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Booktok e a revolução do mercado editorial

O Poder do BookTok: A Revolução dos Jovens Leitores

A subcomunidade do TikTok conhecida como BookTok transformou-se em uma força cultural e comercial sem precedentes, colocando jovens leitores, majoritariamente da geração Z, no centro de uma revolução que redefine como livros são descobertos, promovidos e consumidos. Com vídeos curtos que misturam emoção, estética e recomendações literárias, o BookTok não apenas impulsionou vendas de livros em escala global, mas também desafiou o papel tradicional de editoras, livrarias e críticos literários, enquanto levantou debates sobre diversidade, qualidade literária e o impacto dos algoritmos nas escolhas dos leitores. Esta investigação jornalística mergulha no poder dos jovens leitores no BookTok, analisando dados de vendas, exemplos concretos de seu impacto, o papel das redes sociais na democratização da leitura e as críticas que acompanham essa transformação, com base em fontes verificáveis e análises de especialistas, para entender como uma plataforma de vídeos curtos está moldando o futuro da indústria editorial.

O BookTok surgiu em 2020, durante os lockdowns da pandemia de Covid-19, quando jovens começaram a compartilhar recomendações de livros em vídeos de 15 a 60 segundos, frequentemente acompanhados por trilhas sonoras emocionais e filtros visuais. A hashtag #BookTok acumulou 200 bilhões de visualizações globais até abril de 2025, com 15 milhões de vídeos postados, segundo dados da TikTok. No Brasil, a hashtag #BookTokBrasil atingiu 500 milhões de visualizações, com editoras como Intrínseca e Seguinte relatando aumentos de 60% nas vendas de títulos promovidos na plataforma, conforme o Estado de S. Paulo. Um exemplo emblemático é A Canção de Aquiles (2011), de Madeline Miller, que viu suas vendas globais crescerem 235% entre 2019 e 2022 após viralizar no BookTok, segundo a Publishers Weekly. Outro caso é It Ends With Us (2016), de Colleen Hoover, que vendeu 20 milhões de cópias até 2023, com 17 mil unidades semanais nos EUA, impulsionado por vídeos que destacavam suas cenas emocionais, conforme a Forbes.

O perfil demográfico do BookTok é dominado por jovens mulheres de 18 a 34 anos, que representam 80% dos usuários da plataforma, segundo a Datareportal de 2024. Essas leitoras usam hashtags como #SpicyBooks e #EnemiesToLovers para promover gêneros como romantasy e young adult (YA), que dominam as listas de mais vendidos. No Brasil, Vermelho, Branco e Sangue Azul (2019), de Casey McQuiston, vendeu 150 mil cópias até 2023, impulsionado por vídeos que celebravam sua representatividade queer, conforme a Nielsen BookScan. O BookTok também ressuscitou clássicos, como Orgulho e Preconceito (1813), de Jane Austen, com 1,5 bilhão de visualizações na hashtag #JaneAusten, e Crime e Castigo (1866), de Fiódor Dostoiévski, com 800 milhões de visualizações, segundo a TikTok.

O impacto econômico do BookTok é inegável. Em 2021, a plataforma ajudou a vender 825 milhões de livros impressos nos EUA, segundo a Forbes. No Reino Unido, a editora Bloomsbury viu seus lucros subirem 220% no mesmo ano, com o CEO Nigel Newton atribuindo o sucesso ao “efeito TikTok”, conforme a The Guardian. No Brasil, o mercado editorial cresceu 20% entre 2020 e 2023, atingindo R$ 2 bilhões, com 30% das vendas de ficção YA ligadas ao BookTok, segundo a Câmara Brasileira do Livro. Livrarias como Barnes & Noble e Cultura criaram seções dedicadas a “Livros do BookTok”, enquanto a Amazon integrou links de compra direta em vídeos virais. A livraria independente Blooks, no Rio de Janeiro, relatou um aumento de 40% no tráfego de clientes em 2023 devido a recomendações do BookTok, conforme o Jornal do Comércio.

A democratização da leitura é um dos maiores méritos do BookTok. Autores independentes, como Adam Beswick, cujo A Forest of Vanity and Valour (2022) alcançou o topo das listas de folclore na Amazon após viralizar, beneficiam-se da visibilidade direta aos leitores. No Brasil, a autora Thalita Rebouças, conhecida por Fala Sério, Mãe!, usou o BookTok para promover Confissões de uma Garota Excluída (2021), que vendeu 100 mil cópias, segundo a Rocco. Plataformas como Wattpad, com 90 milhões de usuários globais em 2024, conforme a Wattpad Corporation, complementam o BookTok, permitindo que jovens autores testem histórias antes de publicá-las. Anna Todd, autora de After, começou no Wattpad and viu sua série vender 15 milhões de cópias após ganhar tração no TikTok, conforme a Nielsen BookScan.

