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Resenha: Dentes de leite, Antonio Pokrywiecki



APRESENTAÇÃO

Em sua estreia na contística, Antonio Pokrywiecki percorre — com propósito e, quando quer, com maldade — a ambiguidade dos signos do medo e do trauma. A imprevisibilidade que assombra pode ser tão assustadora quanto os próprios monstros. E os monstros também não fogem. Mas podem ser provisórios.

RESENHA

Em "Dentes de leite", de Antônio Pokrywiecki somos apresentados a um conjunto de narrativas interligadas que se desenrolam em igual intensidade. Iniciando em 'o balneário', tendo como pano de fundo uma praia local que serve não apenas como cenário, mas como um símbolo profundo de introspecção e transformação nas relações interpessoais. A obra, rica em nuances emocionais, mergulha nas complexidades das conexões humanas, abordando temas como amor, solidão e a inevitável passagem do tempo. A narrativa inicia-se com um grupo de amigos, liderados por X, que se reúnem anualmente em uma praia que, embora marcada pela especulação imobiliária, carrega lembranças de um tempo em que a beleza do lugar era inquestionável. As reflexões de X sobre as mudanças nas relações à medida que envelhecem, culminam em momentos de melancolia e saudade, marcado pela lembrança do guarda 5, onde um homem rememora a morte de seu irmão, evocando a dualidade do luto e a continuidade da vida.

A história se desdobra em experiências de G e H na praia menos frequentada, Guarda 17, onde enfrentam um ambiente insalubre. Mesmo assim, a ousadia de nadar nessas águas questionáveis reflete uma busca silenciosa por intimidade, revelando como a busca por conexão pode superar as adversidades. Outro ponto alto da narrativa é a descrição de uma família que visita um balneário tranquilo, onde o pai, V, lida com a transição da filha Z para a adolescência. As preocupações que surgem com essa nova fase da vida de Z impõem a V uma reflexão sobre seu papel como pai e as novas dinâmicas familiares que se estabelecem, reafirmando como a percepção das relações muda com o tempo. Além dessas perspectivas, a obra também nos apresenta um momento tocante da infância, com uma criança que chora na beira da praia, e a luta de um homem que questiona suas aptidões como pai, mergulhando em uma onda de arrependimento e aversão ao compromisso que o cerca. Essas vozes, solitárias e interligadas, enriquecem a trama, trazendo à tona as inquietações que cada um carrega.

A obra prossegue com a inserção do conto ''o anjo exterminador'', que narra a vida de um marido ao lado de Suzanna,  em um mundo distópico. Eles moram em uma "Torre de Aço e Vidro" e transitam por um sistema de roldanas que traz para eles objetos e lixo. No entanto, o cenário é sombrio. Eles têm consciência da existência de "Cidadãos Miseráveis" que habitam as casas humildes, e a presença do "Anjo Exterminador" sugere uma sociedade rígida e opressora. Suzanna, sempre se preocupa com essas pessoas, e o marido tenta consolar sua preocupação, mesmo relutando em encarar a dureza da realidade. Além disso, a dupla enfrenta o mistério do desaparecimento de seu gato. Apesar das dificuldades e da inquietude que os cercam, o marido sente que a presença de Suzanna torna tudo mais leve e significativo.

O capítulo "Nico e Kira" oferece uma visão introspectiva sobre as dificuldades enfrentadas por um casal em meio a crises de emprego e os desafios do cotidiano. A narrativa começa com a demissão de Nico, um trabalhador que dedicou uma parte significativa de sua vida à fábrica de colchões, sendo substituído por máquinas mais modernas. A frustração e o desamparo que ele sente ao receber a notícia são palpáveis, especialmente no momento em que tenta esconder a demissão de sua esposa, Kira. Enquanto Nico se entrega à contemplação de sua nova realidade, Kira, em seu trabalho como manicure, também enfrenta suas próprias inseguranças e desafios. O contraste entre as profissões e suas respectivas demissões sugere que o mercado de trabalho é implacável e não discrimina. Kira tenta entender seu valor e lugar nesse novo cenário, refletindo sobre a hierarquia existente no salão de beleza onde trabalha e as dificuldades que vêm com a instabilidade de suas atividades.

A obra segue com outros contos de igual relevância, mostrando as habilidades de escrita imponentes apresentadas por Antônio Pokrywiecki, demonstrando uma habilidade ímpar em criar um espaço literário rico, onde a praia atua como um espelho da condição humana, evidenciando a complexidade das relações nos diferentes estágios da vida. Com uma prosa sensível e pensativa, o autor nos convida a refletir sobre o amor, a solidão, a passagem do tempo e o incessante desejo de conexão que define a experiência humana. Em sua totalidade, a obra é uma exploração profunda das nuances emocionais que permeiam a vida e as interações humanas, encerrando cada narrativa em uma leveza tocante e ao mesmo tempo dolorosa.

[RESENHA #987] Pesadelo tropical, de Marcos Vinícius Almeida

Em 1803, quatro mercenários são contratados pela Coroa Portuguesa para ir ao Mato Grosso em busca de uma aliança com os Guaicurus. Guiados por um gigante albino chamado Cigano, eles devem se unir aos indígenas cavaleiros para atacar a vila de párias construída pelo justiceiro Januário Garcia Leal, o Sete Orelhas, na Serra da Mantiqueira. O relato dessa peregrinação sangrenta é feito por um dos quatro mercenários, um escriba. No entanto, ela é apenas o começo de uma misteriosa trama que extrapola as páginas do próprio livro.

De um lado, uma perseguição sangrenta e sem misericórdia. De outro, a história de um homem escrevendo uma ficção baseada na caçada a Januário.

Faroeste barroco, Pesadelo Tropical não tem medo de explorar os limites do gênero. O primeiro romance de Marcos Vinícius Almeida incorpora elementos da fotografia, do ensaio, pastiche, citação e montagem numa forma híbrida e experimental.


RESENHA


O romance "Pesadelo Tropical", escrito por Marcos Vinícius Almeida, é uma obra que reflete a profundidade e a complexidade da literatura brasileira contemporânea. O autor, que também é jornalista e mestre em Literatura e Crítica Literária pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, traz consigo um vasto repertório de experiências e premiações literárias, destacando-se no III Prêmio UFES de Literatura em 2015, na categoria antologia, e no I Prêmio UFES de Literatura em 2010, na categoria contos.


Em "Pesadelo Tropical", Almeida mergulha em uma pesquisa profunda sobre o imaginário da violência no Sul de Minas Gerais nos séculos XVII e XIX. O livro, resultado de sua pesquisa no programa de pós-graduação em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP, revela a capacidade do autor em explorar temas complexos e relevantes para a história do país.


Percebemos que a obra marca a estreia de Almeida no gênero do romance, após publicar o volume de contos "Paisagem Interior" (Penalux, 2017). O enredo de "Pesadelo Tropical" se passa em 1803 e acompanha um grupo de quatro mercenários liderados por um gigante albino chamado Cigano, que viajam em direção ao Mato Grosso com o objetivo de estabelecer uma aliança com os indígenas guaiacurus, após terem sido contratados pela Coroa Portuguesa. A história narra a vingança de um homem após seu irmão ter sido esfolado vivo.


A imersão histórica e a intensidade narrativa presentes na obra de Marcos Vinícius Almeida envolvem o leitor em uma atmosfera densa e sinistra, proporcionando uma experiência literária marcante. Essas características do livro despertam grande expectativa e interesse nos leitores, que já podem adquirir o romance em pré-venda no site da Aboio. Além disso, estão previstos eventos de lançamento em São Paulo e Minas Gerais, possibilitando ao público conhecer melhor a narrativa intrigante de "Pesadelo Tropical".


