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O Brasil de Lula, segundo Perry Anderson

Anderson, Perry, ISBN 9781788737944, Pág. 256, 2019. Verso Editora

O artigo do historiador inglês Perry Anderson aproxima-se de uma hagiografia do ex-presidente Lula. Não obstante os êxitos, mas também os escândalos, que permearam os dois mandatos de Lula, sua figura se destaca imensamente no texto e sofre apenas de passagem um ou outro arranhão.

Mesmo quando censura, com veemência, atos de corrupção, ou o que chama de "lado sombrio do pt", Anderson poupa a figura presidencial. Em poucas palavras, tal como ocorre desde o tempo das monarquias absolutas, o "rei" acerta sempre e os erros, as transgressões são culpa dos falíveis ministros, os membros do primeiro ou do segundo escalão, na linguagem de hoje.

Nessa esteira, Perry Anderson assume um mantra caro ao ex-presidente: "Nunca antes na História deste país..." etc. O recurso político matreiro, mas inegavelmente eficaz, utilizado nos palanques torna-se falso quando incorporado como pressuposto de um artigo acadêmico. A utilização dessa chave retórica me obriga a voltar a questões e argumentos pisados e repisados. Ressalvo, de início, que não pretendo fazer um balanço do governo Lula. Meu propósito é bem menos ambicioso. Procuro tão somente analisar a versão de Perry Anderson do Brasil de Lula.

Vou começar com o terreno econômico. Aludindo ao perigoso momento do prestígio de Lula durante a crise dos rações mensais iniciada em maio de 2005, Anderson destaca que o ex-presidente superou uma situação difícil graças aos erros da oposição e à existência de duas reservas de emergência "que não só salvaram sua posição , mas o transformou". A primeira "cautela" seria a volta do crescimento econômico após o primeiro mandato "essencialmente por sorte no exterior". Anderson cita um grande aumento nos preços das commodities, juntamente com um aumento na demanda chinesa por minério de ferro e soja, como um dos principais fatores por trás da bonança; a segunda "reserva" seria a implementação de uma série de medidas e programas, como um aumento substancial do salário mínimo acima da inflação, a implementação e expansão do programa Bolsa Família e a introdução de empréstimos salariais. Anderson destaca a implantação do Bolsa Família, destacando que o custo efetivo do programa "é uma ninharia", mas seu enorme impacto político, pois fomentou a criação de um forte vínculo material e simbólico entre Lula e as camadas mais pobres da população brasileira . . Ele diz, com razão, que a elevação do salário mínimo resultou em um mecanismo de transferência de renda mais importante do que os programas assistenciais que atingem também os setores informais da economia, ainda que, segundo Anderson, não cheguem a 80% da força de trabalho. 50%, no pior cenário.

As afirmações do autor no campo econômico poderiam ser consideradas totalmente verdadeiras, não fosse o ocultamento ou a crítica de tudo o que aconteceu nos anos anteriores à chegada de Lula ao poder, especialmente no governo de Fernando Henrique Cardoso. Em poucas palavras, muitos anos depois, Perry Anderson volta ao clichê do "legado maldito", destacando o baixo crescimento dos anos fhc, o aumento da dívida pública, dos juros e da inflação, esta última nos últimos meses de governo . Ignora que para consolidar a estabilidade, Fernando Henrique teria que reorganizar as finanças públicas, privatizar os bancos estatais, renegociar as dívidas nacionais e construir com esses programas de ajuste fiscal. Também não leva em consideração a existência de um cenário externo adverso, por dois motivos principais. De um lado, termos de troca desfavoráveis ​​para o país devido ao baixo preço das commodities; de outro, as crises do México (1994), da Ásia (1997) e da Rússia (1998). Também digno de nota é o temor gerado nos meses finais da presidência pela iminente vitória do PT, temor que se revelou injustificado.

Além disso, o autor do texto prefere ignorar que os inegáveis ​​sucessos do governo Lula no campo da economia e das finanças públicas não se devem apenas à "sorte lá fora", mas também à preservação dos alicerces dela, construídos anteriormente, a partir quadro de grande desorganização. A política econômica responsável teve como ponto de partida o Plano Real, que, após fracassos anteriores, representou um extraordinário sucesso na política macroeconômica ao reduzir a inflação estratosférica a níveis perfeitamente aceitáveis. Como se sabe, os principais beneficiados com a queda da inflação foram as camadas mais pobres da população, indefesas diante da alta de preços que corroía os salários, semanas antes do final de cada mês. Vale citar, por exemplo, a reabilitação das finanças públicas com a limitação das despesas dos entes da federação e a proibição de empréstimos bancários aos respectivos governos estaduais, que puseram fim à onda de campanhas eleitorais financiadas. , a fundo perdido, por bancos públicos. Por fim, relembro o Programa de Estímulo à Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), que saneou o sistema bancário e criou um patamar de equilíbrio financeiro. Na época, o plano foi obstruído pelo PT, CUT e sindicatos controlados pelo PT como um conluio para salvar os banqueiros. Na realidade, os tempos eram outros, longe da ascensão de Lula ao poder, quando a demonização do setor financeiro sumiu de cena e deu lugar à sua aproximação.

A avaliação de Perry Anderson sobre a continuidade ou descontinuidade da política econômica durante os mandatos de ambos os presidentes é contraditória. Em certo ponto de seu artigo, ele afirma que "longe de qualquer continuidade, houve um descompasso entre seu governo [de Lula] e o de Fernando Henrique Cardoso". A lacuna teria a ver com o fato de Lula ter lançado um contra-ataque agressivo contra as privatizações, e nenhuma empresa ter sido privatizada sob seu governo. Além disso, Anderson faz a pergunta: "Que avaliação da experiência brasileira iniciada durante o governo Lula, e mesmo depois dele, é possível neste momento? Vista como um período da economia política do Brasil, pode ser vista como uma continuação do desenvolvimento do Fernando Henrique Cardoso, o desenvolvimento dentro da mesma matriz.'

É estranho que o autor tome a interrupção das privatizações como sinal de uma virada. Haveria uma cisão se Lula renacionalizasse as empresas privatizadas em resposta à pressão do setor radical de seu partido e aos votos localizados na extrema esquerda. Como teve a sabedoria de preservar, para o bem ou para o mal, o que havia sido feito, não cabe falar em ruptura a esse respeito, a não ser no âmbito dos insultos retóricos, que Anderson chama de "um contra-ataque agressivo contra o anterior". privatização do governo”. Porém, não podemos esquecer que o governo Lula ignorou as agências reguladoras e reduziu a capacidade de regulação pública em setores fundamentais para o bem-estar da população e o desenvolvimento do país.


Em relação à alegada viragem decorrente da renovação radical da política social, é necessário fazer uma distinção. É inegável que o maior crescimento econômico dos anos do governo Lula, bem como a política de transferência de renda, levaram a uma significativa ascensão social das camadas mais pobres da população e dos setores mais baixos da classe média. Mas dizer que o Brasil hoje é majoritariamente um país de classe média ignora o fato, justamente apontado pelo autor do texto, de que o nível de entrada estatística na classe média adotado pelo Ipea é notoriamente baixo em comparação.