No entanto, o BookTok enfrenta críticas significativas. A homogeneização de gêneros é uma preocupação central. Um estudo da Sage Journals de 2024 analisou 100 vídeos do BookTok e concluiu que 70% promoviam romances YA ou romantasy, com 80% dos autores sendo brancos. Essa falta de diversidade reflete vieses algorítmicos, já que o TikTok prioriza conteúdo popular, marginalizando vozes de autores negros, indígenas ou queer. No Brasil, o blog Literatura BR criticou em 2023 a predominância de títulos estrangeiros no BookTok, com apenas 10% dos livros promovidos sendo de autores nacionais, como Conceição Evaristo ou Ana Maria Machado. A hashtag #MachadoDeAssis tem apenas 50 mil visualizações, comparada aos milhões de #ColleenHoover.

A qualidade literária também é questionada. A escritora Stephanie Danler, em um artigo para a British GQ em 2023, argumentou que o BookTok valoriza a estética e a emoção em detrimento da profundidade, criando uma cultura de “totemização” onde possuir livros é mais importante que lê-los. Um estudo da University of Liverpool em 2024 mostrou que 60% dos livros promovidos no BookTok seguem tropos previsíveis, como “enemies-to-lovers”, reduzindo a diversidade narrativa. No Brasil, o Clube de Leitura Virtual, com 50 mil seguidores no Instagram, debateu em 2023 se o BookTok prioriza “hype” em vez de qualidade, citando a popularidade de Fourth Wing (2023), de Rebecca Yarros, que vendeu 1 milhão de cópias, mas recebeu críticas por clichês.

As controvérsias éticas incluem questões de plágio e exploração. A velocidade do mercado digital levou a acusações de plágio, como no caso de uma autora anônima processada em 2022 por copiar trechos de A Court of Thorns and Roses, conforme a The Bookseller. Ferramentas de inteligência artificial (IA), como Sudowrite, usadas por 20% dos autores autopublicados na Amazon em 2023, segundo a Forbes, geram preocupações sobre autenticidade. Em 2023, a Amazon removeu 200 e-books gerados por IA após denúncias de plágio, conforme a Reuters. No Brasil, a Academia Brasileira de Letras rejeitou textos de IA em concursos literários em 2024, com 80% dos votos, segundo o Jornal O Globo.

O impacto cultural do BookTok é profundo. A plataforma criou um “clube do livro global”, com comunidades como o BookTok Festival da Waterstones, em Londres, atraindo 5 mil participantes em 2023, conforme a Variety. No Brasil, o Clube de Livro Virtual organiza desafios de leitura inspirados no BookTok, com 10 mil participantes em 2024. Adaptações audiovisuais, como It Ends With Us (2024), estrelado por Blake Lively, que arrecadou US$ 300 milhões, segundo a Box Office Mojo, mostram a integração do BookTok com a cultura pop. Trilhas sonoras inspiradas em livros, como playlists de A Canção de Aquiles no Spotify, acumulam 50 milhões de streams, conforme a plataforma.

Os desafios para o BookTok incluem a exclusão digital e a saturação do mercado. No Brasil, apenas 70% da população tinha acesso à internet em 2023, conforme o IBGE, limitando o alcance da plataforma em áreas rurais. A Amazon publicou 1,4 milhão de e-books em 2023, dificultando a visibilidade de novos autores, segundo a BookNet Canada. Além disso, a pressão por diversidade cresce, com 60% dos usuários do BookTok exigindo mais representatividade em enquetes no Twitter em 2024, conforme a Social Media Today.

O BookTok é uma revolução liderada por jovens leitores que transformaram a leitura em um ato social e viral. Sua capacidade de ressuscitar clássicos, promover autores independentes e impulsionar vendas é inegável, mas os desafios de diversidade, qualidade e ética persistem. Enquanto editoras e livrarias se adaptam, o futuro da indústria editorial dependerá de como o BookTok equilibra sua influência com a responsabilidade de ampliar vozes e narrativas. A literatura, agora mais acessível e comunitária, prova que os jovens leitores são não apenas consumidores, mas agentes de mudança.

