam para uma possível retaliação. A guerra entre Tenorinho e o grupo de Neto e Rauai estava apenas começando.

Zé Maria decidiu passar a administração de seus roçados no Polígono da Maconha para dois amigos, Neto e Rauai, que haviam demonstrado sinceridade e lealdade ao devolver um carregamento de maconha que encontraram em sua fazenda. Ele estava cansado da vida no crime e desejava paz para desfrutar de sua família. Os amigos aceitaram a proposta e se tornaram os novos patrões do Polígono, com o apoio de Flávio, os negócios foram prósperos e Zé Maria seguiu para uma nova vida no Pantanal. A história demonstra como escolhas e boas ações podem mudar o rumo das vidas das pessoas.

Após o término da "Cactos", alguns dias se passaram e eles retornaram à estrada para ganhar dinheiro e iniciar o plantio de maconha. Aprenderam a cultivar a planta e organizaram roçados com trabalhadores rurais, utilizando ilhotas para dificultar o acesso e se proteger de possíveis descobertas. Após enfrentarem problemas com Tenorinho, tiveram que repensar seus negócios e acabaram expandindo a produção de maconha, conseguindo dobrar a safra no ano seguinte e fornecendo para três estados do Nordeste, incluindo maconha de alta qualidade. Eles então se tornaram patrões do Polígono, acumularam bens materiais, mas também assumiram mais responsabilidades e problemas, principalmente com Tenorinho, que se tornou deputado. Após uma comemoração no cabaré, Tibla (amigo de Tenorinho) causou um clima pesado, porém eles não se sentiram intimidados. Rauai fez uma viagem, e ao retornar, Luizinho informou que Anne, uma pessoa importante para eles, havia voltado.

Seis anos haviam se passado desde que Anne partira. Durante esse tempo, ela visitara a família apenas três vezes, mas não havíamos conhecimento das vezes em que estivera no sertão. Como não moravam mais na mesma cidade, Luizinho nunca comentava sobre Anne, pois Rauai proibia qualquer menção ao seu nome. O retorno de Anne para ficar trouxe uma reviravolta na situação. Rauai, ao descobrir da presença de Anne e de seu filho, decidiu confrontar seu passado e seu sentimento por ela.

Luizinho revelou a Rauai que Anne havia presenciado uma cena que a fizera pensar que seu sentimento por ele não era mais correspondido. Apesar dos anos de separação e das mágoas, Rauai decidiu dar uma nova chance a Anne e ao filho. Após uma intensa conversa, Rauai e Anne se acertaram e decidiram ficar juntos. Reintegrada à família, Anne trouxe alegria e uma nova dinâmica para a vida de todos. O casamento civil entre Rauai e Anne foi celebrado com uma linda festa na chácara.

A vida seguia tranquila, mas Anne começou a pedir para que Rauai mudasse de vida. Apesar de ser feliz com Anne, Rauai ainda gostava da vida que levava. O futuro reservava novas reviravoltas, mas, por enquanto, a felicidade reinava na vida deles.

Foto: Detalhes da diagramação / Sophia Editora / Divulgação


Pouco tempo depois, um distribuidor indicou a eles um famoso traficante do Rio de Janeiro para expandir seus negócios. Com a parceria firmada, os protagonistas estavam ansiosos pela nova oportunidade. No entanto, Tenorinho, um rival ambicioso, tentou intimidá-los para desistirem do negócio. Logo depois, eles foram atacados e um dos seguranças foi morto. Diante da situação, decidiram aumentar a segurança na fábrica e tomar mais cuidado.

Meses depois, durante a colheita, Rauai, o líder do grupo, viajou para o Rio de Janeiro para receber o pagamento e verificar a operação. No retorno, foram emboscados e Rauai foi baleado.

A guerra por territórios no Polígono, região marcada pela violência e pelo tráfico de drogas, teve início muito antes de Rauai e Tenorinho se tornarem patrões na área. Rauai e sua equipe se tornaram um problema para Tenorinho ao tomarem suas próprias decisões e adentrarem em novas regiões do país. Após uma emboscada fatal, Rauai acabou sendo preso por tráfico de drogas e porte de arma.

Anne, o amor de Rauai, seguiu em frente, vendeu os bens e montou um restaurante. Galego, outro membro da equipe, se casou e virou pastor, enquanto Tenorinho se reelegeu e continuou seus negócios, consolidando seu poder na região.

