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Resenha: Olga, de Bernhard Schlink

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Após a perda dos pais, a jovem Olga é criada pela avó num vilarejo prussiano na virada para o século XX. Inteligente e precoce, cativante, mas intransigente, ela luta contra o machismo arraigado na sociedade da época para encontrar seu lugar em um mundo comandado por homens.

Ao se apaixonar por seu vizinho, Herbert, filho de um aristocrata local, a vida de Olga muda irremediavelmente. À medida que o amor entre os dois cresce, as diferentes ambições e realidades de ambos se tornam evidentes. Porém, mesmo quando uma tragédia se impõe, há algo que faz seu amor perdurar.

Desdobrando-se ao longo de décadas e atravessando duas guerras mundiais, passando pela ascensão do nazismo na Alemanha e pelo cenário de vários continentes, acompanhamos em Olga a vida de uma mulher apaixonada, complexa e fascinante que enfrenta as dores do amor, da guerra e da vida sem recuar. Este magnífico romance histórico de Bernhard Schlink é um retrato rico de uma mulher singular e seu mundo

Foto: Arte digital

RESENHA

Olga aprendeu a ler e escrever antes mesmo de ir para a escola, lendo tudo o que encontrava em casa, como os Contos de Fadas dos Grimm. Na escola, ela gostava de aritmética e cantava com entusiasmo, mas achava tedioso o ensino das letras. Em meio à pobreza, sua vida mudou drasticamente quando seus pais adoeceram e faleceram de tifo, sendo levada de volta para a Pomerânia por sua avó paterna. A avó tentou mudar seu nome eslavo para um alemão, mas Olga resistiu. Na nova realidade, Olga demonstrou determinação em aprender mais e fazer mais, mesmo sem recursos como livros ou um piano em casa. Ela importunava professores e membros da comunidade até conseguir acesso a livros e aulas de música, demonstrando sua sede por conhecimento.

Olga sentia-se deslocada pelas crianças na aldeia a rejeitarem, de certa forma, até que ela encontrou entre eles um garoto, Hebert. Os pais de Herbert o batizaram com o nome de guerra Herbert, desejando que ele fosse um "guerreiro" como seu pai, um soldado condecorado. Herbert cresceu orgulhoso de sua família, propriedade e país, apesar da assimetria da fachada de sua casa. Apesar das esperanças de nobreza, a família permaneceu simplesmente Schröder. Eles eram sensatos e prósperos, mas também controladores, determinando as atividades e educação de seus filhos, Herbert e Viktoria. Os irmãos tinham uma relação íntima e arrogância por sua posição privilegiada. Eles se aproximaram de Olga, uma menina curiosa, revelando sua solidão. Viktoria é teimosa e convence seus pais a enviá-la para uma escola de aperfeiçoamento feminino, enquanto Olga luta para continuar sua educação, mas é intimidada pela escola. Herbert está destinado a assumir a propriedade da família, mas prefere se envolver em atividades ao ar livre. No entanto, ele sonha em correr com o sol durante um dia sem fim.

Com o passar dos anos, Olga se torna professora e Herbert, soldado. Herbert, sempre inquieto, decide partir para a África Oriental Alemã e depois para diversos outros lugares ao redor do mundo, até que decide se aventurar rumo ao Pólo Norte, uma jornada que culminará em tragédia. Enquanto isso, Olga segue sua vida à deriva, atravessando a primeira metade do século XX e, após a Segunda Guerra Mundial, tornando-se governanta e desenvolvendo uma amizade com um jovem chamado Ferdinand. É Ferdinand quem retoma a narrativa nos anos 1970, mergulhando no passado de Olga e revelando uma perspectiva completamente nova sobre sua vida, antes desconhecida.

Quando finalmente Herbert retorna, ele decide visitar Olga em uma fazenda pertencente a amigos, onde ela agora mora e ensina. Mas sua visita é breve, pois em breve ele estará novamente ausente, viajando para a Argentina, Brasil, Península de Kola, Sibéria e Península de Kamchatka, antes de decidir que "o futuro da Alemanha está no Ártico".

Ao longo de todos esses anos, Olga e Herbert se mantiveram em contato através de cartas. Em 1911, com a aproximação da Primeira Guerra Mundial, eles sabem que suas vidas serão drasticamente alteradas. Fronteiras serão redesenhadas e destinos mudarão. Mesmo sem receber notícias de Herbert por um tempo, Olga continua a escrever para ele. Em 1951, ela finalmente conclui que Herbert faz parte de uma geração que está desaparecendo e que ele provavelmente está morto.

Neste ponto, percebemos que Olga se tornou a personagem mais cativante, com sua vida simples em contraste com a aventura de Herbert em meio às guerras. Schlink habilmente destaca a complexidade de suas personalidades e a profundidade de seus relacionamentos, mostrando como Olga se destaca como uma personagem muito mais intrigante do que Herbert.

Com uma narrativa envolvente e detalhada, Bernhard Schlink nos presenteia com um retrato fascinante de uma mulher única e extraordinária. Olga é uma personagem que nos conquista desde o início, com sua determinação, inteligência e coragem diante das adversidades que a vida lhe impõe. O autor constrói uma trama rica em detalhes históricos e contextos sociais, levando o leitor a viajar através do tempo e das diferentes realidades que Olga enfrenta ao longo de sua vida. A relação entre Olga e Herbert é intensa e complexa, marcada por desencontros, tragédias e, acima de tudo, pelo amor que transcende todas as barreiras.
A forma como Schlink aborda temas como machismo, guerra, amor e amizade mostra sua habilidade em mergulhar nas profundezas da alma humana e trazer à tona reflexões importantes sobre a condição humana. A escrita do autor é envolvente e emocionante, fazendo com que o leitor se conecte emocionalmente com os personagens e torça por seus destinos.
"Olga" é, sem dúvida, um livro que merece ser lido e apreciado por quem busca uma leitura instigante, emocionante e enriquecedora. Uma verdadeira obra-prima que nos faz refletir sobre a força e a resiliência da mulher diante das adversidades da vida. Bernhard Schlink mais uma vez se consolida como um dos grandes nomes da literatura contemporânea, e "Olga" é mais uma prova de seu talento e sensibilidade.

Resenha: Rauai: o patrão do polígono da maconha, de Katyuscia Brito

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

De agricultor pobre do sertão pernambucano a um dos patrões do Polígono da Maconha, Rauai era o que chamam de “pessoa errada”. No entanto, ao seu modo, fez o que julgava ser certo. Quem nos conta é Neto, primo de Rauai e narrador deste romance de estreia de Katyuscia Brito, que revela as áridas relações do mundo do crime em um dos lugares mais perigosos do Nordeste. Depois que decidiram parar com a plantação de alimentos para montar o próprio bando de roubo de cargas na estrada, Rauai e Neto tiveram que arcar com as consequências de seus atos. Passaram a ser temidos e respeitados, mas também perseguidos e odiados por muitos. Entre negociações delicadas e emboscadas, viveram sob a mira dos inimigos e, também, de seus próprios fantasmas. Neste livro, Katyuscia Brito passa ao largo de concepções estáticas do que é “bom” ou “mau”. Por isso, Rauai e Neto podem ser, ao mesmo tempo, cabras arretados e jovens frágeis em busca de respostas. São personagens construídos e reconstruídos durante um caminho de vida e morte, paixão e traição e guerra e paz no sertão pernambucano.