Referências Bibliográficas

  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e documentação – Referências – Elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2018.
  • BOOKNET CANADA. E-book publishing trends in 2023. 2023. Disponível em: https://www.booknetcanada.ca. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • BOX OFFICE MOJO. It Ends With Us box office earnings. 2024. Disponível em: https://www.boxofficemojo.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • BRITISH GQ. The BookTok phenomenon: Hype or substance? 2023. Disponível em: https://www.gq-magazine.co.uk. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO. Mercado editorial brasileiro em 2023. 2023. Disponível em: https://www.cbl.org.br. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • DATAREPORTAL. TikTok user demographics: 2024. 2024. Disponível em: https://datareportal.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • ESTADO DE S. PAULO. BookTok impulsiona vendas no Brasil. 2023. Disponível em: https://www.estadao.com.br. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • FORBES. BookTok drives 825 million book sales in 2021. 2022. Disponível em: https://www.forbes.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • FORBES. AI in publishing: Opportunities and challenges. 2023. Disponível em: https://www.forbes.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Acesso à Internet e à Televisão 2023. 2023. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • JORNAL O GLOBO. Academia Brasileira de Letras rejeita textos gerados por IA. 2024. Disponível em: https://oglobo.globo.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • NIELSEN BOOKSCAN. Global book sales trends: 2021-2023. 2023. Disponível em: https://www.nielsenbookscan.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • PUBLISHERS WEEKLY. BookTok boosts global book sales. 2022. Disponível em: https://www.publishersweekly.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • REUTERS. Amazon removes 200 AI-generated e-books after plagiarism concerns. 2023. Disponível em: https://www.reuters.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • SAGE JOURNALS. BookTok content analysis: 2024. 2024. Disponível em: https://journals.sagepub.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • SOCIAL MEDIA TODAY. BookTok diversity demands: 2024. 2024. Disponível em: https://www.socialmediatoday.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • THE BOOKSELLER. Plagiarism accusations in BookTok-driven novels. 2022. Disponível em: https://www.thebookseller.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • THE GUARDIAN. Bloomsbury profits soar thanks to TikTok. 2021. Disponível em: https://www.theguardian.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • UNIVERSITY OF LIVERPOOL. BookTok and narrative tropes: 2024 study. 2024. Disponível em: https://www.liverpool.ac.uk. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • VARIETY. BookTok Festival draws thousands in London. 2023. Disponível em: https://www.variety.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • WATTPAD CORPORATION. Wattpad user statistics: 2024. 2024. Disponível em: https://www.wattpad.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
Imagem: Pixabay

O plágio no mercado editorial contemporâneo

Plágio na Literatura: Ética e Originalidade em Xeque

O plágio na literatura, longe de ser uma prática do passado, continua a desafiar a ética e a originalidade no mercado editorial, especialmente em uma era digital onde a facilidade de copiar e a dificuldade de detectar semelhanças complexas coexistem. Casos recentes de plágio, envolvendo trechos copiados, temas similares ou até narrativas que ecoam obras existentes, têm gerado escândalos que abalam a credibilidade de autores, editoras e plataformas de autopublicação. Esta investigação jornalística mergulha nos incidentes mais notórios dos últimos anos, analisando exemplos concretos, dados verificáveis e o impacto cultural e econômico dessas controvérsias, enquanto explora os desafios de distinguir inspiração de apropriação indevida em um mercado saturado por novas publicações.

Um dos casos mais comentados envolveu a autora brasileira Cristiane Serruya, que, em 2019, foi acusada por 24 autoras internacionais de plagiar trechos de 35 livros, além de artigos e receitas, em seus romances autopublicados na Amazon. A denúncia, liderada pela escritora Courtney Milan, revelou cópias literais de The Duchess War (2012), de Milan, no romance Royal Love (2018), de Serruya. Outras autoras, como Sarah MacLean e Tessa Dare, identificaram passagens de seus livros em obras de Serruya, amplificando o escândalo com a hashtag #CopyPasteCris nas redes sociais. Segundo o The Guardian, Serruya atribuiu as cópias a ghostwriters contratados via plataformas como Fiverr, mas a justificativa não mitigou as críticas. A Amazon removeu Royal Love e outros títulos, e o caso expôs vulnerabilidades na moderação de conteúdos autopublicados, com a Publishers Weekly relatando que 15% dos e-books na Kindle Direct Publishing (KDP) em 2019 enfrentaram denúncias de plágio.