Mesmo na solidão da prisão, a leitura foi um refúgio para Rauai. Ele mergulhou em livros e encontrou na literatura um escape para a realidade cruel que o cercava. A leitura o transportou para outros mundos, proporcionando-lhe momentos de paz e reflexão.oi a única fonte de alegria para Rauai durante aqueles anos difíceis.

Apesar de ser um livro denso e abordar temas controversos, "Rauai: o patrão do polígono da maconha", de Katyuscia Brito, é uma obra que merece destaque por sua narrativa envolvente e personagens complexos. A autora consegue criar uma trama instigante que prende a atenção do leitor do início ao fim, explorando os dilemas e escolhas de Rauai em meio ao universo do tráfico de drogas no sertão nordestino. A história de superação e transformação do protagonista, bem como a representação das relações humanas e das nuances do poder na região, são pontos fortes do livro. Além disso, a obra traz reflexões sobre solidão, lealdade, amor e redenção, fazendo com que o leitor se envolva emocionalmente com os personagens e suas jornadas. Com uma escrita fluída e envolvente, "Rauai: o patrão do polígono da maconha" é um livro que, mesmo abordando temas complexos, consegue transmitir mensagens poderosas e inspiradoras.

Sobre a autora | Katyuscia Brito é nordestina, pernambucana, jornalista por formação e escritora de coração. Casada, tem dois filhos. Descobriu a paixão pela escrita aos 13 anos durante as aulas de redação do 7º ano do ensino fundamental, antiga 6ª série. Mudou-se para o estado do Rio de Janeiro com 11 anos. No entanto, costuma dizer que nunca se distanciou do Nordeste. Não por acaso, carrega hoje um sotaque misturado e carregado de brasilidade. Katyuscia Brito escreveu esta obra em 2017, em menos de um mês, durante uma jornada pessoal em busca de autoconhecimento através das palavras.

Resenha: 12 lições contra o neofascismo, de Paulo Cotias

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Nesta obra, Paulo Cotias analisa o neofascismo como fenômeno caleidoscópico, ou seja, multifacetado, com manifestações muitas vezes silenciosas e subliminares. Daí surgem as 12 lições que motivam o título do livro e seus capítulos. 

Historiador, especialista em Docência Superior e mestre em Educação, Cotias aposta na linguagem clara e objetiva aliada a uma detalhada – e necessária  –  contextualização histórica. Logo de início, um alerta: “Cuidado com o academicismo”.

“Tratar o neofascismo com eufemismos ou outros nomes menos comprometedores – como “populismo de direita”, “extrema direita”  ou “conservadores” – é fazer seu jogo. Ele, como veremos, não pode vir à luz com esse nome. Não quer isso”.

Nas páginas seguintes, o autor segue com o dedo na ferida. Na lição 4 – “O neofascista precisa de arautos” –, afirma: “O neofascista se admira no espelho, mas é temeroso das leis, ética e civilidade, que acredita que o oprimem e podem punir. Por isso, reluta, esperneia e revolta-se se for percebido clara e publicamente como tal. É como a retirada vergonhosa de um disfarce.”

RESENHA

12 Lições Contra o Neo Fascismo de Paulo Cotias é uma obra que analisa de forma profunda e detalhada o neofascismo, um fenômeno multifacetado e muitas vezes silencioso. Com sua expertise como historiador e mestre em Educação, o autor apresenta 12 lições essenciais para compreender e combater essa ideologia perigosa. Em um estilo claro e objetivo, Cotias contextualiza historicamente o surgimento e a propagação do neofascismo, alertando para a necessidade de não utilizar eufemismos para descrevê-lo. Ao longo dos capítulos, o autor aborda temas como a necessidade de arautos, seguidores, inimigos, estética, braço armado, multiverso, fé e algoritmo para sustentar o neofascismo. Uma leitura indispensável para aqueles que desejam compreender e resistir a essa ameaça à democracia e aos direitos humanos.