Ressaltando o progresso social dos dois mandatos de Lula, Perry Anderson embarca na afirmação, tantas vezes repetida, de que o governo Fernando Henrique "ignorou o setor social", uma inverdade muito bem organizada para apreciar o caráter compassivo de Olihňa. Há um ponto básico a ter em mente a esse respeito. O sempre lembrado programa Bolsa Família, conforme expressamente disposto na Lei Federal nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, resultou da unificação de vários programas implantados no governo Fernando Henrique: Programa Nacional de Renda Mínima Vinculada à Educação; Programa Nacional de Acesso Alimentar; Programa Nacional de Renda Mínima Vinculada à Saúde; Programa Gás-Auxílio, acompanhado de cadastro uniforme do governo federal. Ao final do mandato de Fernando Henrique, o conjunto de programas já beneficiava 5 milhões de famílias e chegava a 12 milhões ao final do mandato de Lula, em 2009. Ressalte-se que a renovação desses programas e sua unificação em Lula ocorreu após o fracasso de outro Modelo Fome Zero, inspirado nos círculos católicos de esquerda. Nesse caso, não se trata de uma simples mudança de rótulo, pois o Fome Zero nasceu com a ideia de incentivar a agricultura familiar por meio da distribuição de alimentos a moradores carentes.

Então, pode-se dizer que, na expressão de Perry Anderson, houve uma ligação entre os mandatos de Fernando Henrique e Lula? Na esfera econômica e social, a afirmação é parcialmente verdadeira se nos atermos ao primeiro mandato de Lula, quando ele geralmente seguia a política econômica de seu antecessor. Desde o segundo mandato, houve uma mudança para uma postura mais estatista, possibilitada pelas conquistas dos primeiros quatro anos de governo. Essa mudança deu maior ênfase ao papel do Estado no processo de investimento e na expansão do mercado interno de massa, mas não representou um novo modelo de desenvolvimento, apesar da retórica em torno do tema.

Uma profunda mudança de rumo entre o governo de Lula e o de Fernando Henrique apareceu no campo da política com mudanças no nível de poder, acompanhadas pelo surgimento de novos atores sociais. Sob os auspícios do Estado e com a utilização de recursos públicos, criou-se um bloco ainda suscetível ao desequilíbrio do jogo político e à ameaça de rotação do poder. O bloco é baseado no lulismo, ou seja, no peso da personalidade carismática de Lula, e tem autômatos do PT, sedes sindicais (com corte na cabeça), grandes grupos privados, beneficiários de empréstimos subsidiados de títulos e fundos de pensão transformados em um elo entre o sindicato e o mundo dos negócios. Acho que foi Francisco de Oliveira quem primeiro viu nascer esse bloco de notórios riscos para a democracia, um sociólogo que não faz ideia da marca do neoliberalismo. Para expressar em uma palavra essa configuração, ele trouxe à cena um animal sui generis, o ornitorrinco, desconhecido em forma zoológica em nossas costas.

Sobre a corrupção no governo Lula, Anderson é perspicaz o suficiente para não pular no barco furado de que as repetidas acusações de membros do governo não passavam de uma conspiração da mídia. Ao contrário, o autor reconhece "que a corrupção da qual o PT se beneficiou e governou [sic] foi provavelmente mais sistemática do que a de qualquer antecessor". Com base nessa observação geral, ele narra abundantemente os detalhes de delitos de vários tipos, atribuídos a José Dirceu, José Genoin, Dudo Mendonça, Luiz Gushiken, Antonio Palocci, etc. , ele se refere ao assassinato não totalmente explicado do prefeito de Santo André Celso Daniela, ocorrido no início de 2002, atribuído a irregularidades na política municipal. A tese de um assassinato político, aliás, foi descartada por Lula e seu partido, que rapidamente puseram fim ao episódio com a contribuição ímpar da polícia de São Paulo.

Dessa forma, Perry Anderson condena descaradamente os chamados delitos ocorridos nos anos Lula, e não haveria razão para insistir nesse ponto. Mas não é assim. O autor tenta amenizar as práticas corruptas, relativiza-as de várias e imaginativas formas. Ele alude, assim, à possibilidade de colocar a questão da corrupção em perspectiva histórica ao dizer que o financiamento ilegal de campanhas políticas por doadores secretos foi ou é um comportamento generalizado na política brasileira. Ele também aponta que o alvo dessa acusação era o presidente do PSDB e ele teve que renunciar à presidência do partido.

Ressalte-se aqui que seria uma farsa atribuir práticas corruptas de toda ordem apenas ao governo Lula e ao PT, que atingiram até mesmo localmente os maiores partidos da oposição, exceto ministros indicados por partidos da base aliada. Essa observação é verdadeira, mas a questão central não é sobre as transgressões habituais, mas sobre a instauração de um sistema de poder no qual tais transgressões estão inseridas como seu elemento constitutivo. Aliás, o autor do texto também está ciente desse fato quando, como já mencionei, faz alusão à "corrupção provavelmente mais sistemática" no governo Lula.

O ponto central do artigo de Anderson sobre corrupção é a negação do então presidente Lula de cumplicidade, mesmo por complacência, nos escândalos que assolaram seu governo. Essa afirmação é feita en passant no meio da frase, como se estivéssemos diante de uma verdade incontestável: “Deixando de lado os erros de conduta do PT, dos quais [Lula] naturalmente desconhecia, o presidente lançou um contra-ataque agressivo [... ]", itálico meu. A fala enfadonha me faz molhar e lembrar o que já foi dito e repetido sobre o papel de Lula diante das "transgressões" de seu governo. Digamos, aliás, que as "transgressões" levaram a presidente Dilma a sanear seus ministérios no primeiro ano de mandato. Como explicar que Lula não sabia dos fatos que aconteciam ao seu redor, mesmo no Palácio do Planalto, quando José Dirceu era Ministro-Chefe da Casa Civil do Presidente da República? Como explicar, quando muitas irregularidades foram reveladas, a defesa feroz do presidente Lula dos incriminados integrantes da linha de frente até que ele foi forçado a recuar diante das pressões da imprensa e da opinião pública?

Significativo também é o tratamento contrastante de Fernando Henrique - de quem Perry Anderson não parece gostar muito - ao tratar do episódio da emenda constitucional, aprovada pelo Congresso em junho de 1997, permitindo a reeleição dos Presidentes da República, efetivada do atual mandato. Na época, muitos discutiram e colocaram em jogo a possibilidade de a emenda abranger esse mandato, enquanto outros falavam da destruição das tradições republicanas. Também é inegável que a emenda aguçou o apetite de alguns governadores de estado que imaginavam a possibilidade de permanecer no poder por mais tempo. Todas essas críticas são relevantes, mas é preciso lembrar que vieram acompanhadas de denúncias da oposição de que o governo teria "comprado votos" no Congresso. Essa denúncia deu origem a uma feroz campanha "fora fhc" promovida pelo PT, o corte e alguns ex-alunos famosos que tentaram torcer as disposições da constituição federal para cassar o mandato legitimamente conquistado.