RESENHA

Rauai era um homem cercado por pessoas, mas se sentia sozinho. Ele questionava se as pessoas realmente o adoravam ou apenas o temiam. Aos 27 anos, ele havia acumulado um grande patrimônio e sonhava em deixá-lo para seus futuros filhos. Nascido em uma comunidade hippie no Ceará, ele aprendeu que seu nome era uma homenagem a um lugar nos Estados Unidos. Apesar de ter realizado muitas aventuras radicais e viajado pelo mundo, Rauai ainda buscava algo mais para preencher a solidão que sentia. A morte de seus pais em um acidente de carro, quando ele tinha 9 anos, foi um ponto de virada em sua vida. Ele se tornou o único sobrevivente e foi morar com um tio no sertão pernambucano, no Polígono da Maconha. A construção de hidrelétricas no Vale do São Francisco atraiu muitos trabalhadores rurais em busca de emprego, impulsionando o cultivo e comércio de maconha na região, conhecida como Polígono da Maconha. Desde o século XIX, a planta já era presente na área. As décadas de 1930 e 1970 marcaram a repressão e a popularização da maconha. Os agricultores do Polígono, divididos em categorias, sonham em se tornar patrões, os verdadeiros líderes do tráfico. Em 1997, a operação "Cactos" tentou combater o plantio, mas a atividade continuou após a prisão de alguns envolvidos. Alguns mudaram de região, investiram na política ou se tornaram patrões.

Neto continua narrando como durante uma formatura, eles comemoraram uma promoção no Vip Night Club, fechado por uma mulher chamada Dona Nena. Ela ofereceu garotas como presente e os chamou de novos patrões do sertão. Neto e Rauai cresceram juntos, com um vínculo forte após perderem os pais. A entrada no mundo do crime parecia ser a melhor opção, devido à falta de oportunidades na agricultura que enfrentavam. A história narrada por Neto descreve como Rauai e seus amigos decidiram montar um bando para roubar cargas na estrada, visando mudar de vida. Tenorinho, um poderoso do Tráfico de drogas, decidiu comprar o sítio deles e oferecer ajuda para começar o negócio ilegal. Com a ajuda dele, Rauai e seus amigos conseguiram o equipamento necessário para iniciar e fecharam um acordo para vender as cargas roubadas a Tenorinho. Finalmente, a propriedade do sítio foi transferida para uma das primas de Tenorinho. Eles saem do sítio para realizar roubos de carga, seguindo a liderança de Rauai, que dá as ordens e organiza as ações. Após várias tentativas frustradas, finalmente conseguem cometer um roubo bem-sucedido, que lhes traz um bom lucro. Com o tempo, cada membro encontra seu papel dentro do grupo e decidem alugar um lugar para morar em Salgueiro. O relato revela a dinâmica da gangue e o desejo de progredir por meio dos roubos de carga.

Após quase cinco meses desde a primeira carga, eles decidiram pagar a promessa ao Galego e foram ao Recife assistir a uma partida de futebol do Sport.  Após alguns meses desde a chegada deles de Recife, os negócios estavam indo bem e eles continuavam a roubar cargas na estrada. Em uma noite, descobriram que uma carga que haviam roubado estava recheada de maconha, pertencente a um dos patrões do Polígono. Apesar da tentação de lucrar com a droga, decidiram devolver a carga para o dono, mesmo sem encontrar o motorista. Com isso, foram até a fazenda do Zé Maria, onde foram recebidos e agradecidos pela devolução da carga. No final, decidiram que não valia a pena ficar com aquela maconha, e seguiram com seus negócios na estrada.

Neto e Rauai decidem subir de posto no mundo do crime e se tornam empregados de Tenorinho, um criminoso perigoso. No entanto, após perceberem que estão sendo explorados e descobrirem que Tenorinho lucra muito mais do que eles, decidem seguir por conta própria. Um novo comprador para as cargas roubadas é encontrado por eles e conseguem negociar um acordo melhor. No entanto, Tenorinho não aceita a traição e tenta matar Beto, um dos membros do grupo. Após o ataque, eles mudam de endereço e se preparam para uma possível retaliação. A guerra entre Tenorinho e o grupo de Neto e Rauai estava apenas começando.

Zé Maria decidiu passar a administração de seus roçados no Polígono da Maconha para dois amigos, Neto e Rauai, que haviam demonstrado sinceridade e lealdade ao devolver um carregamento de maconha que encontraram em sua fazenda. Ele estava cansado da vida no crime e desejava paz para desfrutar de sua família. Os amigos aceitaram a proposta e se tornaram os novos patrões do Polígono, com o apoio de Flávio, os negócios foram prósperos e Zé Maria seguiu para uma nova vida no Pantanal. A história demonstra como escolhas e boas ações podem mudar o rumo das vidas das pessoas.

Após o término da "Cactos", alguns dias se passaram e eles retornaram à estrada para ganhar dinheiro e iniciar o plantio de maconha. Aprenderam a cultivar a planta e organizaram roçados com trabalhadores rurais, utilizando ilhotas para dificultar o acesso e se proteger de possíveis descobertas. Após enfrentarem problemas com Tenorinho, tiveram que repensar seus negócios e acabaram expandindo a produção de maconha, conseguindo dobrar a safra no ano seguinte e fornecendo para três estados do Nordeste, incluindo maconha de alta qualidade. Eles então se tornaram patrões do Polígono, acumularam bens materiais, mas também assumiram mais responsabilidades e problemas, principalmente com Tenorinho, que se tornou deputado. Após uma comemoração no cabaré, Tibla (amigo de Tenorinho) causou um clima pesado, porém eles não se sentiram intimidados. Rauai fez uma viagem, e ao retornar, Luizinho informou que Anne, uma pessoa importante para eles, havia voltado.

Seis anos haviam se passado desde que Anne partira. Durante esse tempo, ela visitara a família apenas três vezes, mas não havíamos conhecimento das vezes em que estivera no sertão. Como não moravam mais na mesma cidade, Luizinho nunca comentava sobre Anne, pois Rauai proibia qualquer menção ao seu nome. O retorno de Anne para ficar trouxe uma reviravolta na situação. Rauai, ao descobrir da presença de Anne e de seu filho, decidiu confrontar seu passado e seu sentimento por ela.

Luizinho revelou a Rauai que Anne havia presenciado uma cena que a fizera pensar que seu sentimento por ele não era mais correspondido. Apesar dos anos de separação e das mágoas, Rauai decidiu dar uma nova chance a Anne e ao filho. Após uma intensa conversa, Rauai e Anne se acertaram e decidiram ficar juntos. Reintegrada à família, Anne trouxe alegria e uma nova dinâmica para a vida de todos. O casamento civil entre Rauai e Anne foi celebrado com uma linda festa na chácara.

A vida seguia tranquila, mas Anne começou a pedir para que Rauai mudasse de vida. Apesar de ser feliz com Anne, Rauai ainda gostava da vida que levava. O futuro reservava novas reviravoltas, mas, por enquanto, a felicidade reinava na vida deles.

