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Resenha: A cabeça da medusa: e outras lendas gregas, de Orígenes Lessa



 APRESENTAÇÃO

A rica mitologia grega, com seus deuses e heróis, é referência até os dias atuais, em várias áreas de estudo. Em A cabeça de Medusa e outras lendas gregas, Orígenes Lessa, baseado na obra do escritor norte-americano Nathaniel Hawthorne, reconta seis narrativas maravilhosas.Nesta obra estão presentes algumas das mais famosas lendas gregas, como: A cabeça de Medusa, A caixa de Pandora, O toque de ouro, O cântaro milagroso, A quimera e As três maçãs de ouro. A linguagem ágil de Orígenes nos transporta à história da civilização da Grécia Antiga e à origem de mitos importantes e significativos presentes até hoje na cultura ocidental.O livro conta com as belíssimas ilustrações de Cláudia Scatamacchia. É leve, divertido e atual como todo clássico. Um livro para ser lido com a imaginação.

RESENHA

"A Cabeça da Medusa: E Outras Lendas Gregas" é uma antologia de histórias da mitologia grega adaptadas por Orígenes Lessa. Este fascinante compêndio nos oferece a oportunidade de mergulhar no rico universo das lendas, resgatando personagens icônicos como Perseu, Dânae e a temível Medusa, enquanto ficamos imersos em narrativas que abordam temas como coragem, traição e a busca pelo heroísmo.

A narrativa central, que dá nome ao livro, gira em torno de Perseu, um herói cuja vida é marcada por uma profecia que prevê a morte de seu avô, o rei Acrísio. O temor das consequências dessa profecia leva Acrísio a tomar uma decisão drástica — colocar Dânae e Perseu em um barco e abandoná-los ao mar. Essa abertura já estabelece um ambiente de tensão que ronda a história, refletindo o contraste entre as intenções humanas e o desígnio dos deuses.

À medida que crescem os desafios que Perseu enfrenta, o leitor é apresentado a uma rica tapeçaria de elementos mitológicos. A fúria de Medusa, uma das górgonas, simboliza tanto um desafio a ser superado quanto a luta interna do herói contra suas próprias limitações e medos. Lessa retrata Perseu como um jovem audacioso, mas também vulnerável, cativando os leitores com sua determinação em atender ao pedido traiçoeiro do rei Polidecto. A astúcia do vilão e a complexidade dos laços familiares são bem exploradas, conferindo profundidade ao enredo.

A prosa de Lessa é envolvente; sua narrativa é rica em descrições vívidas e diálogos que capturam a essência das interações humanas e divinas. Lessa não apenas reconta as lendas, mas também as recontextualiza, permitindo que novos leitores e aqueles familiarizados com a mitologia grega apreciem a experiência. Os trechos relacionados ao encontro de Perseu com Mercúrio, por exemplo, são particularmente mais intesos, pois destacam a importância da ajuda e da sabedoria adquirida através da experiência, elementos que ecoam profundamente na condição humana. Além disso, a obra ressalta temas universais, como a luta entre o bem e o mal, lealdade, e a inevitabilidade do destino, o que a torna não apenas um repositório de histórias antigas, mas uma fonte de reflexão sobre a natureza humana.

As adaptações de Lessa são acessíveis para leitores de todas as idades, tornando este livro uma excelente introdução à mitologia grega para jovens e adultos igualmente. Sua habilidade em contar histórias se combina perfeitamente com a herança cultural que as mitologias oferecem, celebrando-as de forma dinâmica e envolvente.

Em suma, "A Cabeça da Medusa: E Outras Lendas Gregas" é uma obra que não só narra aventuras e desafios épicos, mas que também nos convida a refletir sobre nossas propias histórias, medos e desejos. A leitura é uma viagem através do tempo que confronta as questões eternas da vida, fazendo deste livro uma verdadeira joia da literatura infanto-juvenil e um excelente recurso para aqueles que desejam explorar as raízes da mitologia grega de uma maneira acessível e cativante.

Resenha: O negro no Brasil hoje, de Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes

APRESENTAÇÃO

Para entender “nossa” história e “nossa” identidade é preciso começar pelo estudo de todas as suas matrizes culturais. Neste livro muito bem ilustrado, os autores tentam contar um pouco da história esquecida dos povos africanos que ajudaram a construir o país em que vivemos, um país que pertence a todos os brasileiros sem nenhuma distinção.

RESENHA

A obra "Negro no Brasil de Hoje", escrita por Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes, é um marco na literatura brasileira que investiga a identidade negra no contexto contemporâneo, compilando reflexões profundas sobre a história, cultura e desafios enfrentados pela população negra no Brasil. Munanga e Gomes não apenas respondem a questões cruciais sobre quem somos como povo, mas também nos levam a compreender a riqueza e a complexidade da formação da identidade brasileira, que é um verdadeiro mosaico cultural.

Aprender e conhecer sobre o Brasil e sobre o povo brasileiro é aprender a conhecer a história e a cultura de vários povos que aqui se encontraram e contribuíram com suas bagagens e memórias na construção deste país e na produção da identidade brasileira. Essa história, na versão de alguns, teve início com os aventureiros e navegadores portugueses que chegaram a uma terra da qual se consideraram descobridores. Embora essa terra já estivesse ocupada e tivesse seus donos, os portugueses anunciaram o seu descobrimento e dela tomaram posse, estendendo para além da Europa seus domínios.

O livro parte de uma análise histórica para desconstruir mitos recorrentes, como a visão de uma passividade dos africanos durante o período da escravidão. Os autores demonstram com contundência que, ao contrário do que muitos ainda pensam, os negros nas terras brasileiras lutaram e resistiram ativamente contra a opressão, participando de revoltas e movimentos que raramente são mencionados nos livros didáticos. Essa perspectiva é essencial para reverter narrativas que perpetuam estigmas e preconceitos, reforçando a importância de um reconhecimento histórico mais justo e equilibrado.

O livro se desdobra ao desvencilhar, de forma minuciosa e precisa, aspectos da história do negro na criação do Brasil atual. Ele aborda tópicos como o encontro de culturas devido à miscigenação dos povos originários em terras brasileiras, a origem e a contribuição dos negros, o histórico da escravidão de mão de obra cativa, descrições do regime escravista, um panorama geral sobre os quilombos, a Revolta dos Malês, a Revolta da Chibata, a redemocratização, e a copeira como uma expressão de arte. Também explora o surgimento e o desenvolvimento da cultura negra, além de fornecer descrições sobre termos como etnia, racismo, etnocentrismo e preconceito racial. Por fim, inclui uma série de citações de homens e mulheres negros que contribuíram para a formação do Brasil como o conhecemos atualmente.

Além disso, Munanga e Gomes exploram a imensidão das contribuições culturais dos negros ao Brasil, defendendo que a musicalidade, a religiosidade e as diversas manifestações artísticas são, sem dúvida, a espinha dorsal da cultura brasileira. A resistência política e cultural do povo negro, capaz de transformar trajetórias e diálogos sociais ao longo da história, é um dos pontos altos da obra. Os capítulos sobre a produção cultural negra e a religiosidade afro-brasileira são especialmente iluminadores, revelando a riqueza das tradições e a beleza dessa cultura que, muitas vezes, é deixada à margem das narrativas dominantes.

Os autores também abordam questões atuais, como o racismo estrutural que ainda permeia a sociedade brasileira, fornecendo dados e reflexões que nos instigam a pensar criticamente sobre o nosso papel na construção de um Brasil mais igualitário. A análise das políticas de ação afirmativa e a pertinência de discussões sobre raça mostram a urgência em se reconhecer as desigualdades persistentes e os direitos dos negros no Brasil.

Uma passagem marcante da obra - das diversas existentes - é o estudo e apresentação do contexto de revolta coletiva em relação a repulsa em desfavor da escravidão no Brasil. O que ocasionou em um movimento de luta do povo negro, tornando possível a criação de quilombos, redes de apoio, insurreições, guerrilhas, insurreições urbanas. Essa crescente onda de resistência ocasionou em diversas revoltas e batalhas, como: A revolta dos Alfaiates (1798); Cabanagem (1835-1840); Sabinada (1837-1838) e a Balaiada (1838-1841).

E uma citação marcante e atemporal:

No contexto de organização do movimento negro brasileiro não podemos nos esquecer do importante papel assumido pelas mulheres negras e suas organizações. Apesar das transformações nas condições de vida e papel das mulheres em todo o mundo, em especial a partir dos anos de 1960, a mulher negra continua vivendo uma situação marcada pela dupla discriminação: ser mulher em uma sociedade machista e ser negra numa sociedade racista.

Negro no Brasil de Hoje é um livro imprescindível não apenas para aqueles que buscam compreender a identidade negra, mas para todos que desejam aprofundar-se nas discussões sobre diversidade, resistência e os desafios sociais que ainda permeiam nossas vidas. A obra é uma leitura reveladora, apaixonada e necessária para quem deseja entender as complexas teias que constituem a sociedade brasileira contemporânea.

Por tudo isso, recomendo veementemente a leitura desta obra. Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes nos presenteiam com um estudo enriquecedor que não só educa, mas também promove a reflexão crítica sobre a identidade e a condição do negro no Brasil de hoje.

Você pode adquirir o livro na Amazon ou site Oficial da Global Editora.

