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[RESENHA #569] Por um momento, um dia, uma vida ou sei lá o quê, de Hugo Bessa

APRESENTAÇÃO

Quando um advogado bem-sucedido, mas frustrado, e uma dona de casa infeliz se envolvem em um acidente de carro, não imaginam que aquele pequeno momento que os fez colidir é definitivo e, à sua maneira, fatal. Induzidos a manterem contato por situações nem sempre alheias às suas vontades, eles acabam se transformando, o que desperta sonhos antigos, novas possibilidades, mas também dores e segredos que preferiam deixar para trás.

Uma história sobre pequenos instantes que podem mudar um momento, um dia ou uma vida inteira.



RESENHA

Bessa, Hugo. Por um momento, um dia, uma vida ou sei lá o quê... / Hugo Bessa – Guaratinguetá, SP: Editora Penalux, 2023.

Roberto, 56, casado com Ivana, trabalha para uma construtora como gerente, na qual detesta, tudo o que ele mais gostaria era incendiar tudo e observar o caos e o desaparecimento de tudo aquilo enquanto aproveita uma deliciosa dose de cachaça, mas ele não pode. Tarde, rotina de trabalho, a tela de seu computador pisca - um novo e-mail. Era preciso enfrentar os feedbacks semestral sobre como precisava buscar uma tática de autodesenvolvimento e se relacionar com as outras áreas da empresa.

Aquele cargo servia para apenas uma coisa: invalidar os argumentos de seu chefe no feedback. Se galgar uma carreira de estagiário a gerente não era se desenvolver, o que poderia ser? (p.9)

Em contrapartida, conhecemos Joana, uma mulher de cinquenta anos casada com Raimundo, um homem dócil, meigo, amante da leitura e extremamente calmo, porém, calmo demais e isso à irritava. Junto com seu marido, Joana tem quatro filhos, que por um motivo ou outro, à irritam por igual. Ela estava irritada com a rotina, com o silêncio do marido, com o silêncio da casa, com tudo aquilo ao qual já estava cheia e habituada, ela queria mudanças e novos prazeres, até imaginou-se com outros homens, mesmo com seu marido no cômodo ao lado lendo, ela era a plena insatisfação em pessoa, sentia uma completa irritação com tudo e todos (p.17)

— Tá acabando aí, mamãe? 
Nenhum de seus filhos estava em casa. Seu marido tem mania de chamá-la daquela forma, e ela odeia. Já criou seus filhos, e não quer ser mãe de mais ninguém. Sempre que Edmundo faz isso, imagina-se amamentando o marido, colocando-o para arrotar e dormir. (p.16)

A história segue introduzindo novos personagens que acompanham e narram sua visão acerca dos encontros esporádicos entre os personagens, dentre eles, Berenice, uma mulher ávida de interesse pela vida alheia, uma fofoqueira humanizada, como costumam pensar a seu respeito. Era uma senhora aposentada que sabia a hora de falar e espalhar as novidades. O pontapé inicial mostra-nos a preocupação de Berenice em noticiar à irmã, uma curiosidade recém descoberta: sua sobrinha estava saindo com um novo rapaz, da qual claro, ela não gostava nenhum pouco da ideia, a partir dai, passou a ensaiar diversas formas de enfrentar a irmã e lhe contar, para que tudo fosse resolvido da melhor forma e não restassem mágoas, caso ela contasse algo errado ou pela metade.

Naquela manhã, Berenice retornava para casa quando presenciou um acidente entre dois carros, de um lado, estava Roberto, do outro, Joana. Roberto estava calmo, e apaziguou toda situação alegando pagar todo prejuízo derivado do ocorrido, já Joana estava aflita e desesperada, ela não sabia o que fazer ou como contar o marido o ocorrido. Naquele momento, algumas pessoas observavam o ocorrido e o diálogo dos dois, entre eles, Berenice.

Berenice logo tomou a frente e disse em alto e bom som que ‘sim, era testemunha’, fazendo todos olharem para ela. Aproximou-se da mulher, apresentou-se e passou o número do seu telefone, não sem antes lançar um olhar desafiador para o homem. Estava de olho nele! Viu a mulher digitar seu número com dificuldade, pois não parava de tremer. (p.25)
 
O encontro dos personagens marca o início de uma deliciosa série de acontecimentos dramáticos, ácidos e doçamente aflorados. De ambos os lados, podemos enxergar protagonistas da terceira idade com vidas e motivações distintas, mas iguais em insatisfação. Ele é completamente insatisfeito com seu trabalho, com seu patrão e com toda aquela rotina. Ela? mãe, casada e impaciente. A rotina havia transformado tudo em um grande mar de ódio e raiva, já não aguentava mais toda aquela rotina, todo aquele tempo perdido, precisa fazer algo a respeito. 

A narrativa tensiona os ocorridos em forma de relatos repleto de doses homeopáticas de humor, Bessa, conseguiu proeminentemente escrever e desenvolver uma escrita cativante, seu livro é facilmente devorado em poucas horas, haja vista que, toda sua trama e desenvolvimento possuem fortes traços de um grande escritor. A divisão escolhida pelo autor foi a de se desenvolver intercalações de acontecimentos por meio de narrativas curtas que abordam cada personagem de uma forma particular de forma à se conectar com maestria.

Um fato interessante à se mencionar, é que todos os envolvidos ligados nos acontecimentos dos protagonistas de forma direta ou indireta, travam suas próprias batalhas ligadas às suas famílias, enquanto observam os encontros acalorados entre Roberto e Joana, as personagens delineiam suas próprias visões sobre o pouco contato entre seus encontros esporádicos, tensionando entre entender a vida do outro e perder-se nos acontecimentos da sua.

Maurício, filho de Joana, era pintor e estava prestes à abrir uma galeria de exposição juntamente com um amigo e futuro sócio, porém, não enxergava nas rotinas estressantes da mãe um momento assertivo para falar sobre seus dias, sobretudo pelo fato de que andara ausente de casa por alguns dias, e nada de alguém perguntar sobre. Aquilo o entristeceu, que, não vendo a mãe oportunizar conversas saudáveis, passou à observa-la.

Assim que decidiu abrir a galeria, contou para a mãe, mas teve a impressão de nem ter sido escutado. E todas as vezes em que tocava no assunto, era respondido com acenos de cabeça e grunhidos desinteressados. (p.74)
A relação entre mãe e filho era extremamente  conturbada, sobretudo, pelo fato de Joana não ser uma mulher afetuosa, seu posicionamento perante a confissão do filho é de partir o coração:

— Eu não preciso saber dessas coisas. Você já arrumou a sua cama? Não quero nada bagunçado lá em cima. (p.75)


Podemos concluir que este é um livro de surpresas com um final inesperado, ou seja, uma obra deliciosamente enigmática, Bessa desenvolveu profundamente um enredo marcante e com reviravoltas que transformaram a leitura em uma aventura sem igual.