A alegação não foi comprovada e muito menos a alegação de que Fernando Henrique teria participado ou sabia da fraude. Acusações de compra de votos por dois deputados acreanos, com dinheiro pago por empreiteira, com a participação ativa dos governadores do Acre e do Amazonas, motivaram investigação da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A comissão obteve provas suficientes de irregularidades, a ponto de os dois parlamentares serem forçados a renunciar para evitar o impeachment. No entanto, nada foi provado sobre a suposta participação do ministro das Comunicações, Sergio Motta, nesse episódio, e o nome do presidente da República nunca apareceu na investigação. Se não por razões éticas, por quais razões o governo arriscaria a ação penal quando o prestígio do presidente Fernando Henrique estava no auge, como demonstra a aprovação da emenda por ampla maioria na Câmara e no Senado? ? Perry Anderson, porém, defende o argumento da oportunidade e, ainda, destaca o envolvimento pessoal do presidente da República na compra de votos. Sua frase não deixa dúvidas: "Sabia-se que Cardoso havia mexido a mão dos deputados do Amazonas [sic] para garantir a emenda da constituição que lhe permitia concorrer a um segundo mandato".

Afirmei acima que Perry Anderson não embarcou na canoa furada de uma "conspiração da mídia" para lidar com os episódios de corrupção do governo Lula. Mas isso não significa que ele tenha simpatia pela imprensa, principalmente pelos grandes jornais do país. Não ter simpatia é uma coisa; ceder à fantasia é outra. Depois de dizer que o leitor da Folha ou do Estadão, para não falar da revista Veja, vive num mundo fora da realidade, porque esses veículos retratam Lula como um aspirante a caudilho tosco, sem o menor entendimento de princípios econômicos ou respeito às liberdades dos civis , o autor tenta explicar as razões desse avanço supostamente ilusionista da grande imprensa. Em uma frase, ele diz que "tradicionalmente, desde o fim do regime militar [...] eram os donos da imprensa e da televisão que escolhiam os candidatos e determinavam o resultado das eleições". No entendimento do autor, o suposto poder da mídia seria uma força irresistível, capaz de decidir a possibilidade de voto de milhões de brasileiros que sabem que não são capazes de decidir por si mesmos! Seguindo seu raciocínio, a eleição de Lula significaria uma perda de poder para a mídia, levando a um susto da imprensa sobre ele. Perry Anderson cita dois exemplos desse suposto controle midiático das eleições nacionais, afirmando que "se o caso mais famoso foi o apoio dado a Collor pelo império da Rede Globo, a coroação de Cardoso pela imprensa, antes mesmo de lançar sua candidatura, foi não menos impressionante".

O exemplo da edição tendenciosa do último debate da campanha presidencial de 1989 pela Rede Globo é verdadeiro e profundamente lamentável, embora não se possa dizer que esse episódio tenha determinado em si a vitória de Collor. O segundo exemplo novamente carece de fundamentos. Anderson esquece que a chamada coroação de Cardoso pela imprensa, antes mesmo do início de sua candidatura, decorreu do fato de a figura do FHC ter sido noticiada como responsável pelo lançamento do Plano Real, ainda na fase urv. Anderson também argumenta que a relação direta de Lula com as massas quebrou o ciclo da imprensa do Grande Eleitor, minando assim o papel da mídia na formação do cenário político. Nesse trecho do texto, fica-se com a impressão de que Anderson nunca assistiu à televisão brasileira, nem mesmo se arriscou a "trocar" de canal. Se o fizesse, saberia que a alardeada relação direta de Lula com as massas nunca teria as consequências que teria se ela não tivesse desempenhado o papel de televisão à frente da Rede Globo. Foi ela quem colocou as imagens das declarações, comícios e manifestações de Lula em inúmeras cerimônias na tela para milhões de telespectadores com maior eficiência.

Isso significa que as emissoras de TV seriam as responsáveis ​​pela reeleição de Lula? De forma alguma, porque o importante papel desempenhado pela mídia em um país complexo, caracterizado por diferenças regionais e uma massa de mais de 100 milhões de eleitores, não se estende à eleição de candidatos. Afinal, Anderson parece não entender a atitude dos grandes jornais brasileiros, que diz estarem engajados em "uma bizarra e veemente litania contra o lulismo, alheia a qualquer sentido objetivo de interesse de classe". Acontece que nem tudo neste mundo passa pelo “interesse de classe”, embora quase tudo passe pelo interesse; neste caso, os interesses específicos dos grandes jornais em meio a uma competição acirrada entre eles. Apenas um exemplo: denúncias de suposta compra de votos no episódio da reeleição que abalou a credibilidade do governo Fernando Henrique surgiram a partir de uma série de reportagens da Folha de S. Paulo.

Algumas palavras sobre questões institucionais, às quais, aliás, Perry Anderson dá pouca importância. Ao se referir à absolvição do então ministro Antonio Palocci pelo Supremo Tribunal Federal - decisão que a opinião pública não absorveu com razão -, ele dá um golpe inusitado no comportamento dos integrantes desse tribunal. Curiosamente, nessa incursão, Anderson fala de um amigo de Fernando Henrique Cardoso, que apoiou o golpe militar de 1964, “e não podia nem se gabar de ser formado em direito”. Minha tentativa de descobrir quem era essa figura oculta não teve sucesso. Terá o historiador Perry Anderson cometido cem anos de pecado cronológico quando se sabe que foi o marechal Floriano Peixoto quem nomeou um ministro não-licenciado em 1893, quando escolheu para o cargo o doutor Barata Ribeiro? ? Ofensas e deslizes à parte, Anderson sequer menciona a importante questão da chamada politização do judiciário ou da criação e iniciativa de um órgão tão importante como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Adiante, cabe lembrar que diversas decisões do STF são alvo de críticas e nem sempre seus integrantes resistem à tentação dos holofotes, embora os programas veiculados na televisão sejam um bom exemplo de transparência. Mas durante o governo Lula, o STF foi responsável por alguns julgamentos históricos ao garantir aos índios a contínua demarcação da reserva Raposa do Sol em Rondônia, contrariando a campanha promovida pelo governador daquele estado e latifundiários locais, em sua maioria grileiros.; reconhecendo as uniões entre pessoas do mesmo sexo, apesar da pressão das igrejas e setores mais conservadores da sociedade; ao permitir o uso de células-tronco para fins de pesquisa, apesar da pressão das indústrias acima mencionadas; mediante o recebimento da declaração do réu do Ministério Público, tratando-se de mesada.