Resenha: O filho do pescador, de Texeira & Sousa


APRESENTAÇÃO

Esta edição de O filho do pescador, cuidadosamente preparada pela Sophia, tem o objetivo de fornecer aos leitores ferramentas para que apreendam detalhes preciosos do romance de Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa. Estão contextualizados, por exemplo, termos em latim, referências à mitologia grega, logradouros do Rio de Janeiro antigo e palavras comuns ao português falado no Brasil durante o século XIX. O filho do pescador foi publicado em 1843. É apontado por estudiosos como o primeiro romance brasileiro. Com a reedição desta obra, a Sophia – cabo-friense, assim como o autor – pretende colaborar com a difusão da obra de Teixeira e Sousa, cujo protagonismo merece ser amplamente reconhecido. Esta edição exclusiva tem 596 notas de rodapé elaboradas por Gustavo Rocha, doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (RJ). Teixeira e Sousa deixou uma vasta produção literária, conforme nos conta Hebe Cristina da Silva no prefácio: romances [O Filho do Pescador (1843), As Fatalidades de Dois Jovens (1846), Tardes de um Pintor ou As Intrigas de um Jesuíta (1847), Gonzaga ou A Conjuração de Tiradentes (1848 — 1851), Maria ou A Menina Roubada (1852 — 1853), A Providência (1854)], poesias [Cânticos Líricos (1841 — 1842), Os Três Dias de um Noivado (1844), A Independência do Brasil (1847 — 1855)], peças teatrais [Cornélia (1844), O Cavaleiro Teutônico ou A Freira de Marienburg (1855)], traduções [Lucrécia, de M. Ponsard (tragédia — 1845), Mazepa, de Lord Byron (novela — 1853)] e obras diversas [Os Coros do Concerto-Monstro (letras de canções — 1845), As Mensageiras de Amor (letras de modinhas — 1851), A Sorte (“livro de divertimento” — 1851)]. Teixeira e Sousa nasceu em 1812 e morreu em 1861, aos 49 anos, vítima de uma hepato-enterite. Seu legado está imortalizado em obras como O filho do pescador, capítulo dos mais importantes da história do romance nacional.

RESENHA

O filho do pescador, obra proeminente do escritor brasileiro Texeira & Sousa, frequentemente considerada, por estudiosos como José Veríssimo e Ronald de Carvalho, o primeiro romance escrito no Brasil, em 1843. A obra, agora recebe uma edição revista e ampliada através da Sophia Editora.

A editora Sophia lançou uma edição revisada de "O filho do pescador" com o objetivo de oferecer aos leitores uma compreensão mais rica dos aspectos deste romance de Teixeira e Sousa. Nesta versão, há explicações de termos em latim, referências à mitologia grega, locais históricos do antigo Rio de Janeiro e vocabulário do português do século XIX no Brasil. Publicado originalmente em 1843, esse romance é considerado por estudiosos como o primeiro romance brasileiro. Sophia, oriunda da mesma região de Cabo Frio que o autor, quer promover a obra de Teixeira e Sousa, um autor que merece mais destaque. Esta edição conta com 596 notas de rodapé feitas por Gustavo Rocha, doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O Filho do Pescador nos envolve de imediato em um cenário primaveril hipnotizante, onde o alvorecer molda a baía de Niterói e a praia de Copacabana com uma beleza de tirar o fôlego. Essa paisagem quase mágica serve de pano de fundo para uma jovem mulher, vestida de luto, que parece encontrar um momento de paz e reflexão em meio à natureza exuberante. A cena é interrompida pela chegada de um jovem, cuja declaração de amor sincero ignora as barreiras financeiras e sociais que poderiam separá-los.

O filho do pescador é uma obra emocionante que narra os percalços e mistérios envolvendo o casamento entre Laura e Augusto, filho do pescador, indicado por um naufrágio, em Copacabana. Laura, que aos treze anos foi raptada por Sérgio, é deixada posteriormente por ele, que leva seu filho consigo. Ela então tenta refazer sua vida ao lado de um novo amante, até que um naufrágio à costa do Rio de Janeiro muda tudo. Seu amante morre na tragédia, enquanto ela é resgatada por Augusto, desencadeando uma nova e intensa fase de sua vida. Os dois se casam, mas o destino parece ter outros planos.


Após o casamento, Laura revela sua leviandade, tendo se casado por interesse. Ela se sente atraída por Florindo, um cantor e amigo de Augusto, e é persuadida a livrar-se do marido. Laura chega a provocar um incêndio, mas seu plano falha graças ao escravo João, que salva Augusto. Em seguida, uma tentativa de envenenamento consegue afastá-lo. Laura também se envolve com outros homens; quando Florindo a abandona, ela incita seu novo amante, Marcos, a matá-lo. Contudo, há alguém que testemunha discretamente todos seus crimes, movido por intenções desconhecidas. Laura encontra um novo amor em Emiliano, um jovem caçador que desperta nela sentimentos nunca antes experimentados. Apesar deste amor ser correspondido e revestido de pureza e honestidade, o Dr. Sinval, padrinho e pai adotivo de Emiliano, guarda um segredo que torna impossível essa união.

A obra de Texeira & Souza ganha novos contornos com a introdução de uma figura de sabedoria e experiência: o pai do jovem, um velho pescador que viveu uma vida honrada. Este contraste entre o impulsivo amor juvenil e a pragmática prudência da velhice enriquece a narrativa, criando um diálogo pungente entre gerações. O pai, com sua vasta sabedoria de vida, tenta dissuadir o filho de um casamento que julga baseado em paixões efêmeras. Ele oferece argumentos robustos sobre a natureza ilusória do amor juvenil e as responsabilidades inevitáveis do matrimônio, que poderiam transformar o encanto inicial em amargura.

No entanto, a determinação do jovem em seguir seu coração realça a profundidade de sua paixão e determinação. Sua resistência às ponderações do pai não é apenas um ato de rebeldia, mas sim uma declaração de que seus sentimentos são genuínos e duradouros. Este embate emocional culmina quando o pai, apesar de todas as reservas, concede a permissão para o casamento, pedindo apenas que o filho se lembre dos conselhos paternos caso a realidade futura não corresponda às expectativas.

Texeira & Souza mescla com maestria os temas da paixão contra a razão, da juventude versus a experiência, criando uma narrativa que, apesar de seu pano de fundo antigo, ressoa com dilemas completamente contemporâneos. A luta entre seguir o coração ou a razão é atemporal e, através de personagens bem delineados e diálogos comoventes, o texto explora essas tensões de maneira profundamente humana e universal. Esta abordagem sensível e honesta faz deste capítulo uma peça cativante e reflexiva na literatura.

A reedição de "O Filho do Pescador" pela Sophia Editora é uma verdadeira celebração da literatura brasileira, trazendo à tona a genialidade de Texeira e Sousa com uma clareza nunca antes vista. Ao incluir 596 notas de rodapé elaboradas por Gustavo Rocha, esta edição se dedica a contextualizar o leitor moderno, oferecendo insights preciosos sobre os termos em latim, mitologia grega e os locais históricos do antigo Rio de Janeiro. Essa abordagem enriquece a compreensão da obra, proporcionando uma imersão mais profunda no universo do século XIX no Brasil.

A narrativa de "O Filho do Pescador" é simplesmente envolvente desde o seu início. A descrição da paisagem, que nos transporta para um cenário hipnotizante da baía de Niterói e da praia de Copacabana, toca as fibras mais sensíveis da imaginação. É neste ambiente quase místico que conhecemos Laura e Augusto, figuras centrais de uma trama marcada por percalços e mistérios. O romance fictício entre os dois, iniciado após o resgate de Laura por Augusto durante um naufrágio, é o fio condutor que nos guia por uma teia de intrigas emocionais, traições e revelações surpreendentes.

Laura é um personagem de muitas camadas, revelando-se uma mulher complexa cujo comportamento oscila entre a leviandade e a busca por sentimentos verdadeiros. Seu relacionamento conturbado com Augusto, agravado por suas paixões por outros homens como Florindo e Marcos, adiciona uma intensidade dramática à trama. A leitura dessas passagens é permeada por um suspense que instiga o leitor a seguir adiante, ansioso por descobrir as próximas reviravoltas.

Texeira e Sousa mostra um domínio impressionante ao contrapor a juventude e a experiência, exemplificado pelo relacionamento de Augusto com seu pai, o velho pescador. A sabedoria pragmática do pai frente ao amor impetuoso do filho tece um diálogo rico em nuance e profundidade, refletindo dilemas perpetuamente atuais. Essa discussão intergeracional não apenas enriquece a narrativa, mas também a torna intemporal, proporcionando reflexões que perduram muito além da leitura.

A luta entre seguir o coração ou ceder à razão é uma tensão universal que Texeira e Sousa aborda com grande sensibilidade. Seus personagens e diálogos são construídos de maneira a humanizar essas escolhas, tornando-as palpáveis e emocionalmente ressonantes para o leitor contemporâneo. A edição da Sophia Editora, ao contextualizar e explicar os elementos históricos e linguísticos da obra, torna essa leitura ainda mais acessível e relevante.

Em suma, "O Filho do Pescador" ganha uma nova vida através desta edição revista e ampliada, permitindo que um número maior de leitores descubra a riqueza e a sofisticação deste clássico da literatura brasileira. As notas de rodapé e as explicações adicionais transformam a experiência de leitura em uma jornada enriquecedora, iluminando aspectos que antes poderiam passar despercebidos. Com isso, a Sophia Editora e Gustavo Rocha realizam uma contribuição inestimável para a preservação e valorização do legado de Texeira e Sousa.