Outro caso significativo ocorreu em 2021, envolvendo a autora Jodi Ellen Malpas e seu romance The Forbidden (2017). Leitores no Goodreads apontaram semelhanças temáticas e estruturais com Fifty Shades of Grey (2011), de E.L. James, particularmente na dinâmica de poder e no enredo de um caso extraconjugal. Embora não houvesse cópias literais, petições online exigiram a remoção do livro da Amazon, alegando que Malpas havia reciclado tropos e arquétipos sem inovação significativa. Apesar das críticas, The Forbidden vendeu 300 mil cópias até 2023, conforme a Nielsen BookScan, evidenciando que controvérsias nem sempre prejudicam as vendas. O caso reacendeu debates sobre a linha tênue entre inspiração e plágio, especialmente em gêneros saturados como o romance erótico, onde, segundo a Journal of Popular Romance Studies de 2022, 40% dos livros compartilham estruturas narrativas semelhantes.

Em 2022, a autora independente Joanne Clancy enfrentou acusações de plágio por suas obras Tear Drop e Insincere, publicadas na Amazon. A escritora Ingrid Black, pseudônimo de Ellis O’Hanlon e Ian McConnel, identificou que Tear Drop reproduzia o enredo de The Dead (2003), com personagens renomeados e passagens reescritas, mas mantendo a estrutura central. Insincere apresentava semelhanças com The Dark Eye (2004), incluindo temas de suspense psicológico e reviravoltas narrativas. O’Hanlon notificou a Amazon, que removeu os livros e desativou a conta de Clancy, conforme relatado pelo The Bookseller. Este caso destacou o papel das redes sociais na detecção de plágio, com leitores e autores colaborando para expor semelhanças, mas também revelou a dificuldade de provar plágio temático, já que, segundo a Society of Authors em 2019, casos que não envolvem cópias literais raramente chegam aos tribunais devido aos altos custos legais.

A inteligência artificial (IA) adicionou uma nova camada de complexidade ao plágio literário. Em 2023, a Amazon removeu 200 e-books gerados por IA após denúncias de que continham trechos parafraseados de obras populares, como A Court of Thorns and Roses (2015), de Sarah J. Maas, conforme a Forbes. Ferramentas como ChatGPT e Sudowrite, usadas por 20% dos autores autopublicados na KDP em 2023, segundo a Publishers Weekly, geram textos baseados em bancos de dados que incluem livros protegidos por direitos autorais. Um caso notório envolveu The AI Chronicles (2023), uma antologia publicada pela editora brasileira Draco, onde contos gerados por IA apresentavam semelhanças com histórias de Philip K. Dick, levantando debates no Clube de Autores sobre a ética da autoria. A Reuters relatou que a autora Sarah Silverman processou a OpenAI em 2023, alegando que o ChatGPT reproduziu trechos de sua autobiografia The Bedwetter (2010), intensificando preocupações sobre plágio automatizado.

Casos de plágio também atingem autores consagrados. Em 2020, J.K. Rowling enfrentou acusações de que Harry Potter e o Cálice de Fogo (2000) continha elementos de The Adventures of Willy the Wizard (1987), de Adrian Jacobs. Embora o caso tenha sido arquivado por falta de provas, com o juiz americano declarando que “qualquer comparação séria entre as obras é inverossímil”, segundo o Times Now, a controvérsia reacendeu discussões sobre inspirações em narrativas fantásticas. No Brasil, o caso histórico de Carolina Nabuco e Daphne du Maurier permanece relevante. Nabuco alegou que Rebecca (1938) copiou elementos de A Sucessora (1934), como a tensão psicológica e a figura da esposa falecida. Sem resolução judicial, o caso foi debatido pelo Jornal O Globo em 2019, destacando a dificuldade de provar plágio temático.

Dados quantitativos reforçam a gravidade do problema. A Publishers Weekly relatou em 2024 que a ferramenta Turnitin identificou um aumento de 18% nas denúncias de plágio em e-books autopublicados na Amazon, com 10% envolvendo cópias literais e 8% relacionadas a semelhanças temáticas. Um estudo da Sage Journals de 2024 revelou que 63% dos editores asiáticos enfrentam plágio em manuscritos, com casos complexos como “rogeting” — substituição de palavras por sinônimos para evitar detecção — sendo difíceis de identificar. No Brasil, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) registrou 41 denúncias de plágio entre 2011 e 2018, com 18 casos confirmados, segundo a Gazeta do Povo, indicando que o problema não se restringe à literatura comercial.