As dúvidas da oposição sobre a atuação pessoal do presidente Lula no cenário internacional não se confirmaram. Ao contrário, Lula soube valer-se de sua condição de monoglota, o que pode ser explicado por sua origem social, e apesar das afirmações absurdas que permearam seus discursos em visitas a inúmeros países e encontros internacionais, firmou-se como o representante máximo . um país cujo prestígio cresceu à primeira vista. Construir sua imagem foi facilitado por sua história de vida e pelo fato de ele não ser o líder radical que muitos temiam. Além disso, o mundo oficial reconhecia Lulu como uma líder com marca própria, que se diferenciava do formalismo das negociações diplomáticas.

A política externa caracterizou-se pela busca de maiores vínculos com os países da África, Ásia e América Latina, o que culminou na significativa atuação do Brasil na formação do chamado G-20. Ao mesmo tempo, teve aspectos comprometedores, sobretudo por seu viés ideológico, evidenciado pela relação fraterna com governos autoritários, antigos ou novos, como é o caso de Cuba e da Venezuela.

Na avaliação de Perry Anderson, a política externa de Lula merece elogios generalizados. A maior prioridade para a integração regional é apoiar o Mercosul com os países vizinhos ao sul e "rejeitar a atitude esnobe [sic] de Cuba e da Venezuela em relação ao norte", liderando a frente dos países mais pobres para impedir tentativas de intenções euro-americanas introduzir mais acordos de "livre comércio" e o papel do Brasil nos BRICs são enfatizados no texto a ponto de o chanceler Celso Amorim merecer ser apontado como "a figura mais marcante do gabinete de Lula".

Vale notar como Perry Anderson vê a posição do presidente Lula nas relações com o regime teocrático do Irã. Lula - diz ele - "não só reconheceu a Palestina como um Estado [não há o que se opor a esse respeito], como também se recusou a aderir ao bloqueio do Irã, chegando a convidar Ahmadinejad para visitar o Brasil. Para o Brasil, foi praticamente uma declaração de independência diplomática. Washington ficou furioso e a imprensa local ficou fora de si com essa quebra de solidariedade atlântica." Poucos eleitores se importaram, diz o autor, mas a opinião pública sim, digo eu e muitos outros. Como você pode ver, o parâmetro de Anderson para medir o comportamento do Brasil na esfera internacional é baseado em um termômetro que mede, positiva ou negativamente, as maiores ou menores distâncias de nosso país em relação aos países ocidentais, cujo foco principal são os Estados Unidos da América.América.

Ninguém ignora o fato de que no campo das relações internacionais, gostemos ou não, uma posição totalmente alinhada com os princípios e valores básicos geralmente cede lugar aos interesses da realpolitik. Os países ocidentais são um claro exemplo disso. Mas seria necessário que o Brasil seguisse esse caminho, e ainda mais que o presidente Lula tivesse um comportamento de desprezo pelos direitos humanos, como aconteceu em Cuba e no Irã em particular? Por mais que mereça simpatia a luta dos dissidentes cubanos contra a ditadura de Castro por meios pacíficos, é compreensível que os presidentes brasileiros evitem o contato com os opositores durante as visitas oficiais a Cuba. Lula não está sozinho nessa atitude, até agora é seguido pelos presidentes Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso. No entanto, Lula não parou com esse gesto e foi ainda mais longe durante sua visita oficial aos Castros em março de 2010, quando zombou do recurso desesperado dos dissidentes às greves de fome, chegando infelizmente perto, para dizer o mínimo. presos políticos com criminosos comuns. O momento não poderia ser pior. Naquela ocasião, o pedreiro Orlando Zapata Tamayo faleceu após mais de oitenta dias de greve de fome.

Sobre as relações de nosso país com o Irã, que motivaram as palavras entusiásticas de Perry Anderson, vale lembrar que o governo Lula ignorou os repetidos abusos dos direitos humanos por parte do governo iraniano. Além disso, assim que as eleições de 2009 no país terminaram, com evidências veementes de fraude, quando milhões de manifestantes saíram às ruas e foram duramente reprimidos pelas "forças da ordem", Lula correu para ratificar o resultado da eleição que deu a vitória a Ahmadinejad. Em uma de suas metáforas características, comparou a reação de parte significativa da população iraniana ao grito de perdedor, como está acontecendo entre Flamengo e Vasco da Gama...

Desde o início de seu mandato, a presidente Dilma corrigiu em parte as atitudes de sua antecessora ao condenar, por exemplo, a violência contra a mulher, da qual o apedrejamento de supostos adúlteros é um exemplo marcante. Em geral, Dilma tem assumido uma postura mais equilibrada nas relações de nosso país com a teocracia iraniana, como evidenciado pelo voto da ONU a favor de uma resolução que abriu caminho para uma investigação sobre abusos de direitos humanos no Irã. Perry Anderson parece não gostar nada do governo Dilma, pelo menos no campo da política externa. Basta comparar a já mencionada referência ao “Ministro Extraordinário Celso Amorim” com a alusão ao Ministro Antonio Patriota, sem citar seu nome, em trecho de seu texto criticando os primeiros passos da liderança do atual presidente: “[...] restaurando o poder de Palocci como chefe do estado-maior e substituindo Amorim como secretário de relações exteriores por um emissário complacente em Washington, seu gabinete foi projetado para garantir negócios e os Estados Unidos não precisam temer o novo governo. ".

Em suma, sobre este e outros pontos, Perry Anderson relata diferenças sensíveis entre os governos de Lula e Dilma, o que certamente é um exagero, pelo menos até hoje. Sua tendência maniqueísta tenta traçar uma linha clara, separando os maus - malévolos neoliberais - dos bons - inimigos do imperialismo. No mínimo, esse conceito tem um sabor arcaico, do qual um exemplo proeminente é o texto analisado.

[RESENHA #476] Política Econômica, Estagnação e Crise Mundial: Brasil, 1980-2010


       O professor Fabrício Augusto de Oliveira brinda os leitores com mais um relevante trabalho. O livro Política Econômica, Estagnação e Crise Mundial: Brasil, 1980-2010 faz uma análise detalhada da trajetória da política econômica do Brasil ao longo de trinta anos. A discussão, calcada no debate da política econômica, é dividida em dois grandes períodos. O primeiro, 1980-2006, revela uma economia em processo de estagnação, enredada na crise externa e na alta inflação. O segundo, 2007-2010, sinaliza a recuperação, com a volta do crescimento e acenos de superação dos entraves, frustrados, no entanto, pela crise mundial.

       O autor, logo de início, coloca a sua perspectiva analítica: a economia política. Relembra que “as políticas econômicas são moldadas/formuladas à luz de teorias econômicas elaboradas para entender e explicar os fenômenos econômicos”. A política econômica é o instrumento pelo qual a “ciência intervém no organismo econômico. É ela que fornece o arcabouço que guia e orienta a formulação das formas de atuação da política econômica, estando esta sujeita, portanto, a mudanças de acordo com a interpretação que a ciência faz da dinâmica de funcionamento do sistema” (p. 17).