Resenha: Althusser e o materialismo aleatório, de Alysson Leandro Mascaro


O livro "Althusser e o materialismo aleatório" reúne as contribuições de dois destacados intérpretes do pensamento de Louis Althusser, Alysson Leandro Mascaro e Vittorio Morfino, em um profícuo diálogo sobre a última fase da obra deste influente filósofo marxista. A obra se estrutura em dois capítulos, nos quais os autores exploram diferentes aspectos da temática do encontro e da forma social, central para a compreensão do materialismo althusseriano dos anos 1980.

No primeiro capítulo, intitulado "Encontro e forma: política e direito", Alysson Leandro Mascaro aborda a relação entre encontro e forma, que perpassa a produção de Althusser e alcança seu ápice em textos da década de 1980, como "A corrente subterrânea do materialismo do encontro". O autor argumenta que essa temática, que já se fazia presente nos escritos althusserianos sobre ideologia e reprodução social nas décadas de 1960 e 1970, encontra no campo do direito um terreno fértil para ser explorada. 

Mascaro demonstra que a forma jurídica, derivada da forma mercadoria, revela-se fundamental para a compreensão da articulação entre determinação e acaso na constituição das relações sociais capitalistas. Ao analisar a transição entre os modos de produção, o autor evidencia como o encontro e o aleatório assumem papel decisivo, contrapondo-se a qualquer teleologia ou motor intrínseco da história. Nesse sentido, a forma política estatal e a forma de subjetividade jurídica, embora derivadas da forma mercadoria, guardam particularidades próprias e se relacionam apenas de modo secundário, rompendo com a tradição liberal ou juspositivista que concebe o Estado e o direito como mutuamente constitutivos.

Essa leitura de ascaro dialoga diretamente com os debates da derivação do Estado, cujo expoente mais importante é Joachim Hirsch, bem como com a tradição do marxismo jurídico, representada por Evguiéni Pachukanis. Ao situar a forma jurídica como chave para a compreensão da ideologia e da subjetividade no capitalismo, o autor estabelece um paralelo profícuo entre o horizonte althusseriano e as reflexões de Bernard Edelman e Nicole-Edith Thévenin sobre a materialidade da ideologia jurídica.

Desse modo, Mascaro argumenta que a relação entre encontro e forma pode ser mais bem pensada nos campos econômico e político a partir da perspectiva da forma de subjetividade jurídica. Como esta é derivada da forma mercadoria, que por sua vez determina também uma forma política estatal, a investigação sobre encontro e forma poderá revelar entrecruzamentos e concretudes históricas incontornáveis para a análise da sociabilidade capitalista.

No segundo capítulo, intitulado "Um ou dois materialismos aleatórios?", Vittorio Morfino realiza um minucioso exame da trajetória de sua própria interpretação sobre o "materialismo aleatório" de Althusser, desde a organização da coletânea "Sul materialismo aleatorio" até seus escritos mais recentes. O autor identifica a presença de duas tendências distintas nos textos althusserianos dos anos 1980: uma de inspiração lucreciana, proveniente dos anos 1960, e outra de caráter escatológico ou messiânico, que emerge na segunda metade dessa década.

Morfino demonstra como Althusser introduz, já nos anos 1960, conceitos como encontro, conjunção e ausência determinada, com o objetivo de superar os impasses da teoria da causalidade estrutural e da noção de gênese. Essa reelaboração teórica, articulada com referências a autores como Maquiavel, Espinosa e Darwin, teria prosseguido nos escritos da década seguinte, embora tensionada por uma tendência messiânica que enfatiza o primado do vazio e a transformação das margens em centro.

Ao analisar essa transição, Morfino estabelece um paralelo com a distinção proposta por Ingo Elbe entre o "velho" e o "novo" marxismo. Assim como Althusser representaria, para Elbe, a passagem do "marxismo ocidental" para o "novo marxismo", seus escritos dos anos 1980 evidenciariam uma reelaboração da teoria da causalidade estrutural, com a introdução de novos conceitos que buscam pensar a constituição das formas sociais a partir do encontro e do aleatório.

Nesse sentido, a hipótese interpretativa sugerida por Morfino, que propõe uma periodização mais precisa dos textos althusserianos dos anos 1980, identificando uma predominância da tendência lucreciana em 1982 e da tendência escatológica em 1985-1986, revela-se um interessante ponto de partida para futuras investigações sobre a última fase do pensamento de Althusser.

Ao final, a obra "Althusser e o materialismo aleatório" oferece uma leitura aprofundada e rigorosa sobre a última fase do pensamento de Althusser, destacando sua relevância para a compreensão do capitalismo e da política contemporânea. As análises de Mascaro e Morfino evidenciam a riqueza teórica desses escritos, bem como sua capacidade de iluminar questões centrais do marxismo e do direito.

Nesse sentido, a obra se insere em um movimento mais amplo de resgate e atualização do legado althusseriano, que vem ganhando força nas últimas décadas, com trabalhos como os de Ingo Elbe, Márcio Bilharinho Naves, Celso Naoto Kashiura Júnior e Stefano Pippa. Trata-se de um esforço coletivo de repensar o marxismo a partir das contribuições de Althusser, em diálogo com os desafios teóricos e políticos do presente.

Assim, "Althusser e o materialismo aleatório" se apresenta como uma importante referência para aqueles interessados em compreender as nuances do pensamento de Althusser, bem como sua relevância para a análise crítica da sociabilidade capitalista e das formas de subjetivação que lhe são inerentes. A articulação entre encontro, forma e direito, desenvolvida por Mascaro, e a identificação das tendências lucreciana e escatológica nos escritos dos anos 1980, proposta por Morfino, constituem aportes significativos para o aprofundamento dos estudos sobre a última fase da obra deste influente filósofo marxista.

Resenha: Castelo: a marcha para a ditadura, de Lira Neto

APRESENTAÇÃO

Primeiro presidente da ditadura instaurada em 1964, Humberto de Alencar Castello Branco é um personagem-chave da história do Brasil contemporâneo. Seu curto mandato ainda hoje enseja reavaliações e revisionismos. Exercendo com habilidade e discrição o poder quase absoluto, Castello lançou as bases do regime de força que atormentou o país durante duas décadas. Ora visto como monstruoso e implacável, ora como tolerante e sensato, o estrategista do golpe civil-militar continua a levantar polêmicas, mas, contraditoriamente, sua trajetória tem sido pouco estudada. Em sua primeira grande biografia, agora em nova edição, Lira Neto apresenta uma visão abrangente e equilibrada sobre o homem, o militar e o político, munido da mais completa documentação já reunida sobre Castello. O autor da aclamada trilogia Getúlio investiga em profundidade a vida e as lutas do general franzino que, sem disparar um tiro, derrotou inimigos e aliados na guerra sem quartel pelo poder máximo da República.

RESENHA

"Castelo: a marcha para a ditadura", de Lira Neto, é uma biografia detalhada do general Humberto de Alencar Castello Branco, primeiro presidente do regime militar que governou o Brasil a partir de 1964. A obra traça um retrato minucioso da trajetória de Castello Branco, desde sua infância no Nordeste até sua ascensão ao poder durante o golpe de 1964. O livro se destaca por sua riqueza documental e por revelar os bastidores da conspiração que levou à derrubada do governo democrático de João Goulart.

O primeiro capítulo da obra narra a infância e juventude de Castello Branco, destacando sua origem humilde e a influência de sua família marcada pela tradição militar. Nascido no Ceará em 1897, o jovem Castello enfrentou dificuldades desde cedo, sendo alvo de chacota devido à sua aparência física pouco atraente. No entanto, ele se destacou por sua dedicação aos estudos, especialmente após ingressar no Colégio Militar de Porto Alegre, onde desenvolveu uma personalidade reservada e disciplinada.

O livro descreve a ascensão de Castello Branco na carreira militar, sua participação na Escola Militar de Realengo e seu desempenho durante a Segunda Guerra Mundial, quando integrou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália. Nesse período, Castello Branco se consolidou como um oficial rigoroso e legalista, distanciando-se dos movimentos tenentistas que agitavam os quartéis nas décadas de 1920 e 1930.

O ponto alto da narrativa é a descrição detalhada da conspiração que levou ao golpe de 1964 e à ascensão de Castello Branco à presidência da República. O autor revela os bastidores dessa articulação, destacando o papel de Castello Branco como um dos principais articuladores do movimento, apesar de sua imagem pública de militar legalista. A obra também analisa a atuação de outros personagens-chave, como os generais Góis Monteiro e Ernesto Geisel, e a influência dos Estados Unidos nesse processo.

"Castelo: a marcha para a ditadura" se destaca como uma obra de fôlego que contribui significativamente para a compreensão do golpe de 1964 e do período da ditadura militar no Brasil. Através da minuciosa investigação de Lira Neto, o leitor tem acesso a uma narrativa densa e reveladora sobre os bastidores da conspiração que levou Castello Branco ao poder. A obra se torna, assim, leitura obrigatória para aqueles que buscam entender as origens e a consolidação do regime autoritário instaurado no país a partir de 1964.