Foto: Detalhes da diagramação / Sophia Editora / Divulgação


Pouco tempo depois, um distribuidor indicou a eles um famoso traficante do Rio de Janeiro para expandir seus negócios. Com a parceria firmada, os protagonistas estavam ansiosos pela nova oportunidade. No entanto, Tenorinho, um rival ambicioso, tentou intimidá-los para desistirem do negócio. Logo depois, eles foram atacados e um dos seguranças foi morto. Diante da situação, decidiram aumentar a segurança na fábrica e tomar mais cuidado.

Meses depois, durante a colheita, Rauai, o líder do grupo, viajou para o Rio de Janeiro para receber o pagamento e verificar a operação. No retorno, foram emboscados e Rauai foi baleado.

A guerra por territórios no Polígono, região marcada pela violência e pelo tráfico de drogas, teve início muito antes de Rauai e Tenorinho se tornarem patrões na área. Rauai e sua equipe se tornaram um problema para Tenorinho ao tomarem suas próprias decisões e adentrarem em novas regiões do país. Após uma emboscada fatal, Rauai acabou sendo preso por tráfico de drogas e porte de arma.

Anne, o amor de Rauai, seguiu em frente, vendeu os bens e montou um restaurante. Galego, outro membro da equipe, se casou e virou pastor, enquanto Tenorinho se reelegeu e continuou seus negócios, consolidando seu poder na região.

Mesmo na solidão da prisão, a leitura foi um refúgio para Rauai. Ele mergulhou em livros e encontrou na literatura um escape para a realidade cruel que o cercava. A leitura o transportou para outros mundos, proporcionando-lhe momentos de paz e reflexão.oi a única fonte de alegria para Rauai durante aqueles anos difíceis.

Apesar de ser um livro denso e abordar temas controversos, "Rauai: o patrão do polígono da maconha", de Katyuscia Brito, é uma obra que merece destaque por sua narrativa envolvente e personagens complexos. A autora consegue criar uma trama instigante que prende a atenção do leitor do início ao fim, explorando os dilemas e escolhas de Rauai em meio ao universo do tráfico de drogas no sertão nordestino. A história de superação e transformação do protagonista, bem como a representação das relações humanas e das nuances do poder na região, são pontos fortes do livro. Além disso, a obra traz reflexões sobre solidão, lealdade, amor e redenção, fazendo com que o leitor se envolva emocionalmente com os personagens e suas jornadas. Com uma escrita fluída e envolvente, "Rauai: o patrão do polígono da maconha" é um livro que, mesmo abordando temas complexos, consegue transmitir mensagens poderosas e inspiradoras.

Sobre a autora | Katyuscia Brito é nordestina, pernambucana, jornalista por formação e escritora de coração. Casada, tem dois filhos. Descobriu a paixão pela escrita aos 13 anos durante as aulas de redação do 7º ano do ensino fundamental, antiga 6ª série. Mudou-se para o estado do Rio de Janeiro com 11 anos. No entanto, costuma dizer que nunca se distanciou do Nordeste. Não por acaso, carrega hoje um sotaque misturado e carregado de brasilidade. Katyuscia Brito escreveu esta obra em 2017, em menos de um mês, durante uma jornada pessoal em busca de autoconhecimento através das palavras.

Resenha: 12 lições contra o neofascismo, de Paulo Cotias

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

Nesta obra, Paulo Cotias analisa o neofascismo como fenômeno caleidoscópico, ou seja, multifacetado, com manifestações muitas vezes silenciosas e subliminares. Daí surgem as 12 lições que motivam o título do livro e seus capítulos. 

Historiador, especialista em Docência Superior e mestre em Educação, Cotias aposta na linguagem clara e objetiva aliada a uma detalhada – e necessária  –  contextualização histórica. Logo de início, um alerta: “Cuidado com o academicismo”.

“Tratar o neofascismo com eufemismos ou outros nomes menos comprometedores – como “populismo de direita”, “extrema direita”  ou “conservadores” – é fazer seu jogo. Ele, como veremos, não pode vir à luz com esse nome. Não quer isso”.

Nas páginas seguintes, o autor segue com o dedo na ferida. Na lição 4 – “O neofascista precisa de arautos” –, afirma: “O neofascista se admira no espelho, mas é temeroso das leis, ética e civilidade, que acredita que o oprimem e podem punir. Por isso, reluta, esperneia e revolta-se se for percebido clara e publicamente como tal. É como a retirada vergonhosa de um disfarce.”

RESENHA

12 Lições Contra o Neo Fascismo de Paulo Cotias é uma obra que analisa de forma profunda e detalhada o neofascismo, um fenômeno multifacetado e muitas vezes silencioso. Com sua expertise como historiador e mestre em Educação, o autor apresenta 12 lições essenciais para compreender e combater essa ideologia perigosa. Em um estilo claro e objetivo, Cotias contextualiza historicamente o surgimento e a propagação do neofascismo, alertando para a necessidade de não utilizar eufemismos para descrevê-lo. Ao longo dos capítulos, o autor aborda temas como a necessidade de arautos, seguidores, inimigos, estética, braço armado, multiverso, fé e algoritmo para sustentar o neofascismo. Uma leitura indispensável para aqueles que desejam compreender e resistir a essa ameaça à democracia e aos direitos humanos.

Partindo do pressuposto da necessidade de conhecimento para ação, Paulo Cotias desenvolve em sua obra uma premissa fundamental e indispensável para construção de barreiras para o avanço do neofascismo. A teoria central da obra convida o leitor para o conhecimento da esfera manipuladora e problemática erradica pelos neofascistas, que, por vezes, recebem títulos de 'salvadores', 'donos da verdade', e outros que costumo dizer 'pais de família', o que os fazem se enraizar no seio da sociedade e se perpetuarem de forma silenciosa e claudicante, promovendo entre seus aliados um ritual de desordem, exclusão e prepotência, o que em síntese, é um efeito da coisa, não de sua difusão. Reconhecer os sinais que fazem o neofascismo se tornar tão presente e popular é uma forma de elaborar uma forma de impedir a contaminação de outras pessoas por meio da ignorância e falta de conhecimento de alguns.

Usando de forma figurada a comparação entre neofascismo e caleidoscópio, o autor promove, desta forma,  um paralelo entre a existência, o ato e a consequência dos movimentos e da inserção silenciosa dos ideais fascistas no seio social por meio da propagação e expansão de seus reais idealizadores e apoiadores por meio de discursos bem elaborados para ouvidos desatentos. Para o autor, derrubar um político ou candidato neofascista não impede o movimento de se propagar ou existir, é necessário assim, atentar-se para as raízes que mantém a base em sua solidificação, sendo necessário pensar em uma ação conjunta que possibilite uma ação efetiva de forma a erradicar não um sintoma, mas a causa como um todo.

Em lição 1: cuidado com o academicismo, o autor se desdobra a desvencilhar as esferas do neofascismo na história, desde os acontecimentos recentes com o uso de notícias e publicidade para desvirtuar o foco do reconhecimento da problemática, o colocando como um acontecimento distinto, não o fascismo propriamente dito. Para ilustrar a raiz e os efeitos, ele analisa de forma contextualizada o fascismo promovido por Benito Mussolini e os resultados catastróficos para os italianos, que enfrentaram a pior crise econômica da história, as greves intensas, que culminaram na acensão de Mussolini como primeiro-ministro de Vitor Emanoel III para formação do Estado Fascista. As condições atuais existentes possibilitaram o discurso de que o fenômeno atual das complicações políticas, dos discursos inflamados e dos problemas sociais fossem intitulados de qualquer outra coisa, menos fascismo, como resultado do academicismo que passou a chamar as recentes problemáticas de populismo; extrema-direita ou autoritarismo, o que fez com que houvesse uma análise menos aprofundada dos termos, levando em consideração sua 'pureza', em relação aos acontecimentos promovidos pela ideologia fascista.

