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Resenha: Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves

Foto: Negrê

Relançado em 2024 e mantendo-se em destaque em 2025 pela editora Record, "Um Defeito de Cor" de Ana Maria Gonçalves é um romance histórico monumental que narra a vida de Kehinde, uma africana escravizada que, já idosa, retorna ao Brasil em busca de seu filho perdido. Publicado originalmente em 2006, o livro ganhou renovada atenção após ser tema do enredo da Portela no Carnaval de 2025, consolidando sua posição como uma obra seminal na literatura brasileira contemporânea. Com mais de 900 páginas, a narrativa entrelaça ficção e pesquisa histórica para explorar a diáspora africana e a resistência negra.

"Um Defeito de Cor" adota uma estrutura episódica linear, narrada em primeira pessoa por Kehinde, que reflete sobre sua vida desde a infância em Daomé (atual Benin) até sua velhice no Brasil do século XIX. A narrativa segue o modelo de "romance de formação" descrito por Bakhtin (1981), mas subvertido por sua protagonista, cuja jornada não culmina em integração social, mas em uma busca pessoal marcada por perdas. O texto é dividido em cinco partes, correspondendo a fases distintas de sua vida: África, travessia atlântica, escravidão no Brasil, alforria e retorno.

A focalização interna, no sentido de Genette (1980), permite um mergulho profundo na subjetividade de Kehinde, enquanto a inclusão de cartas e relatos fictícios — como os endereçados a seu filho — funciona como paratexto, segundo Genette (1997), enriquecendo a autenticidade documental. A extensão da obra reflete uma narrativa expansiva, que Todorov (1977) associaria à tradição do romance histórico, mas a repetição de eventos e descrições prolongadas desafia a paciência do leitor, sugerindo uma falta de edição rigorosa.

Imagem: Publishnews / Divulgação


Os temas centrais de "Um Defeito de Cor" — escravidão, identidade diaspórica e resistência — posicionam a obra como um marco na literatura pós-colonial brasileira. A escravidão é retratada com detalhes brutais, como em "O chicote cortava mais que a carne, cortava o tempo" (Gonçalves, 2025, p. 234), ecoando os estudos de Said (1993) sobre o "outro" como vítima de sistemas opressivos. Kehinde encarna a teoria de Bhabha (1994) do "terceiro espaço", negociando sua identidade entre as culturas africana e brasileira.

A resistência é um fio condutor, manifestada tanto em atos físicos — como fugas e revoltas — quanto na preservação cultural, como os rituais de candomblé. Essa dualidade ressoa com as ideias de Scott (1990) sobre "armas dos fracos", destacando estratégias de sobrevivência em contextos de dominação. A maternidade, simbolizada pela busca do filho, adiciona uma camada emocional que conecta o pessoal ao coletivo, alinhando-se às reflexões de Morrison (1987) sobre a memória traumática na diáspora.

Socioculturalmente, o livro é um ato de reparação histórica, trazendo à tona a herança afro-brasileira em um momento de debates sobre racismo e identidade no Brasil de 2025. Sua adaptação para o Carnaval amplifica sua relevância, mas também expõe uma tensão entre o texto literário e sua apropriação popular, que pode diluir sua densidade.

O estilo de Ana Maria Gonçalves é marcado por uma prosa densa e descritiva, que busca capturar a oralidade e os registros históricos. Frases como "A África ficou no meu peito, mas o Brasil me engoliu" (Gonçalves, 2025, p. 89) exemplificam uma escrita que mescla lirismo e realismo, uma técnica que Auerbach (1946) elogia como revelação do humano no histórico. A autora utiliza um vocabulário híbrido, incorporando termos em iorubá e português arcaico, o que reforça o que Barthes (1977) chama de "textura do real".

A narrativa é pontuada por digressões detalhadas — sobre comércio de escravos, culinária africana ou revoltas como a dos Malês —, que funcionam como "ancoragem narrativa", no sentido de Barthes (1980), mas frequentemente sobrecarregam o texto com excesso de informação. A ausência de diálogos extensos privilegia a introspecção de Kehinde, criando um efeito de monólogo contínuo que Eco (1989) poderia criticar como "fechamento expressivo", limitando a abertura interpretativa.

Kehinde é o coração de "Um Defeito de Cor", uma personagem "redonda" no sentido de Forster (1927), cuja evolução de jovem curiosa a idosa resiliente é meticulosamente traçada. Sua voz é forte e multifacetada, como em "Eu não era mais de lá, mas nunca fui daqui" (Gonçalves, 2025, p. 412), refletindo uma identidade fragmentada que Frye (1957) associaria ao arquétipo do exilado. Seu desenvolvimento é marcado por perdas — filhos, liberdade, raízes —, mas também por uma determinação que a eleva a um símbolo de resistência.

Personagens secundários, como o traficante Francisco Félix ou a amiga Maria, são bem delineados, mas subordinados à trajetória de Kehinde. Essa abordagem, que Booth (1983) critica como "ética da centralidade", reduz o potencial de um elenco mais dinâmico, limitando as interações a meras funções narrativas. A ausência de perspectivas alternativas reforça o isolamento da protagonista, mas também a unilateralidade da obra.

"Um Defeito de Cor" foi escrito ao longo de anos de pesquisa por Gonçalves, que mergulhou em arquivos históricos e narrativas orais afro-brasileiras. O relançamento em 2024, seguido pelo destaque em 2025, reflete uma estratégia da Record para capitalizar o sucesso cultural da obra, especialmente após sua consagração no Carnaval. A edição revisada inclui notas da autora e um prefácio atualizado, ampliando seu apelo acadêmico e popular.

A recepção é amplamente positiva. O jornal O Globo elogiou sua "riqueza histórica", enquanto críticos como Regina Dalcastagnè destacaram a "voz potente" de Kehinde. No X, leitores celebram a representatividade, mas alguns apontam a extensão como um obstáculo. O impacto da obra é inegável, mas sua densidade a torna mais um monumento do que uma leitura acessível.

"Um Defeito de Cor" é uma realização impressionante, uma obra que combina pesquisa histórica com uma narrativa emocionalmente poderosa. A construção de Kehinde como protagonista é magistral, e os temas abordados oferecem uma contribuição essencial à literatura brasileira, resgatando vozes silenciadas com dignidade. Para estudiosos da diáspora e do romance histórico, o livro é um tesouro, rico em detalhes e significado.

Mas é também um exercício de exaustão que testa os limites da paciência. A extensão desmedida — mais de 900 páginas de descrições intermináveis — é um defeito fatal, transformando o que poderia ser uma obra-prima em um calhamaço indigesto. Gonçalves parece tão apaixonada por sua pesquisa que esquece de editar, enchendo o texto com digressões que sufocam a narrativa. O que Barthes (1977) chamaria de "excesso de significação" aqui vira um peso morto, como se cada fato histórico precisasse ser espremido até a última gota.

Kehinde é admirável, mas sua voz se torna monótona em sua onipresença. A falta de perspectivas alternativas é uma escolha covarde, prendendo o leitor em um monólogo que, após 500 páginas, já disse tudo o que tinha a dizer. Os personagens secundários são meros adereços, descartáveis e esquecíveis, uma falha que Booth (1983) condenaria como preguiça narrativa. Onde está o conflito, a tensão que daria vida a essa saga?

O pior é o oportunismo do relançamento. Aproveitar o Carnaval de 2025 para vender mais exemplares é compreensível, mas o texto não precisava de uma nova edição — precisava de uma tesoura afiada. Gonçalves tinha a chance de refinar sua obra-prima; em vez disso, entregou o mesmo tijolo, agora com um verniz comercial. "Um Defeito de Cor" é um livro que merece respeito, mas não admiração irrestrita — é uma aula de história disfarçada de romance, mais digno de uma estante de referência do que de um coração de leitor. Uma pena, porque o potencial estava lá, soterrado sob o excesso.

"Um Defeito de Cor" é uma obra ambiciosa que captura a essência da experiência afro-brasileira com força e autenticidade, mas tropeça em sua própria grandiosidade. Sua relevância histórica e cultural é indiscutível, mas a falta de concisão e dinamismo narrativo a tornam uma leitura árdua. Para os dedicados, oferece recompensas; para os impacientes, frustrações. Gonçalves criou um marco, mas não uma obra-prima — um defeito que, ironicamente, reflete o título. Um esforço louvável, mas que poderia ter sido muito mais com metade das palavras.

Resenha: Umbandas: uma história do Brasil, de Luiz Antonio Simas

 APRESENTAÇÃO

O historiador Luiz Antonio Simas frequenta terreiros de umbanda desde a mais tenra idade. Balizado pela história do Brasil e amparado pela própria trajetória, Simas elabora aqui um estudo inédito, original, que se propõe a contar a história do país à luz das umbandas — de tão brasileira que é, a umbanda se torna plural. Por isso, já no título deste livro a palavra não vem no singular. A diversidade do país, segundo o autor, se manifesta nas várias umbandas existentes, que se multiplicaram em histórias como a de sua avó, alagoana criada em Pernambuco e que se mudou para o Rio de Janeiro carregando consigo suas crenças e ritos.