A obra em si é extremamente maravilhosa por diversos motivos, o principal, é, talvez, o fato de que ele fala sobre a vida, sobre as escolhas que fazemos e sobre as peças que a vida prega em nós, sobre caminhos tortuosos, sobre encontro e desencontros, sobre amores e sobre dores, a obra fala por si, ela apresenta-nos a possibilidade de entender mais a fundo a vida dos personagens que estão ao avesso com suas vidas, repleto de problemas e loucos para sairem da rotina, pessoas que assim como qualquer outra, realizam escolhas e precisam arcar com estas, a obra é o que é:uma primazia contemporânea da literatura brasileira.

Uma obra para ser lida por quem ama livros nacionais e instigantes.

[RESENHA #568] O poder do ultrajovem, de Carlos Drummond de Andrade

APRESENTAÇÃO

O poder ultrajovem reúne textos publicados por Carlos Drummond de Andrade na imprensa entre o final da década de 1960 e o início da década de 1970. Trata-se de um poderoso conjunto de prosa e verso - sempre pendendo para os domínios da crônica, gênero que o grande escritor mineiro praticou como poucos -, em que o olhar maduro e algo desencantado (mas com muita ironia) do autor se debruça sobre os mais diversos aspectos da vida e da sociedade daquela época.

Temas como a amizade, a história do Brasil, a vida no Rio de Janeiro, as artes, o Carnaval, o futebol e até mesmo a ecologia aparecem no estilo leve e sempre afiado de Drummond. As crianças e os jovens ocupam um espaço à parte no livro, pois são agudos os apontamentos a respeito das transformações pelas quais meninos e meninas atravessavam naqueles tempos conturbados em que conviviam, ao menos no Brasil, os hippies e um regime antidemocrático instaurado em 1964 (tendo ficado ainda mais duro e violento justamente na passagem para os anos 1970), a pobreza e a exuberância econômica e cultural da Zona Sul do Rio de Janeiro.


RESENHA 

Pequeno livro de Carlos Drummond de Andrade, "O Poder do Ultrajovem" é uma obra que se destaca pelo seu estilo irreverente e humorístico. Publicado originalmente em 1986, o livro apresenta uma série de reflexões sobre a juventude e a cultura popular.

Os textos de “O poder ultrajovem” resistem à passagem do tempo, mostrando as diversas facetas de um país pelo olhar generoso e perspicaz deste gênio chamado Carlos Drummond de Andrade.

Ao longo das páginas deste livro curto mas intenso, encontramos vários ensaios breves que exploram temas como música pop, televisão e comportamento jovem. O autor utiliza sua habilidade literária para analisar criticamente esses fenômenos culturais contemporâneos com um olhar irônico e bem-humorado.

Embora seja um trabalho mais leve em comparação com outros livros clássicos do autor como "Sentimento do Mundo" ou "A Rosa do Povo", "O Poder do Ultrajovem" ainda mantém o toque poético característico da escrita de Drummond. Através dos seus textos descontraídos ele nos convida não apenas à reflexão crítica sobre os valores dominantes na sociedade moderna mas também ao riso franco diante das situações absurdas impostas aos ultrajovens (termo cunhado por ele próprio).

No poema gato na palmeira (p. 246):

"Gato na Palmeira" é um poema enigmático e intrigante de Carlos Drummond de Andrade. O poeta utiliza elementos naturais, como a palmeira e o gato, para criar uma atmosfera misteriosa que captura a atenção do leitor.

O título sugere uma imagem comum da vida cotidiana - um gato subindo em uma árvore -, mas o texto traz muito mais do que isso. A linguagem é repleta de metáforas e simbolismos que dão ao poema camadas adicionais de significado.

A figura do gato é associada à ideia de liberdade, habilidade e agilidade. Já a palmeira pode ser vista como um símbolo da resistência às intempéries da vida. Esses dois elementos juntos criam uma sensação de harmonia entre os opostos, onde a natureza se equilibra por si só.

No entanto, essa harmonia também pode ser interpretada como frágil ou ilusória - afinal, o gato está em cima da palmeira e não sabemos se ele conseguirá descer sem causar danos ou se arriscará sua própria vida pela busca incansável pela liberdade.

Drummond explora as tensões existentes entre esses conceitos aparentemente contraditórios para mostrar a complexidade das relações humanas com o mundo natural. Ele nos leva além da superfície das coisas familiares para revelar verdades ocultas sobre nós mesmos e nosso papel no universo.

Em resumo,"Gato na Palmeira" é um exemplo notável do talento literário excepcionalmente versátil de Carlos Drummond de Andrade. Ele consegue transmitir uma profunda reflexão sobre a vida, natureza e liberdade por meio de um poema aparentemente simples.

...Já no poema salvar passarinho (p.198):

"Salvar Passarinho" é um poema curto e emotivo de Carlos Drummond de Andrade que aborda a questão da crueldade humana em relação aos animais. O poeta utiliza uma linguagem simples, mas poderosa, para transmitir sua mensagem.

O tema central do poema é a necessidade de proteger os pássaros contra o perigo representado pelas pessoas que os caçam ou prendem em gaiolas. A imagem do passarinho indefeso contrasta com a força brutal dos seres humanos que o perseguem por diversão ou lucro.

Drummond usa várias figuras retóricas para enfatizar a ideia principal do poema. Por exemplo, ele usa repetições ("salva, salva") para criar um senso de urgência e apelo emocional ao leitor. Ele também cria uma atmosfera triste e opressiva através das palavras escolhidas - "choro", "soluço", "grito inútil".

No entanto, mesmo diante dessa situação desesperadora, há esperança no final do poema: "passarinho livre / recebe amor". Essas palavras sugerem que ainda há espaço para mudança positiva se as pessoas agirem com compaixão e responsabilidade em relação aos animais.

Em resumo,"Salvar Passarinho" é um chamado à consciência ambiental e defesa dos direitos dos animais. É uma reflexão sobre como nossas atitudes podem afetar negativamente o mundo natural ao nosso redor e nos incentivar a tomar medidas proativas para protegê-lo. Drummond mostra mais uma vez sua habilidade literária excepcionalmente sensível na comunicação desses temas complexos em um poema simples e comovente.

Em suma, este é um livro divertido e inteligente que oferece alguns insights interessantes sobre as relações entre juventude e cultura pop. É uma leitura ideal para quem procura algo mais leve na obra desse grande poeta brasileiro - sem perder a profundidade crítica tão presente em seus trabalhos literários mais conhecidos pela critica especializada.

O AUTOR

Carlos Drummond de Andrade (1902–1987) foi um dos maiores poetas brasileiros do século XX. "No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho" é um trecho de um de seus poemas mais conhecidos.