Com fotografias, obras de arte e recortes de mapas, o autor cria um mosaico que dialoga com cavaleiros barrocos que perambulam por um Brasil imerso no tempo e amaldiçoado por Deus. Esses elementos visuais complementam a narrativa, criando uma atmosfera ainda mais envolvente e única.


A obra é apresentada do ponto de vista de um dos quatro mercenários, que tem o papel de escriba do grupo. Essa escolha narrativa contribui para o mistério que envolve a trama, pois revela apenas o começo dessa história complexa e intrigante. O autor deixa pistas sutis ao longo do romance e convida o leitor a desvendar os segredos que se escondem além das páginas.


Além disso, "Pesadelo Tropical" traz personagens históricos importantes, como o infame Sete Orelhas, considerado um dos facínoras mais terríveis do interior brasileiro na época. A figura de Sete Orelhas, juntamente com as disputas de terras e a violência característica do período, adiciona camadas de tensão e drama à trama, tornando-a ainda mais impactante.


A escrita de Marcos Vinícius Almeida é rica em detalhes e carregada de simbolismo. Ele cria um cenário vívido e imersivo que transporta o leitor para uma época marcada pela opressão e pela luta pela sobrevivência. "Pesadelo Tropical" é uma obra que instiga, surpreende e provoca reflexões sobre as dinâmicas sociais e históricas do país.


Em suma, "Pesadelo Tropical" é uma obra literária que merece destaque. Com sua narrativa envolvente e complexa, o autor Marcos Vinícius Almeida presenteia os leitores com uma história única e impactante. Para aqueles que se interessam por tramas históricas e misteriosas, esta obra certamente se tornará uma leitura indispensável.


O autor

Marcos Vinícius Almeida é escritor, jornalista e mestre em Literatura e Crítica Literária (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Possui trabalhos publicados em revistas e jornais, como Ilustríssima, Suplemento Literário de Minas Gerais, Revista Cult. Foi um dos laureados no III Prêmio UFES de Literatura, em 2015, na categoria antologia e no I Prêmio UFES de Literatura, em 2010, na categoria contos. É autor do volume de contos Paisagem interior (Penalux, 2017). Pesadelo Tropical é seu primeiro romance.

[RESENHA #986] Sem os dentes da frente, André Balbo


SINOPSE

O desaparecimento dos objetos do apartamento de uma mulher, uma chuva misteriosa sobre um cemitério à beira da privatização, uma descoberta tardia em um orfanato de meninas, a luta pela sobrevivência de uma nova espécie, uma partida de dominó em Araraquara, o segredo de um casal de búfalos, os dias de um dragão na praça de uma pequena cidade, o testemunho de um anão de jardim, as relações entre divórcio, dentes e autoritarismo.

Esse apanhado serve como um desenho do caminho trilhado pelo novo livro de contos de André Balbo. Como escreve Cristhiano Aguiar na orelha, Sem os dentes da frente segue uma tradição insólita latino-americana, ficando, no campo das referências, entre um Julio Cortázar e uma Mariana Enriquez.

RESENHA

"Sem os dentes da frente" é um livro de contos escrito pelo autor paulista André Balbo. Esta obra é, sem dúvida, uma experiência literária diferente. Balbo é o tipo de autor que evoca acontecimentos simples de forma fantástica em um enredo extremamente desenvolvido em suas minúcias. Os contos elaborados pelo autor se mostram intensos e distintos de escritas do mesmo segmento. Analisar todos os contos sob uma ótica crítica requer que entendamos que cada conto possui um universo particular único e transformador. Balbo é conhecedor da alta literatura, da escrita cativante e dos enredos repletos de mistérios, com histórias construídas de forma envolvente e trabalhadas fora da noção do óbvio. Nota-se um empenho e um conhecimento extenso em literatura e produção literária.

O livro é marcado pelo encontro de personagens e momentos distintos que não possuem uma conexão direta, exceto, claro, por sua excentricidade. Com apenas 77 páginas, narra uma série de acontecimentos marcantes. Por exemplo, "Em casa vazia" narra a vida de uma mulher que perde constantemente objetos de sua casa e acaba dormindo no chão do lado de fora de seu apartamento. Outro exemplo é "Os desaparecidos", que narra o surgimento de uma nova espécie que reina entre os humanos e a transição entre aqueles que foram acometidos pouco a pouco da metamorfose. Esses enredos transformam-se em uma experiência de leitura única, não apenas pela satisfação da descrição meticulosamente escrita, mas também pela sua originalidade e proficiência para tal.

O conto homônimo ao título da obra fala sobre uma briga escolar entre dois garotos: Igor e Otávio. A obra narra as provocações feitas pelo valentão da escola, Leonardo, que sempre que pode, provoca Otávio, um garoto nerd, gordo e que acabara de passar pelo sofrimento do tratamento de um câncer. Após algumas provocações, Igor mostra-se, em primeira instância, um garoto que surge para defender Otávio de Leonardo. No entanto, sua moral é ferida ao ser confrontado por um comentário de Leonardo: "Você tem dois palitinhos de altura. E ai, gordão, você precisa desse anãozinho?" Otávio então sente-se instigado a enfrentar Leonardo, porém o mesmo se afasta e a briga se desenvolve entre Otávio e Igor. "Sem os dentes da frente" é como Igor fica ao ser socado no rosto várias vezes por Otávio.

A obra "Sem os dentes da frente" é uma leitura envolvente e cativante, que transporta o leitor para um universo particular de contos intensos e distintos. A escrita precisa de Balbo e sua habilidade em contar histórias de forma original e fora do comum é evidente em cada página. É uma obra que merece destaque na literatura contemporânea.

Compre o livro no site da editora Aboio:

O AUTOR

André Balbo nasceu em São Paulo em 1991. É tradutor e editor-fundador da Lavoura. Cursou Direito na USP, passou pela Folha de S.Paulo e foi professor autônomo de redação e literatura por 6 anos. Cursa Letras na UPM e, além do mercado literário, trabalha em uma editora de educação. Sua primeira tradução, o romance Agostino, de Alberto Moravia, será publicada pela Editora Aboio.

[RESENHA #985] Forte como a morte, de Otto Leopoldo Winck

Foto: Colagem digital 

Uma criança alçada a santa, um padre em crise com a própria fé e uma investigação sobre a doutrina de kenosis. Um tríptico narrado a várias vozes, o novo romance de Otto Leopoldo Winck pincela uma história a partir da manhã na qual Rosália Klossosky acorda com misteriosas manchas vermelhas em ambas as mãos.

Costurando passado e presente com ecos do futuro, o autor cria uma trama que continua atual apesar de ter sido escrita há quase duas décadas. A luta por terra e moradia, os conflitos religiosos e os dramas particulares dos personagens ainda têm a mesma relevância que tinham no começo do milênio. O Brasil de ontem não é tão diferente do Brasil de hoje, afinal.


RESENHA


Na zona rural do Paraná, vivia uma família simples de origem polonesa. A filha única, que havia acabado de entrar na puberdade, acorda subitamente com os estigmas da Paixão de Cristo. Rosália, assim chamada, é levada ao centro de uma acalorada polêmica: algumas pessoas acreditam que ela é uma santa, um instrumento nas mãos de Deus; enquanto outros a veem como uma fraude ou mera superstição.


Quando certa manhã Rosália Klossosky se levantou, depois de sonhos inquietos - que sonhos, meu Deus! -, percebeu que havia uma mancha levemente rosada na palma de cada mão.