Em lição 2: O fascismo tende a se unificar, o autor estuda a estrutura do fascismo, expondo que, como não há evidências de um movimento orgânico com características visíveis e palpáveis como noutros momentos da história, criou-se então a introdução de que essa ilusão política da falta de análise das problemáticas, era, senão, em um moisaco difundido em diferentes territórios, não mais unificado. O que claro, fortaleceu a ideia de acensão de um fascismo territorializado e menos fragmentado por meio da figura de um líder, responsável pela condução de uma nova hierarquia através dos discursos e da difusão de uma política mais reconhecida por meio de um poder de ação pautado em ideologias, uniformes, hinos e rituais que permitiram, ao passo, ainda que lento, reconhecer os sinais de um levantamento facista social.

Em lição 3: O neofascismo é envergonhado de si, o autor se desdobra a explicitar de forma erudita a dificuldade de se encontrar um participante do movimento de forma clara, o que claro, é resultado do seu fracasso na história, tornando assim, seus seguidores uma forma não linear entre a sociedade. A perversão da democracia liberal ocasionou na criminalização do fascismo, bem como em apologias ao movimento, o que fazem os nazifascistas não se assumirem como parte constitutiva do movimento.

Em lição 4: O neofascismo precisa de arautos, descreve que os neofascistas buscam disseminar suas ideias através de profecias autorrealizadoras e sinais que possam ser interpretados como prodígios. Eles atuam em diversos espaços, como igrejas, redes sociais, mídias de massa e através de influenciadores. Recrutam arautos intelectuais e pseudocientistas para legitimar suas ideias e buscam ocupar espaços na sociedade através de autores que abordam temas sensíveis de forma sensacionalista. A estratégia dos neofascistas é ampliar seu alcance e influência de maneira a manipular a opinião pública e se estabelecer como figuras de poder.

Em lição 5: O neofascismo precisa de seguidores, explica que o neofascismo depende de uma comunidade imaginada, em que arautos falam para um público engajado que se torna disseminador das mensagens. A retórica e a produção de verdades são essenciais para mobilizar os seguidores. Além disso, são utilizadas estratégias estéticas e de produção de conteúdo para conquistar novos seguidores. Há também a figura dos influenciadores, ideólogos e fanáticos, que atuam em diferentes níveis dentro da ideologia neofascista. Crianças são estimuladas a se tornarem arautos, enquanto a formação de uma comunidade imaginada se estende a diferentes aspectos da sociedade. O recrutamento por ressentimento é uma estratégia poderosa do neofascismo.

Em  lição 6: Democracia em desencantonos fala que para a população em geral e para o desenvolvimento econômico e social, a busca por um equilíbrio entre investimentos, gastos públicos e arrecadação é fundamental. A substituição da cidadania pelo consumo e do emprego sólido por arranjos precarizados tem levado a um cenário de endividamento e fragilização da economia e da sociedade. As crises econômicas desencadeiam problemas sistêmicos que necessitam de medidas cuidadosas e equilibradas, que levem em consideração não apenas os interesses do grande capital, mas também os da população e o desenvolvimento nacional.

Em lição 7: O neofascismo precisa de inimigos, discute a ascensão de regimes autoritários e totalitários no século XX, como o nazifascismo e o regime stalinista na União Soviética. Também aborda a crise do Estado liberal e do capitalismo na década de 1920, culminando na Grande Depressão de 1929. Após a Segunda Guerra Mundial, surge a Guerra Fria entre o socialismo de Estado e as democracias liberais, consolidando o Estado de Bem-Estar Social. No entanto, a introdução do neoliberalismo provocou mudanças significativas, como a desindustrialização e a precarização do emprego. O surgimento do neofascismo contemporâneo é abordado, mostrando como a corrupção foi utilizada como um inimigo útil para legitimar a ascensão ao poder, especialmente no Brasil. As estratégias políticas e as consequências desses movimentos são discutidas, ressaltando a importância da conscientização e resistência democrática para evitar retrocessos autoritários.

Em lição 8: O neofascismo precisa de uma estéticaesclarece que todo movimento que visa longevidade necessita de uma estética, que diferencia o eu do outro e estabelece hierarquias e pertencimento. A estética opera no campo simbólico, modulando pensar, sentir e agir. Nas redes sociais, a busca por reconhecimento é ainda mais intensa, levando à adesão estética mesmo sem conhecimento das causas. Neofascistas modernos buscam capturar estéticas já existentes para se identificar e ganhar poder. No Brasil, as cores nacionais e a camisa da seleção de futebol são usadas como símbolos. A relação entre política e futebol no país torna essa apropriação mais fácil. Com estética, simbologia e uniformes estabelecidos, o neofascismo precisa formar um braço armado.


Foto: detalhes da diagramação / Sophia editora / reprodução


Em lição 9: O neofascismo precisa de um braço armado, esclarece e discute  que em 1849, Luis Bonaparte fundou a sociedade 10 de Dezembro para alcançar o poder na França, usando de violência para impor seus desejos absolutistas. Na Itália, Mussolini emergiu em um cenário de ascensão dos partidos populares, contando com apoio de grandes empresários, latifundiários, intelectuais nacionalistas e militares desempregados. No Brasil, os integralistas não conseguiram chegar ao poder devido ao regime ditatorial de Vargas. O neofascismo busca se fortalecer atrelando-se ao poder do Estado e armando a população. O desarmamento é atacado para beneficiar grileiros, madeireiros e garimpeiros, potenciais aliados neofascistas. A concessão de armas pode servir como reserva armada para agir contra instituições democráticas, como visto nos Estados Unidos. Para posicionar militantes nas ruas a favor do neofascismo, é necessário mobilizar diversos segmentos e colocá-los como vanguarda.

Em lição 10: O neofascismo precisa de um multiverso, narra que a dificuldade do neofascismo em um contexto de realidade heterogênea é o uso de manipulação e criação de diferentes narrativas para se manter no poder. Ao criar realidades paralelas em que fatos e valores são distorcidos, o neofascismo tenta controlar e influenciar a população. Por meio de manipulação da informação e negação da ciência, busca manter seu apoio e justificar suas ações, mesmo que sejam prejudiciais à sociedade. Essas práticas criam universos paralelos em que o líder neofascista é visto como uma figura divina ou superior, em que a realidade é distorcida e onde oposições e críticas são desconsideradas. Para perpetuar estas realidades paralelas, o neofascismo depende da fé cega de seus seguidores.

Em lição 11: O neofascismo precisa de uma fé, em resumo, o desenvolvimento de sistemas de crenças e fé tem sido fundamental para a construção de comunidades cooperativas ao longo da história da humanidade. A religião desempenhou um papel central na organização social e na compreensão do mundo, possibilitando ações e controle sobre aspectos da vida que estavam fora do alcance humano. No entanto, com o avanço da ciência e da tecnologia, novas formas de compreender e agir sobre o mundo surgiram, desafiando as narrativas tradicionais de fé. O neofascismo brasileiro atual busca capturar a noção de Deus e a liberdade, adaptando-as de forma a unir diferentes grupos em torno de uma ideologia política específica. A coexistência de sistemas de crenças, tanto tradicionais quanto contemporâneos, demonstra a importância da fé na sociedade atual.