Em suma, "Castelo: a marcha para a ditadura" é uma obra fundamental para o estudo da história política brasileira do século XX. Ao traçar a trajetória de Humberto de Alencar Castello Branco, Lira Neto desvenda os meandros da conspiração que desembocou no golpe de 1964 e na instauração da ditadura militar no Brasil. A riqueza documental e a abordagem minuciosa do autor conferem à obra um caráter incontornável para aqueles interessados em compreender esse período sombrio da história nacional.

Resenha: Vence-demanda: Educação e Descolonização, De Luiz Rufino

APRESENTAÇÃO

A educação como ferramenta de insubordinação contra o assombro colonial, como instrumento de transgressão das hierarquias do poder. Este pode ser um breve resumo do que Luiz Rufino apresenta nesta coletânea de artigos sobre educação e descolonização. Pensada não para gerar conformidade, mas divergência, a educação é a força que possibilita o processo de descolonização. A partir dessas premissas Rufino levanta discussões relevantes e atuais sobre o processo educacional, além de apontar caminhos.

Nos sete artigos que compõe a obra, o autor traz para o centro do debate a descolonização como tarefa da educação, fala da importância da “desaprendizagem”, da educação como prática da liberdade, realiza o encontro entre Exu e Paulo Freire, fala da gira descolonial como uma contínua batalha do colonizado na tentativa de deslocar a ordem vigente, da escola do sonho, aquela que deve ser habitada pelo conflito, pelo questionamento e finaliza lembrando que brincadeira é coisa séria.

RESENHA

O livro "Vence-demanda: Educação e Descolonização" de Luiz Rufino se configura como uma importante contribuição para os debates acerca da relação entre educação e descolonização no contexto brasileiro. Rufino, professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), constrói nesta obra uma elaborada reflexão sobre o papel da educação como ferramenta de enfrentamento do legado colonial.

A obra se estrutura em sete capítulos que articulam diferentes perspectivas teóricas e experiências práticas na construção de uma visão da educação como "radical da vida" e "prática de liberdade". Ao longo do texto, Rufino dialoga com autores como Frantz Fanon, Paulo Freire, bell hooks e Ailton Krenak, estabelecendo um diálogo profícuo entre distintas matrizes de pensamento.

O primeiro capítulo, "Qual é a tarefa da educação?", apresenta uma crítica contundente à concepção hegemônica de educação, entendida como mera preparação para o mundo ou acesso a uma agenda curricular vigente. Rufino argumenta que a educação não pode se limitar à conformidade e a devaneios universalistas, devendo, ao contrário, ser compreendida como um "radical vivo" que possibilita o enfrentamento dos ditames da agenda colonial.

Nesse sentido, a principal tarefa da educação é a descolonização, entendida como um processo de luta e libertação da dominação de modos de existir, conceber e praticar o mundo. Trata-se de uma ação tática que desautoriza o ser e o saber que se quer único, confrontando as dimensões de poder do projeto colonial.

O capítulo "Desaprender do cânone" aprofunda essa discussão, ressaltando a necessidade de uma "desaprendizagem" que problematize e interrogue o que se coloca como o único saber possível ou como saber maior em relação a outros modos. Essa desaprendizagem é compreendida como um ato político e poético diante daquilo que se veste como única verdade, confrontando o cânone e a política de esquecimento promovida pelo colonialismo.

O terceiro capítulo, "Descolonizar é um ato educativo", articula a noção de descolonização com a dimensão da cura, compreendendo-a como um enfrentamento da guerra colonial que não se limita ao campo bélico, mas se estende às esferas cognitiva, espiritual e existencial. Nesse sentido, a educação emerge como um "radical educativo" que possibilita a recuperação de sonhos, a ampliação de subjetividades e a reativação de memórias e saberes subalternizados.

Essa perspectiva é aprofundada no capítulo "Exu e Paulo Freire", no qual Rufino estabelece um diálogo entre a cosmogonia de Exu e o pensamento de Paulo Freire, compreendendo a educação como um campo de batalha em que se disputa a descolonização. Nesse jogo, Exu é entendido como um princípio explicativo de mundo que confronta a lógica colonial, enquanto Freire é lido como um "caboclo" que, em sua práxis educativa, mobiliza energias transgressoras.

Os últimos três capítulos do livro se dedicam à reflexão sobre o papel da escola nesse processo de descolonização. Em "A escola dos sonhos", Rufino argumenta que a escola, apesar de suas limitações, deve ser compreendida como um tempo e espaço de disputa por experimentações e pela defesa de um mundo plural.

Nessa perspectiva, a "escola palmeira" é apresentada como uma metáfora para uma educação que valoriza a diversidade de saberes, a capacidade de fazer perguntas e a liberdade do corpo em sua experimentação do mundo. Trata-se de uma escola "mais que humana", que reconhece a agência de outros seres e práticas de conhecimento não hegemônicas.

O capítulo "Guerrilha brincante" aprofunda essa discussão, ressaltando a importância da brincadeira e do jogo como dimensões fundamentais de uma educação descolonizadora. Rufino argumenta que a brincadeira, entendida como "libertação da regulação" imposta pelo modelo colonial, constitui uma estratégia de remontagem das esferas de memória, cognição, cultura e comunidade.

Por fim, o livro se encerra com o capítulo "A gira descolonial", no qual Rufino retoma a noção de "gira" como uma metáfora para a descolonização entendida como uma "batalha e cura" que convoca as presenças subalternas a partir de seus saberes e tecnologias ancestrais. Nesse sentido, a descolonização não se resume a um giro epistemológico, mas demanda uma "gira" que mobilize múltiplas dimensões da existência.

Em síntese, "Vence-demanda: Educação e Descolonização" se configura como uma obra fundamental para se pensar a educação como um campo de disputa política e poética, em que se reivindicam outras formas de ser, saber e estar no mundo. Ao articular distintas matrizes teóricas e experiências práticas, Rufino apresenta uma proposta de educação como "radical da vida" e "prática de liberdade", capaz de confrontar o legado colonial e construir caminhos de descolonização.

Resenha:Flores de Alvenaria, de Sérgio Vaz



APRESENTAÇÃO

Como poeta e morador da periferia, Sérgio Vaz sabe, como ninguém, transmitir a alma das ruas. Em  Flores de alvenaria  o autor nos lança nas calçadas do subúrbio e descortina um universo muitas vezes invisível por meio de textos, ora em verso, ora em prosa, sobre os mais variados temas: educação, negritude, liberdade, sexo, empatia.

Com apresentação do cantor e compositorChico César , a obra traz diálogos, relembra a situação da periferia em outras épocas e conta com poemas que costumam ser declamados na Cooperifa , evento criado pelo poeta que transformou um bar de Taboão da Serra em um evento cultural.

RESENHA

A obra "Flores de Alvenaria" do poeta Sérgio Vaz é uma importante contribuição para a literatura brasileira contemporânea, principalmente no que diz respeito à poesia produzida nas periferias urbanas. Vaz, que é um dos principais expoentes do movimento cultural da Periferia de São Paulo, apresenta neste livro uma coletânea de poemas, crônicas e textos que revelam a riqueza e a diversidade da produção literária emergente das comunidades marginalizadas. 

Ao longo desta resenha, buscaremos analisar os principais aspectos formais e temáticos da obra, bem como sua relevância no contexto sociocultural em que está inserida. Para tanto, dividiremos a discussão em três eixos principais: 1) A construção poética e a linguagem utilizada por Vaz; 2) As temáticas abordadas e sua relação com a realidade da periferia; 3) O papel da obra como manifestação cultural e política de resistência.

Um dos aspectos mais notáveis da obra de Sérgio Vaz é sua construção poética singular, marcada por uma linguagem que rompe com os padrões convencionais da poesia canônica. Ao longo de "Flores de Alvenaria", o autor emprega uma dicção coloquial, permeada por gírias, expressões populares e ritmos próprios da oralidade. Essa opção estética não se dá de forma aleatória, mas reflete uma clara intencionalidade do poeta em dar voz a uma perspectiva marginal, que se distancia das normas cultas da língua.

Nesse sentido, a obra de Vaz pode ser compreendida como uma espécie de "deglutição" dos cânones literários, em que a tradição é reelaborada a partir de uma ótica periférica. Tal estratégia se revela, por exemplo, na maneira como o autor reinterpreta clássicos da literatura brasileira, como os poemas de Castro Alves e as canções de Cartola, ressignificando-os em chave contemporânea e popular.

Além disso, a construção formal dos poemas também se destaca pela experimentação com diferentes gêneros e estruturas, transitando entre versos livres, prosa poética, letras de música e até mesmo a dramaticidade de diálogos. Essa heterogeneidade formal reflete a própria diversidade da expressão artística da periferia, que não se limita a modelos pré-estabelecidos.

Outro aspecto central da obra de Sérgio Vaz diz respeito às temáticas abordadas, que se encontram profundamente enraizadas na realidade da periferia urbana. Temas como a violência, a desigualdade social, o racismo, a precariedade das condições de vida e a luta pela sobrevivência permeiam grande parte dos textos, revelando um olhar atento e engajado do poeta em relação aos problemas que afetam diretamente as comunidades marginalizadas.

Nesse sentido, a obra de Vaz pode ser compreendida como uma espécie de "crônica poética" da vida nas periferias, em que a linguagem artística se torna um meio de denúncia e de reivindicação de direitos. Ao retratar o cotidiano de privações, lutas e resistências, o autor confere visibilidade a uma realidade muitas vezes invisibilizada ou distorcida nos discursos hegemônicos.