Partindo do pressuposto da necessidade de conhecimento para ação, Paulo Cotias desenvolve em sua obra uma premissa fundamental e indispensável para construção de barreiras para o avanço do neofascismo. A teoria central da obra convida o leitor para o conhecimento da esfera manipuladora e problemática erradica pelos neofascistas, que, por vezes, recebem títulos de 'salvadores', 'donos da verdade', e outros que costumo dizer 'pais de família', o que os fazem se enraizar no seio da sociedade e se perpetuarem de forma silenciosa e claudicante, promovendo entre seus aliados um ritual de desordem, exclusão e prepotência, o que em síntese, é um efeito da coisa, não de sua difusão. Reconhecer os sinais que fazem o neofascismo se tornar tão presente e popular é uma forma de elaborar uma forma de impedir a contaminação de outras pessoas por meio da ignorância e falta de conhecimento de alguns.

Usando de forma figurada a comparação entre neofascismo e caleidoscópio, o autor promove, desta forma,  um paralelo entre a existência, o ato e a consequência dos movimentos e da inserção silenciosa dos ideais fascistas no seio social por meio da propagação e expansão de seus reais idealizadores e apoiadores por meio de discursos bem elaborados para ouvidos desatentos. Para o autor, derrubar um político ou candidato neofascista não impede o movimento de se propagar ou existir, é necessário assim, atentar-se para as raízes que mantém a base em sua solidificação, sendo necessário pensar em uma ação conjunta que possibilite uma ação efetiva de forma a erradicar não um sintoma, mas a causa como um todo.

Em lição 1: cuidado com o academicismo, o autor se desdobra a desvencilhar as esferas do neofascismo na história, desde os acontecimentos recentes com o uso de notícias e publicidade para desvirtuar o foco do reconhecimento da problemática, o colocando como um acontecimento distinto, não o fascismo propriamente dito. Para ilustrar a raiz e os efeitos, ele analisa de forma contextualizada o fascismo promovido por Benito Mussolini e os resultados catastróficos para os italianos, que enfrentaram a pior crise econômica da história, as greves intensas, que culminaram na acensão de Mussolini como primeiro-ministro de Vitor Emanoel III para formação do Estado Fascista. As condições atuais existentes possibilitaram o discurso de que o fenômeno atual das complicações políticas, dos discursos inflamados e dos problemas sociais fossem intitulados de qualquer outra coisa, menos fascismo, como resultado do academicismo que passou a chamar as recentes problemáticas de populismo; extrema-direita ou autoritarismo, o que fez com que houvesse uma análise menos aprofundada dos termos, levando em consideração sua 'pureza', em relação aos acontecimentos promovidos pela ideologia fascista.

Em lição 2: O fascismo tende a se unificar, o autor estuda a estrutura do fascismo, expondo que, como não há evidências de um movimento orgânico com características visíveis e palpáveis como noutros momentos da história, criou-se então a introdução de que essa ilusão política da falta de análise das problemáticas, era, senão, em um moisaco difundido em diferentes territórios, não mais unificado. O que claro, fortaleceu a ideia de acensão de um fascismo territorializado e menos fragmentado por meio da figura de um líder, responsável pela condução de uma nova hierarquia através dos discursos e da difusão de uma política mais reconhecida por meio de um poder de ação pautado em ideologias, uniformes, hinos e rituais que permitiram, ao passo, ainda que lento, reconhecer os sinais de um levantamento facista social.

Em lição 3: O neofascismo é envergonhado de si, o autor se desdobra a explicitar de forma erudita a dificuldade de se encontrar um participante do movimento de forma clara, o que claro, é resultado do seu fracasso na história, tornando assim, seus seguidores uma forma não linear entre a sociedade. A perversão da democracia liberal ocasionou na criminalização do fascismo, bem como em apologias ao movimento, o que fazem os nazifascistas não se assumirem como parte constitutiva do movimento.

Em lição 4: O neofascismo precisa de arautos, descreve que os neofascistas buscam disseminar suas ideias através de profecias autorrealizadoras e sinais que possam ser interpretados como prodígios. Eles atuam em diversos espaços, como igrejas, redes sociais, mídias de massa e através de influenciadores. Recrutam arautos intelectuais e pseudocientistas para legitimar suas ideias e buscam ocupar espaços na sociedade através de autores que abordam temas sensíveis de forma sensacionalista. A estratégia dos neofascistas é ampliar seu alcance e influência de maneira a manipular a opinião pública e se estabelecer como figuras de poder.