Drummond foi também cronista e contista, mas foi na poesia que mais se destacou. Foi o poeta que melhor representou o espírito da Segunda Geração Modernista com uma poesia de questionamento em torno da existência humana.

[RESENHA #567] Esquecer para lembrar, de Carlos Drummond de Andrade

APRESENTAÇÃO

Segundo volume da reunião de poemas memorialísticos de Drummond, Boitempo II: Esquecer para lembrar retorna em novo projeto, com posfácio de Heloisa Murgel Starling.

Em Boitempo II, Drummond se afasta da infância rural e ingressa em um mundo novo, o da tecnização forçada, onde só importa o que cada um produz ou comercializa: chapéu, gaiola, punhal, geleia, pão de queijo, caixão. O menino de Itabira, porém, nada fabrica: apenas assiste às fabricações.

É desse ponto de vista, de observador desconfi­ado, que vemos o progresso en­fim chegar ao Brasil do interior, impondo suas multas e restrições: é proibido galopar pelas ruas de pedra, estender roupa branca entre os túmulos do cemitério, rezar alto de madrugada. Mas, então, pergunta-se o futuro poeta: “Que fazer, para não morrer de paz?”

Carlos é mandado à escola, deixa a casa paterna, aventura-se no trem de ferro, estuda latim e gramática, destaca-se nos panfletos estudantis, ganha o apelido de Anarquista. Os padres o expulsam do colégio, acusando-o de “insubordinação mental”. Rejeitado, o adolescente perde a fé. Decide deixar de ser “santo” para tornar-se “barro e palavrão, / humana falha, signo terrestre”.

Cavalgando o tempo — “uma cadeira ao sol, e nada mais” —, o poeta cresce. De repente se vê moço e solto em Belo Horizonte. Bancado pela família, frequenta a vida literária, entre os modernistas do Café Estrela e da Livraria Alves. Forma-se em Farmácia, mas “apenas na moldura”.

Vadia, namora e dorme. Ouve o chamado da escrita e do serviço público, torna-se redator de jornal, escreve para o Partido Republicano Mineiro, mas algo o incomoda. É a “consciência suja”, o remorso de ser um “inconvicto escriba ofi­cial”. Ele ainda cultiva em si o menino Carlos, o do segundo ginasial, que sonhava “emitir clarões / de astro-rei literário”. Não demoraria a acontecer. Era só uma questão de tempo.

As novas edições da obra de Carlos Drummond de Andrade têm seus textos fixados por especialistas, com acesso inédito ao acervo de exemplares anotados e manuscritos que ele deixou. Em Boitempo II, o leitor encontrará o posfácio da historiadora Heloisa Murgel Starling; bibliografias selecionadas de e sobre Drummond; e a seção intitulada “Na época do lançamento”, uma cronologia dos três anos imediatamente anteriores e posteriores à primeira publicação do livro.

Bibliografias completas, uma cronologia de vida e obra do poeta e as variantes no processo de fixação dos textos encontram-se disponíveis por meio do código QR localizado na quarta capa deste volume.

Um poema curto e intrigante presente na obra é pavão (p.158):

PAVÃO 

A caminho do refeitório, admiramos pela vidraça

o leque vertical do pavão 

com toda a sua pompa 

solitária no jardim. 

De que vale esse luxo, se está preso 

entre dois blocos do edifício? 

O pavão é, como nós, interno do colégio.

O autor utiliza a figura do pavão para analisar o símbolo da vaidade humana, onde estamos presos à estereótipos ligados à imagem e os efeitos nocivos da beleza no ser humano, ao passo de que se segue, o autor analisa de forma profunda com uma crítica ao universo social e nossa relação com os preconceitos aos quais estamos arraigados, uma crítica social positivista acerca da concretização da beleza.

Em síntese, a obra é profunda em toda sua vertente e ao qual se propõe, sendo uma belíssima homenagem póstuma ao autor. Perfeito para amantes de poesias, poemas, crônicas, filosofia e literatura nacional.

RESENHA

Boitempo II: esquecer para lembrar, segundo volume de seus poemas memorialísticos, Drummond se afasta da infância rural e ingressa em um mundo novo, o da tecnização forçada, onde só importa o que cada um produz ou comercializa: chapéu, gaiola, pão de queijo, caixão. O menino de Itabira, porém, nada fabrica: apenas assiste às fabricações. Nesta edição, o leitor encontrará o posfácio da historiadora Heloisa Murgel Starling.

Este livro é o segundo volume de poesia de Carlos Drummond de Andrade e faz parte da grande homenagem que o poeta mineiro iniciou em 1968 com a publicação de Boitempo. Apesar da aparente simplicidade dos poemas, há uma profunda reflexão sobre as memórias do autor. Quando se trata de Itabira, Drummond lembra-se mais do seu passado, destacando-o como legado da escravidão em Minas Gerais e no Brasil. Ao descrever sua passagem pelo Colégio Friburgo, ele também reflete sobre sua relação com a religião. Seus anos de "juventude livre" falam tanto dos avanços quanto das limitações encontradas em Belo Horizonte: "Aqui ninguém bate palmas", observa o poeta entre surpresa e decepção.

Os poemas exploram as complexidades da vida cotidiana através das lentes críticas do escritor - fornecendo uma descrição realista dos desafios emocionais enfrentados pelos personagens nas situações mundanas do dia-a-dia. As crônicas incluídas no livro também refletem a perspicácia aguçada de Drummond sobre o mundo ao seu redor. Ele escreve com delicadeza sobre momentos triviais que muitas vezes passam despercebidos pela maioria das pessoas - mostrando-nos como até mesmo as pequenas coisas podem ser profundamente significativas quando vistas sob a luz certa da sensibilidade literária.De maneira geral, "Esquecer para Lembrar" é um livro belo e inspirador que nos leva numa jornada íntima rumo aos sentimentos humanos universais. Através desses textos sutis somos convidados pelo poeta mineiro a refletir sobre nossas próprias vidas e experiências pessoais - lembrando-nos sempre que os momentos mais simples muitas vezes guardam as maiores riquezas existenciais.


O AUTOR

Carlos Drummond de Andrade (1902–1987) foi um dos maiores poetas brasileiros do século XX. "No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho" é um trecho de um de seus poemas mais conhecidos.

Drummond foi também cronista e contista, mas foi na poesia que mais se destacou. Foi o poeta que melhor representou o espírito da Segunda Geração Modernista com uma poesia de questionamento em torno da existência humana.

[RESENHA#567] O menino antigo, de Carlos Drummond de Andrade

 


APRESENTAÇÃO

Primeiro volume da reunião de poemas memorialísticos de Drummond, Boitempo I: Menino antigo retorna em novo projeto, com posfácio de Carlos Bracher.