        Os fenômenos econômicos permitem derivar interpretações e terapias distintas, mas, no entender de Fabrício, prevalece, na condução da política econômica, a visão da “ciência oficial” impregnada de conteúdo ideológico, mimetizada sob a roupagem científica, que tem, por alvo, a sustentação do status quo. Logo, na sua interpretação, a condução da política econômica envolve razões políticas e disputas de interesses de classes. Isso explica o porquê da insistência na defesa intransigente de determinadas políticas e as dificuldades de o País superar parte de seus problemas. 


       O livro é dividido em quatro partes, compostas de nove capítulos. 

       A Parte I – A década de 1980: ajustamentos e choques, analisa as origens da crise da economia brasileira nos anos 80, com a débâcle da dívida externa. A trajetória de crescimento acelerado das três décadas anteriores deu lugar a uma economia instável e de alta inflação. A política recessiva não logrou resolver os problemas de balanço de pagamentos, nem recompor as condições do setor público. Os planos de estabilização heterodoxos, sobretudo o Plano Cruzado, apesar do diagnóstico mais acurado da realidade e das medidas de saneamento das contas públicas, também não tiveram êxito. A incapacidade de renegociar o estoque da dívida externa perpetuou a crise fiscal e a obrigação de sustentar o financiamento público com a rolagem diária da dívida pública, acirrando as expectativas e aproximando o País da hiperinflação. 

       A Parte II – A década de 90: da instabilidade ao Plano Real – é constituída de 3 capítulos que analisam a política econômica desde a posse de Collor até os preparativos do Plano Real. O texto discute, com detalhes, os meandros do Plano Collor, num ambiente dominado pela visão liberal. O diagnóstico inicial apontou, corretamente, o ajuste fiscal duradouro, a renegociação da dívida externa, a abertura da economia, a reforma do Estado e a formulação de política industrial como questões vitais para a superação dos óbices que se opunham à estabilidade macroeconômica. Porém, o plano pouco avançou. A passagem à proposta ortodoxa, baseada no controle, via política monetária, da demanda interna, não logrou estabilizar as perspectivas de longo prazo, ao contrário, alimentou o cenário de instabilidade do período final do governo Sarney, agravado com a recessão. 

        O Plano Collor II é visto pelo autor como o reconhecimento do fracasso da proposta inicial e da insuficiência da estratégia restrita ao controle da política monetária, abrindo caminho para o enfrentamento dos problemas de financiamento público e da indexação da economia. O breve período de relativa estabilidade e crescimento após as novas medidas logo se perdeu. Marcílio Marques Moreira retomou a política recessiva anterior e o pagamento dos juros da dívida externa. A estratégia levou a economia à beira de uma crise cambial e da hiperinflação num quadro de crise política e recessão prolongada.  

       A Parte III – O Plano Real – Estabilidade monetária com endividamento e baixo crescimento (1994-2006) – apresenta análise detalhada, em três capítulos, dos dois mandatos de FHC e do primeiro governo Lula

       O capítulo 1 – A primeira fase do Plano: estabilidade de preços com endividamento (1994-1998) – reconstrói as três etapas de implantação do Plano Real: a construção da âncora fiscal, por meio do PAI (Plano de Ação Imediata), considerada mal sucedida por não lograr a estabilidade fiscal; a adoção da URV e o lançamento da nova moeda em julho de 1994, que, aos olhos do autor, se deu de modo precipitado, em resposta ao calendário político.

       A arquitetura do plano, apoiada no câmbio não plenamente fixo e nos juros elevados, mostrou-se capaz de reduzir a inflação e elevar o crescimento do PIB, dando condições de reeleger FHC. O “sucesso” do período 1996- 1998 logo cedeu lugar às preocupações com os desajustes da economia, momento retratado na feliz expressão de Fabrício: “céu de brigadeiro em campo minado”. O desequilíbrio do balanço de transações correntes cresceu com a valorização cambial, e as medidas adotadas nem de longe foram suficientes para enfrentar as dificuldades, agravando a vulnerabilidade externa. O lado fiscal, embora tenha avançado as privatizações e o controle das finanças das esferas subnacionais por meio da renegociação das dívidas de estados e municípios, também não evitou o crescimento da relação dívida/PIB, impulsionada pelos altos juros.

        A política econômica de contenção do consumo e de atração de capital externo sofreu duros golpes com a crise da Ásia em meados de 1997 e a crise da Rússia em 1998. O autor mostra como as medidas defensivas no campo fiscal e o expressivo aumento dos juros, sem a correção da defasagem cambial, não evitaram que o País fosse guindado ao posto de bola da vez do movimento global. Nem o acordo com o FMI, apesar de cumprir a tarefa de reeleger FHC, conseguiu conter a crise de 1999 e evitar o fim da primeira fase do Plano Real. 

       O capítulo 2 – A segunda fase do Plano Real (1999-2002): restrição fiscal e baixo  crescimento – discute a construção e as peças do novo modelo de estabilização alicerçado no tripé câmbio flutuante, regime de meta de inflação e geração de superávits primários. O autor destaca que a política fiscal, nesse novo arranjo macroeconômico, torna-se inócua para promover o desenvolvimento e a geração de emprego (p. 212). A defesa da sustentabilidade da dívida, com o Estado ‘’bem-comportado’’ e capaz de gerar superávits primários, colocase como o meio de iluminar as expectativas dos agentes econômicos sobre as principais variáveis macroeconômicas (p. 212) e apoiar a política monetária no seu papel de âncora dos preços. O modelo de política econômica, na tentativa de assegurar reputação e credibilidade, defende a atuação do mercado e retira a capacidade de o governo intervir na economia.

        A crença de que a estabilidade de preços e a responsabilidade fiscal, por si só, levariam ao crescimento sustentado não se verificou. O comprometimento com a defesa da estabilidade retirou autonomia da política econômica e a condenou ao movimento de vaivém , forçando o País a pagar o preço do baixo crescimento. A crise econômica mundial, o apagão do setor elétrico e o overshooting cambial de 2002, ao lado do “risco Lula”, reforçaram a instabilidade e delegaram ao novo governo um quadro econômico precário, além de expectativas em deterioração que “nem a Carta ao Povo Brasileiro, nem a presença do FMI no país foram capazes de desfazer” (p. 259). 

        O capítulo 3 – O Plano Real no governo Lula: radicalizando o modelo (2003-2006) – vê o primeiro governo Lula como continuidade do anterior: 

[...] manterá, com fidelidade, a arquitetura do modelo econômico do Plano Real, radicalizando-o em alguns aspectos, mas terminará, ao contrário de FHC, sendo beneficiado por um acontecimento inesperado: a ausência de crises externas durante todo este período, combinada com o forte crescimento da economia mundial (p. 267).

       As propostas de reformas na área fiscal e a elevação da taxa de juros refletiam a aceitação do receituário ortodoxo, reforçada, a seguir, com a decisão de “renovar e prorrogar o acordo com o FMI até o final de 2004” (p. 280), que, na avaliação do autor, pode ser entendida como o meio de justificar a necessidade de manter a mesma política

       A política de austeridade levou o País a experimentar um crescimento de apenas 1,1% do PIB em 2003. Nos anos seguintes, a conjuntura internacional permitiu ganhos no balanço comercial e redução da vulnerabilidade externa, ao mesmo tempo em que ocorreram avanços simultâneos na situação fiscal, no controle da inflação e na expansão do PIB. Porém, a continuidade da política de juros altos tornou-se o principal empecilho ao crescimento acelerado. 