RESENHA

O livro "Umbandas: uma história do Brasil", de Luiz Antonio Simas, propõe uma reflexão sobre as umbandas e sua profunda imbricação com a formação histórica e social do Brasil. Dividido em duas partes, a obra transita entre a "poética do encantamento" e a "política do encantamento", explorando as diversas manifestações religiosas afro-brasileiras, seus mitos, ritos e personagens, bem como os processos de cooptação, repressão e legitimação institucional dessas práticas.

Na primeira parte do livro, intitulada "Poéticas do Encantamento", Simas nos apresenta um panorama das raízes ancestrais das umbandas, remetendo-nos às santidades indígenas, aos calundus e danças de tunda, às pajelanças e catimbós, aos cultos aos orixás, caboclos e exus. Essa seção do livro destaca a riqueza e a diversidade das sabenças encantadas que se entrecruzam nas umbandas, enfatizando a noção de que esses cultos constituem um "ecossistema encantado", marcado pela interação entre o visível e o invisível, o humano e a natureza.

Ao explorar os mitos e ritos das santidades indígenas, dos calundus e das danças de tunda, Simas revela a complexidade e a dinamicidade dessas práticas religiosas, que se caracterizam pela fusão de elementos africanos, indígenas e cristãos. A figura do pajé, por exemplo, é apresentada como um xamã que atua como mediador entre o mundo material e os outros mundos espirituais, utilizando-se do poder terapêutico das plantas, do transe e da crença na existência de mundos paralelos.

Da mesma forma, o autor discorre sobre as bolsas de mandinga, os patuás e os ritos de fechamento dos corpos, evidenciando como essas tecnologias de cura e proteção incorporam saberes de diversas origens, numa constante reelaboração e adaptação às realidades locais. Nesse sentido, Simas destaca a noção de que os corpos são suportes de manifestações de encantamentos, sendo ritualmente preparados e transformados para abrigar as conexões entre o visível e o invisível.

Na segunda parte do livro, intitulada "Políticas do Encantamento", Simas aborda os processos de codificação e legitimação das umbandas, com foco no I Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda, realizado em 1941. Nesse contexto, o autor analisa as disputas em torno da definição da origem e da "pureza" da umbanda, contrastando as perspectivas de uma "umbanda branca", mais próxima do espiritismo kardecista e do cristianismo, com a de uma umbanda afro-brasileira, representada pela corrente do omolokô.

Ao explorar essa tensão, Simas revela como o projeto de construção da identidade nacional, marcado pela ideologia da mestiçagem, também se fez presente no campo das umbandas. Enquanto alguns buscavam afastar as práticas afro-brasileiras, em nome de uma suposta "pureza" e "civilidade", outros, como Tancredo da Silva Pinto e a corrente do omolokô, defendiam a valorização das raízes africanas e indígenas da umbanda, contestando os esforços de desafricanização do culto.

Essa seção do livro também aborda a relação entre as umbandas e a repressão e intolerância religiosa enfrentadas pelos cultos afro-brasileiros. Simas destaca como a legislação brasileira, ao mesmo tempo em que aparentemente garantia a liberdade religiosa, criava subterfúgios legais que permitiam a perseguição aos terreiros, enquadrando suas práticas como "curandeirismo" e "perturbação da ordem pública".

Nesse contexto, o autor discorre sobre o embate entre as umbandas e as igrejas neopentecostais, especialmente a Igreja Universal do Reino de Deus, que têm sistematicamente atuado na destruição de terreiros e na demonização das religiosidades afro-brasileiras. Essa disputa pelo "mercado da fé" revela as profundas raízes do racismo estrutural brasileiro, que se manifesta na desqualificação e na aniquilação dos saberes e práticas não brancos.

Ao longo do livro, Luiz Antonio Simas adota uma abordagem multidisciplinar, transitando entre a História, a Antropologia, a Sociologia e a Filosofia, de modo a compreender as umbandas em sua complexidade e dinamismo. Sua escrita poética e envolvente convida o leitor a mergulhar nesse universo encantado, revelando as sutilezas, contradições e belezas que permeiam as práticas religiosas afro-brasileiras e sua relação com a formação do Brasil.

Ao explorar tanto a "poética do encantamento" quanto a "política do encantamento", Simas nos apresenta uma obra que transcende os limites da mera descrição etnográfica ou histórica. Seu texto é uma convocação à compreensão das umbandas como manifestações vivas de uma "brasilidade forjada nas miudezas da nossa gente", que insistem na beleza espantosa presente em rituais de afirmação da vida, em contraposição à lógica colonial de aniquilação e morte.

Referências

SIMAS, Luiz Antonio. Umbandas: uma história do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.

Resenha: Band of Brothers, de Stephen E. Ambrose


APRESENTAÇÃO

A Easy Company, 506º Regimento de Infantaria Pára-Quedista do Exército Norte-Americano, foi uma das melhores companhias de fuzileiros do mundo. Band of brothers é o relato sobre os homens dessa unidade que combateram, passaram fome, sofreram com o frio e morreram. Uma equipe que teve 150% de baixas e considerava a medalha Purple Heart um distintivo. Baseando-se em horas de entrevistas com sobreviventes, bem como nos diários e nas cartas dos soldados, Stephen Ambrose conta a história desse notável grupo, que sempre recebia as missões mais difíceis, sendo responsável por tudo, do salto de pára-quedas na França nas primeiras horas da manhã do Dia D à captura do Ninho da Águia, a fortaleza de Hitler em Berchtesgaden. De seu rigoroso treinamento na Geórgia, em 1942, ao Dia D e à vitória dos Aliados, Ambrose teceu uma narrativa primorosa, com riqueza de detalhes, sobre as características dos soldados de infantaria de elite, transcrevendo no decorrer da obra as próprias palavras e depoimentos dos combatentes, o que dá mais veracidade à trama. O livro de Stephen Ambrose também foi para as telas da TV, pela HBO, em 2001. A idéia de produzir a série surgiu após Tom Hanks e Steven Spielberg terem filmado O Resgate do Soldado Ryan (1998). Os dois tinham projetos para novas produções sobre a Segunda Guerra Mundial e decidiram trabalhar juntos novamente em Band of Brothers, minissérie em 10 capítulos. O resultado foi uma superprodução de US$ 120 milhões — a mais cara da história da TV. A minissérie foi a grande vencedora do Oscar da TV norte-americana, com nada menos que seis troféus, entre eles o de Melhor Direção (Tom Hanks foi um dos diretores). Além de ter sido a vencedora na categoria Minissérie, venceu ainda os prêmios de Melhor Edição de Imagem, Edição de Som, Mixagem de Som e Seleção de Elenco. Fora o Emmy, conquistou o Globo de Ouro e o prêmio do AFI (American Film Institute) como Minissérie do Ano.

RESENHA

Band of Brothers, escrito por Stephen E. Ambrose e publicado em 1992, é uma obra não apenas envolvente, mas também profundamente significativa que narra a história da Companhia Easy, um batalhão da 506ª Regimento de Paraquedistas da 101ª Divisão Aerotransportada dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Através de uma pesquisa meticulosa e entrevistas com veteranos, Ambrose oferece um relato vívido e humano das experiências dos soldados que enfrentaram os horrores da guerra, desde o treinamento intenso em Camp Toccoa até os combates na Normandia e na Alemanha.

A narrativa é estruturada de forma a seguir a trajetória da Companhia Easy, destacando não apenas os eventos históricos, mas também os laços de camaradagem e amizade que se formaram entre os soldados. Ambrose consegue retratar a individualidade de cada personagem, dando vida a figuras como o tenente Richard Winters, que se destacou por sua liderança e coragem, e os desafios enfrentados por homens comuns que foram colocados em circunstâncias extraordinárias.

Uma das características mais marcantes do livro é a abordagem humanista de Ambrose. Ele não se limita a descrever as táticas militares e as batalhas; ao invés disso, mergulha no aspecto emocional e psicológico da guerra, explorando como os soldados lidaram com o medo, a perda e a camaradagem. Através de relatos em primeira mão, o autor captura a essência da experiência militar, criando uma conexão profunda entre o leitor e os protagonistas da história. O estilo de escrita de Ambrose é ágil e acessível, permitindo que mesmo aqueles sem formação em história militar possam se envolver na narrativa. Ele utiliza uma prosa clara e envolvente, cheia de detalhes que tornam as cenas de combate e os momentos de tensão ainda mais impactantes. Os diálogos autênticos e as descrições vívidas transportam o leitor para o campo de batalha, permitindo uma compreensão mais profunda do sacrifício e da resiliência dos soldados.

Além do foco na Companhia Easy, "Band of Brothers" também contextualiza a importância do esforço de guerra americano na Europa, destacando como a luta contra o totalitarismo foi uma batalha coletiva. O livro serve como um tributo não apenas aos homens da Easy, mas a todos os que lutaram e sacrificaram suas vidas durante a guerra, reafirmando a importância da memória histórica. A obra também ganhou notoriedade ao ser adaptada para uma minissérie produzida pela HBO, o que ampliou ainda mais seu alcance e impacto cultural. A série trouxe à tona a história de Ambrose para um público mais amplo, e sua fidelidade ao material original ajudou a solidificar a importância da Companhia Easy na memória coletiva da Segunda Guerra Mundial.