Em lição 12: O neofascismo precisa de um algoritmo, esclarece que a introdução de termos do mundo digital no Instagram e algoritmos refletem processos presentes no nosso organismo. Os algoritmos, como conjunto de regras sistemáticas, são utilizados para reforçar gostos, ideias e tendências, levando todos a agir de forma convergente. Esses algoritmos são produzidos por grupos especializados, como os "gabinetes do ódio", e têm como objetivo controlar a liberdade de expressão, testar os limites da democracia, se apresentar como antissistema e cultuar a violência para impor sua ideologia neofascista.

O livro '12 Lições Contra o Neofascismo', de Paulo Cotias, é uma leitura essencial para compreender as nuances e estratégias do neofascismo na contemporaneidade. O autor apresenta de forma clara e cuidadosa cada uma das lições, abordando desde a manipulação da informação até a necessidade de um braço armado para fortalecer o movimento neofascista. A análise profunda e detalhada de Cotias sobre a estética, os seguidores, a fé e o algoritmo necessários para sustentar o neofascismo nos faz refletir sobre os perigos e desafios enfrentados pela democracia atualmente. Com uma linguagem acessível e exemplos históricos e contemporâneos, o autor nos convida a despertar para a importância da resistência democrática e da conscientização diante do avanço de ideologias autoritárias. Em tempos de polarização política e manipulação da informação, '12 Lições Contra o Neofascismo' se mostra como uma obra atual e relevante para todos que buscam compreender e combater o neofascismo em nosso mundo.

Resenha: Terra, céu e mar, de Ivo Barreto

Foto: Arte digital


APRESENTAÇÃO

"Por que deixaram um menino que é do mato amar o mar com tanta violência?", escreveu Manoel de Barros no desfecho do poema "Na enseada de Botafogo". Mineiro do Vale do Rio Doce e morador de Cabo Frio há 15 anos, Ivo Barreto elabora respostas e percepções em Terra, céu e mar — poemas e linhas, seu primeiro livro de poesia. Ivo faz da sutileza uma prática de observação do mundo a partir da memória e das observações cotidianas. Os poemas, breves e delicados, são intercalados por ilustrações do próprio autor, que é arquiteto, pesquisador e professor universitário. Ivo escreve mineirês ("qui nem daltin / bão de papo / coladim / nimim") ao mesmo tempo em que revisita o patrimônio histórico da Região dos Lagos, o que inclui, por exemplo, a Casa da Flôr de São Pedro, a canoa de borçada de Arraial e os casarios históricos da Passagem, em Cabo Frio. Observa Giorge Bessoni no posfácio: "Terra, céu e mar  é um livro de poemas necessários nas durezas dos dias atuais; acompanhados por ilustrações que, mais que enfeitam, complementam a poesia como verdadeiros versos e estrofes que tornam mais bela e satisfatória a leitura. Este livro que se nos apresenta é arte. E, certamente, ao lê-lo, vós haveis de concordar comigo."

RESENHA

Terra, céu e mar é uma obra poética escrita pelo autor e arquiteto Ivo Barreto, publicado pela Sophia Editora. A obra é dividida em quatro capítulos: ar, terra, brisa e oceano. A obra, poética, elucidativa, provocativa e transformadora é uma brisa de verão em dias quentes. Com artes elaboradas pelo próprio autor, o que complementam graciosamente a escrita do autor que percorre locais e revisita a percepção cotidiana através de uma ótica sublime e doce.

No capítulo ar, o autor se debruça na observação do cotidiano por meio da visão inocente da infância, descrevendo situações como a observação de pássaros atobá-pardos, nas andanças de esquadrinhadas das lembranças dos caminhos e das caminhadas, das memórias em terra batida de manga descascada no dente, a beleza do milharal, as andaças através do breve orvalho das paisagens em vista atenta, uma beira de rio e o passar dos tempos.

Em terra, o autor delineia as nuances explicitas nos desenhos da realidade, como em um croqui arquitetônico através do ponto de encontro das linhas pontilhadas, das caminhadas e andanças em volumes de água no interior, dos traços de vida e lembranças de uma casa e de suas lembranças em uma casa de taipa a pique de barro, do afeto e da saudade da infância mineira e das 'gentes' queridas e vividas nos pontos dos contos.

Em brisa, o autor intensifica suas provações elaborando um chamado para os pequeno momentos de valor da vida. ' [...] e marcantes cai a tarde e as memórias do cotidiano, nos amores presentes na vida, no amor, no namoro e na lembrança, dos caminhos do fiel andante, do papel do tempo desconcertante que aquece o peito, dos chamegos em frente fria, a lembrança de uma mina da cria e das árvores plantadas. Um capítulo que, diferente doutros, revisitas as lembranças de uma forma mais madura e assertiva. A leitura deste capítulo configura a obra uma conjuntura de não mais lembranças, mas agora, de vivência, do agora, dos momentos que ocorrem no exato momento em que acontecem, da forma como a qual vivemos e apreciamos o que é palpável, tangível.

Em oceano, as reflexão do autor se intensifica nas emoções presentes do momento do encontro dos olhos com as cores em uma navegação azul do mar, sobre a luz que escapa da janela invadindo a fresta do dia por frente ao breu seduzindo o ambiente, do orgulho expresso na raiz as heranças dos ancestrais da terra pura, da cor e do cheiro da manga rosa, das caminhadas e estrepadas em árvores, do cheiro da manhã, das alegrias presentes nos sorrisos e do universo particular da vivência em mergulho profundo em si e em suas entranhas de forma abstrata.


Foto: Arte digital


A obra evoca, em sua maior parte, grande parte da formação do autor em arquitetura, não somente pelas imagens como referência, mas pelas citações acerca de linhas e criações pontilhadas acerca do desenvolvimento de uma vida, de um sonho e de uma vivência acerca da realização presente na construção de um projeto [arquitetônico, de vida, pessoal]. A obra possui uma linguagem as vezes própria e retinta de personalidade própria, as vezes local, mas sempre atemporal. Percorrer as palavras de Ivo é entender através de suas nuances a certeza de que as lembranças constituem parte do processo de construção de uma casa, de uma identidade e de uma vida. Construir memórias, cultivar momentos e aproveitar o tempo. Uma obra, certamente, incrivelmente linda e cativante para os amantes de uma poesia revigoradora e transformadora.


SOBRE O AUTOR | Arquiteto pela UFF (2004) e especialista em Preservação do Patrimônio Cultural pela UFPE (2010), Ivo Barreto é mestre em Projeto e Patrimônio pela UFRJ (2017) e doutorando em Arquitetura pela mesma instituição. Arquiteto do corpo técnico do Iphan há quase duas décadas, é professor do curso de Arquitetura da UNESA, em Cabo Frio, onde leciona as cadeiras de Projeto de Arquitetura, Desenho e Patrimônio Cultural. Conta com livros publicados nos campos da Arquitetura, do Patrimônio e das Artes Visuais. Navegante das múltiplas linguagens em sua produção, o autor promove em Terra, céu e mar o diálogo entre o desenho e a palavra, abrindo rota para provocações ora semânticas, ora gráficas, costurando uma troca contínua entre letras e traços. Emerge daí uma poética leve e sensível, capaz de tocar, ao longo da leitura, sentidos variados da percepção e dos afetos.