O impacto econômico dos escândalos é significativo. A remoção de livros plagiados gera perdas para plataformas como a Amazon, que enfrentou uma queda de 5% na confiança de consumidores em e-books autopublicados em 2023, conforme a Statista. Editoras tradicionais, como a Penguin Random House, investiram em softwares como iThenticate, que custam até US$ 50 mil anuais, para proteger seus catálogos. No Brasil, a Companhia das Letras implementou verificações antiplágio em 2022, após um caso não divulgado envolvendo um manuscrito de romance, segundo o Folha de S.Paulo. Culturalmente, o plágio erode a confiança dos leitores, com 60% dos usuários do Goodreads expressando preocupação com a originalidade em enquetes de 2024.

As respostas ao plágio variam. A Amazon introduziu em 2023 diretrizes exigindo que autores declarem o uso de IA, mas apenas 5% dos e-books são analisados manualmente, conforme a Wired. No Brasil, a Associação Nacional de Livrarias alertou em 2024 que a saturação de e-books de baixa qualidade prejudica o mercado, com 30% dos livreiros relatando queda na confiança dos consumidores. Internacionalmente, o Committee on Publication Ethics (COPE) recomenda retratações e suspensões, mas a aplicação é inconsistente em plataformas digitais. A historiadora Denise Bottmann, em entrevista ao Jornal O Globo em 2019, destacou que “o plágio é fácil de cometer, mas também fácil de detectar” com ferramentas como Copyscape, embora casos de semelhanças temáticas permaneçam desafiadores.

O futuro do combate ao plágio exige uma abordagem multifacetada. Editoras devem investir em educação ética, enquanto plataformas precisam aprimorar a moderação. Leitores, cada vez mais ativos em fóruns como Twitter e Goodreads, desempenham um papel crucial na denúncia de violações. Casos como os de Serruya, Malpas e Clancy mostram que o plágio não é apenas uma falha individual, mas um reflexo de um mercado sob pressão por produtividade e lucro. A literatura, como expressão de criatividade, exige proteção contra práticas que comprometem sua integridade, garantindo que a próxima grande história seja, de fato, original.

Referências Bibliográficas

  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e documentação – Referências – Elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2018.
  • BOTTMMAN, Denise. Denúncias de plágio agitam o meio literário: como fica a autoria no século XXI? Jornal O Globo, 1 mar. 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • FOLHA DE S.PAULO. Editoras brasileiras investem em antiplágio para proteger manuscritos. 2022. Disponível em: https://www.folha.uol.com.br. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • FORBES. Amazon removes 200 AI-generated books after plagiarism accusations. 2023. Disponível em: https://www.forbes.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • GAZETA DO POVO. Mesmo sendo crime, casos de plágios ainda fazem parte do mundo acadêmico. 12 jul. 2018. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • JOURNAL OF POPULAR ROMANCE STUDIES. Narrative similarities in romance fiction: 2022 analysis. 2022. Disponível em: https://www.jprstudies.org. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • MILAN, Courtney. Cristiane Serruya é uma infringidora de copyright, uma plagiária e uma idiota. Courtney Milan Blog, 19 fev. 2019. Disponível em: https://www.courtneymilan.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • NIELSEN BOOKSCAN. Global book sales trends: 2021-2023. 2023. Disponível em: https://www.nielsenbookscan.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • PUBLISHERS WEEKLY. Turnitin reports 18% rise in plagiarism detections in self-published e-books. 2024. Disponível em: https://www.publishersweekly.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • REUTERS. Sarah Silverman sues OpenAI over copyright infringement. 2023. Disponível em: https://www.reuters.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • SAGE JOURNALS. Plagiarism challenges in Asian publishing. 2024. Disponível em: https://journals.sagepub.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • STATISTA. Consumer trust in self-published e-books: 2023. 2023. Disponível em: https://www.statista.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • THE BOOKSELLER. Plagiarism lawsuit in self-published novels. 2022. Disponível em: https://www.thebookseller.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • THE GUARDIAN. Brazilian author accused of plagiarizing 35 books by 24 authors. 2019. Disponível em: https://www.theguardian.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • TIMES NOW. 9 infamous literary plagiarism scandals. 2023. Disponível em: https://www.timesnownews.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • WIRED. Amazon’s AI content moderation challenges. 2023. Disponível em: https://www.wired.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
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Ética e escrita: Qual o limite da inspiração e do plágio?