“Band of Brothers” é uma narrativa que traça a trajetória da Companhia E, 506º Regimento de Infantaria Pára-quedista da 101ª Divisão Aerotransportada do Exército Americano, desde seu treinamento inicial em Toccoa até suas experiências em combate durante a Segunda Guerra Mundial. O texto, extraído de "Band of Brothers" de Stephen E. Ambrose, explora a diversidade dos soldados, que vieram de diferentes origens sociais e educacionais, e como essa variedade se uniu em prol de um objetivo comum.

No verão de 1942, a Companhia E foi formada por homens de várias partes dos Estados Unidos, incluindo fazendeiros, estudantes universitários e veteranos, todos com um forte desejo de se tornarem pára-quedistas. O treinamento em Toccoa era rigoroso e desafiador, exigindo resistência física e determinação. Os soldados enfrentaram desafios extremos, como marchas longas e exercícios físicos intensos, que os prepararam para o combate que se aproximava. Ambrose descreve como, apesar das dificuldades impostas pelo comandante Sobel, que era temido e odiado, a adversidade ajudou a unir a companhia. Os laços de camaradagem se formaram em meio ao sofrimento e à disciplina, criando uma verdadeira irmandade entre os soldados. Os pára-quedistas se destacaram por sua determinação em resistir e superar os desafios, desejando conquistar as insígnias de pára-quedista que simbolizavam sua elite.

Após o treinamento em Toccoa, a Companhia E avançou para a Escola de Pára-quedismo em Fort Benning, onde experimentaram a emoção e o medo do salto. O texto retrata a ansiedade e a excitação dos soldados antes do primeiro salto, culminando em um sentimento de realização ao receber as asas de pára-quedista. Essa conquista simbolizou não apenas a superação de desafios físicos, mas também a formação de uma identidade coletiva forte.

"Conhecendo o Inimigo" descreve as experiências da Companhia E, 506º Regimento de Infantaria Pára-quedista, durante sua ocupação na Alemanha entre abril de 1945. O texto explora como os soldados americanos reagiram ao contato com o povo alemão, revelando um espectro de sentimentos que variavam desde a aversão até a simpatia. Muitos soldados, inicialmente influenciados por preconceitos, acabaram encontrando nos alemães um povo disciplinado, trabalhador e educado, além de se impressionarem com a qualidade de vida que encontraram nas casas alemãs, que contrastava com suas experiências em outros países europeus.

Os soldados frequentemente se hospedavam em lares alemães, desfrutando de conforto e hospitalidade, o que os levava a formar uma conexão inesperada com o povo. Embora houvesse uma política de não-confraternização, a natureza humana prevaleceu, resultando em interações que desafiavam as ordens superiores. Ainda assim, alguns membros da Companhia E, como Webster, mantiveram uma visão cética, considerando os alemães como nazistas e responsáveis pelas atrocidades da guerra. A narrativa inclui a descrição de eventos trágicos, como a morte de soldados em patrulhas devido a erros de comunicação, e as dificuldades enfrentadas em um ambiente militar em colapso.

O livro ainda aborda a vida dos veteranos da Companhia E após o término da Segunda Guerra Mundial, entre 1945 e 1991. O texto destaca o impacto duradouro da guerra em suas vidas, incluindo as perdas e ferimentos sofridos por muitos membros, além do trauma emocional que carregaram. Apesar das dificuldades, os ex-combatentes estavam determinados a reconstruir suas vidas e aproveitar as oportunidades oferecidas pela Bill of Rights dos veteranos, que lhes permitiu acessar educação e novos empregos.

A narrativa inclui histórias pessoais de veteranos, como Walter Gordon, que, após ficar paralisado, se tornou advogado; Joe Toye, que enfrentou as consequências de suas feridas; e outros que seguiram carreiras bem-sucedidas em diversas áreas, incluindo educação, construção e serviço público. Alguns membros, como Dick Winters, tornaram-se líderes respeitados, enquanto outros, como Herbert Sobel, enfrentaram dificuldades emocionais e se afastaram da vida militar. O texto também reflete sobre as relações formadas entre os veteranos, que continuaram a se reunir e a manter contato ao longo dos anos. A amizade e a solidariedade entre eles foram aspectos fundamentais de suas vidas pós-guerra, permitindo que compartilhassem experiências e apoiassem uns aos outros.

O contato com prisioneiros de guerra e a visita a um campo de concentração revelaram as brutalidades do regime nazista, provocando reflexões profundas nos soldados sobre a moralidade da guerra e a condição humana. Ao final do texto, os soldados estavam cientes de sua missão, percebendo a importância de sua presença na libertação do povo oprimidoA narrativa também destaca as experiências em combate da Companhia E, que se destacou em várias batalhas significativas, incluindo o Dia D e a Batalha das Ardenas, onde demonstraram bravura e resiliência. A jornada dos pára-quedistas, desde os duros treinos até os horrores da guerra, é uma poderosa representação da coragem humana e da força dos laços formados em tempos de adversidade.Em suma, "Band of Brothers" é uma leitura essencial para aqueles interessados na história militar, mas, mais importante, é uma homenagem ao espírito humano diante da adversidade. Através da narrativa poderosa de Stephen E. Ambrose, o livro não apenas documenta os eventos históricos, mas também celebra a amizade, a coragem e o sacrifício, fazendo dele uma obra atemporal que ressoa com todos que buscam entender a complexidade da guerra e da condição humana.

"Band of Brothers", de Stephen E. Ambrose, é uma obra monumental que transcende a mera narrativa histórica da Segunda Guerra Mundial. Com uma pesquisa meticulosa e relatos de veteranos, Ambrose não apenas documenta os eventos que moldaram a Companhia Easy, mas também capta a essência da experiência humana em tempos de conflito. Ele transforma os soldados em personagens tridimensionais, revelando suas lutas, medos e a profunda camaradagem que se formou entre eles. A habilidade do autor em entrelaçar a história militar com as emoções e experiências pessoais dos soldados é o que torna este livro tão impactante. Através de suas páginas, somos convidados a entender não só as táticas e batalhas, mas também o custo humano da guerra — os ferimentos, as perdas e a resiliência que esses homens demonstraram. Ambrose nos apresenta uma reflexão sobre a amizade e a solidariedade, que perduraram muito além do campo de batalha.

Resenha: A caminho de macondo, de Gabriel García Marquez


APRESENTAÇÃO

A caminho de Macondo convida os leitores a mergulhar no processo de criação do universo mítico de Cem anos de solidão, uma das maravilhas da literatura latino-americana. Esta antologia reúne todos os textos publicados por Gabriel García Márquez nos quais a mágica Macondo foi tomando forma e que marcam o prelúdio da escrita de sua obra-prima.

 

Gabriel García Márquez argumentou em várias ocasiões que primeiro era preciso aprender a escrever um livro e só depois encarar a página em branco. Foram quase vinte anos “vivendo” em Macondo para que aprendesse a escrever sua obra-prima Cem anos de solidão. Nesta antologia, os leitores encontrarão as publicações que precedem a escrita de sua obra mais célebre e que ilustram a gênese da mítica cidade.

A caminho de Macondo reúne desde os textos seminais de 1950 a 1954, publicados inicialmente em colunas de jornais e revistas — alguns com a indicação “Apontamentos para um romance” —, até o conteúdo integral das obras A revoada (O enterro do diabo), de 1955, Ninguém escreve ao coronel, de 1961, Os funerais da Mamãe Grande, de 1962, e O veneno da madrugada (A má hora), de 1966, que marcam o prelúdio efervescente de Cem anos de solidão.

Com prefácio da jornalista premiada Alma Guillermoprieto e nota editorial de um especialista na obra do autor, Conrado Zuluaga, esta coletânea nos introduz ao ciclo macondiano e nos guia por personagens, cenários e cheiros que viriam a compor uma das grandes maravilhas da literatura latino-americana, escrita pelo autor colombiano vencedor do Prêmio Nobel e grande mestre do realismo mágico.

RESENHA

"A Caminho de Macondo" é uma fascinante antologia que traça a trajetória literária de Gabriel García Márquez, revelando os passos que o levaram à criação de sua obra-prima, "Cem anos de solidão". Organizada de forma a apresentar textos variados, que vão desde contos iniciais até esboços que mais tarde se transformariam em personagens icônicos, a coleção oferece uma visão íntima do processo criativo do autor.

García Márquez sempre enfatizou a importância do aprendizado contínuo e da vivência antes da escrita. Nesta antologia, o leitor tem a oportunidade de acompanhar essa jornada, que se estende por quase duas décadas de imersão em Macondo, um espaço que se tornaria sinônimo de realismo mágico. Através de relatos e reflexões, o autor revela como sua experiência pessoal, suas interações com o mundo ao redor e suas observações da realidade latino-americana moldaram sua narrativa.

Os textos incluídos são uma janela para a mente do escritor em formação, onde já se percebem elementos que se tornariam características marcantes de sua obra: as descrições vívidas, as atmosferas carregadas de simbolismo e a complexidade das relações humanas. Momentos de humor, tristeza e reflexão permeiam as páginas, oferecendo ao leitor uma paleta rica que antecipa o que está por vir em "Cem anos de solidão".