Uma hora a mãe entrou com uma terrina de sopa de beterraba, e depois de depositar o vasilhame fumegante fumegante sobre a cômoda, puxou as cobertas para acordar a filha. Foi então que viu: Rosália sangrava, nas mãos e nos pés. O lençol, a camisola, o acolchoado de penas de ganso, tudo, tudo estava empapado; até no piso de pinho sem lustro se formava uma pequena poça vermelha (p.28)


Após o ocorrido, dona Florentina, mãe de Rosália, chamara o doutor José Idelfonso Gûnther para analisar a filha. O médico cético receitou uma dieta em beterraba, cenoura e repolho, seguido de muito repouso e compressas de água nas partes. O médico era cético, mas aconselhou aos pais da garota - Florentina e Boleslau - a buscar auxílio do padre da paroquia local, padre Estanislau. 


Eu não sou católico, vocês sabem, não acredito nessas coisas. Mas, penso que seria conveniente chamar o padre para dar uma olhada (p.34).


O padre, após relutar freneticamente, decide ir até Rosália. O padre então analisou as feridas e com quem traçava uma absoluta certeza, comparou as feridas no tórax de Rosália com as causadas por uma lança ao corpo de Jesus por um soldado romano. O soldado feriu-lhe um lado com a lança / eles olharão para aqueles que o transpassaram. (p.46)


Um longo período de tempo se passa e acontecem muitas transformações nas vidas das personagens. Rosália, agora uma mulher casada e mãe de três filhos, deixou para trás os estigmas que desapareceram. Ela se encontra em um acampamento de trabalhadores rurais sem-terra em uma fazenda ocupada, onde há uma tensão no ar devido a uma liminar de reintegração de posse impetrada por um juiz. A polícia pode aparecer a qualquer momento para cumprir o mandado. Durante a confusão causada pela ação policial, ocorre uma tragédia, testemunhada por Rosália e um padre que estava assessorando o acampamento.


A história é uma descrição da desilusão da vida do padre, que o narra freneticamente. A obra então contempla três períodos distintos na narrativa: Os estigmas de Rosália, a vida de Rosália anos após o ocorrido, e claro, a vida do padre Estanislau. A forma abordada pelo autor para trabalhar as linhas temporais e as narrativas é algo singular e explicitamente enriquecedor. Forte como a morte é, como seu nome propriamente anuncia, forte e imponente.



A narrativa da obra, elaborada em terceira pessoa, ecoa entre as vozes de diversos personagens que descrevem os acontecimentos que se desenvolvem sob forte tensão e suspense. A narrativa desenvolvida por Otto trabalha as nuances de diversos personagens ao passo que narra a vida, o crescimento e os demais acontecimentos que se entrelaçam com a vida de Rosália. A obra que possui um cunho filosófico e teológico forte, traz a tona a história das observações e vivências de um Padre que observa todo o desenvolvimento da vida de Rosália, logo, ela torna-se apenas uma peça para o desenvolvimento das especulações acerca do ocorrido e de sua vida adulta sem os estigmas, que, como parece, desaparecem por completo com a mesma proporção e rapidez com a qual surgiram a primeira vez.


O AUTOR

Doutor e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Otto Leopoldo Winck nasceu no Rio de Janeiro, capital. Depois de uma passagem por Porto Alegre, radicou-se em Curitiba. Em 2005 foi vencedor do prêmio da Academia de Letras da Bahia, com o romance Jaboc, publicado no ano seguinte pela editora Garamond. Em 2017 lançou pela Editora Appris o ensaio Minha pátria é minha língua: identidade e sistema literário na Galiza, resultado de sua pesquisa de doutorado, e no ano seguinte publicou um volume de versos, Cosmogonias, pela Kotter Editorial. Seu último romance, Que fim levaram todas as flores, saiu em 2019, numa parceria da Kotter com a Patuá. Leciona atualmente na PUCPR e no programa de pós-graduação stricto sensu da Uniandrade.

[RESENHA #979] Mogens, de Jens Peter Jacobsen

No final do século XIX, a Dinamarca viveu um período de intensa efervescência intelectual e literária, sendo que essa época foi marcada por influências significativas. Enquanto George Brandes proferia discursos sobre as principais correntes da literatura do século XIX, Henrik Ibsen questionava de maneira profunda e incisiva a teoria evolucionária e o darwinismo que encontravam eco na Inglaterra, do outro lado do Mar do Norte. Nesse cenário de conflitos e controvérsias entre o velho e o novo, teorias eram defendidas e atacadas com extrema violência. Entretanto, nesse contexto, Jens Peter Jacobsen se destacou como um artista singular, preocupado unicamente em ser um criador de beleza e um buscador da verdade.


As suas obras, repletas de cores vívidas e que jamais desbotam, mostram a paixão de Jacobsen pela forma e estilo, estampando-os suavemente, mas com força e intimidade, assemelhando-se ao toque singular de um violino ao interpretar a leitura da vida. Além disso, Jacobsen é muito mais do que um simples estilista; ele é preciso em sua observação e minucioso nos detalhes, revelando uma compreensão profunda e íntima do coração humano. Os seus personagens são construídos a partir de uma combinação entre experiência e imaginação, revelando como são moldados e modificados por fatores físicos, hereditários e ambientais.


Jacobsen acreditava que todo livro de verdadeiro valor deve incorporar a luta de uma ou mais pessoas contra tudo o que tenta obstruir sua existência única. Esse espírito essencial permeia toda a sua obra, sendo presente em personagens como Mogens. Nascido em 1847, em uma pequena cidade dinamarquesa, Jens Peter Jacobsen já demonstrava talento para a ciência desde jovem, mas acabou optando pela literatura após contrair tuberculose. O restante de sua vida foi vivido de maneira simples e corajosa, sendo marcada por uma devoção apaixonada à literatura e batalhas constantes contra problemas de saúde.

O seu método de trabalho era lento e meticuloso, evitando os círculos literários da capital para ter tempo de realizar a sua obra antes que o tempo lhe fosse tirado. Sob a influência de George Brandes, que o encorajou, Jacobsen publicou diversos romances. Embora de pequena quantidade, a sua contribuição para a literatura escandinava foi monumental, já que ele criou um novo método de abordagem literária e uma nova forma artística que influenciou diversos escritores desde então.


Mogens é uma obra de contos escrita pelo autor dinamarquês Jens Peter Jacobson, a obra marca a passagem do romantismo para o naturalismo. A escrita é marcada pela presença da descrição rica e detalhada do espaço ao qual o enredo se desenvolve, tendo suas descrições do tempo e do espaço em quase toda a obra ao qual os acontecimentos se discorrem. A princípio, a obra narra a vida de um homem, de nome Mogens, que está apreciando a natureza e a chuva, ele molha-se, canta e dança despretensiosamente enquanto é observado por uma pequena garotinha em um arbusto próximo, ele então observa seu cachecol preso e decide vê-la mais de perto enquanto seu rosto e corpo estão molhados pela água da chuva que cai. Ela assusta-se e corre desesperadamente entre a floresta e desaparece, ele, após percorrer um longo trajeto em busca da garota, decide adiar sua busca e cai na gargalhada rindo de todo acontecimento, que, em primeira análise, causa estranhamento no leitor não somente pela reação do homem, mas por sua implacável decisão de busca pela garota em meio à floresta. 


