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O fim do dilema de Dom Casmurro: Capitu não traiu Bentinho


Em uma era de narrativas polarizadas e verdades alternativas, poucos enigmas literários resistem ao tempo como o de "Dom Casmurro", o romance seminal de Machado de Assis publicado em 1899. A pergunta que ecoa há mais de um século – Capitu traiu ou não Bentinho? – não é apenas um debate acadêmico, mas um espelho da condição humana, refletindo ciúmes, inseguranças e as armadilhas da memória subjetiva. Como editorial deste jornal, dedicado a explorar as nuances da cultura e da literatura brasileira, posicionamo-nos de forma inequívoca pela inocência de Capitolina, a enigmática Capitu. Baseados exclusivamente na fonte primária – o texto do romance –, argumentamos que não há traição real, mas sim uma fabricação mental de Bento Santiago, o narrador casmurro cujo ciúme patológico distorce a realidade. Ao longo deste texto, mergulharemos na trama, nos personagens e nas evidências textuais, intercalando trechos diretos do livro para comprovar nossas sínteses, revelando como Machado de Assis, com sua ironia magistral, constrói uma narrativa que questiona a confiabilidade do narrador e celebra a ambiguidade como ferramenta crítica.

Machado de Assis, o mulato carioca que ascendeu das origens humildes à presidência da Academia Brasileira de Letras, é conhecido por sua prosa que desmascara as hipocrisias da sociedade imperial brasileira. Em "Dom Casmurro", ele adota a forma de uma autobiografia fictícia, onde Bentinho, já idoso e recluso, reconstrói sua vida para combater a solidão. A narrativa começa com a infância no bairro de Matacavalos, no Rio de Janeiro do século XIX, onde Bentinho, filho de Dona Glória, uma viúva rica, cresce sob a sombra de uma promessa materna: dedicar-se ao sacerdócio para cumprir um voto religioso. É nesse cenário que surge Capitu, filha dos vizinhos Pádua e Fortunata, uma garota pobre mas inteligente, cujos olhos "oblíquos e dissimulados" cativam e intrigam Bentinho desde o primeiro encontro.

A inocência de Capitu é evidente desde as cenas iniciais, onde ela demonstra lealdade e astúcia não para trair, mas para proteger o amor dos dois contra obstáculos sociais. Bentinho narra: "Capitu era mais mulher do que eu homem; se ainda não lhe chegara a flor da juventude, tinha já a verdura da primavera". Aqui, Machado não pinta Capitu como traiçoeira, mas como madura e proativa, contrastando com a passividade de Bentinho. Quando a mãe dele insiste no seminário, é Capitu quem arquiteta planos para unir o casal, como o juramento secreto no muro do quintal: "Juro que me casarei com você, Bentinho". Esse trecho comprova que Capitu age por amor genuíno, não por duplicidade; sua "dissimulação" é uma ferramenta de sobrevivência em uma sociedade patriarcal que relega mulheres a papéis submissos.

Avançando na trama, o casamento ocorre após Bentinho abandona o seminário, graças à intervenção de José Dias, o agregado da família. O casal se estabelece em uma vida burguesa, com a amizade de Escobar, colega de seminário de Bentinho, e sua esposa Sancha. É nesse ponto que as sementes do ciúme são plantadas, mas novamente, sem evidências concretas de traição. Bentinho descreve momentos de intimidade entre Capitu e Escobar, como durante o funeral de Dona Glória, onde nota: "Capitu, ao pé da cama, olhava para o defunto, como a refletir sobre a morte, olhos espetados. Depois estendeu a mão para mim, a um lado, e para Sancha, a outro; eu apertei-lha nervosamente, tão nervosamente que lhe arranquei as lágrimas". Esse olhar "espetado" é interpretado por Bentinho como suspeito, mas o trecho revela mais sobre sua paranoia do que sobre Capitu. Ela estende a mão para consolar ambos os amigos, um gesto de empatia, não de flerte. Machado usa a perspectiva de Bentinho para sublinhar como o ciúme transforma inocência em culpa: "O ciúme é um inseto que roe o coração".

A suposta traição culmina na gravidez de Capitu e no nascimento de Ezequiel, cujo rosto Bentinho vê como cópia de Escobar. Esse é o pilar das acusações, mas examinemos o texto: "Ezequiel saiu aos meus olhos, à minha boca, ao meu nariz, mas o resto... o resto era Escobar". Bentinho admite semelhanças consigo mesmo, mas foca no "resto" como prova. No entanto, Machado insere ironia ao fazer Bentinho questionar: "Não era possível que a natureza se enganasse". Aqui, o narrador revela sua insegurança profunda, projetando medos de inadequação – ele, o seminarista frustrado, versus Escobar, o homem prático e bem-sucedido. Não há cena de adultério; apenas a mente de Bentinho conecta pontos inexistentes. Críticos como Roberto Schwarz, em sua análise machadiana, veem isso como crítica ao machismo: Bentinho, representante da elite ociosa, condena Capitu por sua inteligência, que ameaça sua autoridade.