Uma das grandes forças de "A Caminho de Macondo" é a habilidade de García Márquez em capturar a essência do cheiro, do som e da cor, criando um ambiente que parece pulsar com vida. O autor não apenas narra, mas convida o leitor a experimentar o que é ser parte desse universo mágico e frequentemente caótico. Os cheiros, em particular, são uma constante em sua obra, evocando memórias e sentimentos que se entrelaçam com a narrativa. Além de ser um deleite para os fãs de García Márquez, essa antologia serve como uma excelente introdução ao seu trabalho para novos leitores. O livro não apenas contextualiza a criação de "Cem anos de solidão", mas também ilumina os processos de um dos maiores escritores do século XX, oferecendo uma perspectiva sobre como histórias e personagens podem emergir de uma rica tapeçaria de experiências.

O conto 'a casa dos buendía' narra o retorno de Aureliano Buendía ao seu povoado após o fim da guerra civil, onde ele e sua esposa se deparam com a devastação de sua antiga casa. Embora restem apenas as lembranças da casa dos Buendía e as cinzas de seu quintal, uma amendoeira começa a brotar entre os escombros, simbolizando a vida que persiste mesmo após a destruição. Aureliano recorda não apenas a claridade e os sons da antiga residência, mas também os cheiros e silêncios que a caracterizavam. Dona Soledad, ao revirar a terra, encontra um são Rafael de gesso quebrado e um copo de lamparina, que se tornam parte da nova construção da casa, erguida sem planejamento, mas com um sentido de continuidade em relação ao passado. A construção é realizada em um espaço que ainda conserva a frescura e o silêncio do antigo quintal, refletindo uma conexão com a memória familiar e a esperança de um novo começo. Assim, a nova casa, com seus pilares e estrutura, se torna um local que abriga tanto as lembranças do passado quanto a expectativa de um futuro mais pacífico.

O conto "A Filha do Coronel" apresenta a relação entre Remédios e seu pai, o coronel Aureliano Buendía, em um ambiente marcado pela distância emocional e pela rigidez da vida familiar. A história se passa na igreja, onde o coronel ocupa uma cadeira reservada, e sua filha, Remédios, se ajoelha ao seu lado. Inicialmente, Remédios não compreende a dinâmica do culto e fica em pé durante o sermão, até que aprende a se acomodar no banco da frente.

À medida que cresce, Remédios começa a entender mais sobre o mundo ao seu redor e a complexidade da vida em seu povoado. Após uma longa ausência de comunicação direta com o pai, ela o reencontra em um momento de revelação durante uma missa, quando ouve cânticos que a emocionam profundamente. Nesse instante, a conexão que faltava entre pai e filha se torna evidente, e Remédios finalmente vê seu pai como um ser humano vulnerável, não apenas como uma figura autoritária. Através da música, ela percebe a ausência de comunicação em sua vida e a razão pela qual seu pai nunca lhe dirigira a palavra. Essa realização a faz refletir sobre o relacionamento deles, levando-a a entender que o silêncio entre eles era uma forma de comunicação não verbal, baseado em expectativas e normas familiares. O momento culminante na igreja marca uma transformação em Remédios, que, a partir desse dia, começa a crescer apressadamente, simbolizando uma nova fase em sua vida e na compreensão de sua identidade e do papel de seu pai.

"O Filho do Coronel" narra a relação tensa entre o coronel Aureliano Buendía, sua esposa Dona Soledad e seu filho Tobias, que enfrenta problemas com o alcoolismo. O coronel espera Tobias em casa, mas o rapaz frequentemente desaparece, retornando apenas quando a fome se torna insuportável. Dona Soledad, preocupada com o filho, observa sua luta interna e o padrão de retorno à casa somente em busca de comida.

A história retrata a dor e a frustração da família, especialmente de Dona Soledad, que, mesmo mantendo esperança de que Tobias mude, percebe que seu comportamento reflete uma espiral descendente. O coronel, por sua vez, demonstra uma atitude cínica, acreditando que Deus não faz milagres com bêbados, e parece resignado à situação do filho. Quando Tobias finalmente retorna após um período de ausência, ele entra em casa de forma descontrolada, demonstrando seu estado de desespero e vulnerabilidade. A cena se intensifica quando Dona Soledad tenta confortá-lo, mas Tobias, em sua raiva e dor, resiste a qualquer ajuda. O clímax ocorre quando ela o agarra, tentando convencê-lo a ficar, pelo menos até que ele coma um pedaço de carne, simbolizando um desejo de nutrir não apenas seu corpo, mas também sua alma.

"O Regresso de Meme" narra a transformação de Meme, uma mulher que havia sido criada na casa da família, ao retornar à igreja após um período de ausência. A história é contada pela perspectiva de um narrador que observa com estranheza a nova versão de Meme, que aparece vestida de maneira extravagante, com saltos altos, uma roupa de seda estampada e um chapéu decorado com flores artificiais. Essa mudança na aparência a torna quase irreconhecível, contrastando com a simplicidade com que sempre foi vista em casa.

Durante a missa, Meme se comporta de maneira afetada e diferente do que era antes, atraindo a atenção e a curiosidade dos presentes, tanto aqueles que a conheciam como criada quanto os que nunca a tinham visto. O narrador fica intrigado com sua nova postura e se pergunta sobre seu desaparecimento e o que teria acontecido para que ela retornasse dessa forma. Ao final da missa, Meme sai da igreja e é cercada por um grupo de pessoas que a observam com uma mistura de admiração e ridículo. Nesse momento, seu pai, que a sustentou por anos, a toma pelo braço e a conduz pela praça com uma atitude de desdém, ciente de que a aparência de Meme não é bem recebida pelos outros. Esta cena destaca a tensão entre a nova identidade que Meme tenta assumir e as expectativas sociais que a cercam, além de refletir sobre as complexidades das relações familiares e sociais.

O "Monólogo de Isabel Vendo Chover em Macondo" descreve a experiência de Isabel durante um intenso período de chuva em Macondo, que começa de maneira revitalizante após um longo verão seco, mas rapidamente se transforma em uma situação opressiva e devastadora. A narrativa inicia-se com a alegria inicial de Isabel e sua madrasta ao ver a chuva, que traz frescor e renova a vegetação. No entanto, conforme as chuvas persistem, a atmosfera muda, e a alegria se transforma em um sentimento de entorpecimento e desespero. Isabel observa a transformação do ambiente e das pessoas ao seu redor, incluindo seu pai e a madrasta, que passam de uma sensação de esperança para uma apatia diante da contínua chuva. A casa começa a inundar, e o clima torna-se pesado e triste, refletindo a desolação que se instala na vida cotidiana. Isabel também menciona a presença de uma vaca no jardim, simbolizando a resistência à mudança e a impotência diante da força da natureza.

"Um Homem Vem na Chuva" narra a experiência de uma mulher que, ao ouvir a chuva, rememora o passado e a expectativa de um visitante. Em um dia tempestuoso, ela sente a presença de um homem que frequentemente imaginou, mas que nunca chegava a bater à sua porta. Com o tempo, ela aprendeu a identificar os sons da chuva e a substituir a esperança de sua chegada por lembranças nostálgicas de momentos passados, como ensinamentos e canções. Certa noite, a mulher percebe que o homem realmente chegou: ele bate à porta e entra. A cena é carregada de ansiedade, e a mulher observa como ele se apresenta, com um olhar familiar que a faz lembrar de pessoas queridas do passado. Enquanto isso, a outra mulher na casa se prepara para recebê-lo, e o clima de expectativa se intensifica.

A maestria de Márquez em entrelaçar essas histórias é uma celebração da vida e da resistência, onde cada personagem, em sua busca por significado e conexão, reflete a condição humana em toda sua complexidade. A obra é um convite à reflexão sobre como as memórias e as experiências passadas moldam nosso presente e nos preparam para o futuro. Com sua prosa poética e rica em simbolismo, o autor nos brinda com uma leitura que ressoa profundamente, deixando uma marca indelével na literatura contemporânea.

Resenha: Herdeiro das trevas, de C.S Pacat



APRESENTAÇÃO

Os guerreiros da Luz sobreviveram ao primeiro ataque das Trevas, mas pagaram um preço alto demais. Com outra ameaça prestes a eclodir, se não agirem depressa, muito mais tragédias estarão a caminho.

Perseguidos pelas forças inimigas, Will e seus aliados precisam deixar a segurança do Salão e viajar até o mundo antigo para deter a ascensão das Trevas, fazendo novas e perigosas alianças e desvendando segredos impactantes do passado. No entanto, Will também esconde um segredo sombrio: sua verdadeira identidade. Caso a verdade venha à tona, quem é amigo pode se tornar um inimigo. Mas a atração que sente por James St. Clair, o Traidor, faz com que se aproxime cada vez mais de sua vida pregressa e das Trevas.

RESENHA

O livro 'herdeiro das trevas', é o segundo livro da série 'ascensão das trevas', da autora australiana C.S Pacat, publicado no Brasil pela editora Galera, selo adolescente do Grupo Editorial Record. O livro se inicia apresentando a angustiante experiência de Visander, que acorda sufocado e confinado em um caixão, enterrado vivo. O pânico e a claustrofobia o dominam enquanto ele tenta entender como foi parar ali e recordar os eventos que o levaram a essa situação, incluindo sua interação com uma rainha e a promessa de retornar. A narrativa destaca sua luta desesperada para escapar, mostrando sua determinação em vencer a morte e a opressão, simbolizada pela terra que o envolve.