Fazia um calor sufocante, o ar tremulava e tudo ao redor guardava silêncio; as folhas dormitavam nas árvores, e nada se mexia além das joaninhas nas urtigas e das folhas murchas que se espalhavam pela grama [...] (p.6)


Tudo cintilava, luzia e chapinhava. Troncos, galhos, tudo brilhava de umidade, cada pequena gosta que caía na terra, na grama, na escada junto à cerca, no que quer que fosse, dividia-se e espalhava-se em mil pérolas delicadas [...] (p.7)


A história segue narrando o encontro do Magistrado do Cabo de Trafalgar e sua filha com Mogens. Ao caminharem até a porta da casa do guarda da floresta, Nikolai, a menina assustou-se pois viu nele o reconheceu nele o homem que cantarolava na floresta. Eles então decidem sair para velejar em seu barco, trocando breves conversas com a filha do magistrado.


“Mas poesia? Oehlenschlager, Schiller e os outros?”
“Oh, claro que os conheço; tínhamos uma estante cheia deles em casa, e a Srta. Holm —  — lia-os em voz alta depois do almoço e à noite; mas não posso dizer que me importei com eles; Eu não gosto de versos.
“Não gosta de versos? Você disse que sim, sua mãe não está mais viva?
“Não, meu pai também não.”
Ele disse isso com um tom um tanto taciturno e hostil, e a conversa foi interrompida por um momento e tornou possível ouvir claramente os muitos pequenos sons criados pelo movimento do barco na água. A garota quebrou o silêncio:
“Você gosta de pinturas?”


O conto segue entre os discursos proferidos por Kamilla e Mogens que se mostra cada vez menos interessado nos tópicos, pois suas vontades e desejos eram o oposto dos quais a Kamilla poderia prever, até mesmo seu gosto pela matéria e pela natureza era um ponto distinto em sua consciência. A obra também narra um relacionamento marcado por poucas palavras, mas com uma admiração latente que se forma entre os dois. Com o tempo, o relacionamento de ambos amadurece em admiração, fazendo-o criar coragem e pedi-la em namoro:

[...] Eu quero perguntar uma coisa à senhorita, mas antes prometa que não vai rir de mim [...] Aqui está a mesa e lá está a cerca. Se a senhorita não quiser ser minha noiva, eu vou sair correndo, pular com o cesto por cima da cerca e desaparecer. Um. (p. 26)

Kamilla continua - Dois. A expressão do rapaz é de pura palidez - eu quero, ela diz. A partir deste ponto a história se debruça sobre a relação de ambos, um acontecimento que remete ao luto e ao inesperado, ao encontro de uma jovem moça chamada Laura, ao destino e desatino entre o caminho de Mogens e uma moça de nome Tora.

Como o próprio período da obra propõe como estética e influência, a obra de Jacobsen é profundamente focada em eventos traumáticos - a criação longe do pai, a morte da mãe, a perda do primeiro amor, os momentos de fraqueza e reflexões dolorosas - como imaginar a morte de uma amante mesmo com ela viva - até mesmo seus devaneios e cânticos em meio ao nada na natureza. As descrições da natureza e dos arredores ocupam grande parte da narrativa, o que pode ser, para alguns, cansativo, mas para os apreciadores da boa arte de escrever e viver um clássico, esta característica é a primazia da felicidade do leitor, que permite que sintamos e nos conectemos de forma mais íntima com o autor e com sua vida.


Leia também:

[RESENHA #977] Ossada Perpétua, de Anna Kuzminska

Livro de estreia de Anna Kuzminska, fotógrafa e autora fluminense, Ossada Perpétua tateia um tipo peculiar de luto. A ausência dita comportamentos, o passado está eivado nas entranhas do vivos, mas a existência segue um compasso de normalidade.

As personagens de Anna parecem sempre querer fugir da realidade (ou do sonho) por meio do falatório vazio, do silêncio transfigurado em nota musical, da recusa do conforto fraternal, e, às vezes, da arte.

O jogo que se trava entre os desejos e as crenças das personagens é confrontado pelo insólito de desenterrar um pai sem túmulo, ou pela aprendizagem dos limites e transgressões durante a infância.

Anna circula Deus e o amor, as memórias germinando desejos, o cotidiano da morte, o avesso da morte, a negação da morte, a recusa da morte.


RESENHA


O livro “Ossada Perpétua” da autora Anna Kuzminská é uma obra que representa uma escrita profunda, reflexiva e estimulante. Com uma narrativa fragmentada e poética, a autora constrói uma trama repleta de simbolismos e metáforas, explorando temas como a busca pelo sentido da existência e a complexa relação com a finitude.

A escrita de Kuzmin se caracteriza pelo caráter crítico, lidando com situações polêmicas que criam conflitos entre personagens e provocam reflexões sobre autoridade, moralidade e como cada pessoa lida com a morte. A relação dos filhos com o pai falecido e a figura da mãe como elemento assertivo central da família são aspectos que o livro enfatiza.

A profundidade das perguntas e a linguagem poética utilizada permitem ao leitor mergulhar no pensamento dos personagens. Trechos do diário de quarentena revelam uma introspecção intensa, a exploração de pensamentos sombrios e o impacto da solidão e da incerteza no estado emocional do narrador. A escrita de Kuzmin desperta um sentimento de identificação com as ambigüidades da condição humana.

Uma característica distintiva da escrita do autor é também a criação de imagens vivas e uma atmosfera envolvente. A descrição da figueira como elemento constante e imperturbável representa a resiliência e a presença constante da morte na vida de cada pessoa. Os vitrais da igreja, representando a história de Jesus, reforçam a abordagem da finitude e da morte como temas centrais da obra.

Comparada a autores consagrados como Karl Ove Knausgård e Elena Ferrante, a escrita de Kuzminsky se destaca pela honestidade, reflexividade e abordagem às complexidades das relações familiares. A autora traz sua voz distinta, explora questões existenciais e a relação interna entre vida e morte de forma original.


[RESENHA #976] Jiboia, de Cecília Garcia


Animalescos, os 16 contos de Cecília Garcia nessa coletânea misturam o fantástico, o cotidiano, passagens bíblicas e panteões de outras fés. Com doses de terror, as histórias de Jiboia nos mantêm alertas, saboreando cada linha com curiosidade e receio.

Jiboia são os bichos internos e externos que Cecília Garcia alimentou ao longo dos anos reunidos em um único livro-selva.Abrir estas páginas é se perder no coração pulsante de um labirinto de obsessões, paixões frustradas, loucuras e medos de toda sorte. Para Ana Rüsche, que assina a orelha desta edição, “os dezesseis contos de Cecília Garcia encaixam-se perfeitamente” ao abordar “personagens curiosos, como biólogas em selvas urbanas, cujas artes não se distinguem de magos, curandeiras e bruxas, e paisagens incomuns na literatura, como madeireiras ou um bunker de um pecuarista”.

RESENHA

Jibóia é, como descrito, um livro de contos animalescos. A obra de Cecília Garcia é um mistério como sua capa, seu enredo é meticulosamente escrito para nos entreter por horas sem fim. A obra é um emaranhado de contos variados em confusões internas e cotidianas. No primeiro conto, a mãe verde, a autora nos convida à experienciar a vida de uma mulher negra de cabelos ruivos dona de um salão de beleza, ela, que antes era devota de Iansã, se vê cristã. Vivendo entre a margem da marginalização e da pobreza, a autora descreve com maestria pratos quebrados, medo, terror e desconhecido. A personagem é resiliente, firme e morada contante de vibrações espirituais, que como narradas pelos filhos, demônios que a fazem subir, cambalear, saltar entre o chão e o lustre e falar palavras indecifráveis. O retrato construído entre os personagens é caótico e completamente único.