Em lição 5: O neofascismo precisa de seguidores, explica que o neofascismo depende de uma comunidade imaginada, em que arautos falam para um público engajado que se torna disseminador das mensagens. A retórica e a produção de verdades são essenciais para mobilizar os seguidores. Além disso, são utilizadas estratégias estéticas e de produção de conteúdo para conquistar novos seguidores. Há também a figura dos influenciadores, ideólogos e fanáticos, que atuam em diferentes níveis dentro da ideologia neofascista. Crianças são estimuladas a se tornarem arautos, enquanto a formação de uma comunidade imaginada se estende a diferentes aspectos da sociedade. O recrutamento por ressentimento é uma estratégia poderosa do neofascismo.

Em  lição 6: Democracia em desencantonos fala que para a população em geral e para o desenvolvimento econômico e social, a busca por um equilíbrio entre investimentos, gastos públicos e arrecadação é fundamental. A substituição da cidadania pelo consumo e do emprego sólido por arranjos precarizados tem levado a um cenário de endividamento e fragilização da economia e da sociedade. As crises econômicas desencadeiam problemas sistêmicos que necessitam de medidas cuidadosas e equilibradas, que levem em consideração não apenas os interesses do grande capital, mas também os da população e o desenvolvimento nacional.

Em lição 7: O neofascismo precisa de inimigos, discute a ascensão de regimes autoritários e totalitários no século XX, como o nazifascismo e o regime stalinista na União Soviética. Também aborda a crise do Estado liberal e do capitalismo na década de 1920, culminando na Grande Depressão de 1929. Após a Segunda Guerra Mundial, surge a Guerra Fria entre o socialismo de Estado e as democracias liberais, consolidando o Estado de Bem-Estar Social. No entanto, a introdução do neoliberalismo provocou mudanças significativas, como a desindustrialização e a precarização do emprego. O surgimento do neofascismo contemporâneo é abordado, mostrando como a corrupção foi utilizada como um inimigo útil para legitimar a ascensão ao poder, especialmente no Brasil. As estratégias políticas e as consequências desses movimentos são discutidas, ressaltando a importância da conscientização e resistência democrática para evitar retrocessos autoritários.

Em lição 8: O neofascismo precisa de uma estéticaesclarece que todo movimento que visa longevidade necessita de uma estética, que diferencia o eu do outro e estabelece hierarquias e pertencimento. A estética opera no campo simbólico, modulando pensar, sentir e agir. Nas redes sociais, a busca por reconhecimento é ainda mais intensa, levando à adesão estética mesmo sem conhecimento das causas. Neofascistas modernos buscam capturar estéticas já existentes para se identificar e ganhar poder. No Brasil, as cores nacionais e a camisa da seleção de futebol são usadas como símbolos. A relação entre política e futebol no país torna essa apropriação mais fácil. Com estética, simbologia e uniformes estabelecidos, o neofascismo precisa formar um braço armado.


Foto: detalhes da diagramação / Sophia editora / reprodução


Em lição 9: O neofascismo precisa de um braço armado, esclarece e discute  que em 1849, Luis Bonaparte fundou a sociedade 10 de Dezembro para alcançar o poder na França, usando de violência para impor seus desejos absolutistas. Na Itália, Mussolini emergiu em um cenário de ascensão dos partidos populares, contando com apoio de grandes empresários, latifundiários, intelectuais nacionalistas e militares desempregados. No Brasil, os integralistas não conseguiram chegar ao poder devido ao regime ditatorial de Vargas. O neofascismo busca se fortalecer atrelando-se ao poder do Estado e armando a população. O desarmamento é atacado para beneficiar grileiros, madeireiros e garimpeiros, potenciais aliados neofascistas. A concessão de armas pode servir como reserva armada para agir contra instituições democráticas, como visto nos Estados Unidos. Para posicionar militantes nas ruas a favor do neofascismo, é necessário mobilizar diversos segmentos e colocá-los como vanguarda.