        A conclusão do autor é de que a política econômica, apesar de algumas medidas pontuais, “esmerou-se em continuar reforçando os pilares do modelo econômico para continuar desfrutando de ‘credibilidade’ e ‘reputação’, tratando apenas de monitorar e travar o crescimento sempre que este representasse uma ameaça para a preservação de seu edifício” (p. 291). Mesmo sem desconsiderar a política social, acredita não ser possível enxergar, na política econômica, ações proativas para impulsionar o crescimento. Termina por afirmar: 

“por isso, não é nenhum exagero dizer que a maior taxa de expansão da economia, embora inferior à verificada nos mercados emergentes, teria ocorrido, apesar da política econômica” (p. 291). 

       A Parte IV, composta de dois capítulos, analisa o segundo mandato de Lula. O capítulo 1 – O segundo mandato de Lula: remendo do modelo em meio à crise mundial (2007- 2008) – discute o alcance e limites das medidas adotadas em resposta à crise mundial. O autor chama a atenção para as “interpretações apressadas de alguns analistas de que a política econômica abandonara a rigidez da ortodoxia” (p. 310). No seu entender: a rigor, a par da ligeira flexibilização realizada na política fiscal [...] o modelo econômico estruturado em 1999, continuou intacto: um modelo ortodoxo, letal para a atividade econômica, combinando juros altos, câmbio baixo e ajuste fiscal frouxo, especialmente num contexto em que o governo, diante da melhora do quadro macroeconômico, passou a demonstrar maior disposição em aumentar os gastos públicos. Mantidas essas mesmas bases, as mudanças nele introduzidas não teriam passado de um mero “remendo” no modelo de desenvolvimento que, implantado no Brasil desde a década de 1990, continuou mantendo o crescimento econômico altamente dependente dos humores do comportamento da economia e das finanças internacionais (p. 312). 

         O ensaio de heterodoxia no ajustamento do modelo, com propostas para conter o fluxo de capital e a valorização cambial, o lançamento do PDP, a criação do Fundo Soberano e o cuidado com alguns setores afetados pela crise, colocou-se como resposta emergencial, já que o momento não deixou alternativa senão reconhecer a crise e redirecionar o rumo da política econômica, com reflexo na expansão dos gastos correntes, responsável por comprometer parte dos investimentos prometidos pelo PAC. 

O capítulo 2 da Parte IV – Do inferno da estagnação ao céu de brigadeiro do crescimento (2009-2010) – analisa a política econômica anticíclica de 2009, com destaque aos seus três principais instrumentos: i) intervenções no mercado de câmbio; ii) ações na área monetária e creditícia; e iii) medidas de política fiscal. O arsenal de medidas oficiais não evitou a queda do PIB e a deterioração de indicadores econômicos relevantes, mas a melhoria dos fundamentos da economia logo deu lugar a momentos de bonança em 2010. Todavia, na visão do autor: 

na ausência de reformas importantes realizadas no governo Lula, da priorização dos investimentos – públicos e privados – e de ações mais efetivas para o enfrentamento dos graves problemas que remanesciam, na área fiscal, do câmbio e nas contas externas, parecia evidente que o crescimento projetado e esperado de 5%, não ocorreria sem o aprofundamento dos desequilíbrios existentes na economia brasileira (p. 369)

        A situação forçou o governo a reverter parte das ações do ano anterior, mantendo, no entanto, a trajetória fiscal expansionista, responsável por sustentar o crescimento econômico. O bom desempenho econômico, além de ocupar excelente posição no ranking mundial de juros reais, levou o País a se tornar o “queridinho” da comunidade internacional. Na opinião de Fabrício:

 uma situação paradoxal diante do equilíbrio macroeconômico ruim e da Economia e Sociedade, Campinas, v. 23, n. 1 (50), p. 281-285, abr. 2014. 285 Resenha - A economia brasileira revisitada pouca confiabilidade que apresentava em seus fundamentos: taxa de juros extremamente elevadas, cujos encargos representavam cerca de 6% do PIB, desequilíbrios crescentes na balança de transações correntes, câmbio altamente apreciado, desindustrialização, contas públicas em deterioração e carga tributária escorchante (p. 374).

        Com a definição das eleições, o autor defende que o governo buscou enfrentar alguns desequilíbrios, como o aumento dos preços e a valorização cambial. Não obteve sucesso porque a política fiscal expansionista mitigou o esforço do Banco Central de conter a inflação, e a situação de liquidez internacional dificultou a ação sobre o câmbio. Os problemas acabaram por se transferir ao próximo governo. 

        O livro chega ao fim com instigante colocação: é possível uma comparação entre os governos FHC e Lula. A opinião do autor é clara: Lula sai na frente caso se olhe apenas a taxa média de crescimento. Porém, “apesar deste melhor desempenho do PIB na era Lula, a política macroeconômica foi substancialmente a mesma, sendo as diferenças destes resultados explicados pelos contextos econômicos – nacional e mundial – bem distintos nos dois períodos” (p. 385/386). Lula beneficiou-se das reformas realizadas na fase anterior e, com a economia em expansão, pôde flexibilizar a política fiscal e “ampliar os gastos públicos, notadamente na área social, de transferência direta de renda para a população, que constituiria a principal marca de seu governo, sem abandonar o compromisso com a ortodoxia” (p. 387).   

          O livro de Fabrício, mesmo para os que, como eu, não comungam com parte de seus argumentos, oferece uma análise aprofundada da política econômica, retratando o seu alcance e limites, o que o coloca em lugar de destaque como leitura necessária aos que buscam entender a economia brasileira

Penalux completa 10 anos e objetiva ultrapassar 1500 títulos publicados em 2023 com chamada aberta de originais

Atuando fortemente com autores nacionais, editora abre chamada para originais a serem publicados em 2023; a editora está perto de fechar este ano com 150 obras publicadas

[Assessoria: Com.tato]

Consolidando sua atuação no cenário independente do mercado editorial, a editora Penalux completa 10 anos no mercado com o objetivo de ultrapassar, em 2023, 1500 títulos publicados. Até o final de 2022, a ideia é atingir 150 obras publicadas no ano. Para isso, uma chamada de originais foi aberta pela casa editorial, que se diferencia tanto pelo atendimento direto entre editores e autores quanto pela divulgação, em boa parte por conta de suas redes sociais, que somam mais de 300 mil seguidores.