Originalmente publicada por Drummond em três volumes — em 1968, 1973 e 1979 —, a série Boitempo parece endossar, não sem ironia, dois de seus versos mais simples: “Viver é saudade / prévia.” Ao compô-la, o poeta admitia que voltava a ser criança em Itabira, e com volúpia”, embora uma voz não nomeada o exortasse, desde sempre, a calar tais lembranças bobocas de menino”.

Não calou. Ao revisitar o passado, alegou que apenas escrevia o seu presente. Na verdade, foi além. Recordando as impressões de infância no “mundo minas”, também deixou registrada parte da biografi­a de um Brasil de essência escravagista e predatória. A agritortura”, o garimpo, o comércio, tudo admirava o pequeno Carlos, atento às vontades daquilo que talvez já identifi­casse como “privilégio” e “propriedade” — aliás, Drummond dá esses títulos a dois poemas aqui reunidos.

Carlos floresceu sob a influência das leis arcaicas que ainda regiam, no início do século XX, as relações entre sociedade e natureza, fé e moral, terra e riqueza, fazenda e família. Cresceu admirando-se do poderoso avô coronel; do pai pecuarista, que ao fi­lho ensinou “o medo e a rir do medo”; da mãe, tão “mais fácil de enganar”; e dos irmãos, vivos e mortos, presenças “a decifrar mais tarde”.

Boitempo”, assim, foi o amálgama perfeito que encontrou para defi­nir sua origem híbrida, rural e de certa forma aristocrática, já que o boi, para ele, era um animal mágico fundamental, sempre a ruminar os mistérios que o nutriam: “o fubá da vida” moído pelo tempo, bem como suas primeiras letras e até a suspeita de que o próprio amor seria, talvez, “um espetáculo / oferecido às vacas / que não olham e pastam”.

As novas edições da obra de Carlos Drummond de Andrade têm seus textos fixados por especialistas, com acesso inédito ao acervo de exemplares anotados e manuscritos que ele deixou. Em Boitempo I, o leitor encontrará o posfácio do pintor, escultor e escritor Carlos Bracher; bibliografias selecionadas de e sobre Drummond; e a seção intitulada “Na época do lançamento”, uma cronologia dos três anos imediatamente anteriores e posteriores à primeira publicação do livro.

Bibliografias completas, uma cronologia de vida e obra do poeta e as variantes no processo de fixação dos textos encontram-se disponíveis por meio do código QR localizado na quarta capa deste volume.

RESENHA

Boitempo I: Menino antigo é o primeiro volume da reunião de poemas memorialísticos do poeta. Ao revisitar o passado, ele alegou que apenas escrevia sobre o seu presente.

Considerado o ponto mais alto da lírica memorialística de Carlos Drummond de Andrade, este livro é o primeiro das suas memórias poéticas. Ele se destaca pelo esforço em resgatar e reconstruir a infância perdida, juntamente com a mítica Itabira do Mato Dentro. O movimento próprio à rememoração desobedece qualquer linearidade temporal presente, sobrepõem-se animais e frutas da roça, móveis da casa patriarcal, figuras familiares, temores noturnos, causos de figuras célebres na cidade e histórias de forasteiros - muitas delas proibidas ao garoto que tudo observa com olhos e ouvidos atentos.

Drummond transita pela vila de sua infância até a mocidade e o vasto mundo que chega apenas pelo jornal "ilustrado e longínquo" com curiosidade - uma característica que o acompanhou por toda vida. Seu estilo antissentimental traz um retrato realista dos lugares descritos em suas memórias.

Alguns dos destaques do livro incluem "Poema de Sete Faces", um dos poemas mais famosos do autor; "No Meio do Caminho", um retrato vívido e evocativo das paisagens brasileiras; e "A Máquina do Mundo", considerado por muitos como um dos melhores trabalhos literários já produzidos na língua portuguesa.

De maneira geral, "O Menino Antigo" oferece aos leitores uma oportunidade única para apreciar alguns dos melhores trabalhos literários de Carlos Drummond de Andrade. Através destes textos poderosos somos levados numa jornada emocionante rumo às profundezas paradoxais da existência humana - suas angústias, desejos, esperanças e sonhos - tudo isso com muito lirismo e sensibilidade estilística próprias à grandeza deste poeta consagrado em todo mundo.

O AUTOR

Carlos Drummond de Andrade (1902–1987) foi um dos maiores poetas brasileiros do século XX. "No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho" é um trecho de um de seus poemas mais conhecidos.

Drummond foi também cronista e contista, mas foi na poesia que mais se destacou. Foi o poeta que melhor representou o espírito da Segunda Geração Modernista com uma poesia de questionamento em torno da existência humana.

[RESENHA #566] Em busca de um teatro pobre, de Grotowski


APRESENTAÇÃO

Quase 50 anos após a primeira publicação de Em busca de um teatro pobre no Brasil, a Civilização Brasileira, republica a principal obra que revoluciona as artes cênicas no século XX, de maneira tão inovadora que segue relevante e oportuna para os dias atuais.

Com prefácio de Peter Brook, renomado diretor de teatro e cinema, Em busca de um teatro pobre volta para as prateleiras das livrarias brasileiras em nova primeira edição com layout de capa igual à original publicada em 1976.

Segundo Yan Michalski, importante teatrólogo polaco-brasileiro, fundador da Casa de Artes das Laranjeiras (CAL), neste livro:

“A pobreza do teatro pobre de Grotowski nada tem a ver com a pobreza do teatro brasileiro. A nossa pobreza é uma realidade de força maior imposta pelo nosso subdesenvolvimento; e em certos casos ela se manifesta de paradoxais exibições de opulência material. A pobreza de Grotowski é uma opção quase metafísica, resultante de uma aristocrática riqueza de tradições contraditórias, e da necessidade de fiar, a partir dessa massa de tradições, um ascético e sintético fio condutor que leve a corrente da comunicação cênica das raízes arquetípicas à sensibilidade dos nossos dias. […] O lançamento de Towards a Poor Theatre em português vai permitir-nos, finalmente, conhecer mais de perto esse tão longínquo pai espiritual, penetrar na densa matéria das suas reflexões, enriquecer-nos com a iluminadora inteligência das suas investigações; e, mais do que qualquer outra coisa, vai permitir-nos dissipar alguns mal-entendidos e localizar aquelas partes do pensamento grotowskiano que possam dizer respeito ao teatro brasileiro não só como cultura geral (pois neste sentido o livro todo é fascinante), mas também como método suscetível de ser concretamente aproveitado, com as indispensáveis adaptações, em nosso próprio caminho de experimentação teatral.” — Yan Michalski. Ator, diretor e crítico teatral.