No segundo conto, cerol na galinha, narra um episódio de um garoto que decepa a cabeça de um motoqueiro enquanto brinca de pipa, ele não sente culpa no ato, mas reflete na similitude entre o corte do motoqueiro e o corte da cabeça de uma galinha, que, ainda sem a cabeça consegue andar. A ladeira jorrava sangue, menstruada e sem calcinha [...] depois do corpo retirado, o menino jurando nunca mais empinar pipa. (p.15 - grifos meus). O encontro cruel que o destino preparou entre o fim da inocência de um garoto que não compreende a morte e deseja no fundo de seu coração que o motorista se levante e saia andando como uma galinha, ainda que para morrer depois. Um conto visceral.

O conto, Jiboia, narra a vida de uma bióloga aposentada que deixou a floresta para morar no centro de São Paulo em um apartamento abarrotado de plantas e jiboias que descem do teto ao chão. Ela é solitária, mas gosta da vida. A narrativa ocorre em primeira e terceira pessoa de forma simultânea, narrando os pensamentos e episódios da moradora, bem como seu encontro com o boitatá que grava tudo em um gravador e escreve sua história toda em um caderno, que como ela diz, tem uma história que precisa ser contada como um furo, como as histórias das mulheres loucas e desacreditadas. Em síntese, um conto emblemático.


[RESENHA #975] Deus criou primeiro um tatu, de Yvonne Miller

Alemã de nascença, brasileira de alma, Yvonne Miller reúne nesta obra 50 crônicas e microcrônicas ambientadas em Aldeia dos Camarás, na Mata Atlântica pernambucana.

Com o olhar atento, carinhoso e não ingênuo à vida no Nordeste, Yvonne Miller pincela a realidade cotidiana com a graça e a delicadeza de uma cronista madura.

Tudo para Yvonne Miller é matéria fértil para uma crônica: o dia a dia no Bosque Águas de Aldeia, uma cobra enroladinha na árvore, as descobertas de Chico, “o cachorro mais boa-praça do condomínio”, a caranguejeira em cima da cama etc. Com bom humor, ela nos ensina a perceber a poesia possível do nosso entorno.

Leve e divertido sempre que pode, Deus criou primeiro um tatu também é crítico e político quando precisa.


RESENHA


Deus criou primeiro um tatu é um livro de crônicas da autora Yvonne Miller, publicado pela editora Aboio. A obra é um ensaio intrincado de dúvidas e processos políticos acerca da mudança. Miller narra, com muito bom humor, os aspectos que ignoramos na vida e na natureza, bem como nosso poder de perseverança [e resistência] em meio à mudança. O enredo se inicia com uma passagem da autora revelando um encontro com um pajé, já no prólogo, ele por si, aconselha Miller a desbravar a natureza para se reconectar consigo mesma, em outras palavras, se reencontrar. 

Na sequência, em partiu, a autora nos convida á refletir sobre a resistência humana acerca das mudanças. Ela menciona os pequenos gestos e momentos da vida que não carregamos ou apreciamos com tanto entusiasmo quanto outros. Aqui, ela fala de organizar livros, apreciar o conto dos pássaros, ajeitar a moradia, comemorar os ventos e até mesmo , o prazer de se reconectar através da nudez. Este enredo bem elaborado e construído já começa com suas entrelinhas provocantes, sobretudo, quando uma personagem indaga 'indo embora?', sinalizando o recomeço de uma nova vida, um novo ciclo.

A autora segue suas provocações. O enredo construído de forma que nos leva à pensar apenas nas descrições minuciosas das aventuras de uma nova residência esconde algo em suas linhas. A autora por diversas vezes nos faz refletir sobre os detalhes que passam despercebidos por nós no dia-a-dia,  como mastigando frutinhas agridoces (p.22); ou como admirar a paisagem à nossa volta: A paisagem à minha volta é tão linda que mal dá para acreditar, o sol de verão está aquecendo a minha alma, e estou recebendo uma massagem da cachoeira. O que mais eu poderia almejar? (p. 23)

A autora celebra a vida, as visitas da família, os animais de estimação, o ar puro e as florestas. Seu cântico poético em cada linha revela um talento e uma destreza para ressignificar o poder de uma observadora nata, uma observadora da vida. Os humanos e os animais se dividem em dois grupos: os que pastoreiam e os que se deixam pastorear (p.43), fazendo uma clara alusão à felicidade existente na liberdade daqueles que se deixam pastorear pela vida e pelos momentos. Já em 'eis a pergunta', ela nos leva à uma reflexão acerca do espaço e do uso que cultivamos dele: A vizinha nova já chegou chegando [...] mandou três funcionários para tirar tudo o que não fosse árvore do terreno junto ao nosso. [...] onde antes se alegrava com beija-flores, ora verdes, ora azuis, dançando entre as helicônias, agora se deparava com campo marrom [...] fiquei logo preocupada... (p.61), em uma referência da vizinha não cultivar os mesmos hábitos que ela em relação ao mundo e a natureza. Esta preocupação latente nos mostra o quão indelicado uma intervenção no espaço natural pode ocasionar em momentos de tristeza e dúvida para outros seres, animais ou não. E você, já refletiu sobre o uso do espaço hoje?

Em síntese, a obra de Yvonne Miller é doce, convidativa, alegre, política, efêmera, cativante e extremamente necessária. Ainda que seja um livro repleto de microcontos, a narrativa é, senão, um intricando poético de um ensaio de valoração da vida e da busca por conhecimento e descobertas. Um livro necessário.

[RESENHA #966] Ilustrações, de Jailton Moreira


RESENHA

Ilustrações é o primeiro livro de poemas de Jailton Moreira, um artista plástico, professor e curador que conheceu todo o tipo de arte em suas andanças. O livro é fruto de uma relação em que o escrito se submete ao visual, e não o contrário. São 29 poemas que respondem poeticamente e criticamente às experiências vividas pelo autor frente a determinados artistas e suas obras, como Piet Mondrian, Diego Velázquez e Richard Serra.

O livro é uma obra que desafia o leitor a se tornar observador e a ir conhecer por conta própria os trabalhos que inspiraram o autor a escrever. Cada poema é uma tentativa de ordenar as impressões, os sentimentos e as reflexões que as imagens provocam no autor, usando uma linguagem simples, direta e criativa. O autor não se limita a descrever ou elogiar as obras, mas também as questiona, as contraria e as reinventa.

Ilustrações é um livro que mostra a versatilidade e o talento de Jailton Moreira, que transita entre diferentes formas de expressão artística, e que convida o leitor a fazer o mesmo. É um livro que celebra a arte como uma forma de conhecimento, de comunicação e de transformação.

Como descrito no site oficial da obra, este é um convite à experimentação em que o autor se liga ao visual para dar vida as palavras, e não ao contrário. A obra é ilustrada ricamente com imagens que carregam um forte sentimentalismo histórico e simbolista que provoca leitor não somente uma onda reflexiva, mas também uma série de pensamentos acerca da historicidade e das propostas elencadas em seu enredo. 

A obra possui 131 páginas carregadas com 29 poemas e imagens que conversam entre si em sua completude.  A segunda poética do autor é dedicada à uma obra de Giotto (pintor e arquiteto italiano) intitulada legend of St Francis: 15. Sermon to the Birds, que é uma das 28 cenas da Lenda de São Francisco pintadas por Giotto di Bondone na Basílica de São Francisco de Assis, na Itália. A obra retrata um episódio famoso da vida de São Francisco, o santo padroeiro dos animais, que pregou um sermão aos pássaros, exortando-os a louvar a Deus por todas as bênçãos que Ele lhes concedeu. A obra é considerada um exemplo da arte gótica, que se caracteriza pelo uso de cores vivas, pela representação de figuras humanas e pela expressão de sentimentos e emoções. A obra também mostra a habilidade de Giotto em criar perspectiva, profundidade e movimento, usando elementos como a paisagem, as árvores e as nuvens.