TRAJETÓRIA

A Penalux surgiu em 2012 com a proposta inicial de investir em novos autores nacionais. Nesta trajetória, a editora conquistou uma excelente performance nos principais prêmios literários do país, como o Oceanos e o Jabuti —  por quatro anos seguidos (2018, 2019, 2020, 2021) contou com títulos seus entre os semifinalistas e finalistas. Entre os nomes publicados pela casa, estão a escritora Maria Valéria Rezende, dos poetas Antonio Carlos Secchin e Antonio Ciero, e do escritor Ricardo Ramos Filho, neto de Graciliano Ramos.

Autores estreantes aos mais experientes compõem a história da Penalux, tocada pelos editores e escritores Tonho França e Wilson Gorj. Seu catálogo é considerado um dos mais promissores e respeitados no cenário independente do mercado editorial. Entre os principais títulos que saíram ainda em 2022, estão os livros de poemas “Maví”, do imortal da Associação Brasileira de Letras Marco Lucchesi; “Vozes de mulher – Embates e contrastes”, de Marília Marcucci, obra selecionada pelo Edital ProAc/SP de 2022;  e “Tubos de ensaio”, do poeta Igor Fagundes, vencedor do Prêmio Ferreira Gullar 2022 promovido pela União Brasileira de Escritores (UBE) do Rio de Janeiro. 


NACIONAIS E EM ESTRANGEIROS

Entre os títulos nacionais em destaque na história da Penalux,”A face serena”, coletânea de contos da escritora premiada Maria Valéria Rezende (livro finalista do Prêmio Jabuti 2018), “Embaixo das unhas”, do escritor Vitor Camargo de Melo (obra vencedora do International Latino Book Awards de 2022 como Melhor Livro de Ficção), e “Apenas por nós choramos”, coletânea poética da autora Anna Mariano (vencedor, em 2020, dos três principais prêmios da região Sul: Açorianos, Ages e Minuano). 

A Penalux também publicou títulos de vencedores do prêmio Cidade de Manaus (como “Tocaia do Norte”, romance da escritora Sandra Godinho; “Alguma certeza”, do poeta Nathan Sousa, e  “Zona de sombra”, do contista Daniel Amorim), além de ter seus títulos figurando como vencedores dos prêmios literários promovidos pela UBE/RJ.

Desde 2015 a editora investe também na tradução e publicação de clássicos desconhecidos (ou esquecidos) do público brasileiro — como os romances “Os papéis de Aspern”, de Henry James, “O grande deus Pã”, de Arthur Machen, e “Ethan Frome”, romance de Edith Warthon, “Mil Mortes”, coletânea de contos de Jack London, e “O mar não está mais”, coletânea do poeta croata Drago Štambuk  —, bem como na publicação de literatura estrangeira contemporânea, como o livro de contos “O homem que plantava aves”, do angola Gociante Patissa, e os livros de poesia “Remorsos para um cordeiro branco”, da cubana Reina María Rodríguez, e “A alma dança em seu berço”, do dinamarquês Niels Hav.

A HORA E A VEZ DA PUBLICAÇÃO

A editora está com chamada aberta para envio de originais, com preferência a romances, crônicas, poesia e contos. As obras selecionadas serão publicadas ainda no primeiro semestre de 2023. Originalidade, inventividade, propriedade e certo domínio sobre a arte de escrever são os principais critérios de avaliação para a avaliação dos originais. O contato para envio é via e-mail (originais@editorapenalux.com.br e penaluxeditora@gmail.com). Em resposta, a editora mandará um documento explicando seu modelo de publicação.  O prazo de envio termina em dezembro de 2022.

OS SELOS

A editora possui cinco selos: o Lustre, dedicado a trabalho acadêmicos relacionados à literatura (biografia de autores, ensaios, pesquisas, teses, etc); o Castiçal, dedicado a trabalhos ficcionais em prosa: contos, crônicas, romance; o Microlux, voltado para micronarrativas; o Candeeiro, dedicado à poesia; o Lampejos, para autores estreantes e livros de autores em formação; e o Auroras, voltado exclusivamente a mulheres e comandado pela escritora e editora Dani Costa Russo.



[RESENHA #475] O Caso Lula: a Luta pela Afirmação dos Direitos Fundamentais no Brasil

Livro por Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Zanin Martins

ISBN-13: 9788569220190, 2016; pg. 320. Editora Contracorrente

A leitura de O Caso Lula: a Luta pela Afirmação dos Direitos Fundamentais no Brasil, mostra-se cada vez mais latente, dado à sua importância. Notamos neste livro uma procedência de conhecimento necessário à todos, imprescindível, eu diria, sobretudo, pela ótica política institucionalizada no Brasil nos tempo atuais, levando em consideração as ultimas canetadas dadas durante o governo Bolsonaro nos últimos quatro anos, uma barbárie sem precedentes. O livro é um emaranhado de artigos que buscam apresentar explicações de assuntos complexos, porém, necessários, como: valores institucionais e normativos, principalmente sobre o processo de julgamento do ex-presidente Lula, um ataque à democracia por toda sua conjuntura e desenvolvimento problemático. A leitura torna-se não somente necessária, mas urgente para todos àqueles que buscam uma luz de entendimento da razão acerca dos acontecimentos e seus desdobramentos, para que assim, seja possível estabelecer um paralelo que deu fim ao golpe e trouxe novamente a luz a retomada da democracia.

Não, este não é um livro sobre política, ele não pode ser julgado segundo os seus interesses e vontades, muito menos manipulado. Este, também não é um livro político-partidário, tampouco, uma tentativa de se tornar um diário de réplicas judiciais, ele é, acima de todas as definições: um instrumento de justiça em prol da humanidade, verdade e da democracia. Mais do que um livro, este é a figura representacional da qualificação da voz do povo, uma permanente luta de por em pauta as necessidades de se entender nossa participação em um esquema que deslegitimou, difamou e transformou segundo os seus interesses político-partidários e de suas alianças comprovadamente ilegítimas dentro do sistema judiciário para queda (tentativa) de uma caminhada em prol do povo e de seus interesses. Mais do que necessário, devemos adotar medidas para se enfrentar a corrupção face-a-face, por meio, inicialmente, do poder do conhecimento que não pode ser medido ou manipulado.


A obra é uma defesa em prol da legitimação do poder e da garantia de ter trâmites legais e fundamentais, o que claro, não ocorreu de forma legítima durante todo o percurso criminoso do julgamento do atual presidente Lula durante seu julgamento durante o percurso dos desdobramentos da lava-jato, bem como do golpe sofrido pela, até então, presidente Dilma Rousseff em 2016.

Nesta obra, contamos com grandes contribuições, como Lênio Streck, Eugênio Aragão, Geraldo Prado, Giselle Citadino, Luiz Moreira, Nilo Batista, Marcelo Neves, Leonardo Yarochewsky, Celso Bandeira de Mello, Cristiano Zanin, Juarez Cirino, entre outros. Os desdobramentos tornam-se cada mais tangíveis a cada folhear de páginas, nota-se o rigor teórico acerca do desenvolvimento das narrativas envolvendo as ações ilegítimas da Operação Lava-Jato e suas parcerias problemáticas e criminosas acerca dos trâmites judiciais que adotaram uma estética única, jamais vista, em prol de uma sequência de problemáticas que visaram transformar todo processo judicial em uma cadeia ausente de legitimidade e de procedência legal.