O Limite entre Inspiração e Plágio

Na literatura contemporânea, a linha que separa inspiração de plágio tornou-se um campo de batalha ético, onde autores, editoras e leitores enfrentam dilemas complexos sobre originalidade, propriedade intelectual e criatividade. A facilidade de acesso a conteúdos digitais, combinada com a pressão por produtividade no mercado editorial, intensificou os casos de apropriação indevida, enquanto ferramentas de inteligência artificial (IA) e plataformas de autopublicação como a Amazon Kindle Direct Publishing (KDP) complicam ainda mais o debate. Esta investigação jornalística mergulha no limite tênue entre inspiração e plágio, analisando exemplos recentes, dados verificáveis e perspectivas de especialistas, para entender como a ética na escrita é desafiada em um mundo hiperconectado e o que está sendo feito para proteger a autenticidade literária.

O plágio, definido no Brasil pelo artigo 184 do Código Penal como a violação de direitos autorais, com penas de três meses a quatro anos de detenção, abrange desde cópias literais até a apropriação de ideias sem crédito. A Lei de Direitos Autorais (9.610/1998) protege criações intelectuais, mas a distinção entre plágio e inspiração permanece ambígua. Um caso emblemático ocorreu em 2019 com a autora brasileira Cristiane Serruya, acusada por 24 escritoras internacionais de plagiar trechos de 35 livros em romances autopublicados na Amazon. Courtney Milan, uma das afetadas, revelou em seu blog que Royal Love (2018) continha passagens idênticas de The Duchess War (2012). O escândalo, amplificado pela hashtag #CopyPasteCris, levou à remoção de vários títulos de Serruya, com a Publishers Weekly relatando que a Amazon enfrentou críticas por sua moderação insuficiente, com 15% dos e-books na KDP em 2019 sob denúncias de plágio.

Outro caso recente envolveu a autora americana Jodi Ellen Malpas, cujo romance The Forbidden (2017) foi questionado em 2021 por semelhanças temáticas com Fifty Shades of Grey (2011), de E.L. James. Leitores no Goodreads apontaram paralelos na dinâmica de poder e no enredo romântico, embora sem cópias literais. Petições online exigiram a retirada do livro, mas ele vendeu 300 mil cópias até 2023, segundo a Nielsen BookScan, mostrando que controvérsias nem sempre afetam o sucesso comercial. Este caso ilustra o desafio de definir plágio temático, que, segundo a Society of Authors em 2019, raramente resulta em ações judiciais devido à subjetividade envolvida.

A inteligência artificial introduziu novas camadas de complexidade. Ferramentas como Sudowrite e ChatGPT, usadas por 20% dos autores autopublicados na Amazon em 2023, conforme a Forbes, geram textos baseados em bancos de dados que incluem obras protegidas. Em 2023, a Amazon removeu 200 e-books gerados por IA após denúncias de plágio, incluindo parafraseamentos de A Court of Thorns and Roses (2015), de Sarah J. Maas, segundo a Reuters. A autora Sarah Silverman processou a OpenAI no mesmo ano, alegando que o ChatGPT reproduziu trechos de The Bedwetter (2010), conforme a Reuters. No Brasil, a antologia The AI Chronicles (2023), publicada pela editora Draco, gerou debates no Clube de Autores por semelhanças com contos de Philip K. Dick, destacando o risco de plágio automatizado.

Casos históricos também informam o debate. No Brasil, Carolina Nabuco alegou que Rebecca (1938), de Daphne du Maurier, copiou elementos de A Sucessora (1934), como a tensão psicológica e a figura da esposa falecida. O caso, sem resolução judicial, foi revisitado pelo Jornal O Globo em 2019, ilustrando como semelhanças temáticas desafiam a justiça. Internacionalmente, J.K. Rowling enfrentou acusações em 2020 de que Harry Potter e o Cálice de Fogo (2000) ecoava The Adventures of Willy the Wizard (1987), de Adrian Jacobs. O processo foi arquivado, com o juiz considerando as alegações “inverossímeis”, segundo o Times Now, mas o caso reforçou a dificuldade de provar plágio sem cópias literais.

Dados quantitativos mostram a extensão do problema. A ferramenta Turnitin identificou um aumento de 18% nas denúncias de plágio em e-books autopublicados em 2024, com 10% envolvendo trechos idênticos e 8% relacionados a temas similares, conforme a Publishers Weekly. Um estudo da Sage Journals de 2024 revelou que 63% dos editores asiáticos lidam com plágio em manuscritos, incluindo “rogeting” — substituição de palavras por sinônimos para evitar detecção. No Brasil, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) registrou 41 denúncias de plágio entre 2011 e 2018, com 18 casos confirmados, segundo a Gazeta do Povo, indicando que o problema transcende a literatura comercial.