A poesia é uma reflexão sobre a arte e a vida, sobre o passado e o presente, sobre o sagrado e o profano. O poeta usa metáforas e imagens que remetem à obra de Giotto, como o berço, a espiga, o óleo, o canto, os pássaros, o céu, o verde e a proa. Ele também faz referências à história de São Francisco, como o santo pobre, o mestre triste e o sonho romano. Ele compara o seu sonho com o de São Francisco, que deslizam na região da Úmbria, onde fica a cidade de Assis.

A poesia é uma forma de homenagear a obra de Giotto e a vida de São Francisco, mas também de questionar o seu significado e a sua atualidade. O poeta se pergunta se o berço da arte pode se transformar em um começo, se é possível superar o vício e a violência, se é possível lubrificar as arestas e colocar a engenharia em movimento, se é possível contar histórias de pássaros e homens famintos, se é possível ver o céu azul e o verde vivo, se é possível sonhar com a paz e a harmonia.

Já na poética guitarras de Picasso, o poema é uma reflexão sobre a arte e a música, sobre o caos e a harmonia, sobre o antigo e o novo. O poeta usa metáforas e imagens que remetem à obra de Picasso, como o berço, o mastro, o âncora, o barco, o casco, a boca, a guitarra, o silêncio e a pátina. Ele também faz referências a diferentes gêneros musicais, como sardanas, cumbias, baladas, fados e fandangos. Ele compara a música tradicional e popular com a música experimental e desconcertante que a obra de Picasso representa.

O poema é uma forma de homenagear a obra de Picasso e a sua inovação, mas também de questionar o seu sentido e a sua beleza. O poeta se pergunta se a guitarra quebrada pode ser consertada, se a música descontínua pode ser ouvida, se a sonora pandora pode reverberar.

Em síntese, podemos dizer que o autor consegue de forma magistral e prolífica inserir em suas reflexões históricas, sociais e urbanas um contexto além da imagem. Essa nova categoria descritiva é uma forma de expor a história e as linhas poéticas em forma de enredo de forma poética e rebuscada. Uma poesia complexa e repleta de nuances quem devem ser sentidas em sua totalidade. Uma obra magistral. 

[RESENHA #964] Ti amo – Hanne Ørstavik

Um câncer terminal levará seu marido dentro de um ano. Ele ignora a morte. E ela se volta à escrita na tentativa de preservar a própria força vital. Para a escritora Natalia Timerman, que assina a orelha do livro, Hanne Ørstavik escreve “na imbricação entre vida e literatura”. Um dos maiores nomes da literatura norueguesa contemporânea, Hanne Ørstavik estreia no Brasil com o encantador e contundente Ti Amo. A prosa comovente que a consagrou como uma autora aclamada em diversos países foi traduzida por Camilo Gomide, direta do norueguês.

RESENHA

Ti amo é um livro que mistura ficção e realidade, baseado na experiência da autora norueguesa Hanne Ørstavik, que perdeu o seu marido italiano para o câncer. O livro é um relato emocionante e íntimo de um amor que enfrenta a morte, a dor e o silêncio. O livro é escrito e ambientado nos primeiros meses de 2020, e seus temas de perda e sofrimento são especialmente adequados para um tempo de luto internacional.

O livro narra a história de uma narradora sem nome que cuida do seu marido, doente de câncer, nos últimos meses da sua vida. Ela examina os elementos da sua vida juntos: a mesa vietnamita cor-de-rosa onde eles comem suas refeições, cada um dos Anos Novos que eles compartilharam, suas amizades e suas trocas mais íntimas. Com tudo em mudança, ela busca as facetas que permanecerão.

O livro é uma homenagem ao legado do seu marido, que era um editor e tradutor italiano, que amava a arte, a música e a literatura. O livro também é uma reflexão sobre as questões existenciais, culturais e linguísticas que o casal enfrentou em sua relação. O que se pode encontrar em um olhar? O que se esconde em uma pintura ou por trás de um punhado de palavras repetidas? Essas são as perguntas que assombram a narradora, que tenta preservar a sua própria força vital através da escrita.

Ti amo é um livro que mostra a sensibilidade e a sinceridade da autora, que é uma das escritoras mais admiradas e premiadas da Noruega. A autora escreve com uma linguagem simples, direta e criativa, que se adapta aos ritmos da mente da narradora. Na tradução de Martin Aitken, a história de Ørstavik ganha vida.

A obra possui um enredo poético e chocante. A autora descreve em detalhes, e em primeira pessoa, o di-a-dia em companhia do marido após diagnóstico. Noites mal dormidas regradas à adesivos e comprimidos para dor, morfina e muita resiliência.

[...] Você está sentindo muita dor. Não podemos colocar mais adesivos?, eu digo. Tudo o que resta é uma pequena pilha de adesivos. E então colocamos os adesivos, dois de cinquenta, um de cada vez,  e depois de passar o dia todo deitado com dores, você finalmente adormece. (p.49)

[...] O que consta em seu boletim médico é que desde o final de outubro os marcadores dobraram a cada novo exame. Lendo em retrospecto, vejo que antes não estava assim, no ano em que você fez a quimio, depois da cirurgia, os valores oscilaram um pouco para cima e para baixo, mas não passaram de quatro mil. [...] No entanto, a dor fica mais forte a cada dia, a cada noite, e agora você está com esse inchaço. [...]

[...] você está deitado na cama e acabou de colocar trezentos miligramas debaixo da língua, mas logo eles vêm te buscar, precisam te preparar para a ressonância magnética mais tarde, tiram você da cama e do barato que acabou de entrar, nós acordamos às sete horas, antes das oito estávamos no táxi. (p.72).

Em síntese, a obra de Ørstavik é complexa, dolorida, repleta de gatilhos. É uma leitura rápida, mas que dura uma vida toda. Leia este livro de coração e alma abertos, ele não é apenas um enredo, mas a descrição de alguém que acabou de perder o seu amor. Um livro para se por embaixo do travesseiro e reler sempre que se sentir sem forças, pois ainda que a autora trabalhe saudade e luto o tempo todo...ela também trabalha força e superação, e é aqui que reside a força de sua escrita: na resiliência.

[RESENHA #962] Noveletas – Sigbjørn Obstfelder

Noveletas reúne as novelas Liv e As Planícies, do escritor norueguês Sigbjørn Obstfelder (1866-1900). Esse é o 1º título da Coleção Norte-Sul, organizada e traduzida por Guilherme da Silva Braga.

RESENHA

Noveletas é uma coletânea de duas novelas do escritor norueguês Sigbjørn Obstfelder (1866-1900), considerado um dos pioneiros do modernismo literário em seu país. O livro, traduzido diretamente do norueguês por Guilherme da Silva Braga, é o primeiro título da Coleção Norte-Sul, que pretende apresentar ao público brasileiro autores e obras de países nórdicos ainda pouco conhecidos.

As novelas Liv e As Planícies são exemplos da prosa inovadora e experimental de Obstfelder, que explora aspectos psicológicos e abstratos dos personagens, em contraste com a narrativa realista e naturalista predominante na época. Influenciado pela poesia de Charles Baudelaire, Obstfelder cria atmosferas sombrias, melancólicas e simbólicas, que refletem sua própria angústia existencial e sua busca por um sentido para a vida.