Conheça “canção do amor distante”, novo cd de Ana Salvagni e Eduardo Lobo

Canção do amor distante, de Ana Salvagni


A maestrina e cantora Ana Salvagni venceu a categoria regional do Prêmio da Música Brasileira com o disco “Alma Cabocla”, em 2010, enquanto o violonista Eduardo Lobo conquistou o segundo lugar na sétima edição Prêmio Visa Instrumental em 2004. Formados pelo Instituto de Artes da Unicamp, há cinco anos, eles iniciaram um projeto cujo resultado é o CD Canção do Amor Distante, com um dos shows de lançamento acontecendo na Cia. Sarau, em Campinas. O espetáculo contou com a participação especial do instrumentista Paulo Freire, um dos convidados para a gravação do disco distribuído pela Tratore. O álbum conta com 12 arranjos para violão e voz, onde Ana e Lobo interpretam o amor ausente em diferentes ritmos, gêneros, épocas e culturas. Com peças como Canção I, Contrato de Separação, Apaga o Fogo Mané e Cantiga de Amigo, a obra promete surpreender os ouvintes. O projeto, segundo os artistas, nasceu da vontade de executar canções com maior densidade e contou com a participação de diversos músicos na sua produção em Campinas.

A Canção do Amor Distante apresenta a união entre o canto e o violão, reunindo algumas das mais belas canções brasileiras, ainda que pouco divulgadas, e importantes autores, como Tom Jobim, Dominguinhos, Carlos Lyra e Sinhô, além de canções estrangeiras. O álbum, com arranjos e direção musical de Eduardo Lobo, valoriza a precisão e as sutilezas da voz e do violão. A produção de Ana Salvagni contou com a participação de músicos como Matteo Ricciadi, Chico Santana, Paulo Freire, Fernanda Vieira, Carlinhos Antunes e Thibault Delor. O projeto foi viabilizado por uma campanha de financiamento coletivo bem sucedida, com mais de 250 apoiadores na plataforma Benfeitoria.


Em seu quarto CD, Ana Salvagni une-se ao violonista Eduardo Lobo, que assina os arranjos e a direção musical. As canções têm estilos variados e conservam o mesmo tema do amor ausente. Grandes compositores da MPB, como Guinga, Dominguinhos e Tom Jobim são combinados ao italiano Vinicio Capossela, ao venezuelano Manuel Yánez e a um trovador do século XIII. Participações de Matteo Ricciardi, Paulo Freire e Thibault Delor, entre outros.


Foto: CD canção do amor distante / Arquivo Pessoal


Ana Salvagni é uma cantora, poetisa e regente, formada em Regência pela Unicamp em 1994. Em parceria com o Trio Bem Temperado, lançou os CDs Ana Salvagni (1999), Avarandado (2005) e Alma Cabocla (2009) e possui dois livros de poesia publicados, Janela Sem Tranca e Fotos do Espelho. Além disso, é regente dos corais Açucena, Avis Rara e Da Quinta, de Campinas-SP, e integra o espetáculo Janelas do Tempo com o grupo Choro da Mata. Também se apresenta ao lado do violeiro Paulo Freire e em duo com o violonista Eduardo Lobo.


Eduardo Lobo, aluno de doutorado em música na Unicamp, tem vários CDs gravados, incluindo Choro Elétrico (Prêmio Visa), Porta Aberta (2008), Alegria (2010), Abrideira (com o grupo Fina Estampa) e Ideia de Antes (2013).


(C) 2016 Ana Salvagni e Eduardo Lobo [dist. Tratore] (P) 2016 Ana Salvagni e Eduardo Lobo [dist. Tratore]


Ouça 'Canção do amor distante':

Apple Music: https://music.apple.com/br/album/can%C3%A7%C3%A3o-do-amor-distante/1168205298

Youtubehttps://www.youtube.com/playlist?list=OLAK5uy_ld0gBvoxcb6fY15C8LGiEsLFu3Wb6pfVY

Spotifyhttps://open.spotify.com/intl-pt/album/5F5TAQ7feymu0dN3ibDDb4

Resenha: Oratório, de Ana Salvagni

Foto: Oratório, novo livro de Ana Salvagni / Arte digital

Falar sobre este livro requer um cuidado meticuloso, pois não se trata apenas de uma obra poética, mas de uma análise profunda e espiritual de uma artista com múltiplas carreiras e talentos que se desenvolvem sob o fino tecido da vida. Ana Salvagni é poetisa, cantora, regente, artista, vivente, sobrevivente, aclamada, única, visceral, apaixonada e sobretudo, dotada de grandes talentos em todos os níveis esféricos do ser humano. Publicado pela editora Laranja Editorial, oratório, é o terceiro livro escrito pela autora, que, como se nota, se desdobrou a se reescrever o sentimentalismo espiritual inerente ao ser humano com o cuidado a quem se desdobra a viver a vida entendendo sua finitude e expondo-a ao âmago das relações de vida e da existência. 


Tendo como inspirações grandes nomes da literatura como Hilda Hilst, Vinícius de Moraes, Manoel de Barros, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade, Ana se mostra prolífica em desvendar o ser humano por meio de suas reflexões poéticas acerca da espiritualidade e vida, como expresso também em sua música 'era aquilo só': Eu via a vida tão diferente, tão diferente do que ela é Tinha saudade de tanta coisa, não sei de quê. [...] Mas uma noite, veio um tufão e carregou [...] E eu vi que a vida não é mais nada, era aquilo só. A poetisa expressa, de forma acalentadora e tranquila a descrição de uma vida baseada em sentimentos de nostalgia e saudade profunda doutros momentos e da destruição de suas idealizações acerca da vida com a chegada do inesperado, essa característica expressa com maestria em sua música, leva-nos a compreender a finitude e brevidade da vida, sobretudo, de nossas preces diárias caminho à morte iminente em meio à travessia da vida, como em PRECE II: anjo nosso da noite de ninguém / guarda os olhos do dia / enquanto nos perdemos em funda travessia / canta e silencia incanssável indagação / enquanto, traje de plumas e espada em punho, dançamos e perpassamos camadas / defende nosa predestinação à morte / enquanto, irreais, existimos. 

Já no poema, casulo, a autora descreve em metáfora análoga à casa e ao conforto provocado pelo conhecido, a autora reflete acerca dos momentos de transformação em meio a reclusão, refletindo sobre sua vida e emoções em meio à um estado de introspecção, através do fortalecimento através de seu caminho de autocuidado: 


CASULO

caso descaso 

refaço a teia sem perceber

há sete dias no vão

na casa que me alimenta

no casulo que é morte e é vida também

que é luto e é aprumar-se 

lavo os panos alívio gavetas

recolho-me aos incômodos

às inconclusas preces me deito

sou eu mesma a minha rede

e ainda que eu saia e olhe o mundo

ainda que eu encontre alguém pelo caminho

durmo ainda, pupa

mais sete dias e deixo a estufa 

meu asilo meu exílio

a casa que me devolve 

as asas


A obra, um emaranhado de preces elaboradas em relação a necessidade constante de transformação interna e dos afagos inexistentes em meio a caminhada da vida, Ana, em sua prolífica sutileza com a voz e escrita transcende as reflexões acerca da vida e da vivência. A obra que se abre em Prece I: sagrado altar das belezas / dos impossíveis propósitos, dos importantes abraços / diante de ti, humanamente, peço / não me deixe mais padecer do medo / e do arremedo / porque assim foi / e que eu, vicejante, seja. Refletindo acerca dos impossíveis e inalcançáveis propósitos da vida, a autora, humanamente, pede em oração: não me deixe mais padecer de medo e do arremedo, encontrando-se em síntese versa, com sua força interior no espiritual e na sua conexão paulatinamente frenética e constante com a autorrealização um sinal de que tudo ficará bem. Uma prece, um pedido.