Em lição 10: O neofascismo precisa de um multiverso, narra que a dificuldade do neofascismo em um contexto de realidade heterogênea é o uso de manipulação e criação de diferentes narrativas para se manter no poder. Ao criar realidades paralelas em que fatos e valores são distorcidos, o neofascismo tenta controlar e influenciar a população. Por meio de manipulação da informação e negação da ciência, busca manter seu apoio e justificar suas ações, mesmo que sejam prejudiciais à sociedade. Essas práticas criam universos paralelos em que o líder neofascista é visto como uma figura divina ou superior, em que a realidade é distorcida e onde oposições e críticas são desconsideradas. Para perpetuar estas realidades paralelas, o neofascismo depende da fé cega de seus seguidores.

Em lição 11: O neofascismo precisa de uma fé, em resumo, o desenvolvimento de sistemas de crenças e fé tem sido fundamental para a construção de comunidades cooperativas ao longo da história da humanidade. A religião desempenhou um papel central na organização social e na compreensão do mundo, possibilitando ações e controle sobre aspectos da vida que estavam fora do alcance humano. No entanto, com o avanço da ciência e da tecnologia, novas formas de compreender e agir sobre o mundo surgiram, desafiando as narrativas tradicionais de fé. O neofascismo brasileiro atual busca capturar a noção de Deus e a liberdade, adaptando-as de forma a unir diferentes grupos em torno de uma ideologia política específica. A coexistência de sistemas de crenças, tanto tradicionais quanto contemporâneos, demonstra a importância da fé na sociedade atual.

Em lição 12: O neofascismo precisa de um algoritmo, esclarece que a introdução de termos do mundo digital no Instagram e algoritmos refletem processos presentes no nosso organismo. Os algoritmos, como conjunto de regras sistemáticas, são utilizados para reforçar gostos, ideias e tendências, levando todos a agir de forma convergente. Esses algoritmos são produzidos por grupos especializados, como os "gabinetes do ódio", e têm como objetivo controlar a liberdade de expressão, testar os limites da democracia, se apresentar como antissistema e cultuar a violência para impor sua ideologia neofascista.

O livro '12 Lições Contra o Neofascismo', de Paulo Cotias, é uma leitura essencial para compreender as nuances e estratégias do neofascismo na contemporaneidade. O autor apresenta de forma clara e cuidadosa cada uma das lições, abordando desde a manipulação da informação até a necessidade de um braço armado para fortalecer o movimento neofascista. A análise profunda e detalhada de Cotias sobre a estética, os seguidores, a fé e o algoritmo necessários para sustentar o neofascismo nos faz refletir sobre os perigos e desafios enfrentados pela democracia atualmente. Com uma linguagem acessível e exemplos históricos e contemporâneos, o autor nos convida a despertar para a importância da resistência democrática e da conscientização diante do avanço de ideologias autoritárias. Em tempos de polarização política e manipulação da informação, '12 Lições Contra o Neofascismo' se mostra como uma obra atual e relevante para todos que buscam compreender e combater o neofascismo em nosso mundo.

Resenha: Terra, céu e mar, de Ivo Barreto

Foto: Arte digital


APRESENTAÇÃO

"Por que deixaram um menino que é do mato amar o mar com tanta violência?", escreveu Manoel de Barros no desfecho do poema "Na enseada de Botafogo". Mineiro do Vale do Rio Doce e morador de Cabo Frio há 15 anos, Ivo Barreto elabora respostas e percepções em Terra, céu e mar — poemas e linhas, seu primeiro livro de poesia. Ivo faz da sutileza uma prática de observação do mundo a partir da memória e das observações cotidianas. Os poemas, breves e delicados, são intercalados por ilustrações do próprio autor, que é arquiteto, pesquisador e professor universitário. Ivo escreve mineirês ("qui nem daltin / bão de papo / coladim / nimim") ao mesmo tempo em que revisita o patrimônio histórico da Região dos Lagos, o que inclui, por exemplo, a Casa da Flôr de São Pedro, a canoa de borçada de Arraial e os casarios históricos da Passagem, em Cabo Frio. Observa Giorge Bessoni no posfácio: "Terra, céu e mar  é um livro de poemas necessários nas durezas dos dias atuais; acompanhados por ilustrações que, mais que enfeitam, complementam a poesia como verdadeiros versos e estrofes que tornam mais bela e satisfatória a leitura. Este livro que se nos apresenta é arte. E, certamente, ao lê-lo, vós haveis de concordar comigo."