Além disso, a obra também se destaca pela representação de experiências e subjetividades que desafiam os estereótipos comumente associados à periferia. Personagens como o "poeta das ruas", a "Maria fodida" e o "vira-lata" são construídos com profundidade psicológica, revelando a complexidade das vivências individuais e coletivas nesse contexto.

Ao analisarmos a obra de Sérgio Vaz sob uma perspectiva mais ampla, é possível compreendê-la também como uma importante manifestação cultural e política de resistência. Inserida no contexto do movimento cultural da Periferia de São Paulo, "Flores de Alvenaria" se configura como uma expressão artística que busca afirmar a voz e a agência das comunidades marginalizadas.

Nesse sentido, a própria trajetória de Vaz como poeta e agitador cultural, fundador da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), é emblemática. Sua atuação na organização de saraus, eventos literários e ações comunitárias demonstra um claro engajamento em prol da democratização do acesso à cultura e da valorização das manifestações artísticas periféricas.

Além disso, a obra em si se apresenta como uma forma de resistência simbólica, na medida em que subverte os cânones literários e dá visibilidade a narrativas e perspectivas historicamente silenciadas. Ao reclamar o direito de dizer a sua própria história, Vaz e outros autores periféricos contribuem para a construção de uma nova hegemonia cultural, pautada na diversidade e no protagonismo das vozes marginais.

Em síntese, a obra "Flores de Alvenaria" de Sérgio Vaz se destaca pela sua relevância no contexto da literatura brasileira contemporânea, especialmente no que diz respeito à poesia produzida nas periferias urbanas. Através de uma linguagem singular, marcada pela oralidade e pela experimentação formal, o autor aborda temáticas intimamente ligadas à realidade das comunidades marginalizadas, conferindo visibilidade a experiências e subjetividades historicamente invisibilizadas.

Além disso, a obra de Vaz pode ser compreendida como uma manifestação cultural e política de resistência, na medida em que se insere em um movimento mais amplo de afirmação da voz e da agência das periferias. Nesse sentido, a trajetória do poeta e sua atuação como organizador de eventos literários e ações comunitárias também se revelam como importantes elementos de análise.

Portanto, a leitura e a análise de "Flores de Alvenaria" nos permitem não apenas apreciar a riqueza estética da produção literária periférica, mas também compreender sua relevância enquanto ferramenta de transformação social e cultural. Trata-se, assim, de uma obra fundamental para o entendimento da complexidade e da diversidade da literatura brasileira contemporânea.

Resenha: Forte como a Morte de Otto Leopoldo Winck


A obra "Forte como a Morte" de Otto Leopoldo Winck é uma narrativa complexa e multifacetada que entrelaça três histórias distintas em uma trama. O romance se destaca pela riqueza de suas referências teológicas, filosóficas e literárias, tecendo uma intrincada rede de significados que convida o leitor a uma jornada de reflexão e interpretação. O livro é estruturado de forma não linear, com as três narrativas principais - a de Rosália menina, a de Rosália mãe e a do reencontro do narrador com a personagem Betina - intercaladas em doze partes. Essa estrutura fragmentada, à primeira vista, pode parecer desafiadora, mas revela-se uma escolha narrativa deliberada, que evoca a imagem de uma rosácea, com seus padrões complexos e significados multifacetados.

A narrativa principal acompanha a jovem Rosália Klossosky, uma adolescente que apresenta estigmas semelhantes aos de Cristo, em uma pequena comunidade rural no sul do Brasil. Essa história é permeada por referências à teologia da libertação, à mística cristã e a questões sociais e políticas, como a luta pela reforma agrária. Paralelamente, a narrativa do narrador-padre, que reencontra uma antiga conhecida, Betina, no último Natal, traz à tona reflexões sobre a crise de fé, o papel do sacerdócio e a solidão do indivíduo.

Um dos aspectos mais notáveis da obra é sua abordagem teológica. Winck demonstra profundo conhecimento da tradição cristã, explorando conceitos como a kênosis (esvaziamento divino), a Shekinah (presença divina no mundo) e a relação entre fé, razão e mistério. A narrativa evoca a teologia da libertação, com sua ênfase na opção preferencial pelos pobres e na luta por justiça social, bem como a mística cristã, com suas noções de sofrimento, sacrifício e transcendência.

Além disso, o romance dialoga com a filosofia, especialmente com as ideias de Wittgenstein e Kierkegaard, que questionam a capacidade da linguagem e da razão de apreender plenamente a realidade. Essa abordagem filosófica contribui para a construção de uma narrativa que se recusa a fornecer respostas definitivas, deixando espaço para a ambiguidade e o mistério.

"Forte como a Morte" é uma obra de grande riqueza e complexidade, que desafia o leitor a mergulhar em uma trama intrincada de referências teológicas, filosóficas e literárias. Winck habilmente tece uma narrativa que questiona noções de fé, razão e mistério, convidando o leitor a uma jornada de reflexão e interpretação. Trata-se de um romance que se destaca pela sua abordagem erudita e pela sua capacidade de suscitar profundas indagações sobre a condição humana.

Resenha: Umbandas: uma história do Brasil, de Luiz Antonio Simas

 APRESENTAÇÃO

O historiador Luiz Antonio Simas frequenta terreiros de umbanda desde a mais tenra idade. Balizado pela história do Brasil e amparado pela própria trajetória, Simas elabora aqui um estudo inédito, original, que se propõe a contar a história do país à luz das umbandas — de tão brasileira que é, a umbanda se torna plural. Por isso, já no título deste livro a palavra não vem no singular. A diversidade do país, segundo o autor, se manifesta nas várias umbandas existentes, que se multiplicaram em histórias como a de sua avó, alagoana criada em Pernambuco e que se mudou para o Rio de Janeiro carregando consigo suas crenças e ritos.

RESENHA

O livro "Umbandas: uma história do Brasil", de Luiz Antonio Simas, propõe uma reflexão sobre as umbandas e sua profunda imbricação com a formação histórica e social do Brasil. Dividido em duas partes, a obra transita entre a "poética do encantamento" e a "política do encantamento", explorando as diversas manifestações religiosas afro-brasileiras, seus mitos, ritos e personagens, bem como os processos de cooptação, repressão e legitimação institucional dessas práticas.

Na primeira parte do livro, intitulada "Poéticas do Encantamento", Simas nos apresenta um panorama das raízes ancestrais das umbandas, remetendo-nos às santidades indígenas, aos calundus e danças de tunda, às pajelanças e catimbós, aos cultos aos orixás, caboclos e exus. Essa seção do livro destaca a riqueza e a diversidade das sabenças encantadas que se entrecruzam nas umbandas, enfatizando a noção de que esses cultos constituem um "ecossistema encantado", marcado pela interação entre o visível e o invisível, o humano e a natureza.

Ao explorar os mitos e ritos das santidades indígenas, dos calundus e das danças de tunda, Simas revela a complexidade e a dinamicidade dessas práticas religiosas, que se caracterizam pela fusão de elementos africanos, indígenas e cristãos. A figura do pajé, por exemplo, é apresentada como um xamã que atua como mediador entre o mundo material e os outros mundos espirituais, utilizando-se do poder terapêutico das plantas, do transe e da crença na existência de mundos paralelos.

Da mesma forma, o autor discorre sobre as bolsas de mandinga, os patuás e os ritos de fechamento dos corpos, evidenciando como essas tecnologias de cura e proteção incorporam saberes de diversas origens, numa constante reelaboração e adaptação às realidades locais. Nesse sentido, Simas destaca a noção de que os corpos são suportes de manifestações de encantamentos, sendo ritualmente preparados e transformados para abrigar as conexões entre o visível e o invisível.

Na segunda parte do livro, intitulada "Políticas do Encantamento", Simas aborda os processos de codificação e legitimação das umbandas, com foco no I Congresso Brasileiro de Espiritismo de Umbanda, realizado em 1941. Nesse contexto, o autor analisa as disputas em torno da definição da origem e da "pureza" da umbanda, contrastando as perspectivas de uma "umbanda branca", mais próxima do espiritismo kardecista e do cristianismo, com a de uma umbanda afro-brasileira, representada pela corrente do omolokô.

Ao explorar essa tensão, Simas revela como o projeto de construção da identidade nacional, marcado pela ideologia da mestiçagem, também se fez presente no campo das umbandas. Enquanto alguns buscavam afastar as práticas afro-brasileiras, em nome de uma suposta "pureza" e "civilidade", outros, como Tancredo da Silva Pinto e a corrente do omolokô, defendiam a valorização das raízes africanas e indígenas da umbanda, contestando os esforços de desafricanização do culto.

Essa seção do livro também aborda a relação entre as umbandas e a repressão e intolerância religiosa enfrentadas pelos cultos afro-brasileiros. Simas destaca como a legislação brasileira, ao mesmo tempo em que aparentemente garantia a liberdade religiosa, criava subterfúgios legais que permitiam a perseguição aos terreiros, enquadrando suas práticas como "curandeirismo" e "perturbação da ordem pública".

