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Resenha: Se a rua beale falasse, de James Baldwin

Foto: Arte digital


APRESENTAÇÃO

Lançado em 1974, o quinto romance de James Baldwin narra os esforços de Tish para provar a inocência de Fonny, seu noivo, preso injustamente. Livro que inspirou o filme homônimo dirigido por Barry Jenkins, vencedor do Oscar por Moonlight.Tish tem dezenove anos quando descobre que está grávida de Fonny, de 22. A sólida história de amor dos dois é interrompida bruscamente quando o rapaz é acusado de ter estuprado uma porto-riquenha, embora não haja nenhuma prova que o incrimine. Convicta da honestidade do noivo, Tish mobiliza sua família e advogados na tentativa de libertá-lo da prisão.Se a rua Beale falasse é um romance comovente que tem o Harlem da década de 1970 como pano de fundo. Ao revelar as incertezas do futuro, a trama joga luz sobre o desespero, a tristeza e a esperança trazidos a reboque de uma sentença anunciada em um país onde a discriminação racial está profundamente arraigada no cotidiano. Esta edição tem tradução de Jorio Dauster e inclui posfácio de Márcio Macedo.

RESENHA


Em meio ao caos de nossa era, muitos escritores se veem em um dilema: tornar-se um porta-voz de causas ou refugiar-se na estética pura. No entanto, é justamente essa turbulência que oferece um terreno fértil para a criatividade literária, com uma diversidade de estilos e perspectivas à disposição do autor comprometido. Aqueles que buscam uma única métrica para avaliar a literatura podem não perceber que a uniformidade estética leva a uma expressão literária monótona e desinteressante.


James Baldwin, um escritor cuja trajetória nunca foi linear, enfrentou tanto aclamação quanto crítica, muitas vezes por razões equivocadas. Como escritor negro, ele navegou entre a condescendência e a pressão para representar uma experiência coletiva, quando, na verdade, cada voz é um símbolo único. Em alguns espaços, sua obra é louvada sem ser verdadeiramente lida, o que pode ser considerado um destino cruel para um escritor. E há aqueles que nunca aceitarão sua voz, independentemente de sua intenção de representatividade.


“Se a rua beale falasse”, o décimo terceiro livro de Baldwin, retrata uma comunidade negra em Nova York, lutando contra as adversidades sem o apoio dos movimentos radicais da época. Apesar de parecer um retrato de uma era passada, a narrativa ressoa com atualidade, destacando os laços emocionais que unem seus personagens. O romance celebra o amor em suas várias formas, incluindo o amor familiar que demanda sacrifícios.


Narrado por Tish, uma jovem de 19 anos, “Se a Rua Beale Falasse” é uma obra multifacetada, construída com economia e poesia. A história de Fonny, um escultor negro injustamente acusado, e sua luta pela justiça, é uma alegoria da incerteza dos destinos humanos. A gravidez de Tish simboliza a esperança e a determinação pela liberdade. No final, Fonny é libertado sob fiança, e o romance conclui com uma reflexão sobre a natureza provisória de nossas vidas, um testemunho silencioso e poderoso da experiência humana compartilhada.


James Baldwin, ao escolher Tish como narradora de sua complexa tapeçaria de personagens, fez uma aposta audaciosa que pagou com uma autenticidade surpreendente. Através de Tish, conhecemos uma alma jovem que nos guia por reflexões íntimas sobre amor, preconceito e a experiência da gravidez. Baldwin não romantiza essas emoções; ele as apresenta como alicerces psicológicos que podem determinar a sobrevivência ou a ruína de um indivíduo. Fonny, protegido pelo amor inabalável de Tish e pela luta incansável de sua família, escapa da desolação mental que aflige muitos encarcerados injustamente. No entanto, o pai de Tish, incapaz de suportar a pressão, encontra um fim trágico.


O romance se desenrola com uma tensão que é mais psicológica do que física, retratando seus personagens como seres humanos complexos, não apenas vítimas de uma divisão racial. Baldwin humaniza todos os envolvidos, incluindo figuras brancas simpáticas, como o advogado de Fonny, e até mesmo a mulher que o acusou, revelando camadas de desespero e desamparo que transcendem a cor da pele. A injustiça enfrentada por Fonny é um reflexo de uma verdade maior para Baldwin: a opressão é uma arma psicológica devastadora, e a dignidade humana é frequentemente o preço pago. O romance, contudo, termina com uma nota de esperança, destacando a importância dos laços familiares e comunitários em tempos de adversidade. À medida que a sociedade se fragmenta, esses laços se tornam o refúgio final e a fonte de força para enfrentar o futuro incerto.


“Se a Rua Beale Falasse” ressoa com a essência da experiência humana, uma narrativa que transcende o tempo com sua autenticidade e profundidade emocional. A história, enraizada na realidade, dispensa artifícios estéticos e modismos exagerados, destacando-se como uma obra de arte atemporal que toca o coração com sua verdade crua e sua representação vívida da humanidade.

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