Visander, impulsionado por lembranças e pela raiva direcionada ao Rei das Trevas, tenta romper o caixão, mas a terra desmorona e o sufoca mais. Em um momento de clareza, ele se lembra de sua promessa de ser um "Retornado" e se esforça para cavar em direção à liberdade. Quando finalmente consegue emergir do solo, ele descobre que não está mais em seu corpo familiar, mas em um novo e desconhecido, o que traz à tona questões sobre identidade e transformação. A história é intercalada por uma nova perspectiva que introduz Will, que chega a um lugar devastado e isolado. Ele e seu amigo James observam a destruição e a escuridão que cercam seu antigo lar, o Salão dos Regentes. Will, que carrega o peso de seu passado e os segredos de sua verdadeira natureza, enfrenta dilemas sobre lealdade, traição e o que significa ser um herói. A tensão entre ele e James, que tem um passado sombrio, é palpável, e a presença de Violet, que também tem suas próprias batalhas internas, adiciona complexidade à dinâmica entre os personagens.

Em síntese, a obra é marcada por uma narrativa que mistura elementos de fantasia, ação e drama, apresentando personagens complexos e bem desenvolvidos que enfrentam dilemas morais e emocionais. A construção de tensão crescente nos capítulos proporciona uma experiência imersiva, onde cada decisão tem consequências significativas, refletindo a fragilidade da condição humana diante do destino.

José Olympio relança "Lampião", obra de estreia de Rachel de Queiroz

Rachel de Queiroz, já uma romancista consagrada, decidiu aventurar-se na dramaturgia. Enfrentando o desafio de frente, ela abordou a história de vida de Virgulino Ferreira da Silva - o bandido que liderava a mais famosa gangue de cangaceiros do Nordeste brasileiro - com o peso dramático e a urgência social que sempre foram sua paixão como escritora. Lampião rapidamente se tornou uma figura única no imaginário popular; seus trajes de cowboy típicos dos jagunços (homens armados) dos anos 1920, juntamente com suas poses imponentes projetadas através de fotografias e até mesmo seus óculos de aros finos, considerados raros para pessoas comuns naquela época, faziam parte dessa persona mítica que ele encarnava apesar de ser cego em um olho.


Ao revisitar suas referências mais próximas, Rachel de Queiroz desconstruiu seu retrato corajoso e ocasionalmente frágil do icônico Lampião. Seu personagem principal desafia o governador da região sertaneja a ceder poder, mas também se sente atento diante dos perigos iminentes, buscando proteção espiritual em seu Padrinho Padre Cícero - uma figura religiosa muito prestigiada no Nordeste brasileiro. A peça de Queiroz apresenta Corisco como um bandido talentoso que permanece leal à causa de Lampião e Maria Bonita (introduzida inicialmente como Maria Déia), que abandona marido e filhos para ser esposa do Rei do Cangaço acompanhando-o inclusive na guerra armamentista.

Em 1954, Lampião estreou nos palcos. Houve duas produções notáveis: uma em São Paulo, no Teatro Leopoldo Fróes, dirigida por Sérgio Cardoso (que também interpretou Lampião), com Araçary de Oliveira como Maria Bonita; e outra no Rio de Janeiro, no Theatro Municipal, dirigida por Bibi Ferreira e com Elísio de Albuquerque no papel principal.

Este volume especial traz o projeto gráfico da primeira edição de Lampião, lançada em 1953 pela Livraria José Olympio Editora. Na capa, Lampião e Maria Bonita são ilustrados por Tomás Santa Rosa, icônico artista gráfico responsável por projetos editados por José Olympio na década de 1950. O antigo estilo de impressão é replicado usando fontes móveis no mês que vem. Portanto, esta nova edição de Lampião celebra o texto meticulosamente elaborado por Rachel de Queiroz que retornou a um público mais amplo na hora certa.

O indomável: João Carlos Martins entre som e silêncio, de Jamil Chade


APRESENTAÇÃO

João Carlos Martins é considerado um dos maiores pianistas intérpretes de Johann Sebastian Bach, com quem divide, além do primeiro nome, um amor profundo, inquestionável e autêntico pela música. Nesta biografia, o jornalista Jamil Chade expõe suas facetas mais públicas e seus segredos: pianista prodígio, músico silenciado pelo próprio corpo, personagem com erros e acertos, reinvenção ambulante, maestro indomável.

Da infância debruçada sobre o piano, sob o olhar atento do pai obcecado pelo sucesso do filho e disposto a recorrer a métodos questionáveis para isso, a juventude como uma promessa realizada de talento e fama e a consagração interrompida em seu auge pela gradual atrofia nas mãos, João reinventou o conceito de sobrevivência a cada silêncio forçado a suportar. Mesmo quando esteve afastado dos palcos, como no curto período em que foi empresário esportivo e durante sua passagem breve e polêmica pela política, a esperança de que a música retornasse para ele o impediu de ficar à deriva.

Muitas sessões de fisioterapia o levaram de volta aos palcos, mas o agravamento de lesões neurológicas, acidentes e um episódio de violência forçaram a interrupção na carreira de pianista, dessa vez de forma definitiva. Mas suas mãos indomáveis não deixaram de ousar trazer Bach à vida, agora como maestro. Muito mais que um exemplo de superação e perseverança, no entanto, o que se destaca em sua trajetória é o talento e a profunda dedicação à música como ferramenta transformadora de vidas.

RESENHA

João Carlos Martins, um dos maiores intérpretes de Johann Sebastian Bach, compartilha com o compositor um profundo amor pela música. Nesta biografia, o jornalista Jamil Chade revela as várias facetas de Martins: prodígio do piano, músico limitado por problemas físicos, figura com acertos e erros, reinventor constante e maestro inquebrável. Desde a infância dedicada ao piano, com um pai obstinado pelo sucesso do filho e disposto a usar métodos questionáveis, até a consagração interrompida pela atrofia nas mãos, Martins demonstra uma incrível capacidade de sobreviver aos desafios. Mesmo afastado dos palcos, seja como empresário esportivo ou político, a música sempre foi sua bússola.

O livro explora as nuances acerca do maestro, que, mesmo enfrentando lesões neurológicas, acidentes e violência, João Carlos Martins nunca deixou de trazer Bach à vida, agora como maestro. Sua jornada vai além da superação e da perseverança, destacando-se seu talento e dedicação à música como agente transformador.

João Carlos Martins, um pianista brasileiro, causou grande repercussão em sua viagem a Cuba em 1961, sendo elogiado pela imprensa local por sua técnica impressionante e interpretações brilhantes. No entanto, em meio a essa excitação artística e política, ele testemunhou a condenação à morte de um jovem acusado de atacar as instituições com granadas, o que o deixou chocado. Diante da situação caótica e do risco em que se encontrava, foi aconselhado a deixar Cuba imediatamente para evitar uma crise diplomática.

O livro ainda esclarece os desafios e traumas e convulsões não tratadas , somadas ao drama de um cisto na garganta. O pai de Martins, determinado, o incentivou e promoveu seu talento, levando-o a ter aulas com o professor de piano José Kliass. Apesar de sua ousadia e autoconfiança, João impressionou até mesmo o compositor Heitor Villa-Lobos. Sua jornada musical prometia uma carreira brilhante, apesar das adversidades enfrentadas desde cedo. Apesar do sucesso, João começou a enfrentar problemas de saúde, como um desconforto no braço durante as gravações. Mesmo assim, ele continuou a conquistar críticos e audiências nos Estados Unidos, consolidando sua reputação como um dos grandes pianistas da época. Sua jornada de sucesso foi marcada por desafios, mas João sempre se destacou como uma estrela brilhante no cenário musical.

João demonstrava talento musical desde a infância e, aos 23 anos, já se apresentava em grandes palcos internacionais. No entanto, no auge da carreira, ele começou a sentir dores e movimentos involuntários nas mãos, o que o levou a buscar ajuda médica. Os diagnósticos eram incertos, alguns apontavam para problemas psicológicos, enquanto outros indicavam causas físicas.  Apesar das dificuldades, João não desistiu da música. Ele adaptou suas técnicas e repertório, buscando maneiras de driblar a dor e continuar tocando. Com persistência e força de vontade, ele se apresentou em diversos países, emocionando o público com sua maestria e sensibilidade.

Com o passar do tempo, os problemas nas mãos de João se agravaram, tornando cada vez mais difícil a execução do piano. Em 1970, após uma crítica negativa no New York Times, ele tomou a difícil decisão de encerrar sua carreira aos 30 anos.

João Carlos Martins abandona a carreira musical em 197, se muda para São Paulo e assume o cargo de diretor da Turismo União, um braço inovador do Banco União Comercial. Na Turismo União, João utiliza seus contatos internacionais para trazer grandes shows e eventos para o Brasil, como Alice Cooper, Johnny Mathis e The Supremes. Essa iniciativa transformou a empresa em uma das maiores do ramo de entretenimento no país. Em seu escritório, João mantém um piano mudo, presente da pianista Guiomar Novaes. Em segredo, ele pratica exercícios para tentar recuperar o uso da mão afetada pela doença e voltar a tocar. 