Liv conta uma história narrada em primeira pessoa de um homem que cuida de uma mulher de nome homônimo ao conto. Ela vive em um internato e encontra-se doente, e ele toma para si a obrigação de cuidar dela. A narrativa é marcada pela subjetividade e pela fragmentação, que expressam o conflito interno e a instabilidade emocional da protagonista. O final é algo inesperado pelo leitor e marca toda leitura com um enredo emocionante e tocante.

Liv é islandesa. Ela, essa alva e bela figura, cuja mão desliza como uma sombra por cima das cobertas, em cujos olhos há um brilho de maciez, fala com erres ríspidos e estrangeiros, que soam estranhamente pesados na língua ademais suave. (p.19)

As Planícies narra a viagem de um homem através das planícies, onde ele descreve, com destreza mais do que os olhos podem enxergar. Ele conhece uma mulher de nome Naomi ao qual se encanta à primeira vista, ela é, segundo ele, pálida como um cadáver. A escrita do autor é prolífica em suas nuances e descreve com clareza e expertise um enredo inovador e intrínseco. O autor trabalha a noção de psicologia e lembrança em seus enredos, as descrições e aventuras de suas personagens revelam muito além do que o enredo pode proporcionar fora das entrelinhas, é necessário descortina-los, ler, reler e refletir. Sinto como se cada descrição do autor fosse um universo particular dentro de uma criação única e singular.

É estranho pensar que todos os outros estiveram com ela ao longo da vida inteira, e que no entanto, fui o primeiro a vê-la. Nenhuma pessoa no mundo viu Naomi (p.48) 

Noveletas é um livro que nos surpreende pela originalidade e pela beleza de sua escrita, que nos envolve e nos emociona com suas histórias de amor, dor e loucura. É uma obra que nos faz conhecer e admirar o talento de Sigbjørn Obstfelder, um autor que influenciou grandes nomes da literatura mundial, como Rainer Maria Rilke, e que merece ser lido e apreciado por todos os amantes da boa literatura.

[RESENHA #960] O cordeiro e os pecados dividindo o pão, de Milena Martins Moura

Nas palavras de Priscila Branco, que assina o prefácio do novo livro de Milena Martins Moura, “[em] O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, o único milagre possível é o ato poético […]: ‘Eu estou escrevendo / Isso é um milagre’”

Exercício de subversão, Milena Martins Moura faz o cordeiro – símbolo da castidade – sentar à mesa com os pecados. E gozar da companhia um do outro, “de corpo inteiro no indevido”.

Para a professora Paula Glenadel da Universidade Federal Fluminense (UFF), Milena “assume para si uma voz incomum entre sua geração”, tratando de temas bíblicos, ou dos “mistérios gregos”.

Neste O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, a opressão é esmagada e as palavras são desnudadas sem culpa, como aponta Anna Clara de Vitto na orelha.

A Eva de Milena é “serpente e desfrute” e vai “lambendo o caminho desviado”, dando atos de sujeito à primeira mulher. Em certo momento, Eva afirma: “estou nua e disso não me envergonho”.

RESENHA

A poeta enfrenta temas como religião, erotismo, profanação do sagrado e as proibições ligadas à liberdade feminina, em versos que usam a palavra como instrumento de independência. Priscila Branco ressalta, logo no início do prefácio, que essa coletânea de poemas é transgressora, pois propõe uma total inversão da tradição judaico-cristã, estabelecida em nossa sociedade por milhares de anos. E afirma: “O próprio ato de escrita e, agora, de leitura deste livro é a luta contra o sacrifício. Que a poesia possa sempre dar voz ao cordeiro e aos pecados, e que todo leitor ache um pedaço desse pão, mesmo que o cobertor esteja úmido em dias gelados.” Nessa mesma direção, Paula Glenadel oferece, no posfácio, uma análise sobre a abordagem ousada de Milena nessa obra. De acordo com ela, a fome e a sede são imagens que percorrem quase todos os poemas do livro. Para a professora, essas cenas se organizam em duas grandes séries de substâncias, a do pão, do vinho ou da água; e a da carne e do sangue, nas quais o sujeito se exercita na ocupação de lugares mutáveis. E essa transubstanciação, em suas palavras, “põe em destaque a ineficácia da transferência sacrificial tradicional, incapaz de saciar essa sede e, principalmente, essa fome”. Em O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, as mulheres existem como seres que desejam e é do desejo que o direito à subjetividade emerge. Para a autora, trabalhar esse tema sob essa perspectiva era algo inevitável, além de um ato político em desejo de si e de outras: “Eu sou uma mulher que foi criada sob o peso da culpa e que se cansou de ver seu desejo como um erro e seu corpo como impuro.”

Em uma análise ao poema LUTA:

apenas dois
olhos
fracos
se interpõe
entre mim
escuro

e eu que nunca fui muito forte existo novembro e flores mortas pintadas do sangue de flamboyants tenho dois olhos cor de tempestade e um cansaço ancestral nos ossos do não
dito 

O poema é um texto lírico que expressa a angústia e a solidão do eu lírico, que se sente fraco e cansado diante da escuridão da vida. O poema tem uma estrutura irregular, sem rimas ou métrica definida, o que sugere uma ruptura com as formas tradicionais e uma busca por uma linguagem mais livre e pessoal.

O poema se divide em três partes, cada uma iniciada por uma referência aos olhos do eu lírico. Na primeira parte, ele diz que tem apenas dois olhos fracos que se interpõem entre ele e o escuro, o que indica uma sensação de impotência e vulnerabilidade diante do desconhecido. Na segunda parte, ele afirma que nunca foi muito forte e que existe novembro e flores mortas pintadas do sangue de flamboyants, o que remete a uma atmosfera de melancolia e decadência, marcada pelo fim do outono e pela cor vermelha que simboliza tanto a beleza quanto a violência. Na terceira parte, ele revela que tem dois olhos cor de tempestade e um cansaço ancestral nos ossos do não dito, o que sugere uma emoção intensa e reprimida, que carrega consigo há muito tempo e que não consegue expressar.

O poema, portanto, é uma manifestação de um sentimento de desesperança e de incomunicabilidade, que revela a fragilidade e a complexidade do eu lírico.

Adquira O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão via site da editora Aboio: https://aboio.com.br/produto/o-cordeiro-milena-martins-moura/

[RESENHA. #961] O sorriso do erro, de Eduardo rosal

Em um mundo tomado pela disputa entre aprovação e reprovação, Eduardo Rosal defende o erro pelo erro. Não como um passo a caminho para o sucesso, mas uma escolha de maneira consciente: a fuga de qualquer rota totalitarista que desconsidere nossas singularidades e diferenças.

“Ser escritor”, diz o poeta, “é um esforço destinado ao erro; é trabalhar com as ruínas do fracasso”. No entanto, é preciso continuar escrevendo, buscando, ou melhor, criando um sentido para nossas vidas. “Assim como é preciso ver Sísifo contente, precisamos ver o sorriso no erro”, sentencia.

O Sorriso do Erro apresenta 42 poemas divididos em seis seções – Os muros do nome, Dentro e fora, Os gestos no escuro, Croque de concretude, Lições de fragilidade e Errâncias. Embora cada uma tenha seu próprio mote, elas dialogam entre si, fomentando uma conversa que culmina em um questionamento para o leitor: afinal, o que é o erro?