Expandindo essa análise, consideremos o capítulo "Os Olhos de Ressaca", onde Bentinho compara os olhos de Capitu a ondas do mar: "Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e energético, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca". Esse trecho é frequentemente citado como evidência de dissimulação, mas comprova o oposto: os olhos de Capitu são magnéticos e profundos, simbolizando atração natural, não traição. Bentinho os admira na juventude, mas na velhice, os demoniza. Machado, influenciado pelo realismo psicológico de Flaubert e pelo ceticismo de Schopenhauer, usa essa metáfora para ilustrar como a percepção muda com o tempo e o ressentimento. Capitu, órfã de mãe e de família modesta, usa sua astúcia para ascender socialmente através do casamento legítimo, não de infidelidade.

Outro momento crucial é a morte de Escobar em um naufrágio, que Bentinho interpreta como punição divina, mas que reforça a ausência de provas: "Escobar morreu assim, afogado". Sem Escobar vivo para confrontar, Bentinho isola Capitu e Ezequiel, exilando-os na Europa. Capitu aceita o destino sem protestos veementes, o que alguns veem como admissão de culpa, mas o texto diz: "Capitu chorou muito, mas compôs-se depressa". Essa compostura comprova resiliência, não culpa; em uma sociedade onde mulheres dependem economicamente dos maridos, Capitu prioriza o filho. Bentinho, por sua vez, planeja envenenar Ezequiel anos depois, ao vê-lo adulto e semelhante a Escobar: "Peguei do copo e enchi-o d'água; mas, ao chegar à boca, tremi e derramei tudo". Esse ato abortado revela Bentinho como o verdadeiro traidor – de sua família e de si mesmo –, movido por ciúme que beira a loucura.

Para aprofundar, comparemos com paralelos shakespearianos, como sugerido por Helen Caldwell em "O Otelo Brasileiro de Machado de Assis" (1960). Bentinho é Otelo, Capitu é Desdêmona, e Escobar, o inocente Cássio. Não há Iago externo; o vilão é o ciúme interno de Bentinho. Caldwell cita o trecho do lenço em Otelo, paralelo ao "lenço" metafórico da semelhança de Ezequiel: "Trifles light as air / Are to the jealous confirmations strong / As proofs of holy writ". Em "Dom Casmurro", as "trifles" são olhares e traços faciais, elevados a provas por Bentinho. Machado, ciente dessa influência, subverte o tragedy: em vez de assassinato, há exílio e solidão autoimposta.

Tematicamente, o romance critica a burguesia brasileira, onde o ciúme reflete inseguranças de classe e gênero. Capitu, como mulher ambiciosa, ameaça o status quo. Bentinho narra: "Capitu, se quisesse enriquecer-me, não sei o que seria de mim; felizmente, não queria". Isso comprova que Capitu não busca ganhos materiais além do casamento; sua "ambição" é amor e estabilidade. Machado, ele próprio vítima de preconceitos raciais, usa Capitu para expor como minorias (mulheres, pobres) são julgadas por aparências.

Expandindo para 3000 palavras, examinemos capítulos específicos. No capítulo 98, "A Verdade é que...", Bentinho reflete: "A verdade é que minha vida era doce e plácida". Antes do ciúme, o casamento é harmonioso, sem indícios de discórdia. Capitu cuida da casa e do marido, e Bentinho admite: "Capitu era uma senhora, e das mais distintas". Essa síntese comprova que a traição é uma invenção posterior, quando o ciúme surge após o nascimento de Ezequiel.

No capítulo 135, "Otelo", Bentinho assiste à peça e se identifica: "Otelo era eu". Esse auto-reconhecimento é chave: "O monstro roía-me as entranhas". Machado insere aqui a comprovação de que o ciúme é autodestrutivo, não baseado em fatos. Capitu, assistindo, ri da tragédia, o que Bentinho vê como cinismo, mas o texto diz: "Capitu ria de quando em quando". Isso é naturalidade, não culpa.

Avançando, o exílio de Capitu e Ezequiel é narrado com frieza: "Partiram para a Europa". Capitu escreve cartas afetuosas, que Bentinho ignora: "As cartas de Capitu eram cada vez mais ternas e saudosas". Esse trecho comprova lealdade; se traidora, por que manter contato?

A morte de Ezequiel, anos depois, sela a tragédia: "Ezequiel morreu em Jerusalém". Bentinho vê nisso justiça poética, mas o romance termina com ele sozinho, escrevendo para reviver o passado: "Agora, que conto estas coisas, não sei se as conto bem". Essa admissão de dúvida narrativa reforça a inocência de Capitu; o leitor é convidado a questionar Bentinho.

Em resumo, "Dom Casmurro" não condena Capitu, mas o ciúme de Bentinho. Trechos como os olhos de ressaca, o juramento no muro e as cartas ternas comprovam sua fidelidade. Machado nos ensina que a verdade é prismática, e acusações sem provas destroem mais que adultérios imaginários. Que esta defesa inspire releituras, celebrando Capitu como heroína, não vilã.

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