Grotowski mostra em detalhes que o fundamento principal do teatro é a relação de atores e atrizes com os espectadores. Ler esse livro é tão bom como ver teatro.
[Marcus Vinícius Faustini, diretor teatral, documentarista e escritor]


RESENHA

"Em Busca de um Teatro Pobre", escrito pelo renomado diretor teatral polonês, Jerzy Grotowski, é uma obra fundamental para aqueles que desejam entender o conceito do "teatro pobre". O livro apresenta a visão única e inovadora de Grotowski sobre o teatro como forma de arte.

Ao longo da leitura, somos conduzidos por uma série de reflexões profundas e provocativas. Entre os temas abordados estão as relações entre ator e público, a importância da presença física em cena e a busca pela verdade emocional no trabalho dos atores. Grotowski defende que o teatro deve ser simples e acessível ao público em geral. Para ele, não é necessário ter grandes cenários ou figurinos elaborados para criar uma experiência significativa para quem assiste à peça. Em vez disso, enfatiza-se a importância do trabalho do ator na criação da atmosfera cênica.

O autor também discute questões mais amplas relacionadas ao papel do artista na sociedade contemporânea. Ele argumenta que o objetivo final do teatro não deve ser apenas entreter ou distrair as pessoas - mas sim ajudá-las a compreender melhor sua própria existência.

"Em Busca de um Teatro Pobre" é uma leitura essencial tanto para estudantes quanto profissionais das artes cênicas. A obra oferece insights valiosos sobre como criar performances autênticas e significativas através da simplicidade e honestidade no palco.

Grotowski argumenta que a presença física do ator em cena é essencial para criar uma experiência significativa para o público. Ele defende que o teatro deve ser despojado de elementos desnecessários - como cenários elaborados e figurinos extravagantes - e se concentrar na interação direta entre atores e espectadores.

Para Grotowski, o papel fundamental do ator é estabelecer um contato autêntico com o público. Ele enfatiza que isso não pode ser alcançado apenas através da técnica ou habilidade vocal, mas também requer um compromisso emocional profundo por parte dos artistas.

O autor destaca ainda a importância da verdade emocional no trabalho dos atores. Segundo ele, os intérpretes devem explorar suas próprias emoções pessoais para criar performances autênticas e significativas.

O livro foi recebido com entusiasmo pela crítica especializada na época de seu lançamento e continua sendo estudado e debatido até hoje.O período histórico em que o livro foi escrito é marcado pelo movimento da contracultura dos anos 60, que questionava os valores estabelecidos da sociedade ocidental. Nesse contexto, as ideias apresentadas por Grotowski sobre um teatro mais simples e acessível ao público foram vistas como uma resposta à cultura do entretenimento superficial.

A recepção crítica da obra foi amplamente positiva, destacando a visão única e inovadora de Grotowski sobre o papel do ator no teatro. Muitos elogiaram sua ênfase na presença física dos artistas em cena como forma de criar uma conexão autêntica com o público. Além disso, a abordagem emocionalmente autêntica também recebeu elogios por sua honestidade artística.

No entanto, algumas críticas apontavam que as ideias apresentadas no livro eram difíceis de serem aplicadas na prática ou limitavam-se apenas às produções experimentais da época. Outras questões levantadas incluíram a possibilidade das técnicas propostas por Grotowski serem elitistas ou exclusivas demais para alcançar grandes públicos.

Apesar desses pontos negativos levantados pela crítica especializada, "Em Busca de um Teatro Pobre" permanece como uma leitura essencial para qualquer pessoa interessada em entender a evolução do teatro moderno. A obra oferece uma visão única e provocativa sobre o papel do ator no palco, além de apresentar ideias que continuam influenciando as artes cênicas até hoje.

A obra republicada pela editora Civilização Brasileira, conta com as seguintes divisões: Em busca de um teatro pobre; o novo testamento do teatro; teatro é encontro; akropoles: tratamento do texto; doutor Fausto: montagem textual; o príncipe constante; ele não era inteiramente ele; investigação metódica; o treinamento do ator; a técnica do ator; o discurso de skara; o encontro americano e declaração de princípios.

A obra pode ser adquirida pelo preço R$59,90 no site do Grupo Editorial Record, ou por R$47,32, na Amazon.


O AUTOR

Jerzy Grotowski (1933-1999) foi um renomado diretor teatral polonês, conhecido especialmente pela sua obra "teatro pobre". Nascido em Rzeszów, na Polônia, ele estudou na Escola Superior de Teatro de Cracóvia antes de fundar seu próprio grupo experimental em 1957.

Ao longo dos anos 60 e 70, Grotowski tornou-se uma figura central no movimento da contracultura europeia. Ele desenvolveu técnicas inovadoras para o treinamento do ator e a criação de performances mais autênticas e significativas. Seus métodos enfatizavam a presença física dos artistas em cena e procuravam estabelecer uma relação autêntica com o público.

A principal obra associada ao conceito do "teatro pobre" é "Apocalypsis cum Figuris", encenada pelo Grupo Teatral Laboratório (Laboratorium Teatru), liderado por Grotowski. A peça foi apresentada pela primeira vez em Wrocław, na Polônia, em 1969. O espetáculo era composto apenas por sete atores sem cenários ou figurinos elaborados - um exemplo claro das ideias propostas pelo conceito do teatro pobre. Outras obras importantes do diretor incluem "Akropolis" (1962), baseada num texto de Stanislavsky; "Constant Prince" (1965); e "Dr Faustus Lights the Lights" (1967).

O trabalho revolucionário de Grotowski inspirou muitos outros artistas ao redor do mundo. Sua abordagem inovadora para o ensino da arte dramática criou uma nova maneira de pensar sobre o papel do ator no teatro moderno. Ele foi um defensor apaixonado da simplicidade cênica e da conexão emocional autêntica com o público.

Embora tenha deixado a cena teatral em meados dos anos 80, Grotowski continua sendo uma figura influente na história do teatro moderno. Sua obra "Em Busca de um Teatro Pobre" é considerada como uma das mais importantes reflexões sobre as artes cênicas já escritas, e seu legado continua a inspirar artistas ao redor do mundo até hoje.

[RESENHA #565] Niéde Guidon - uma arqueóloga no sertão, de Adriana Abujamra

 

APRESENTAÇÃO

Livro sobre a arqueóloga Niéde Guidon, guardiã de um dos maiores sítios de pinturas rupestres do mundo, o Parque Nacional Serra da Capivara, patrimônio cultural da humanidade.

Neste perfil da arqueóloga Niéde Guidon, a jornalista Adriana Abujamra revela a bravura e a doçura daquela que dedicou sua vida a proteger o maior tesouro arqueológico brasileiro, a despeito das opressões estruturais e da falta de apoio do Estado.