RESENHA

Terra, céu e mar é uma obra poética escrita pelo autor e arquiteto Ivo Barreto, publicado pela Sophia Editora. A obra é dividida em quatro capítulos: ar, terra, brisa e oceano. A obra, poética, elucidativa, provocativa e transformadora é uma brisa de verão em dias quentes. Com artes elaboradas pelo próprio autor, o que complementam graciosamente a escrita do autor que percorre locais e revisita a percepção cotidiana através de uma ótica sublime e doce.

No capítulo ar, o autor se debruça na observação do cotidiano por meio da visão inocente da infância, descrevendo situações como a observação de pássaros atobá-pardos, nas andanças de esquadrinhadas das lembranças dos caminhos e das caminhadas, das memórias em terra batida de manga descascada no dente, a beleza do milharal, as andaças através do breve orvalho das paisagens em vista atenta, uma beira de rio e o passar dos tempos.

Em terra, o autor delineia as nuances explicitas nos desenhos da realidade, como em um croqui arquitetônico através do ponto de encontro das linhas pontilhadas, das caminhadas e andanças em volumes de água no interior, dos traços de vida e lembranças de uma casa e de suas lembranças em uma casa de taipa a pique de barro, do afeto e da saudade da infância mineira e das 'gentes' queridas e vividas nos pontos dos contos.

Em brisa, o autor intensifica suas provações elaborando um chamado para os pequeno momentos de valor da vida. ' [...] e marcantes cai a tarde e as memórias do cotidiano, nos amores presentes na vida, no amor, no namoro e na lembrança, dos caminhos do fiel andante, do papel do tempo desconcertante que aquece o peito, dos chamegos em frente fria, a lembrança de uma mina da cria e das árvores plantadas. Um capítulo que, diferente doutros, revisitas as lembranças de uma forma mais madura e assertiva. A leitura deste capítulo configura a obra uma conjuntura de não mais lembranças, mas agora, de vivência, do agora, dos momentos que ocorrem no exato momento em que acontecem, da forma como a qual vivemos e apreciamos o que é palpável, tangível.

Em oceano, as reflexão do autor se intensifica nas emoções presentes do momento do encontro dos olhos com as cores em uma navegação azul do mar, sobre a luz que escapa da janela invadindo a fresta do dia por frente ao breu seduzindo o ambiente, do orgulho expresso na raiz as heranças dos ancestrais da terra pura, da cor e do cheiro da manga rosa, das caminhadas e estrepadas em árvores, do cheiro da manhã, das alegrias presentes nos sorrisos e do universo particular da vivência em mergulho profundo em si e em suas entranhas de forma abstrata.


Foto: Arte digital


A obra evoca, em sua maior parte, grande parte da formação do autor em arquitetura, não somente pelas imagens como referência, mas pelas citações acerca de linhas e criações pontilhadas acerca do desenvolvimento de uma vida, de um sonho e de uma vivência acerca da realização presente na construção de um projeto [arquitetônico, de vida, pessoal]. A obra possui uma linguagem as vezes própria e retinta de personalidade própria, as vezes local, mas sempre atemporal. Percorrer as palavras de Ivo é entender através de suas nuances a certeza de que as lembranças constituem parte do processo de construção de uma casa, de uma identidade e de uma vida. Construir memórias, cultivar momentos e aproveitar o tempo. Uma obra, certamente, incrivelmente linda e cativante para os amantes de uma poesia revigoradora e transformadora.


SOBRE O AUTOR | Arquiteto pela UFF (2004) e especialista em Preservação do Patrimônio Cultural pela UFPE (2010), Ivo Barreto é mestre em Projeto e Patrimônio pela UFRJ (2017) e doutorando em Arquitetura pela mesma instituição. Arquiteto do corpo técnico do Iphan há quase duas décadas, é professor do curso de Arquitetura da UNESA, em Cabo Frio, onde leciona as cadeiras de Projeto de Arquitetura, Desenho e Patrimônio Cultural. Conta com livros publicados nos campos da Arquitetura, do Patrimônio e das Artes Visuais. Navegante das múltiplas linguagens em sua produção, o autor promove em Terra, céu e mar o diálogo entre o desenho e a palavra, abrindo rota para provocações ora semânticas, ora gráficas, costurando uma troca contínua entre letras e traços. Emerge daí uma poética leve e sensível, capaz de tocar, ao longo da leitura, sentidos variados da percepção e dos afetos.



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