RESENHA

O Sorriso do Erro é um livro de poesia de Eduardo Rosal, publicado pela Editora Aboio em 2023. O autor defende o erro como uma forma de resistência e criação, contrapondo-se à lógica da aprovação e da reprovação que domina o mundo contemporâneo. Rosal propõe uma poesia que celebra as singularidades, as diferenças e as dúvidas, em oposição ao totalitarismo, ao fascismo e à uniformidade.

O livro é dividido em seis seções (os muros do nome; dentro e fora; os gestos no escuro; croqui de concretude; loções de fragilidade e errância), cada uma com um tema específico, mas que se relacionam entre si. Os poemas exploram questões como a identidade, a linguagem, a violência, a fragilidade, a memória e a esperança. Rosal utiliza uma linguagem simples, mas não simplista, que busca provocar o leitor a questionar o que é o erro e qual o seu papel na construção de um sentido para a vida.

O Sorriso do Erro é um livro que convida à reflexão, à crítica e à ação, através de uma poesia que não se conforma com o status quo, mas que busca transformá-lo. É um livro que sorri para o erro, não como um fracasso, mas como uma possibilidade de renovação e de liberdade.

O primeiro poema da primeira seção, os muros do nome, é completamente forte e poético:

Desde que não sei quem sou
começo a me entender
entre a sede
           e o são
    um nome
que não sei dizer
e se refaz 
vão de voo
terreno entre
um natimorto acerto
e os erros de quem
não se rende aos modelos

O poema começa com uma afirmação paradoxal: “desde que não sei quem sou, começo a me entender”. O sujeito poético revela que a sua ignorância sobre si mesmo é o ponto de partida para o seu autoconhecimento. Ele se coloca entre a “sede” e o “são”, ou seja, entre o desejo e a razão, entre a falta e a plenitude, entre o incompleto e o completo. Ele não se define por nenhum desses extremos, mas pela tensão entre eles.

O segundo verso mostra que o sujeito poético está em constante transformação: “um nome que não sei dizer e se refaz”. Ele não tem uma identidade fixa e estável, mas uma que se renova e se reinventa. Ele não sabe dizer o seu nome, pois ele não é um rótulo ou uma etiqueta, mas uma experiência e uma vivência.

O terceiro verso repete a expressão “vão de voo”, que pode ter dois sentidos: um de movimento, de ir e vir, de deslocamento; e outro de vazio, de ausência, de lacuna. O sujeito poético se situa nesse vão, nesse espaço entre, nesse intervalo que não é nem um nem outro, mas que possibilita a criação e a resistência.

O quarto verso reforça essa ideia de estar no “terreno entre”, no limiar, na fronteira, na margem. O sujeito poético não se conforma com o “natimorto acerto”, ou seja, com o que é dado como certo, mas que já nasce morto, sem vida, sem sentido, sem potência. Ele se identifica com os “erros de quem não se rende aos modelos”, ou seja, com as falhas, as diferenças, as singularidades, as subversões, as transgressões, as invenções.

O poema, pode ser considerado uma afirmação da identidade como um processo, uma construção, uma experimentação, uma errância, uma poesia. É um poema que sorri para o erro, como uma forma de liberdade e de expressão.

outro poema bastante interessante do autor está presente na quarta seção, croqui de concretude, loucura:

Locura de astrônomo,
de biólogo:
de binóculo na veia, ver
no mínimo o macro.
Microscopicamente, ver
no macro o micro

Loucura de arqueólogo, 
de catalogador, de colecionador:
movidos mais
pela próxima busca,
apaixonados pelo jogo com a perda,
com fome de fragilidades.

Loucura de escritor que manuseia
um grão de areia e um astro,
com a mesma intimidade
com que entrevista a morte,
uma planta dormideira
e um gato.

Sou louco pelo gelo derretendo,
pelos capachos de bem-vindo
(com ou sem hífen),
pela água ventando na poça.

Louco pelas montanhas com vacas.
Louco por outras pegadas.

Nesse poema, o autor explora as diferentes formas de loucura que se manifestam na curiosidade, na criatividade e na sensibilidade dos seres humanos. Ele usa como exemplos as profissões de astrônomo, biólogo, arqueólogo, catalogador, colecionador e escritor, que representam a busca pelo conhecimento, pela arte e pela memória. Ele também se inclui nessa lista, revelando suas próprias loucuras, que são detalhes simples e cotidianos que o encantam.

O poema é construído com versos livres, sem rima ou métrica fixa, mas com uma certa musicalidade e ritmo. Ele usa repetições, anáforas, aliterações e assonâncias para criar efeitos sonoros e enfatizar as ideias. Por exemplo, ele repete a palavra “loucura” no início de cada estrofe, criando uma espécie de refrão. Ele também usa anáforas como “de” e “pela” para introduzir os objetos de loucura de cada profissão ou pessoa. Ele usa aliterações como “binóculo na veia”, “movidos mais pela próxima busca” e “com fome de fragilidades” para criar sons consonantais que reforçam o sentido dos versos. Ele usa assonâncias como “astrônomo, de biólogo”, “arqueólogo, de catalogador, de colecionador” e “grão de areia e um astro” para criar sons vocálicos que harmonizam os versos.

O poema também usa imagens e metáforas para expressar as loucuras dos sujeitos. Por exemplo, ele usa a imagem do “binóculo na veia” para sugerir a intensidade e a paixão dos astrônomos e biólogos pelo que observam. Ele usa a metáfora do “jogo com a perda” para indicar o desafio e o risco dos arqueólogos, catalogadores e colecionadores que lidam com objetos frágeis e efêmeros. Ele usa a imagem do “grão de areia e um astro” para mostrar a amplitude e a diversidade dos temas que o escritor pode abordar. Ele usa a metáfora da “entrevista” para revelar a proximidade e a curiosidade do escritor com relação aos seus objetos de escrita, que podem ser desde a morte até um gato.

O poema, portanto, celebra a loucura como uma forma de resistir à normalização e à padronização que o autor critica em seu livro. Ele defende a loucura como uma forma de liberdade, de expressão e de criação, que valoriza as singularidades e diferenças humanas. Ele convida o leitor a se identificar com as loucuras apresentadas no poema e a reconhecer as suas próprias loucuras.

O sorriso do erro é um livro que nos convida a refletir sobre o papel do erro na vida humana, na arte e na sociedade. Eduardo Rosal, com sua poesia sensível, criativa e engajada, nos mostra que o erro não é apenas um desvio, um fracasso ou uma falha, mas também uma forma de resistir, de expressar e de criar. Ele nos propõe uma ética do erro, que valoriza as singularidades, as diferenças e as possibilidades de cada ser humano.

O livro é composto por 42 poemas, divididos em seis seções, que abordam temas como o nome, o corpo, o amor, a linguagem, a fragilidade e a errância. Cada seção tem um título que remete ao erro, como Os muros do nome, Dentro e fora, Os gestos no escuro, Croque de concretude, Lições de fragilidade e Errâncias. Os poemas são escritos em versos livres, sem rima ou métrica fixa, mas com uma musicalidade e um ritmo próprios. O autor usa recursos estilísticos como repetições, anáforas, aliterações, assonâncias, imagens e metáforas para criar efeitos sonoros e visuais, e para enfatizar as suas ideias.

O livro é uma obra original, inovadora e provocativa, que nos faz pensar sobre o nosso próprio conceito de erro, e sobre como lidamos com os nossos erros e os dos outros. É um livro que nos desafia a questionar os padrões, as normas e as verdades impostas pela sociedade, e a buscar a nossa própria voz, o nosso próprio caminho, o nosso próprio sorriso. É um livro que nos ensina a errar com coragem e consciência.

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