Mais do que um livro, este livro parece ser um veículo para uma luta justa contra os inimigos da democracia, uma tentativa de alinhar pedagogicamente o debate público nacional com a urgência que enfrenta e de se envolver com a necessidade da luta democrática. Proteger os fundamentos universalistas, racionais e éticos da arquitetura do estado de direito sob ataque constante. A corrupção precisa, mais do que nunca, ser combatida com meios adequados, dotando a sociedade e o Estado de meios de informação, de mecanismos jurídicos e técnicos adequados, ao mesmo tempo em que afasta os agentes públicos de um fluxo nocivo, agravando igualmente e danificando a politização negativa Construindo instituições por insistência em um moralismo retórico amplo, acrítico e criminalizado da política real precisa urgentemente estar aberto para problematizar e deliberar os fins e meios pelos quais a sociedade deve ser governada.

Por fim, convém considerar a centralidade do tema da justiça, que é a finalidade última dos direitos remoralizados segundo os valores dos direitos fundamentais estabelecidos no pós-guerra como reação ao totalitarismo fascista e afirmados em nossa Constituição A Ética do Direito Por um lado, em contraste com o comportamento arbitrário e messiânico de certos magistrados, especialmente o Moro, procura-se aprofundar a previsibilidade do sistema de controle e a previsibilidade de sólidos mecanismos jurídicos que impeçam o abuso de poder, especialmente o judicial.

Além disso, com diferentes ênfases, linhas de argumentação e especificidade disciplinar, o direito contemporâneo não pode ser dissociado de sua forma e conteúdo, pois ambos se complementam, interagindo na formação de uma unidade teleológica, com finalidade comum, preocupada com a proteção do pessoa, a dignidade primordial que considera no feixe de direitos e aspirações.

Os direitos fundamentais dos direitos humanos ocupam o lugar e a função do eixo que esclarece o sentido da ordem jurídica nacional e internacional, sela o despotismo do Estado e do privado, e garante a liberdade e a igualdade dos indivíduos e dos povos no mundo, então eles não podem ser usados ​​por ninguém. Corrompem, machucam. Por fim, O Caso Lula: A Luta pela Afirmação dos Direitos Fundamentais no Brasil é um livro para ler, para “degustar”, para estudar, mas sobretudo para ser usado como arma contra o arbítrio e em defesa da democracia e das regras, que nos falta nestes tempos de golpes e reveses.

[FOTO #2] Ragnar Axelsson, o poeta das fotografias

“UMA FOTOGRAFIA É COMO UM POEMA DAS GELEIRAS ISLANDÊS. VOCÊ VÊ TODOS OS TIPOS DE FIGURAS E ROSTO NO GELO QUE VEM DOS VULCÕES. É COMO IR A UM CONTO DE FADAS QUANDO VOCÊ O VÊ DE UMA AERONAVE.”

-RAGNAR AXELSSON

Ragnar Axelsson, ou “Rax”, é um fotógrafo islandês, um guerreiro poético, um explorador do Ártico e um cara muito legal. Suas fotografias poderosas e de tirar o fôlego são testemunho do fato de que Rax está disposto a fazer grandes esforços para documentar os estilos de vida e as paisagens do extremo norte que estão desaparecendo.

Por mais de 40 anos, Ragnar fotografou as pessoas e a vida selvagem da região ártica. Em suas imagens monocromáticas e geladas, ele documenta as relações extraordinárias entre as pessoas do Ártico e seu ambiente extremo, e como isso está mudando devido ao aquecimento global. Ragnar olha para a mãe natureza através do visor do coração; seu trabalho de tirar o fôlego tem um poder emotivo que provoca admiração, envolvimento, tristeza.

Ragnar trabalhou como fotojornalista e em trabalhos freelance em muitos países. Suas fotografias foram apresentadas na LIFE , Newsweek , Stern , GEO , National Geographic , Time e Polka e foram amplamente exibidas. Ragnar publicou mais de sete livros e ganhou vários prêmios por seu trabalho, entre eles o Icelandic Literary Prize e o Leica Oskar Barnack Awar.










[FOTO #01] Bruce Gilden, um talento às ruas

Untitled, New York City - Bruce Gilden (Black and White Photography)

Um fotógrafo de rua icônico com um estilo único, Bruce Gilden nasceu no Brooklyn, Nova York em 1946 e agora vive em Beacon. Ele foi primeiro para a Penn State University, mas achou os cursos de sociologia muito chatos e desistiu. Bruce brincou com a ideia de ser ator, mas em 1967 decidiu comprar uma câmera e se tornar fotógrafo. Embora tenha frequentado algumas aulas noturnas na Escola de Artes Visuais de Nova York, Bruce pode ser considerado um fotógrafo autodidata.

Desde a infância, Bruce sempre foi fascinado pela vida nas ruas e pelo movimento complicado e fascinante que ela envolve. Esta foi a centelha que inspirou seus primeiros projetos pessoais de longo prazo, fotografando em Coney Island e depois durante o Mardi Gras em Nova Orleans. Ao longo dos anos, Bruce produziu projetos fotográficos longos e detalhados em Nova York, Haiti, França, Irlanda, Índia, Rússia, Japão, Inglaterra e agora na América. Desde os anos 70, seu trabalho tem sido exposto em museus e galerias de arte em todo o mundo e faz parte de muitas coleções.
O estilo fotográfico de Bruce Gilden é definido pelo sotaque dinâmico de suas fotos, suas qualidades gráficas especiais e sua maneira original e direta de fotografar os rostos dos transeuntes com um flash. Suas imagens poderosas em preto e branco e agora em cores trouxeram fama mundial a este fotógrafo da Magnum.

Bruce Gilden recebeu muitos prêmios e bolsas por seu trabalho, incluindo bolsas do National Endowments for the Arts (1980, 1984 e 1992), bolsa francesa “Villa Medicis Hors les Murs” (1995), bolsas da New York State Foundation for the Arts (1979, 1992 e 2000), uma bolsa da Japan Foundation Artist Fellowship (1999) e em 2013 uma bolsa da Guggenheim Foundation. Publicou 23 monografias de sua obra, entre elas: Facing New York , 1992; Bleus , 1994; Haiti , 1996 (Prêmio dos Editores Europeus de Fotografia); Depois do fim , 1999; Vai , 2000; Coney Island , 2002; Uma Bela Catástrofe , 2004 ; Foreclosures , 2013;Um exame completo de Middlesex , 2014. Em 2015, Bruce publicou Face e Hey Mister Throw Me Some Beads ! A comissão que ele fez para a operadora de transporte francesa RATP, Un Nouveau Regard Sur la Mobilité Urbaine, foi lançada em abril de 2016. Seguiu-se Only God Can Judge Me em 2018, Lost And Found em 2019, Palermo Gilden em 2020 e Cherry Florescer em 2021.







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