Nesse contexto, o autor discorre sobre o embate entre as umbandas e as igrejas neopentecostais, especialmente a Igreja Universal do Reino de Deus, que têm sistematicamente atuado na destruição de terreiros e na demonização das religiosidades afro-brasileiras. Essa disputa pelo "mercado da fé" revela as profundas raízes do racismo estrutural brasileiro, que se manifesta na desqualificação e na aniquilação dos saberes e práticas não brancos.

Ao longo do livro, Luiz Antonio Simas adota uma abordagem multidisciplinar, transitando entre a História, a Antropologia, a Sociologia e a Filosofia, de modo a compreender as umbandas em sua complexidade e dinamismo. Sua escrita poética e envolvente convida o leitor a mergulhar nesse universo encantado, revelando as sutilezas, contradições e belezas que permeiam as práticas religiosas afro-brasileiras e sua relação com a formação do Brasil.

Ao explorar tanto a "poética do encantamento" quanto a "política do encantamento", Simas nos apresenta uma obra que transcende os limites da mera descrição etnográfica ou histórica. Seu texto é uma convocação à compreensão das umbandas como manifestações vivas de uma "brasilidade forjada nas miudezas da nossa gente", que insistem na beleza espantosa presente em rituais de afirmação da vida, em contraposição à lógica colonial de aniquilação e morte.

Referências

SIMAS, Luiz Antonio. Umbandas: uma história do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.

Resenha: Senhor Cão, de Flávio Ilha

A obra "Senhor Cão" do autor Flávio Ilha é uma narrativa complexa e multifacetada que explora temas profundos da condição humana, como a solidão, a busca pela identidade, os conflitos familiares e as consequências das escolhas individuais. Publicado em 2024 pela editora Aboio, o romance se destaca pela sua estrutura fragmentada, pela riqueza de personagens e pela abordagem poética da linguagem.

O romance "Senhor Cão" é composto por nove capítulos, cada um deles com um título que evoca uma temática central da obra. A narrativa é construída de forma não linear, com saltos temporais e espaciais que desafiam o leitor a acompanhar o fluxo de consciência dos personagens. Essa estrutura fragmentada reflete a própria condição existencial dos protagonistas, que se encontram em constante busca por respostas e sentido para suas vidas.

Ao longo da obra, o leitor é apresentado a uma diversidade de personagens, cada um com sua própria história e perspectiva. Destaca-se a figura de Pedro Flávio Póvoa, o protagonista, cuja trajetória é marcada por uma série de escolhas e ações que o levam a um profundo isolamento e conflito interno. Outros personagens, como Dona Leda, Eulália e Quim, também ganham destaque, revelando as complexas dinâmicas familiares e as consequências das ações de Pedro.

A linguagem utilizada por Flávio Ilha em "Senhor Cão" é marcada por uma riqueza poética e metafórica. O autor faz uso de uma prosa lírica e introspectiva, que permite uma imersão profunda nos pensamentos e emoções dos personagens. Essa abordagem estilística contribui para a construção de um ambiente sombrio e introspectivo, refletindo o estado de espírito dos protagonistas.

As temáticas centrais da obra giram em torno da solidão, da busca pela identidade, dos conflitos familiares e das consequências das escolhas individuais. O romance explora a forma como a ausência de figuras paternas e a fragilidade dos laços familiares afetam profundamente a vida dos personagens. Além disso, a obra também aborda questões relacionadas à moralidade, à violência e à culpa.

Análise Crítica

"Senhor Cão" se destaca como uma obra literária de grande complexidade e profundidade. O autor, Flávio Ilha, consegue criar uma narrativa que desafia o leitor a refletir sobre temas universais da condição humana, sem, no entanto, oferecer respostas definitivas. A estrutura fragmentada e a linguagem poética contribuem para uma experiência de leitura imersiva e envolvente.

Um dos aspectos mais notáveis da obra é a forma como Ilha retrata a solidão e a busca pela identidade dos personagens. Pedro Flávio Póvoa, em particular, é um protagonista complexo e multifacetado, cuja trajetória é marcada por uma série de escolhas e ações que o levam a um profundo isolamento. Essa representação da solidão humana é uma das principais forças do romance, ressoando com o leitor de maneira profunda.

Outro aspecto relevante é a abordagem de Ilha em relação aos conflitos familiares. A dinâmica entre os personagens, marcada por ausências, traições e incompreensões, revela a fragilidade dos laços afetivos e as consequências devastadoras que esses conflitos podem ter. Essa representação da família como um espaço de tensão e desafios é uma forte crítica social presente na obra.

Em suma, "Senhor Cão" de Flávio Ilha é uma obra literária de grande riqueza e complexidade. Através de uma narrativa fragmentada e uma linguagem poética, o autor consegue explorar temas universais da condição humana, como a solidão, a busca pela identidade e os conflitos familiares. A obra desafia o leitor a refletir sobre suas próprias escolhas e a forma como elas podem impactar sua vida e a vida daqueles ao seu redor.

Ao final, "Senhor Cão" se destaca como uma contribuição importante para a literatura contemporânea, oferecendo uma perspectiva profunda e emocionante sobre a complexidade da existência humana.

Resenha: Literatura, pão e poesia, de Sérgio Vaz


 APRESENTAÇÃO

A voz das ruas é o guia da instigante literatura de Sérgio Vaz. Suas palavras não fazem concessões com aqueles que procuram nos colocar medo todos os dias, nem com os que promovem a promessa barata de que a felicidade está ao alcance de todos. Com a mente repleta de sonhos e pesadelos, o poeta dispõe à nossa frente todas as faces que capta da realidade cotidiana.

Nesse livro, Vaz joga sua rede no mundo das crônicas, e pesca o que há de esperança e desesperança na vida. Como observador das marés, de nossas tormentas e maremotos, ele mergulha fundo na alma dos invisíveis, dos desterrados, dos sem-nome, dos sem-lugar, dos sem aquilo que um dia foi prometido a todos, mas que acabou sendo apenas permitido a uma pequena parcela da humanidade: a plena cidadania.

RESENHA

Literatura, pão e poesia, do escritor Sérgio Vaz, é uma obra que transcende os limites da simples crônica literária, apresentando-se como um testemunho vivo da efervescência cultural e poética que emerge das periferias brasileiras. Neste livro, Vaz nos convida a adentrar um universo em que a palavra se torna arma de empoderamento e resistência, onde a poesia se ergue como farol iluminando os caminhos de uma comunidade historicamente marginalizada.

Desde o primeiro texto, intitulado "Novos dias", Vaz estabelece o tom combativo e engajado que permeia toda a obra. Nele, o autor interpela o leitor a não abrir mão dos sonhos e da poesia, mas a enfrentá-los com "punhos cerrados" - uma clara alusão à necessidade de uma postura ativa e combativa diante das adversidades. Essa premissa se desdobra ao longo do livro, revelando a literatura como um instrumento de transformação social.

Vaz nos apresenta sua definição da "nova literatura da periferia", destacando sua íntima relação com a grande tradição literária, ao mesmo tempo em que reivindica seu caráter insurgente e subversivo. Essa estratégia de diálogo com o cânone literário se repete em outros textos, como em "A poesia dos deuses inferiores", em que o autor constrói uma espécie de "catálogo" da literatura marginal, evidenciando sua legitimidade e relevância.

Um dos aspectos mais interessantes da obra é a maneira como Vaz articula a dimensão poética e a dimensão geográfica. Textos como "Como nasce um taboanense", "Taboão dos Palmares" e "Taboão, suor e lágrimas" demonstram que o território da periferia não é apenas cenário, mas personagem ativo na construção dessa literatura. Vaz nos apresenta um lugar vivo, pulsante, que se transforma em protagonista, gerando uma fala própria e uma identidade singular.

Essa imbricação entre poesia e espaço físico se estende para uma reflexão sobre a relação entre centro e periferia na cidade de São Paulo, como evidenciado no texto "Mil graus na terra da garoa". Aqui, o autor problematiza as políticas culturais e urbanísticas que tendem a marginalizar as expressões artísticas periféricas, convocando-as a "aranharem os céus da cidade".

Ao longo do livro, Vaz também se debruça sobre figuras emblemáticas da periferia, como o catador de papel Zagatti, o "palhaço da loja de sapatos", e a "fina flor da malandragem" - personagens que encarnam a resiliência e a dignidade de uma comunidade que se recusa a ser subjugada. Essas crônicas revelam uma perspectiva humanizada e empática, distante de julgamentos simplistas.

Destaca-se ainda o "Manifesto da Antropofagia Periférica", uma releitura periférica e atualizada do Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade. Nele, Vaz convoca os artistas a se colocarem a serviço da comunidade, rejeitando a "arte domingueira que defeca em nossa sala" e reivindicando uma produção artística engajada na transformação social.

Em Literatura, pão e poesia, Sérgio Vaz nos apresenta uma poética da periferia que vai muito além da denúncia ou do lamento. Sua escrita é marcada por um profundo compromisso com a dignidade e a emancipação de seu povo, revelando uma literatura que se faz arma de luta e instrumento de empoderamento. Ao entrelaçar a dimensão poética com a dimensão geográfica e social, Vaz nos convida a repensar os caminhos da arte e da cultura no Brasil, desafiando-nos a enxergar a periferia não apenas como objeto, mas como sujeito da história.


Referências


VAZ, Sérgio. Literatura, pão e poesia. São Paulo: Global, 2011.


BRUM, Eliane. Posfácio. In: VAZ, Sérgio. Literatura, pão e poesia. São Paulo: Global, 2011.