Desde a década de 1970, Niéde reúne recursos para proteger o Parque Nacional Serra da Capivara – declarado patrimônio cultural da humanidade pela Unesco. Ainda sem o devido reconhecimento no Brasil, Niéde é célebre internacionalmente por empreender uma revolução no sertão do Piauí, levando educação, arte e melhores condições de vida para toda a região. Nestas páginas, leitores e leitoras poderão se aprofundar não apenas na vida dessa mulher à frente do seu tempo, mas também no cotidiano de amigos e sertanejos que convivem com Niéde e são responsáveis por seu legado.

Niéde Guidon: uma arqueóloga no sertão, publicado no ano em que Niéde comemora seu 90º aniversário, inaugura a Coleção Brasileiras. Como Joselia Aguiar, organizadora da coleção, afirma, “A aventura de Niéde é a de quem faz ciência no Brasil, num campo onde o investimento é ínfimo, quando não inexistente, e numa região nordestina vista como extremamente remota por aqueles que estão no centro de poder.”



RESENHA


A arqueóloga Niéde Guidon passou mais de meio século estudando vestígios dos primeiros povos das Américas. A ele se atribui a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, uma área de proteção, pesquisa e turismo. Além do patrimônio cultural da humanidade.


Niéde Guidon, na década de 1970, iniciou a maior das batalhas dos campos arqueológicos conhecidos pela humanidade: a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara. hoje, patrimônio da humanidade pela UNESCO. A luta não serviu apenas para alertar os moradores e as autoridades sobre todos os tesouros escondidos, mas também para impulsionar a vida das mulheres locais que viam em Niéde uma mulher guerreira, dotada de poderes e autoridades em um campo de atuação específico, o que tirou das mulheres a visão e ideia de que a imagem de resistência e poder cabiam unicamente aos homens, o que acabou fortificando a identidade feminina na busca por reconhecimento, poder e atuação.


O livro é uma homenagem da autora à arqueóloga, sua publicação marca os 90 anos de Niéde, que sempre se empenhou na busca pela proteção e preservação ambiental e histórica. A obra também constitui parte do projeto da editora Rosa dos Tempos, coleção brasileiras, destinado à publicar livros que enaltecessem grandes mulheres em seus mais variados campos de atuação.


A obra divide-se nos capítulos:

1. Niéde no inverno

2. Pedras no caminho

3. Primeiras expedições

4. Parque de papel

5. Pedra rachada

6. Deus e o diabo na terra do sol

7. Um lugar no mapa

8. Davignon n Sertão

9. Ninguém mexe com elas

10. Lusco-fusco


Até a presença de Niéde, todo 'rabisco' na paredes era apenas isso: rabiscos. Não se tinha uma noção clara da importância dos relatos impostos na parede, nem dos vestígios encontrados em escavações, todo aparato era banalizado, até que Guidon conseguiu convencer o governo francês e brasileiro de que a área merecia ser explorada e estudada com maior afinco, tornando o ponto inicial de partida dos trabalhos que revolucionariam a escavação e a arqueologia mundial. A criação do parque Nacional foi crucial para o desenvolvimento daquela região, uma vez que começara a gerar capital com visitas e excursões, tendo sido o primeiro parque nacional de preservação histórica à receber milhares de visitantes, se comparado à de outros países.


As pinturas rupestres e os escritos encontrados forneciam subsídios necessários para o entendimento da vida humana nos períodos pré-históricos, estabelecidos em grau de importância através da iniciativa de Guidon em explorar uma região assolada pelo sol e pela vastidão de matas, como em suas palavras: era como ler histórias em quadrinhos nas paredes. A conversa inicial foi de que talvez, homens estivessem interessados em procurar ouro naquela região, uma vez que os recursos de comunicação naquela região eram inexistentes, deixando apenas conversas cotidianas aflorarem entre os habitantes no famoso 'disse me disse', o que abria porta para diversas interpretações. A moradia era mantida através da caça e comércio em feiras por parte dos maridos, enquanto as mulheres, dificilmente exerciam tarefas além das domésticas, sua participação pública era mínima. 


Para que houvesse uma preservação das escavações encontradas, Niéde cuidou para que o seu acesso fosse facilitado, assim, todos pudessem ver e interpretar as pinturas com maior afinco e interesse através de escadas, o que acabaria com a necessidade de intervir no meio natural para deslocamento das pedras e dos achados para museus e exposições fora do parque, o que preservou toda integridade histórica local. As visitações começaram em 1992, mesmo após a intervenção e estudos da arqueóloga, que se iniciaram em 1979.


A tese era de que há pelo menos 32.000 anos as terras eram habitadas pelos primeiros homo sapiens, o que trouxe a tona uma série de debates, uma vez que a ideia propriamente aceita naquele período era de apenas 13.000 anos, o que trouxe luz às descobertas e a valoração de todo tesouro encontrado nas escavações. Niéde criou a Fundação Museu do homem Americano (Fumdham) para preservação dos patrimônios encontrados.


Com sua atuação, Guidon estabeleceu naquela região longe dos grandes centros econômicos, uma potência financeira que abriu as portas e o leque de oportunidades para os moradores locais, abrindo uma universidade e um aeroporto, hoje, considerado um dos mais bonitos do nordeste brasileiro.


Em suma, Guidon é a grande precursora do desenvolvimento da cultura por trás das escavações, seus mais de cinquenta anos dedicados à preservação do parque nacional lhe acendeu uma fama mundial por seu trabalho e dedicação. Um livro lindo para quem ama biografias, bons livros e histórias fascinantes de grandes mulheres. 




A AUTORA

Niède Guidon é uma arqueóloga franco-brasileira conhecida mundialmente pela defesa de sua hipótese sobre o processo de povoamento das Américas e por sua luta pela preservação do Parque Nacional da Serra da Capivara no Piauí

[RESENHA #565] Amazonas, abolicionistas e ativistas, de Mikki Kendall e A. D'amico

APRESENTAÇÃO

Esta graphic novel, da escritora, ativista e crítica cultural Mikki Kendall, é uma obra divertida e fascinante que apresenta as principais figuras e acontecimentos que promoveram os direitos das mulheres, desde a Antiguidade até a Era Moderna. Além disso, este interessante livro apresenta as proezas de mulheres notáveis ao longo da história de rainhas e combatentes da liberdade a guerreiras e espiãs , além de citar importantes passagens sobre os movimentos progressistas liderados por mulheres que moldaram a história, entre eles, abolição, sufrágio feminino, trabalho, direitos civis, libertação do grupo LGBTQ+, direitos reprodutivos e muito mais.

RESENHA

A obra amazonas, abolicionistas e ativistas é uma graphic novel (HQ) elaborada por Mikki Kendall com colaboração das ilustrações de A. D'amico, ambas ativistas políticas do universo e das causas feministas e representação midiática. A obra é um fomento necessário à literatura em prol da valorização do poder da mulher na conquista do direito e do feminismo como um movimento pela busca de direito em todas as esferas públicas e privadas, bem como suas iniciativas.