O autor explora o papel do silêncio na música, desde as pausas nas partituras medievais até o silêncio deliberado dos sinos japoneses. Na vida de João, o silêncio do piano mudo representa a esperança de um retorno aos palcos. Em um encontro casual, João conhece o pugilista Eder Jofre, que havia perdido o título mundial de boxe anos antes. Ele decide patrocinar o retorno de Jofre às competições, buscando reerguer a carreira do esportista e promover o Brasil em um momento de instabilidade política. O autor destaca as semelhanças entre as trajetórias de João e Eder Jofre: ambos se tornaram ídolos nacionais na década de 1950, sofreram reveses em suas carreiras e contavam com o apoio de seus pais para alcançar o sucesso.

O livro destaca o talento excepcional de João Carlos Martins, reconhecido por sua técnica impecável, sensibilidade musical e capacidade única de interpretar as obras de Bach. Sua paixão pela música transcende os limites físicos, impulsionando-o a superar obstáculos e encontrar novas formas de se expressar artisticamente. Na obra testemunhamos sua luta contra a doença, as frustrações e as críticas, mas também sua capacidade de se reinventar, encontrar força na adversidade e jamais desistir de seus sonhos. Sua trajetória inspiradora serve como um farol para todos que enfrentam dificuldades em suas vidas.  Recomendamos essa biografia a todos os amantes da música clássica, aos admiradores da trajetória de João Carlos Martins e a todos que buscam histórias inspiradoras de superação. É um livro que toca o coração e nos faz refletir sobre o poder da música.

Resenha: Os diários de Albert Einstein: América do sul, 1925, org. Ze'ev Rosenkranz


APRESENTAÇÃO

Com Os diários de viagem de Albert Einstein em mãos, o leitor poderá conhecer a fundo os pensamentos, sentimentos e opiniões sem censura de um dos maiores gênios da ciência, durante a viagem de três meses pela América do Sul, incluindo sua estadia no Rio de Janeiro.

Na primavera de 1925, Albert Einstein embarcou em uma viagem para a Argentina, o Uruguai e o Brasil. Após inúmeros convites das comunidades científica e judaica, Einstein concordou com a visita prolongada por razões acadêmicas e humanitárias. Ao mesmo tempo ele tentava encerrar um caso com sua secretária, ansiando então pela fuga proporcionada por uma longa viagem a bordo do S.S. Cap Polonio.

Em seus diários de viagem, o cientista e ícone humanitário anotou suas primeiras impressões e reflexões mais profundas sobre as pessoas que conheceu e os lugares que visitou. Organizados pelo estudioso Ze’ev Rosenkranz, os diários demonstram – sem censura – um homem peculiar, violinista apaixonado, espirituoso e carismático, mas também intolerante e rabugento, isto é, o ser humano comum, com todos os seus defeitos e preconceitos, por trás do gênio e do maior físico da história.

RESENHA


O livro 'Os diários de Albert Einsten: América do Sul', organizado por Ze'ev Rosenkranz se inicia com Albert Einstein escrevendo sobre a pandemia de gripe de 1918 em cartas para sua família, expressando preocupação com a situação na Alemanha e na Suíça. Ele decidiu não viajar devido à pandemia, mesmo sem ver seus filhos há mais de um ano. Anos depois, em 1925, ele embarcou em uma viagem à América do Sul, que se tornou uma das mais desafiadoras para ele. Enquanto trabalhava nos Arquivos Albert Einstein, o autor refletiu sobre suas próprias viagens internacionais e a autenticidade dos diários de viagem de Einstein, que revelam suas impressões mais íntimas e imediatas. A experiência de mergulhar nesses documentos pessoais oferece insights sobre suas visões e também a oportunidade de examinar nossos preconceitos e vieses. O autor se sente privilegiado por compartilhar essa fascinante jornada com uma audiência mais ampla.

O diário é um dos seis diários escritos por Albert Einstein, revelando insights de suas experiências durante viagens ao Extremo Oriente, Palestina, Espanha e Estados Unidos. O diário em questão foi escrito durante uma viagem à América do Sul em 1925 e fornece detalhes sobre suas impressões, interações, observações políticas e sociais, além de reflexões sobre sua obra científica. A recepção da teoria da relatividade nos países visitados, como Argentina, Uruguai e Brasil, é discutida, destacando a influência de cientistas locais e a infraestrutura acadêmica. Os convites feitos a Einstein para palestras na América do Sul foram motivados por fatores científicos, políticos e culturais, demonstrando a importância de sua identidade como cientista judeu e suas conexões com a Europa.

A obra fornece insights sobre a viagem de Albert Einstein à América do Sul em 1925, com foco na Argentina, Uruguai e Brasil. Descreve o panorama político e social destes países na época, destacando aspectos como partidos políticos, reformas sociais, condições económicas e mudanças culturais. A narrativa investiga as percepções dos países europeus, especialmente da Alemanha, em relação à América Latina, enfatizando estereótipos históricos e pontos de vista em evolução. Além disso, aborda a recepção da visita de Einstein, os fatores políticos em jogo e o impacto da sua teoria da relatividade nas comunidades científicas locais.

A obra ainda discorre sobre sua viagem à América Latina em 1925, incluindo suas visitas ao Brasil, Argentina e Uruguai. Ele expressa sua surpresa com a falta de pensamento incisivo e a priorização da forma sobre a substância na Academia Brasileira de Ciências, atribuindo isso ao clima tropical. Einstein também comenta sobre sua interação com a comunidade judaica em cada país, destacando a recepção calorosa e a solidariedade judaica. Além disso, ele se refere à comunidade alemã em cada país, notando a falta de atenção em Buenos Aires devido à controvérsia em torno de seu artigo pacifista e a hostilidade política dentro da comunidade alemã. No entanto, em Montevidéu e no Rio de Janeiro, a comunidade alemã o recebeu de maneira mais polida e aconchegante.

A obra se inicia com os diários de viagem de Einstein à Argentina, Uruguai, Brasil. 

Ontem minha mulher, Katzenstein com a irmã e os Bärwald na estação ferroviária.2 O sol brilhou durante a jornada, mas o tempo estava encoberto ao chegarmos. 3 A sra. Robinow e o genro estavam na estação. 4 Tarde com a sra. Robinow, [toquei] Mozart em um violino infantil. À noite, refeição familiar no estilo de Hamburgo. Melchior também apareceu, 5 lúcido, espirituoso. Hotel a pé. Companhia sensível, decente. Hoje às 9 horas, embarque no navio 6 com genro R[obinow]. 7 Pessoa agradável, inteligente. Partida às 9h30 com sol, passando navios e armazéns. Foi uma despedida e tanto. Todo mundo reconhece minha cara, mas, até agora, não fui incomodado. 11 horas. Céu encoberto. A costa se afasta. Paz abençoada. Ontem à noite, recebi uma gravata preta enviada ao hotel, encomendada por telefone pelos Bärwald. Sujeitos bem-humorados e terrivelmente ágeis.

Einsten nos fala sobre estar lendo Meyerson e discutindo sua perspicácia e injustiça ao considerar as escapadas de Weyl e Eddington como parte essencial da teoria da relatividade. Também menciona uma comparação com o hegelianismo. Além disso, há uma menção a uma prova feita pelo autor sobre cones de luz fixos e órbitas dos elétrons. O texto também descreve a passagem por Tenerife, destacando a beleza dos picos sob a luz do sol e a iluminação para as 'montanhas verdejantes'.

Pela manhã, já estava tão quente (com céu claro) que não parecia que a janela da cabine estava aberta. Estou lendo Meyerson. 18 Muito perspicaz, mas injusto na medida em que as escapadas de Weyl e Eddington são consideradas parte essencial da teoria da relatividade. É assim que ele chega à comparação com o hegelianismo. Provei ontem que, com cones de luz fixos e as órbitas dos elétrons (de todos os ) com coordenadas definidas, absolutamente nenhuma mudança no campo é possível se derivarmos as equações das órbitas dos elétrons da propriedade extrema de Passamos por Tenerife. Picos sob a brilhante luz do sol. Maravilhosa iluminação para as escarpadas montanhas verdejantes.

Einstein fala sobre sua experiência em um navio, onde ele descreve suas impressões sobre as diferentes classes sociais presentes no navio, destacando a atitude blasé e infantil dos argentinos na primeira classe e a ingenuidade e gratidão das pessoas na segunda classe. Ele também menciona sua apresentação em um concerto na primeira classe, onde tocou músicas de Mozart e Beethoven. Além disso, ele comenta sobre sua interação com uma mulher judia russa, a quem ele se refere como uma pantera divertida e impertinente. Einstein demonstra um certo desprezo pelos argentinos, os considerando estúpidos e membros da classe rica e ociosa, enquanto elogia a música popular argentina originada nos incas. Ele reflete sobre a beleza e grandiosidade que possivelmente existia na civilização inca, que acabou se perdendo ao longo do tempo.

Antes de ontem, batismo equatorial na primeira classe; ontem, na segunda classe. Na primeira, os argentinos fizeram feio. Classe rica. Blasé, mas infantil. Na segunda, pessoas ingênuas e gratas. Capitão, boas brincadeiras (partículas na urina; paciente com dor viajando de cima para baixo). Hoje, visita às salas do motor e da caldeira. Grande impressão. À noite, concerto na primeira classe. Toquei em um quarteto, primeiro “Nachtmusik” de Mozart, e depois “Romance em fá maior” de Beethoven. Os argentinos são criaturas indizivelmente estúpidas. Estou livre deles, finalmente. No que diz respeito ao intelecto e outras questões, são membros da classe rica e ociosa. Jesinghaus me apresentou à música popular argentina, originada nos incas. Naturalista e grandiosa. Coisas gloriosas devem ter perecido com aquela nação. Provoco muito a pantera, que está sempre me interrogando. Ela é divertida, de sua maneira séria e impertinente; uma judia do tipo russo.