Resenha: O negro no mundo dos brancos, de Florestan Fernandes



APRESENTAÇÃO

A década de 1960 ficou assinalada pelo incremento dos estudos sobre o negro brasileiro. Durante muitos anos, analisada em um ou outro livro ou artigo esporádico, a participação do descendente de africano no Brasil começou a ser reavaliada (segundo alguns de maneira um tanto idealizada) por Gilberto Freyre, em Casa- grande & Senzala (1933). Nos anos seguintes, os estudiosos assumiram posições mais realistas, pondo de lado velhos chavões como a inexistência de preconceito racial no país. Buscaram-se enfoques inéditos de abordagem do problema, analisaram-se aspectos ainda não avaliados, sempre amparados em pesquisa de campo e levantamento minucioso de dados. O Negro no Mundo dos Brancos, do professor Florestan Fernandes, reflete essas tendências através de seus quatorze ensaios, centrados na preocupação com a supremacia da "raça branca" e o controle do poder que ela exerce em nossa sociedade, fazendo do Brasil um mundo social modelado pelo branco e para o branco. Estudando a situação do negro e do mulato na sociedade brasileira, vista a partir de São Paulo, Florestan Fernandes levanta os caminhos sinuosos assumidos pelo preconceito, os seus disfarces e o processo de segregação racial, sem agravar ou atenuar o problema. Sua visão é de que o equilíbrio racial na sociedade brasileira "procede do modo pelo qual os dois polos se articulam com um mínimo de fricção", padrão de equilíbrio que é a própria base da desigualdade racial. O livro aborda ainda outros assuntos mais heterogêneos e fortuitos, como o significado das pesquisas sobre relações raciais, a presença do negro "em nosso folclore e nos quadros da religião popular", todos eles se comunicando entre si, ajudando a desvendar a situação real do negro na sociedade brasileira, mas também afirmando as "preocupações morais e políticas" do autor.

RESENHA

A obra "O negro no mundo dos brancos", de autoria do renomado sociólogo brasileiro Florestan Fernandes, é uma importante contribuição para a compreensão das relações raciais no Brasil. Publicado originalmente em 1972, este livro reúne uma série de ensaios escritos entre 1965 e 1969, com alguns textos elaborados ainda na década de 1940.

O principal objetivo da obra é analisar a situação do negro e do mulato na sociedade brasileira, com ênfase especial na cidade de São Paulo. Essa escolha se justifica pelo fato de São Paulo ter se tornado o principal centro urbano-industrial do país, representando um lócus privilegiado para a observação das transformações sociais e das dinâmicas das relações raciais no contexto da emergência da ordem social competitiva.

Organizada em três partes, a obra aborda diferentes aspectos do "dilema racial brasileiro", desde as raízes históricas da desigualdade racial até as perspectivas futuras de democratização das relações entre brancos, negros e mulatos. Nesta resenha, serão destacados os principais argumentos e contribuições apresentados por Florestan Fernandes em cada uma das seções do livro.

Na primeira parte, intitulada "As barreiras da Cor", Fernandes analisa como a desagregação do regime escravista e a consequente transição para a ordem social competitiva não resultaram em uma efetiva democratização das relações raciais no Brasil. Ao contrário, o autor demonstra que a abolição da escravidão não foi acompanhada de medidas que garantissem a integração do negro e do mulato na nova estrutura social.

Nesse sentido, Fernandes argumenta que a Abolição significou, na prática, uma "última espoliação" do ex-escravo, que se viu desprovido de qualquer amparo ou assistência para enfrentar as exigências do trabalho livre e da economia de mercado. Assim, o negro e o mulato foram "expulsos para a periferia da ordem social competitiva", relegados a ocupações precárias e marginalizados dos principais canais de mobilidade social ascendente.

Essa dinâmica é evidenciada pela análise dos dados censitários, que revelam a persistência da concentração racial da renda, do prestígio social e do poder nas mãos da população branca. Fernandes demonstra, por exemplo, que, em 1950, apenas 2,5% dos empregadores em São Paulo eram negros ou mulatos, apesar de estes representarem 11,16% da população total do estado.

Além disso, o autor identifica a existência de um "preconceito de não ter preconceito" na sociedade brasileira, em que o reconhecimento formal da igualdade racial convive com a manutenção de práticas discriminatórias e de um sistema de relações assimétricas herdado do período escravista. Nesse contexto, a "democracia racial" se revela mais um mito do que uma realidade efetiva.

Na segunda parte, intitulada "O Impasse Racial no Brasil Moderno", Fernandes aprofunda a análise das dinâmicas que perpetuam a desigualdade racial no país, explorando as conexões entre a estrutura da ordem social competitiva e a persistência de padrões tradicionais de relações raciais.

O autor argumenta que a imigração europeia, ao se inserir privilegiadamente no mercado de trabalho urbano-industrial em expansão, contribuiu para a marginalização ainda maior do negro e do mulato, que se viram excluídos das melhores oportunidades econômicas e sociais. Essa situação, somada à falta de preparo desses grupos para as exigências do trabalho livre e da vida nas cidades, levou a uma profunda desorganização social e a uma "desmoralização coletiva" no "meio negro".

Fernandes também analisa os movimentos sociais organizados pela população negra e mulata, especialmente em São Paulo, durante as décadas de 1920 a 1940. Embora esses movimentos tenham representado uma importante tentativa de afirmação da identidade racial e de reivindicação por igualdade, o autor demonstra que eles acabaram sendo neutralizados pela indiferença e pela incompreensão da sociedade inclusiva, incapaz de absorver as demandas por democratização das relações raciais.

Nesse cenário, Fernandes identifica a persistência de um "padrão tradicionalista e assimétrico de relação racial", em que o preconceito e a discriminação continuam a operar, mesmo após a abolição formal da escravidão. Essa situação, por sua vez, acaba por perpetuar a concentração racial da renda, do prestígio social e do poder, comprometendo as possibilidades de uma efetiva democratização das estruturas sociais.

Na terceira e última parte, intitulada "Em Busca da Democracia Racial", Fernandes discute as perspectivas futuras para a superação do "dilema racial brasileiro". O autor reconhece a existência de potencialidades favoráveis à democratização das relações raciais no país, como a gradual inserção do negro e do mulato no sistema de classes e a expansão de uma "classe média de cor".

No entanto, Fernandes também identifica fatores que dificultam essa transição, como a persistência de estruturas sociais arcaicas na esfera das relações raciais e a dificuldade de mobilização coletiva da população negra e mulata, em um contexto marcado pela indiferença e omissão do segmento branco da sociedade.

Nesse sentido, o autor argumenta que a concretização de uma autêntica democracia racial no Brasil depende de uma "ruptura profunda com o passado", exigindo não apenas a transformação das estruturas sociais, mas também uma mudança radical na consciência social e nos valores predominantes na sociedade brasileira. Fernandes defende, assim, a necessidade de políticas públicas e de um engajamento efetivo da sociedade na superação das desigualdades raciais, sob pena de a "democracia racial" permanecer como um mito, sem se concretizar na prática.

A obra "O negro no mundo dos brancos" representa uma contribuição fundamental para a compreensão das relações raciais no Brasil. Ao analisar a situação do negro e do mulato no contexto da transição do regime escravista para a ordem social competitiva, Florestan Fernandes desvenda os mecanismos que perpetuam a desigualdade racial, mesmo após a abolição formal da escravidão.

Sua abordagem sociológica, amparada em uma vasta pesquisa empírica, permite revelar as contradições entre os ideais de igualdade e democracia racial e a realidade concreta de exclusão e marginalização vivenciada pela população negra e mulata. Nesse sentido, o livro se constitui como um importante marco na produção acadêmica sobre as relações raciais no Brasil, contribuindo para a desmistificação da noção de "democracia racial" e apontando caminhos para a sua efetiva construção.

Ao mesmo tempo, a obra de Fernandes suscita reflexões fundamentais sobre o papel da ciência social na compreensão e na transformação da realidade social. Ao desvelar os impasses e as contradições da situação racial brasileira, o autor demonstra a importância de uma postura engajada do cientista social, comprometido não apenas com a produção de conhecimento, mas também com a superação das desigualdades e a construção de uma sociedade mais justa e democrática.


Referências

FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972.

IANNI, Octavio. Raças e classes sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

MAIO, Marcos Chor. A história do projeto Unesco: estudos raciais e ciências sociais no Brasil. Tese de doutorado, IUPERJ, 1997.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Resenha: Pra tudo começar na quinta-feira, de Luiz Antonio Simas e Fábio Fabato



APRESENTAÇÃO

Este é um trabalho com um recorte temático e espacial: ele versa sobre os enredos das escolas de samba do Rio de Janeiro e os seus criadores. A primeira parte aborda a conexão que existe entre os enredos das agremiações e os respectivos contextos históricos em que foram apresentados. A segunda parte apresenta e analisa a biografia profissional e a contribuição dos maiores carnavalescos, criadores de enredos, para o crescimento e transformação das escolas de samba do Rio de Janeiro desde 1960, quando a influência desses personagens passa a ser decisiva (e polêmica) para os rumos da festa.

RESENHA

O livro "Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos", de Luiz Antonio Simas e Fábio Fabato, apresenta uma profunda e instigante análise sobre a evolução dos enredos das escolas de samba do Rio de Janeiro ao longo do tempo. Os autores se debruçam sobre essa importante manifestação cultural, explorando suas conexões com os contextos históricos, sociais e políticos em que se inserem.