Já em partilha, (p.26), há uma oração em prol do humano, da vida. 
aos filhos o amor em corpo, palavra e fotografias / o sublime silêncio depois da história / a contemplação / o doce-amargo lavrar da memória, expõe uma reflexão acerca do amor enraizado nos filhos em relação ao poder existente na vida que se esvai rapidamente, como a saudade de momentos simples e complexos de uma saudade latente, como a de um momento de histórias à cama entre pais e filhos no 'doce [momento] amargo [passageiro] da vida. Segue sua prece em 'a ninguém a armadura de dores maciças / a ser arremessada de alguma altura / ou dissolvida com um pranto qualquer', retrata e ressignifica o pedido de não mais a quem possa sentir a dor não passageira, frequente e latente, que ninguém experiencie a tristeza imposta pelo pranto por motivos quaisquer que sejam, que todos possam, em síntese, experienciar os momentos sem se sentirem atingidos de forma tão direta no sentimento e na experiência. Desdobra-se aos momentos simples da vida, como 'aos vizinhos a minha música [da vida], não a que se canta [...] mas a que sai da boca da torneira, no tanger dos prendedores no varal [...], aos pais, o ardor de mais uma vida de um filho, aos irmãos, as lembranças que para sempre permanecem, aos netos, os poemas e jabotis [memórias, lembranças] que carregam consigo por todos os tempos.

Em suma, o livro "Oratório" de Ana Salvagni é uma obra que transcende as barreiras da poesia e se torna uma profunda reflexão sobre a espiritualidade e a vida. Com inspirações em grandes nomes da literatura, a autora demonstra sua habilidade em desvendar os mistérios da existência e nos leva a refletir sobre nossas próprias jornadas. As preces e reflexões presentes nas páginas do livro nos desafiam a olhar para dentro de nós mesmos e a buscar a transformação interna necessária para enfrentar os desafios da vida. Com uma linguagem poética e envolvente, Ana Salvagni nos convida a repensar nossas relações com o mundo e a viver de forma mais plena e consciente. Uma leitura que com certeza tocará o coração e a alma de todos que se permitirem mergulhar nas profundezas de suas páginas.

Travestis na literatura: 8 livros para conhecer em 2024



Os livros escritos por travestis têm se destacado cada vez mais no cenário literário, trazendo à tona narrativas e experiências que muitas vezes são invisibilizadas pela sociedade. Em 2024, não poderia ser diferente. Neste post, reunimos 8 livros de autoras travestis que prometem surpreender e emocionar os leitores com relatos poderosos e transformadores. Desde memórias intensas de superação até reflexões profundas sobre identidade e resistência, essas obras são essenciais para quem deseja conhecer e valorizar a diversidade de vozes e experiências presentes na literatura contemporânea. Venha conosco e descubra essas incríveis obras literárias que merecem ser lidas e compartilhadas.

1. Nem tão bela, nem tão louca, de Ruddy Pinho

Neste livro você vai encontrar nas mais de 300 páginas uma mulher madura, mãe, amiga, amante, guerreira e religiosa. Uma Ruddy que nem ela mesma conhecia. Mostrando que no Brasil, apesar de todos os problemas sociais e políticos, é possível vencer, ser diferente, respeitada e envelhecer. É claro que o glamuor sempre presente em sua vida não foi deixado de lado em suas passagens com as personalidades do mundo artístico. Nova York e Paris são cenários constantes de narrativas hilárias. Alguns registros dessas memórias então nas mais de 80 fotos encartadas ao longo do livro.



2. Eu, travesti, de Luiza Marilac


 Luísa Marilac nasceu em Minas Gerais e assumiu-se travesti aos 17 anos. Além dos tradicionais traumas associados à transição de gênero em uma família conservadora e de classe baixa, levou sete facadas aos 16 anos, foi vítima de tráfico sexual na Europa, prostituiu-se, foi estuprada e presa mais de uma vez. Alçou-se à fama depois que viralizou no YouTube um vídeo seu com o bordão "E disseram que eu estava na pior".

Em uma história de superação, transformou a dor em energia para lutar pela mudança do mundo para mulheres que nascem como ela – com um "pedaço de picanha entre as pernas", como costuma brincar. Ativista das travestis, trabalha para combater o preconceito com humor e diálogo franco.



3. E se eu fosse pura, de Amara Moira

Professora de literatura, doutora em Letras pela Unicamp e prostituta em Campinas, Amara Moira traz um relato autobiográfico sobre sua transição de gênero e as experiências como profissional do sexo.

Travesti em inícios de carreira, Amara Moira percebeu ser mais fácil transar sendo paga do que dando-se de graça, facinha como ela é. Decide então pela rua, encontrando nisso prazer em não só viver ali o sexo tributado (nas formas todas em que ele aparece), mas também em rememorar depois a experiência, retrabalhá-la em texto: travesti que se descobre escritora ao tentar ser puta e puta ao bancar a escritora.

Nesta obra, Amara mostra a vida por trás dos panos da profissão mais malfalada do mundo, mostrando as angústias, os medos, os preconceitos mas também, por que não?, os prazeres que ali conheceu. Escancarando verdades que a sociedade gosta escondidas debaixo do tapete, ela aborda o cotidiano da prostituição, sobretudo da perspectiva trans: o dia a dia da rua, a barganha, o homem antes e depois de pagar.

4. Bricolagem travesti, de Maria Leo Araruna


A coleção de esculturas “Moças de Bricolagem” tem sua origem em uma necessidade inexplicável de usar minhas mãos. Há muito, escuto esse pedido sangrado de minhas cutículas roídas, mas não sabia como satisfazê-lo. Foi, então — em uma daquelas noites em que me deito na cama cheia de êxtase criativo, sem conseguir dormir, porque não sei exatamente como catalisar essa pulsão interior —, que eu tive uma ideia: olhei para minhas bonecas na estante e pensei “vou fazer umas roupinhas pra vocês!”. Era já alta madrugada, 4 horas da manhã, e eu iniciei um processo o qual desarmou memórias e sensações hibernadas no meu corpo.