A abertura do livro é um resumo da necessidade real da informação e da publicação de obras como esta: informativas e necessárias. Um grupo de mulheres discute sobre os direitos obtidos pelas mulheres até aquele momento, porém, há uma divergência de ideias que ocorre por meio da ausência de informação. É comum, como na abertura desta obra, encontrar mulheres que não entendem a história das conquistas ou da necessidade de luta por direitos, algumas pessoas que acreditam que naqueles tempos existiam direitos e que a luta era uma causa perdida, outras, banalizam as conquistas se respaldando no fato de que existem muitos outros direitos à serem conquistados, então, porquê não exigi-los em uma única luta? Bom, um degrau de cada vez. A necessidade de se informar é uma mão de fácil e livre acesso nos dias de hoje, e obras como esta, nos fazem abrir nosso consciente para informação e para obtenção de novas respostas, fazendo-nos entender com clareza a real necessidade de ir à luta. É fácil dizer que foi fácil ou em vão quando não se participou de nenhum ato, e mais fácil ainda dizer que foram poucas as conquistas quando mesmo não fazendo nada, todas se beneficiam dos resultados. Conhecimento é a chave para que não se banalizem as lutas e conquistas obtidas.

A luta das mulheres pelos direitos é bastante extensa e histórica, e sua linha cronológica é fomento necessário de acesso à informação, tornando-se indispensável para a compressão da participação da mulher nas esferas públicas e privadas. A obra analisa as principais conquistas das mulheres por meio de uma série de quadrinhos lúdicos e assertivos, abordando tópicos como: os direitos na antiguidade, o poder das rainhas e da representação feminina, escravidão e liberdade, direito ao voto, marcha da igualdade, revolução sexual e feminismo em prática, ou seja, uma obra extensa e necessária.

A lista de direitos obtidos pelas mulheres é extensa, porém, a luta não pode parar, alguns dados históricos à serem mencionados:

1827 – Direito à educação básica
1879 – Direito à educação superior
1910 – Direito à representação política
1932 – Direito ao voto
1962 – Direito ao trabalho
1974 – Direito ao crédito
1977 – Direito ao divórcio
1979 – Direito de jogar futebol
1988 – Direito à igualdade
2002 – Direito à sexualidade
2006 – Direito de defesa
2015 – Direito de reparação



A primeira parte da obra esclarece-nos e nos traz a luz dos primeiros atos revolucionários das mulheres, intitulado direito das mulheres na antiguidade, afinal, faz-se necessário compreender a história pela raiz, para uma compreensão ainda mais genuína e completa acerca de todas as outras lutas que se sucederam. O trabalho da mulher durante os períodos fundamentais são explicados com clareza, um aspecto bastante marcante na obra é a intervenção de uma mulher que se manifesta inferindo que a participação das mulheres era doméstica, conferindo ao homem a tarefa árdua de caçar e prover, porém, as mulheres registravam em pinturas nas cavernas e nas mais variadas áreas o cotidiano, entre outras palavras, o trabalho delas era mais importante que o deles e tornou-se responsável pelas informações que temos atualmente acerca da participação feminina nas sociedades mais rudimentares da sociedade.

A obra é literalmente um ensino de história profunda, aqui, há uma personagem central responsável por explicar toda história dos direitos e das lutas das mulheres para uma série de alunas, todas com suas opiniões e conceitos formados por preconceitos e ausência de informação, porém, a cada ensinamento transmitido, nota-se que todo conhecimento previamente acreditado ser certo, cai por terra, dando entrada ao fomento educacional histórico, moldando e transformando as visões de cada mulher em particular, e este recurso é incrível, pois torna a tarefa de transmitir e ensinar valores e histórias por meio de uma ação pedagógica lúdica de amostra de história por meio de recursos educacionais, tornando a tarefa mais participativa com todos atentos e participando com suas dúvidas e comentários, o que também pode ser adotado por um professor ou até mesmo pelo leitor durante o procedimento de leitura.

Desde os tempos primórdios os homens foram dotados de participações públicas e direitos ilimitados, enquanto a mulher, ocupava um protagonismo secundário, tendo apenas como participação pública aquilo que lhe era inferido pela figura masculina regente, ou seja, o marido ou o pai. Essa limitação de participação é histórica e datada de períodos pré-históricos, e essa análise também é bastante explorada nesta Hq, mostrando-nos como se desenvolveram as sociedades e a vida da mulher no cotidiano. Algumas, obviamente, detinham algum direito, mas todas em áreas específicas da sociedade, não sendo estendidas à todas as outras mulheres, o que ocasionava em uma participação social menor e, consequentemente, menos relevante, uma vez que os direitos estavam nas mãos e no controle dos homens, entre outras palavras, desde a antiguidade o regime que imperava era o patriarcado. 

A obra também enaltece às figuras de mulheres importantes à frente das conquistas das mulheres dentro do feminismo de cada época, mulheres que correram para que todas as outras pudessem caminhar, mulheres que acreditaram que existiam muitos outros direitos e deveres aos quais as mulheres deveriam ter acesso na sociedade, mulheres que impuseram-se diante da opressão do patriarcado estabelecendo uma conexão com todos os outros períodos, para que assim, se tornasse possível e de acesso facilitado a possibilidade de recorrer em seus direitos e exigir participação pública. 

Em síntese, esta obra é um trabalho de desenvolvimento informativo e cultural notável, sua contribuição é o ponto de partida para futuras análises na luta das mulheres, afinal, ela não pode parar. Indicado para leitores apaixonados por hq, história, filosofia e todos os outros fomentos educacionais.

[RESENHA #564] As origens do mal, de Georges Minois

APRESENTAÇÃO

Quem é o responsável pelas infelicidades que esmagam a humanidade? Depois de muitas hesitações, os primeiros Pais da Igreja buscaram a explicação no velho mito bíblico de Adão e Eva. Os bispos do concílio de Trento fizeram dele um dogma, afirmando que a falta do primeiro homem corrompeu a natureza humana. Desde então, a doutrina do pecado original moldou a moral cristã e, mais amplamente, a imagem do homem. Construída com cuidado e erudição, esta obra é instrutiva e instigante, feita para pessoas curiosas, crentes ou não, sobretudo numa época em que a distinção entre o bem e o mal ― e sobretudo sua origem ― se articula com dificuldade.

RESENHA

George Minois é um professor francês de história com trabalhos com ênfase em tópicos religiosos, seus livros mais conhecidos ao redor do globo são: história do riso e do escárnio, as origens do mal, história do ateísmo e história do futuro. Nesta obra, o autor desdobra-se sobre as perguntas mais difundidas dentre os tempos: de onde vem o mal e o sofrimento existente? Quem é o responsável pelas infelicidades que esmagam a humanidade? dentre outras questões estudadas pelas mais variadas áreas.