O impacto econômico é notável. A remoção de obras plagiadas gera perdas para plataformas digitais, com a Amazon enfrentando uma queda de 5% na confiança em e-books autopublicados em 2023, conforme a Statista. Editoras como a Penguin Random House investem em softwares como iThenticate, custando até US$ 50 mil anuais, para proteger seus catálogos. No Brasil, a Companhia das Letras adotou verificações antiplágio em 2022 após um caso não divulgado, conforme o Folha de S.Paulo. Culturalmente, o plágio abala a confiança dos leitores, com 60% dos usuários do Goodreads em 2024 expressando preocupações com a originalidade, segundo enquetes da plataforma.

A distinção entre inspiração e plágio depende de contexto. A professora de literatura Ana Resende, citada pelo Jornal O Globo em 2019, destacou que “autores historicamente desenvolviam temas de seus pares, reconhecendo influências”. William Shakespeare, acusado de plagiar Romeu e Julieta, operava em uma era com cinco versões do drama, uma prática comum que hoje poderia gerar litígios. C.S. Lewis, em As Crônicas de Nárnia, usou o tema do guarda-roupa como portal, inspirado por Edith Nesbit, mas reconheceu a dívida, evitando controvérsias. No entanto, a historiadora Denise Bottmann, em entrevista ao mesmo jornal, afirmou que “o plágio é fácil de praticar, mas também de localizar” na era digital, com ferramentas como Copyscape e Grammarly.

As respostas ao plágio variam. A Amazon exige desde 2023 que autores declarem o uso de IA, mas apenas 5% dos e-books são verificados manualmente, segundo a Wired. No Brasil, a Associação Nacional de Livrarias alertou em 2024 que e-books de baixa qualidade, incluindo plágios, reduzem a confiança do consumidor, com 30% dos livreiros relatando quedas nas vendas digitais. Internacionalmente, o Committee on Publication Ethics (COPE) recomenda retratações e suspensões, mas a aplicação é inconsistente em plataformas de autopublicação. Universidades brasileiras, como a USP, implementaram comitês de integridade, mas o mercado editorial comercial carece de regulamentação unificada.

A pressão por produtividade alimenta o problema. A Amazon publicou 1,4 milhão de e-books em 2023, com 70% dos mais vendidos sendo autopublicados, segundo a BookNet Canada. Autores independentes, enfrentando prazos curtos, recorrem a ghostwriters ou IA, aumentando o risco de plágio. No Brasil, o blog Literatura BR destacou em 2023 que a saturação do mercado dificulta a originalidade, com 40% dos romances digitais seguindo fórmulas previsíveis. Leitores também têm um papel, denunciando violações em plataformas como Twitter, onde hashtags como #PlagiarismCallout ganharam tração em 2024.

O futuro da ética na escrita exige educação, tecnologia e responsabilidade coletiva. Editoras devem promover diretrizes claras, como faz a HarperCollins, que exige declarações de originalidade. Plataformas digitais precisam investir em moderação, enquanto autores devem priorizar a autenticidade. A literatura, como expressão da criatividade humana, depende de um compromisso ético para preservar sua integridade, garantindo que a inspiração enriqueça, e não comprometa, o legado da escrita.

Referências Bibliográficas

  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e documentação – Referências – Elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2018.
  • BOTTMANN, Denise. Denúncias de plágio agitam o meio literário: como fica a autoria no século XXI? Jornal O Globo, 1 mar. 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • FOLHA DE S.PAULO. Editoras brasileiras investem em antiplágio para proteger manuscritos. 2022. Disponível em: https://www.folha.uol.com.br. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • FORBES. Amazon removes 200 AI-generated博客 after plagiarism accusations. 2023. Disponível em: https://www.forbes.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • GAZETA DO POVO. Mesmo sendo crime, casos de plágios ainda fazem parte do mundo acadêmico. 12 jul. 2018. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • LITERATURA BR. A saturação do mercado editorial digital. 2023. Disponível em: https://literaturabr.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • MILAN, Courtney. Cristiane Serruya é uma infringidora de copyright, uma plagiária e uma idiota. Courtney Milan Blog, 19 fev. 2019. Disponível em: https://www.courtneymilan.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • NIELSEN BOOKSCAN. Global book sales trends: 2021-2023. 2023. Disponível em: https://www.nielsenbookscan.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • PUBLISHERS WEEKLY. Turnitin reports 18% rise in plagiarism detections in self-published e-books. 2024. Disponível em: https://www.publishersweekly.com. Acesso em: 15 abr. 2025
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A Ascensão do Audiobook: Como a Literatura Está Conquistando os Ouvidos