A obra segue expondo algumas cartas acrescidas à obra de Eintein em viagem à Montividéu, Uruguai, Buenos Aires, Rio de Janeiro, Bilbao, dentre outras. Ele viajou para Hamburgo, Boulogne-sur-Mer, Bilbao, Corunha, Vigo, Lisboa, Tenerife, Fogo, Rio de Janeiro, Montevidéu, Buenos Aires, La Plata, Córdoba, Montevidéu, Rio de Janeiro e Boca de Valdivia.

Os diários de viagem de Albert Einstein oferecem uma perspectiva única e íntima sobre a personalidade e as reflexões do renomado cientista durante sua viagem pela América do Sul. A organização cuidadosa dos textos por Ze'ev Rosenkranz permite aos leitores mergulhar no mundo de Einstein, conhecendo não apenas suas observações científicas e acadêmicas, mas também suas interações sociais, pensamentos pessoais e opiniões sobre os países visitados. A obra revela um Einstein humano, com todas as suas peculiaridades e imperfeições, tornando-a cativante para todos aqueles interessados não apenas na ciência, mas também na história e na natureza humana. Além disso, a inclusão de cartas adicionais acrescenta ainda mais profundidade e contexto à experiência de leitura, proporcionando uma imersão completa no universo de um dos maiores gênios da história.

O livro terá seu lançamento oficial no dia 06 de Junho na Unibes Cultural, localizado na Rua Oscar Freire, 2500 em Sumaré, São Paulo. 

Resenha: O estrangeiro, de Albert Camus

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O estrangeiro narra a história de um homem comum que se depara com o absurdo da condição humana depois que comete um crime quase inconscientemente. Meursault, que vivia sua liberdade de ir e vir sem ter consciência dela, subitamente perde-a envolvido pelas circunstâncias e acaba descobrindo uma liberdade maior e mais assustadora na própria capacidade de se autodeterminar. Uma reflexão sobre liberdade e condição humana que deixou marcas profundas no pensamento ocidental. Uma das mais belas narrativas deste século.

Escrito em 1957, O estrangeiro é o mais pop(ular) dos livros do francês nascido na Argélia Albert Camus. Tão pop que rendeu até música do grupo de rock inglês The Cure (“Killing an Arab”). Tão popular porque, à parte ser a seca narrativa das desventuras de Mersault, é também a narrativa das desventuras do homem do século XX. Uma espécie de autobiografia de todo mundo. Seu drama pode ser lido como o drama de qualquer homem do século, o homem que se depara com o absurdo, ponto central do pensamento camusiano.

Quando Mersault descobre que absurdo e liberdade são faces da mesma moeda e que uma implica na outra, afinal encontra a paz. É a história dessa compreensão, desse encontro, que Camus nos propõe. O estrangeiro se apresenta como uma espécie um tanto perversa de livro de autoajuda.



RESENHA


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Meursault é um pacato funcionário de um escritório em Argel, sem perspectivas ou objetivos na vida, o que o torna antipático aos olhos do leitor. Logo no início da novela, ele recebe a notícia da morte de sua mãe, a quem havia abandonado em um asilo, e sua indiferença durante o enterro é evidente. Desapegado de sentimentos, ele se envolve em problemas ao ajudar um vizinho perseguido pelo cunhado, resultando em um assassinato. Preso e levado a julgamento, Meursault é considerado um estranho aos padrões morais e éticos da sociedade.


 A trama se desenrola na Argélia, durante o período em que o país ainda era uma colônia francesa. O narrador e protagonista, Mersault, é retratado como um homem de poucas palavras e comportamento frio, cuja objetividade se destaca.


O início da história se foca no detalhado relato do enterro da mãe de Mersault, ocorrido na cidade de Marengo, onde ela estava internada em um asilo por um longo período. Diferentemente do esperado em um momento de luto, as descrições feitas por Mersault são mais influenciadas pelas suas sensações sensoriais, especialmente pelo clima quente da região, do que por seus sentimentos.


O início da história pode parecer simples, mas é o ponto de partida para um enredo complexo. O protagonista, Mersault, mostra-se indiferente ao enterro da mãe, sem demonstrar qualquer emoção. Ao retornar para sua casa em Argel, ele age como se nada tivesse acontecido, passando o dia com Marie, uma antiga paquera. A morte da mãe é encarada como algo do passado.


As descrições de Camus transportam o leitor para o intenso verão argelino, onde o sol desempenha um papel fundamental. Mersault enfrenta momentos extremos causados pelo calor.


Além disso, a narrativa critica a postura francesa em relação à colônia argelina. O personagem central, o "árabe", é insignificante e sem nome. Mersault é condenado não por seu ato contra o árabe, mas por sua aparente falta de emoção no enterro da mãe, indicando um desvio emocional que a sociedade considera perigoso. Camus, francês nascido na Argélia, tem um profundo conhecimento do solo argelino, o que enriquece a trama.


A partir do momento em que o promotor começa a expor suas argumentações, o leitor é levado a questionar se a justiça está realmente sendo feita. O fato de Meursault ser julgado não só pelo crime em si, mas também por sua aparente falta de emoção diante da morte da mãe, revela muito sobre a sociedade e suas expectativas em relação ao comportamento humano. A forma como a sociedade espera que as pessoas expressem suas emoções de acordo com padrões estabelecidos é colocada em xeque nesse momento do livro.


Além disso, a reação de Meursault diante do veredito revela muito sobre sua própria jornada pessoal. Ele se vê confrontado com a inevitabilidade da morte e com a falta de sentido de sua própria existência. Suas reflexões nos levam a questionar o significado da vida e como lidamos com a finitude da mesma. A jornada de Meursault se torna uma reflexão profunda sobre a natureza humana e sobre o sentido da vida em um mundo aparentemente absurdo.


Assim, é no julgamento de Meursault que o leitor é confrontado com questões essenciais sobre a vida, a morte, a justiça e a busca por sentido em um mundo aparentemente sem sentido. É nesse momento que o protagonista alcança uma espécie de iluminação, que transformará não só sua própria perspectiva, mas também a do leitor, que se vê confrontado com suas próprias crenças e valores.


O livro "O estrangeiro", de Albert Camus, é frequentemente interpretado como uma representação da condição humana, porém, é importante considerar seu contexto histórico. A Argélia retratada na obra é a Argélia Colonial em que Camus cresceu, onde Meursault é um pied-noir, termo dado aos franceses de ascendência europeia que viviam no país. O fato de os árabes no livro não terem nomes e serem apenas figurantes na vida dos pieds-noirs é algo que chama atenção.


No livro "O caso Meursault", o autor argelino Kamel Daoud apresenta uma resposta pós-moderna e decolonial ao romance de Camus. Daoud dá identidade ao árabe assassinado por Meursault e coloca o protagonismo argelino em destaque. Alice Kaplan, autora de "Looking for the stranger", uma biografia de "O estrangeiro", defende a escolha de Camus de não nomear o personagem, apontando o racismo presente na sociedade e ressaltando a influência do romance "The postman always rings twice" (1934), de James M. Cain, onde a vítima é simplesmente conhecida como "O Grego".


"O estrangeiro" é uma obra que transcende sua época, trazendo reflexões profundas sobre a condição humana e a busca por significado em um mundo que muitas vezes parece não ter sentido. A narrativa de Camus, aliada à ambientação calorosa da Argélia colonial, nos transporta para a mente fria e indiferente de Meursault, nos levando a questionar nossas próprias emoções e valores. A crítica à sociedade e suas expectativas em relação ao comportamento humano é feita de forma sutil, mas impactante, levando o leitor a refletir sobre suas próprias crenças. Uma leitura que, mesmo décadas após sua publicação, continua relevante e instigante.

Resenha: O templo dos meus familiares, de Alice Walker

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APRESENTAÇÃO

Escrito logo após A cor púrpura, o aclamado romance de Alice Walker O templo dos meus familiares estreia na José Olympio com nova tradução depois de quase 30 anos fora das prateleiras.  Em O templo dos meus familiares, Alice Walker nos apresenta povos cuja história é antiga e cujo futuro ainda está por vir. Escrito logo após A cor púrpura, livro vencedor do Pulitzer e do American Book Award, este romance contribuiu para consagrar Walker como uma das escritoras mais importantes dos Estados Unidos.Aqui conhecemos Lissie, uma mulher de muitas vidas Zedé, uma professora latino americana condenada por apoiar a revolução de seu país, mas que foge para São Francisco após dar à luz sua filha Carlotta Arveyda, o grande músico com quem Carlotta tem uma forte conexão, por ambos serem imigrantes Suwelo, um historiador, e sua ex esposa Fanny, que se apaixona por espíritos e está em busca da própria libertação. Orbitando essas histórias, estão as avós de Fanny Celie e Shug, as amadas personagens de A cor púrpura.Definido pela própria autora como um romance dos últimos 500 mil anos, O templo dos meus familiares entrelaça o passado e o presente numa complexa tapeçaria de histórias, explorando, com traços do realismo mágico, os temas do colonialismo, da opressão e da recuperação espiritual. Brilhante …. Parte romance, parte história visionária, parte tratado revolucionário, este livro vai encantar, chocar … e inspirar os fãs de Alice Walker. — USA TodayUma das melhores escritoras estadunidenses da atualidade. — Washington PostUma celebração da vida e das emoções cotidianas. — Los Angeles TimesAlice Walker é uma escritora extraordinariamente talentosa. — New York Times.