O trabalho se divide em duas partes principais. Na primeira, os autores abordam a relação entre os enredos das agremiações e os respectivos períodos históricos em que foram apresentados, mostrando como as escolas de samba foram influenciadas em suas escolhas temáticas pela conjuntura de determinados momentos. Ao mesmo tempo, destacam que as escolas, dotadas de notável capacidade de assimilação e transformação, acabam por influenciar essa mesma conjuntura, não sendo meras vítimas passivas do contexto ou condicionadas acriticamente por ele, mas agentes ativas da história, interferindo dinamicamente no tempo e no espaço em que estão inseridas.

Na segunda parte, os autores apresentam e analisam a biografia profissional e a contribuição dos maiores carnavalescos, criadores de enredos, para o crescimento e a transformação das escolas de samba do Rio de Janeiro a partir da década de 1960, quando a influência desses personagens passa a ser decisiva (e polêmica) para os rumos da festa.

Ao longo da obra, Simas e Fabato adotam uma abordagem interdisciplinar, transitando entre a história, a sociologia, a antropologia e os estudos culturais, o que lhes permite uma compreensão ampla e multifacetada do objeto de estudo. Sua escrita é fluida e acessível, evitando o rigor acadêmico excessivo, o que torna a leitura agradável e envolvente.

Um dos aspectos mais relevantes do livro é a forma como os autores lidam com a questão da memória. Eles reconhecem que não há uma memória objetiva, uma vez que a reconstrução de uma experiência sempre pressupõe distintas interpretações e ressignificações do que foi vivido. Dessa maneira, o mundo do samba é apresentado como um espaço ricamente povoado de relatos épicos, mitos e personagens lendários, em que mito e história, realidade e fábula, se entrelaçam constantemente.

Outro ponto forte da obra é a atenção dedicada aos carnavalescos, figuras centrais no desenvolvimento das escolas de samba. Simas e Fabato traçam um panorama histórico da ascensão desses profissionais, destacando sua importância na reconfiguração estética e temática dos desfiles. Ao mesmo tempo, evidenciam as tensões e os conflitos entre esses artistas e o poder público, bem como a maneira como eles negociaram e se adaptaram às demandas impostas pelos patrocinadores e pela indústria do entretenimento.

No que se refere aos enredos, os autores identificam duas tendências principais ao longo do tempo: a dos temas que versam sobre efemérides oficiais e personagens históricos, e a dos enredos que abordam a mitologia e a cultura afro-brasileira. Eles demonstram como essas duas vertentes se relacionam com as conjunturas políticas e sociais de determinados períodos, refletindo tanto os interesses do Estado quanto as reivindicações e a resistência das comunidades marginalizadas.

Além disso, os autores dedicam atenção especial à emergência dos enredos patrocinados nas últimas décadas, explorando as implicações dessa nova realidade para a festa. Eles argumentam que essa tendência tem levado à padronização e à uniformização dos desfiles, com as escolas sendo encaradas como potenciais veículos de propaganda de massas e indução ao consumo.

Em suma, "Pra tudo começar na quinta-feira" se configura como uma obra fundamental para a compreensão do carnaval carioca e de sua importância como manifestação cultural e política. Ao articular de forma brilhante a relação entre os enredos e os contextos históricos, sociais e econômicos, os autores contribuem significativamente para o avanço dos estudos sobre essa celebração tão rica e complexa.

Resenha: História Medieval, de Marcelo Cândido da Silva



APRESENTAÇÃO

A Idade Média abrange um período de cerca de dez séculos, compreendido entre o final da Antiguidade e o início da época moderna. Diferentes formas de expansão, de poder e de sociedade foram forjadas durante esses mil anos. Enquanto os chamados bárbaros conquistavam territórios, o poder da Igreja crescia e o cristianismo se tornava uma ferramenta eficaz de integração (muitas vezes forçada). Outra característica marcante do período é a dominação senhorial: controle econômico, jurídico, político e militar dos camponeses por parte da aristocracia.Nesta obra introdutória, o professor da Universidade de São Paulo Marcelo Cândido da Silva se dedica a apresentar e discutir as principais características desse período, dando ênfase a seus contrastes: a fome, a peste e as guerras se alternando com tempos de paz e prosperidade; o universalismo do papado convivendo com os particularismos senhoriais e com as monarquias em vias de centralização. Com este livro, o leitor tem em mãos uma obra atualizada e palpitante sobre a História Medieval.

RESENHA

O livro "História Medieval" de Marcelo Cândido da Silva é uma obra abrangente e atualizada sobre o período medieval europeu, compreendido entre os séculos V e XV. O autor, professor titular da Universidade de São Paulo e pesquisador renomado na área, apresenta uma análise cuidadosa e equilibrada dos principais temas e debates historiográficos referentes à Idade Média.

Ao longo de seis capítulos, o livro percorre as transformações políticas, econômicas, sociais e culturais que marcaram essa longa e complexa etapa da história europeia. Longe de uma visão simplista ou determinista, a narrativa de Cândido da Silva demonstra a riqueza e a diversidade dos fenômenos medievais, buscando relativizar interpretações consagradas e incorporar os avanços da pesquisa histórica mais recente.

O primeiro capítulo aborda a transição da Antiguidade Tardia para o período medieval, enfocando o processo de integração dos povos bárbaros no Império Romano e a formação dos reinos bárbaros subsequentes. O autor problematiza a noção de "invasões bárbaras", mostrando como esses grupos, longe de serem meros conquistadores, adaptaram-se e assimilaram diversos elementos da cultura e das instituições romanas.

Cândido da Silva também discute a construção historiográfica da ideia de "germanidade" e de identidades étnicas, destacando como essas categorias foram forjadas principalmente a partir do século XIX, em meio aos nacionalismos europeus. Nesse sentido, a análise das "leis bárbaras" revela a complexidade das relações entre romanos e bárbaros, bem como a gradual consolidação de uma dominação aristocrática sobre o campesinato.

O segundo capítulo é dedicado à emergência e ao apogeu do Senhorio territorial, forma de organização socioeconômica que caracterizou grande parte da Europa Ocidental medieval. O autor examina a estrutura bipartida do Grande Domínio, com sua reserva senhorial e tenências camponesas, bem como a dinâmica de concentração fundiária e de hierarquização social que marcaram os séculos XI-XIII.

Cândido da Silva problematiza o conceito de "Feudalismo", preferindo utilizar o termo "dominação senhorial" para abarcar a complexidade das relações de poder e de exploração que se estabeleceram entre a aristocracia e o campesinato. Nesse contexto, são analisados os processos de espacialização do domínio senhorial, a ascensão da Cavalaria e as tensões entre senhores e comunidades urbanas.

O terceiro capítulo aborda o papel central desempenhado pela Igreja Católica na configuração das sociedades medievais. O autor demonstra como o cristianismo, por meio de suas normas, ritos e instituições, forjou diversos traços fundamentais da Cristandade Ocidental, desde a organização do espaço e do tempo até a legitimação do poder político.

Cândido da Silva também discute a afirmação da autoridade papal, os conflitos entre Papado e Império, bem como a emergência de movimentos considerados heréticos e a construção da "sociedade persecutória" a partir do século XII. Nesse contexto, a Inquisição é analisada como um instrumento de poder da monarquia pontifícia.

O quarto capítulo examina os séculos XIV e XV, período marcado por profundas transformações e crises, como a Grande Fome, a Peste Negra e a Guerra dos Cem Anos. Longe de uma visão catastrófica, o autor demonstra que tais fenômenos não implicaram necessariamente o colapso da economia e da sociedade medievais.

Cândido da Silva destaca a capacidade de resiliência das sociedades europeias, que responderam à depressão demográfica e à instabilidade política com inovações técnicas, comerciais e administrativas. Nesse sentido, a emergência dos Estados modernos e a expansão ultramarina são compreendidas como processos enraizados na dinâmica tardomedieval.

No último capítulo, o livro aborda a construção historiográfica da noção de "Idade Média", analisando os usos políticos, culturais e identitários desse conceito ao longo dos séculos XIX e XX. O autor examina como a imagem do período medieval foi moldada por diferentes correntes interpretativas, desde o Iluminismo até o Romantismo e a Nova História.

Cândido da Silva problematiza a rigidez das periodizações tradicionais, bem como a instrumentalização da Idade Média por parte de movimentos nacionalistas e regimes autoritários. Nesse sentido, a obra demonstra a atualidade e a relevância do debate sobre a Idade Média, que continua a suscitar interpretações diversas e, por vezes, conflitantes.

"História Medieval" de Marcelo Cândido da Silva se destaca pela abordagem abrangente e equilibrada do período, evitando simplificações e incorporando os avanços da pesquisa histórica mais recente. O autor transita com maestria por uma ampla gama de temas, articulando questões políticas, econômicas, sociais e culturais de forma coerente e didática.

A obra se apresenta como leitura obrigatória para estudantes, pesquisadores e interessados no período medieval, oferecendo uma visão atualizada e crítica sobre esse momento fundamental da história europeia. Ao mesmo tempo, o livro contribui para a desconstrução de mitos e estereótipos comumente associados à Idade Média, promovendo uma compreensão mais nuançada e complexa desse fascinante período.

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