5. Transradioativa, de Valéria Barcellos

Valéria Barcellos é cantora, atriz, DJ, performer, escritora e artista plástica, detentora da maior honraria dada a mulheres no estado do Rio Grande do Sul, o troféu "Mulher Cidadã". Antes de tudo isso, Valéria é mulher negra. É mulher trans. É a representação da transnegritude e do transfeminismo. Foi durante o período de descoberta e tratamento de um câncer que ela decidiu registrar suas vivências e memórias em texto - não apenas das vitórias sobre a doença, mas sobre a luta contra o epistemicídio da população negra e LGBTTQ+. Nas palavras de Jean Willys sobre seu primeiro encontro com Valéria: apesar de aplaudida de pé, ela interpelava os olhares como se dissesse ´as aparências não me enganam não!´. Valéria sabia o quanto de racismo, homofobia e transfobia havia superado para estar ali, como uma estrela. Sabia o quanto de racismo, homofobia e transfobia ainda perdurava em muitas daquelas pessoas, mesmo que elas não tivessem consciência disso. E sabia que a guerra não estava ganha. Nunca está. TRANSRADIOATIVA é o grito de Valéria contra essa guerra!

6. Pedagogia da desobediência, de Thiffany Odara


O livro Pedagogia da Desobediência: Travestilizando a Educação da pesquisadora, pedagoga e Iyálorixá Thiffany Odara conta sobre a produção de saberes travestis na cidade de Salvador. Costurando as histórias do movimento trans com os diálogos teóricos do feminismo negro, Thiffany propõe travestilizar a educação como forma de construção de espaços de conhecimento que sejam para todas as pessoas. Uma pedagogia transgressora que diz de reinvindicação e acesso, em especial das pessoas trans, a condição de humanidade. Uma publicação que abre caminhos para outras pedagogias e incita a desobediência do CIStema. Thais Faria Castro (Editora) Um mergulho em águas profundas! Essa é uma das inúmeras definições possíveis das sensações experimentadas as leitoras (es) de Pedagogia da desobediência: Travesti lizando a educação. Como um convite para reatualizarmos nossas concepções sobre os feminismos negros e as produções transfeminista Thiffany Odara nos apresenta o impacto da produção intelectual de uma mulher negra, baiana, candomblecista trans no campo da educação. Para além de um magnifico resgate histórico da luta das travestis na cidade de Salvador o texto nos leva a entender o caráter pedagógico desse movimento, e como este foi e é fundamental para sobrevivência dessas ativistas; bem como os ensinamentos e legados deixados para as futuras gerações. Ao resgatar o pensamento clássico dos feminismos negros e transfeminismos também fica evidente a provocação sobre a necessidade urgente da articulação entre essas teorias e práticas para melhor entendermos o trilhar do caminho que nos é proposto. As reflexões tornam-se ainda mais potentes quando a autora intersecciona sua formação enquanto pedagoga para deslocarmos essas discussões para o campo da educação; pensando a mesma para além do espaço escolar. Thiffany transforma as dores e violências sofridas em sua trajetória educacional em uma ordem imperativa: É preciso desobedecer e travestilizar! Os apontamentos para a construção de uma educação transgressora se fazem presente durante toda a construção do pensamento da autora que sem dúvidas nos aponta os possíveis caminhos para pensarmos conceitos e formulações inéditas em campos distintos do conhecimento. Sem dúvidas um dos mais relevantes trabalhos da atualidade sobre o tema, mergulhem! Dayane Nayara C. Assis (Nzinga Mbandi)

7. Crianças Trans, de Sofia Favero


Crianças trans, vocês existem? A pergunta é, a meu ver, retórica. Sofia persegue a infância com um refinamento e uma sagacidade ímpares nesta publicação. A linguagem, como sempre, coloca-se de maneira capciosa quando nos referimos ao que não foi posto, a princípio, como "natural" a partir do olhar cisgênero. A autora empreende um trabalho fantástico, utilizando-se de uma auto-história que se entremeia com a cultura virtual contemporânea e a literatura científica, para nos falar de algo fulcral aos estudos sobre infância, ou sendo mais direta, sobre como funcionam os dispositivos sociais de afirmação de determinadas identidades, em detrimento de outras, hierarquizadas como "normais", "boas", "bonitas". Neste livro, com a sua inteligência própria, humor afiado e desenvoltura intelectual, Sofia nos presenteia com uma problematização sensível e didática do senso comum, abrindo os olhos para uma perspectiva mais complexa desse projeto que estamos produzindo: humanidade. Não um que fecha os olhos para a nossa diversidade, mas, isso sim, um que explora nossas possibilidades para além dos nomes, nosologias e apagamentos. Profa. Dra. Jaqueline Gomes de Jesus (IFRJ) Sobre a autora Sofia Favero é ativista, psicóloga e doutoranda em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS. Faz parte da Associação e Movimento Sergipano de Transexuais e Travestis e do Núcleo de Pesquisa em Gênero e Sexualidade (NUPSEX). Em seu tempo livre, gosta de jogar videogame com suas duas sobrinhas, Helena e Lara.

8. O diabo em forma de gente, de Megg Rayara


O Diabo em Forma de Gente: (r)existências de gays afeminados, viados e bichas pretas na educação é uma pesquisa de doutorado, e como nome informa, se concentra no espaço escolar, um lugar caracterizado pelo controle de corpos e pela produção de subjetividades e se orienta a partir de duas formas de segregação e preconceito, o racismo e a homofobia. Embora a pesquisa adote um tom de denúncia, reconhecendo que o dispositivo de sexualidade e o dispositivo de racialidade operam sobre as experiências de homossexuais masculinos negros, que passam inclusive por um processo de demonização, o interesse da autora foi destacar as estratégias de enfrentamento desenvolvidas por 4 docentes negros que expressam orientação sexual discordante da norma heterossexual. A pesquisa constatou que as resistências desenvolvidas são múltiplas e emergem, na maioria das vezes, dos discursos racistas e homofóbicos. Assim, as categorias gays afeminado, viado, bicha e preta são ressignificadas pelos próprios sujeitos aos quais elas se referem, e se materializam como possibilidades concretas de enfrentamento. Para fazer esse debate a autora, Megg Rayara Gomes de Oliveira, se utilizou do método auto-biográfico desenvolvido pelo professor doutor Marcio Cawetano e adotou uma postura interseccional para mostrar que são múltiplos os marcadores que operam para interditar socialmente uma pessoa. O texto aqui apresentado é um exercício de pesquisa caracterizado pelo revezamento entre várias áreas do conhecimento e contribui de forma bastante potente para a pesquisa acadêmica e também para a construção de uma sociedade menos normalizadora. Embora a escola seja apresentada como um espaço de controle sobre os corpos, especialmente aqueles que escapam às normas de raça e de gênero considerado hegemônicos, ela também pode apresentar áreas de escape e assim evitar que o controle se efetive da forma pretendida. A pesquisa, escrita em primeira pessoa por uma travesti preta, moradora da cidade de Curitiba, mostra que os mecanismos de controle que conduzem pessoas negras, gays afeminados, viados e bichas ao abandono do sistema educacional não são eficazes em sua totalidade e muitos corpos escapam e a formação acadêmica se revela como uma estratégia de enfrentamento bastante poderosa. O Diabo em forma de gente construído pelos discursos normatizadores e normalizadores é assumido por quem antes era a vítima dele. O Diabo materializado na figura do gay afeminado, do viado e da bicha preta coloca em debate as múltiplas possibilidades de (r)existências que questionam os dispositivos de poder que queriam destruí-lo. O racismo e a homofobia se interseccionam e continuam operando sobre as existências de gays afeminados, viados e bichas pretas como dispositivos de poder. Mas, como propõe Michel Foucault (1986 - 1984), onde há poder há resistências. Há existências.


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