Recorrendo a um amplo universo de referências de filosofia à textos bíblicos, do darwinismo à bioética, Minois analisa aqui as marcas do pecado original sobre a moral cristã e a forma como, mesmo nos dias de hoje, esse tema continua a suscitar debate. Livre arbítrio, pretensão de independência e autossuperação: embora talvez não seja evidente a princípio, não são tão distantes dos motivos que justificariam o cometimento do pecado original das ambições dos homens da ciência.

A obra é uma proposta desafiadora e bastante respaldada, o autor busca por meio de diversos campos explicitar de forma clara e concisa por meio de uma linguagem clara e acessível a existência do mal e do sofrimento humano. Se Deus é bom o tempo todo e tudo o que faz é perfeito, porque temos de pagar pelo pecado primário? A história é conhecida, o desfecho também, mas será que os desdobramentos advindos da criação divina também? Um estudo profundo que busca apresentar uma base sólida de argumentação capaz que trazer a tona à luz do conhecimento por meio do estudo. 

Os primeiros pais da igreja buscaram explicar o mal e o sofrimento humano por meio da análise do texto de Adão e Eva, na bíblia cristã, o comportamento pecaminoso no Éden, moldou toda humanidade, bem como sua noção de certo, errado e do poder de escolhas do homem. Segundo estes estudiosos primários, a culpa decorreu de um único homem por meio do pecado original de Adão, moldando a noção de ética cristã e moral humana.  A partir deste ponto, introduziu-se toda proibição e dogmas impostos pela religião, como a mulher como figura submissa ao homem e os pecados da sexualidade e os agouros advindos destes comportamentos, o que ocasionou em uma centena de intermináveis estudos que alcançaram o Iluminismo e ascenderam aos dias atuais.

A falha inicial de Adão provocou um efeito cascata moral, os homens sentem-se culpados pelo pecado original, mas livram-se da culpa ressentindo-se do futuro e dos efeitos da escolha de outro, o que ascende nos estudos das áreas religiosas e educacionais a alternativa de explicar os efeitos no cotidiano e no âmbito social e moral da sociedade. Mas a ideia de culpa do pecado transferiu-se à figura do diabo, tirando sobre o homem o peso da responsabilidade de sua própria escolha, não sendo mais responsável pelo ocorrido de outrora, mas responsável pelos efeitos futuros das escolhas, o que é, sempre, complicado, levando em consideração que todos os homens esbarram diariamente nos limites impostos pela religião, sobretudo, se analisarmos fortemente os escritos bíblicos advindos do primeiro testamento da bíblia cristã.

O livro conta com a seguinte divisão de tópicos: 

1. De quem é a falta?

2. O processo de Adão

3. Teologia e sociedade

4. A  queda: pomo de discórdia teológico

5. O pecado original

6. Adão sob o fogo das luzes

7. Adão, Darwin e Hegel

8. Os avatares do pecado original

9. Do Adão bíblico ao Adão eugênico 

Cada tópico possui uma particularidade única, o autor unifica arestas de diferentes áreas para explicitação do conteúdo prático explicativo, expondo com clareza e citações de obras ao longo do enredo conteúdos que solidificam os argumentos em linguagem clara e assertiva. O tópico um aborda a falta, a falta de noção do pecado, da ação e de vigilia celeste, o segundo, os processos advindos do processo acusatório de um responsável pelo pecado primário, o terceiro os reflexos na idade média, filosofia e nas demais áreas do conhecimento, o quarto o concílio de trento e a revolta humanista, o quinto à análise do pecado original, a sexta, o estudo do pecado transporido, a sétima, uma análise sob a luz de Darwin e Hegel, dentre os demais tópicos.

Até o final do quarto século, os cristãos tinham visões conflitantes sobre o pecado de Adão e Eva e suas consequências (o crime é frequentemente descrito como obra de Deus). Agostinho de Hipona, um bispo africano apaixonado por demônios, é o criador da expressão "pecado original" e o próprio criador da demonologia literal. Ele organizou concílios em Cartago, que levaram o papa à condenação do pecado original em 418. Desde então, o assunto foi resolvido dentro da Igreja. Simplificando, os teólogos gastarão muita energia para entender, explicar e justificar uma ideia que ao longo dos séculos será muito misteriosa e desconcertante: Deus, o Todo-Poderoso.

No século 16, a interpretação da história da queda tornou-se a "maçã" da controvérsia entre católicos e protestantes. Então a Igreja Romana procurou de alguma forma acabar com o julgamento de Adão. O Concílio de Trento também considerou o pecado original um dogma. Portanto, qualquer católico que rejeita o caráter histórico da história bíblica é um herege e amaldiçoado. Outro ensinamento do mesmo conselho: todas as pessoas - exceto a mãe de Cristo, a "Imaculada Reencarnação" - herdam o pecado original e devem ser batizadas para removê-lo. Crianças não batizadas não podem ir para o céu. Sua alma vai para um lugar imaginado por Tomás de Aquino no século XIII: o limbo.

G. Minois mostra que, ao longo da história do cristianismo, os escritores pensaram em interpretar a história bíblica de forma alegórica: por exemplo, Pelágio no século IV ou Lamenais no século XIX. Essas ideias foram sistematicamente rejeitadas pelas autoridades católicas e pelos fundamentalistas protestantes. A promulgação desses pontos de vista resultou na expulsão de seus autores da Igreja e de outras disciplinas (começando com Pelágio, que foi expulso de Roma e despojado).


A obra de Minois percorre toda a história da cultura cristã. De fato, a doutrina do pecado original moldou a imagem humana do Ocidente. Ele cometeu o pecado da luxúria (em muitas teologias, Adão e Eva pecaram contra a carne), mas também desobedeceu até mesmo ao conhecimento científico. Justifica a ordem social (o ser humano é fundamentalmente mau, a violência é necessária para manter a ordem) e o desrespeito às mulheres - Paulo de Tarso (São Paulo) diz "não" Não foi Adão que foi tentado, mas a mulher que, sendo tentada, tornou-se culpado de transgressão". O pecado original não ocupava apenas os teólogos, mas muitos filósofos também apontavam: Pascal, Leibniz, Kant, Hegel... No século XVIII, tornou-se o objetivo dos racionalistas. No século 19, Adão seria "morto" pelo darwinismo. Os cristãos que aceitam a evolução, a preservação histórica do Adão, terão que se engajar em uma síntese mental que levará ao ensinamento atual da Igreja: o corpo é "tirado de uma matéria viva e pré-existente", mas cada "alma" foi criada por Deus.

Em síntese, devo declarar que esta é uma obra esclarecedora em diversos pontos e sua narrativa é lúdica e clara ao que se propõe: um estudo amplo da origem do mal por meio de análises nos mais variados campos. Uma obra dedicada à amantes de história, teólogos e filósofos.

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