RESENHA

Publicado em 1989, O Templo dos Meus Familiares é um romance de Alice Walker que conta com diversas narrativas, incluindo as histórias de Arveyda, um músico em busca de suas origens; Carlotta, sua esposa latina exilada; Suwelo, um professor negro de História Americana que reconhece falhas dos homens de sua geração em relação às mulheres; Fanny, sua ex-esposa prestes a conhecer seu pai pela primeira vez; e Lissie, uma personagem vibrante com uma história repleta de passados.

Carlota, uma refugiada latino-americana, tem sua vida virada de cabeça para baixo ao conhecer Arveyda, um astro do rock que se encanta pela arte de sua mãe, Zedé. O relacionamento dos dois gera dois filhos e enfrenta diversas crises, até que Arveyda acaba se apaixonando pela própria Zedé. Esse acontecimento inesperado acaba unindo ainda mais as vidas dessas mulheres, revelando segredos do passado de Zedé e sua relação com a escravidão.

Por outro lado, Mary Jane, uma americana branca que ajuda Zedé, acaba se casando com um homem negro na África, em um casamento de conveniência. Sua ligação com a terra e com uma antepassada chamada Eleandra a leva a descobrir mais sobre si mesma e sobre a conexão entre pessoas de diferentes origens. A história de Eleandra, que se torna a ponte entre culturas e mundos distintos, revela a importância do entendimento e da empatia na construção de laços verdadeiros entre as pessoas.

Olá, o homem com quem Mary Jane se uniu em matrimônio é o pai de Fanny. Aqueles que leram A Cor Púrpura certamente se recordam de Celie, Natie e Olivia, a filha de Celie que foi adotada por missionários e levada para a África. Fanny, por sua vez, é filha de Olivia e atua como professora de Literatura Feminina, tendo Suwelo como seu esposo. Fanny enfrenta constantemente a batalha contra o ódio que nutre pelos brancos, em especial pelos loiros, em uma jornada para libertar-se das convenções sociais que pregam certezas como o casamento, mostrando a Suwelo como a relação deles pode ser mais autêntica e livre após o divórcio.

“Lembraremos da dor por muito tempo, mas a própria dor, como era naquele ponto de intensidade que nos fez sentir como se devêssemos morrer dela, eventualmente desaparece. Nossa memória disso se torna seu único vestígio. As paredes permanecem. Eles crescem musgo. São barreiras difíceis de ultrapassar, de chegar aos outros, de chegar às partes fechadas de nós mesmos.” - Alice Walker, O Templo do meu Familiar

Suwelo conhece a Sra. Lissie, uma mulher com experiência de muitas vidas passadas, que lhe traz ensinamentos profundos. Uma das lições mais marcantes é a importância de abrir todas as portas de sua vida, enfrentando seus traumas para se tornar uma pessoa verdadeiramente resolvida e completa. Fanny também passa por um processo de autoconhecimento, recordando sua infância e as barreiras impostas pelo racismo, que a fizeram fechar as portas para o mundo exterior.

Quando Fanny viaja para a África para encontrar seu pai e irmã, Suwelo se envolve com Carlota, em um relacionamento puramente físico, sem profundidade ou conexão verdadeira. No entanto, eles permanecem ligados, talvez refletindo a crença da Sra. Lissie sobre os laços humanos, que perduram mesmo quando não estão plenamente resolvidos. A cada encontro, Lissie reencarna em corpos diferentes, convivendo mais tempo com aqueles cujas relações ainda não foram completamente esclarecidas, na esperança de que o amor e a aceitação mútuas possam ser alcançados. Suwelo ainda tem muito a aprender e a compreender, enquanto Lissie revela através de fotografias quem ele foi em vidas passadas.

“Não se pode amaldiçoar uma parte sem condenar o todo. É por isso que a Mãe África, amaldiçoada por todos os seus filhos, negros, brancos e entre eles, está morrendo hoje e, depois dela, a morte chegará a todas as outras partes do globo.”

Fanny se apaixona por espíritos, acreditando que as pessoas que conhece e ama estão em outra dimensão. No entanto, ela se conecta com Arveyda, um músico que se torna real. Suwelo, ao tentar conhecer Carlota, encontra a si mesmo e relembra os pais falecidos em um acidente. "O homem africano branco nasceu sem melanina, se sentindo amaldiçoado, projetando isso nos negros. Fanny reflete sobre viver no presente para criar um mundo futuro desejado. Em outra narração, uma mulher branca fala sobre sua visão do mundo.

Através dos personagens das mulheres negras Lissie e latina/primeira nação Zede, Walker explora sociedades africanas e americanas pré-colonização, com estruturas anarquistas, matriarcais ou segregadas. Ela o faz em um estilo realista, poético e mágico, reimaginando mitos e relações entre diferentes grupos e até mesmo espécies. Alguns revisores podem não ter compreendido ou apreciado esse aspecto do livro, mas eu acredito que Walker está abrindo possibilidades para um resgate da memória popular, e não necessariamente para um futuro utópico. Considerando que a narrativa histórica foi moldada pela kyriarquia, não devemos aceitar sua interpretação. Se os mitos e as narrativas dominantes nos influenciam, é crucial reescrever aqueles que nos prejudicaram. Em particular, eu admiro como Walker reescreve a história de Adão e Eva para abordar o racismo no cristianismo ocidental e deslocar a culpa da mulher. Esta é sua resposta ao que foi mencionado acima. O homem branco ainda persiste, mesmo após sua partida, então é necessário substituí-lo. Precisamos de um antídoto para o veneno que ele deixou para trás.

Eu admiro a perspectiva de Alice Walker em encontrar beleza em todas as coisas, mesmo diante da verdade dolorosa. Suas crenças nos valores simples do amor, cuidado, prazer, saúde e integridade espiritual são inspiradoras. Ao contrário de muitos autores privilegiados, Walker não tem uma visão elitista e é extremamente sensata em suas obras. Sua forma de descrever e valorizar os corpos, especialmente os das mulheres negras, desafia os padrões de beleza branca e magra que dominam a sociedade. Isso é evidenciado quando um personagem masculino interpreta de forma sexualizada a mesma mulher que Walker descreveu anteriormente de maneira diferente. A habilidade de Walker em desconstruir as normas de beleza estabelecidas é evidente e refrescante.

Arte digital

Ao deparar-me com a história da vida de Lissie como uma criança/mulher africana vendida como escrava, enquanto estava sentado no metro, senti a necessidade de parar e refletir. A narrativa das mães que sacrificavam seu leite para alimentar crianças e curar feridas, após terem seus próprios bebês levados ou mortos, tocou profundamente o meu coração. A medida que avançava na leitura, me deparei com relatos sobre mulheres sendo estupradas, engravidadas e traficadas por um valor ainda maior. A crueldade dos tempos de escravidão me deixou paralisado no trem, incapaz de continuar a leitura. Mesmo já tendo conhecimento sobre esses acontecimentos, a narrativa de Walker trouxe à tona emoções profundas em mim pela primeira vez, ressaltando como a memória coletiva e os memes moldam nossa essência. Isso me fez refletir sobre como minha própria riqueza e conforto derivam do sofrimento e exploração das pessoas escravizadas no passado.

Acredito que este livro, em vários aspectos, trata sobre viver, e Walker claramente está indignada com a situação dos negros, que foram privados de saúde e conexão com a Terra devido à pobreza, escravidão e roubo de suas terras. Um dos personagens que mais gosto do livro é Fanny Nzingha, neta de Celie, a protagonista de A Cor Púrpura. Ela participa de discussões sérias sobre o colonialismo e parece ser a crítica do livro, enquanto Lissie representa esperança e restauração. Fanny é a voz da consciência desperta e furiosa diante da injustiça. O livro aborda questões profundas sobre liberdade e justiça, e a ilusão de liberdade sem substância nos Estados Unidos. Os políticos eleitos pela maioria branca têm um grande impacto na liberdade dos negros, que muitas vezes sentem que estão sempre correndo no mesmo lugar. A obra é brilhantemente rica em ideias e vai além do que posso descrever em uma revisão. Recomendo a leitura e também a postagem no blog Gradient Lair, que aplica uma filosofia semelhante à de Walker para criticar o feminismo mainstream.

Alice Walker nos apresenta uma obra única e profunda em O Templo dos Meus Familiares. Sua escrita poética e mágica entrelaça passado e presente, explorando temas complexos como colonialismo, opressão e recuperação espiritual. A autora traz à tona questões urgentes sobre liberdade, justiça e a busca por identidade em uma narrativa envolvente e cheia de camadas. A forma como Walker desafia os padrões de beleza e valoriza a experiência das mulheres negras é inspiradora, e sua habilidade de reescrever mitos e narrativas dominantes é poderosa. É um livro que vai além da simples leitura, provocando reflexões profundas sobre a história, a sociedade e a humanidade. Definitivamente uma leitura enriquecedora e transformadora.
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