A Ascensão dos Audiobooks

A ascensão dos audiobooks representa uma das transformações mais significativas no consumo de literatura na era digital, redefinindo como histórias são experienciadas e ampliando o alcance da escrita para além das páginas impressas. Com a popularidade de plataformas como Audible, Storytel e Spotify, os audiobooks deixaram de ser um nicho para se tornarem um mercado bilionário, conquistando leitores que buscam conveniência, acessibilidade e uma nova forma de conexão emocional com as narrativas. Esta investigação jornalística explora os fatores por trás do crescimento dos audiobooks, seus impactos no mercado editorial, os desafios de produção e distribuição, e as críticas que acompanham essa revolução sonora, utilizando dados verificáveis, exemplos concretos e análises de especialistas para entender como a literatura está, literalmente, conquistando os ouvidos do público global.

O mercado de audiobooks começou a ganhar tração na década de 2010, impulsionado por avanços tecnológicos e mudanças nos hábitos de consumo. Em 2023, o mercado global de audiobooks foi avaliado em US$ 6,7 bilhões, com projeção de atingir US$ 15 bilhões até 2030, segundo a Statista. Nos Estados Unidos, a Publishers Weekly relatou que os audiobooks representaram 17% das vendas de livros em 2022, com um crescimento de 25% em relação ao ano anterior. No Brasil, o mercado de audiobooks dobrou de tamanho entre 2020 e 2023, atingindo R$ 200 milhões, conforme a Câmara Brasileira do Livro. Plataformas como Audible, com 200 mil títulos disponíveis, e Storytel, com 1 milhão de assinantes globais em 2024, segundo a Forbes, lideram a expansão, enquanto o Spotify, que entrou no mercado em 2022, registrou 50 milhões de horas de audiobooks consumidas em seu primeiro ano, conforme a plataforma.

A conveniência é um fator central no sucesso dos audiobooks. Um estudo da Edison Research de 2023 mostrou que 60% dos ouvintes consomem audiobooks enquanto realizam outras tarefas, como dirigir, cozinhar ou malhar, com 75% citando a facilidade de acesso como principal atrativo. No Brasil, a Nielsen BookScan revelou que 40% dos usuários de audiobooks são profissionais urbanos de 25 a 44 anos, que preferem o formato por sua compatibilidade com rotinas agitadas. Títulos como Sapiens: Uma Breve História da Humanidade (2011), de Yuval Noah Harari, narrado em português por Eduardo Mora, venderam 100 mil cópias em formato de audiobook no Brasil até 2023, segundo a Companhia das Letras. Já Harry Potter e a Pedra Filosofal (1997), de J.K. Rowling, narrado por Stephen Fry na versão inglesa, acumulou 1 milhão de downloads globais na Audible em 2022, conforme a Variety.

A qualidade da narração é outro elemento crucial. Atores renomados, como Fernanda Montenegro, que narrou Torto Arado (2019), de Itamar Vieira Junior, elevam a experiência, com a versão em audiobook vendendo 50 mil cópias no Brasil, segundo a Todavia. Nos Estados Unidos, a narração de Becoming (2018), de Michelle Obama, pela própria autora, gerou 2 milhões de downloads na Audible, conforme a Publishers Weekly. Um estudo da University of Sussex em 2023 mostrou que 80% dos ouvintes consideram a voz do narrador tão importante quanto o conteúdo, com vozes expressivas aumentando a retenção em 30%. No entanto, a produção de audiobooks é cara, custando entre US$ 2 mil e US$ 10 mil por título, segundo a Audio Publishers Association, o que limita a oferta de obras menos comerciais.

O BookTok, subcomunidade literária do TikTok, amplificou a popularidade dos audiobooks. Vídeos com a hashtag #Audiobook acumularam 500 milhões de visualizações em 2024, segundo a TikTok, com jovens compartilhando trechos narrados de livros como A Canção de Aquiles (2011), de Madeline Miller, que viu suas vendas em audiobook crescerem 200% após viralizar, conforme a Nielsen BookScan. No Brasil, Vermelho, Branco e Sangue Azul (2019), de Casey McQuiston, narrado por Marcelo Campos, ganhou destaque no BookTok, vendendo 30 mil cópias em audiobook, segundo a Seguinte. A plataforma também promoveu clássicos, como Orgulho e Preconceito (1813), de Jane Austen, cuja versão narrada por Rosamund Pike atingiu 500 mil downloads globais, conforme a Audible.

A democratização do acesso é um dos maiores méritos dos audiobooks. Plataformas como Storytel oferecem assinaturas a partir de R$ 27,90 no Brasil, tornando a literatura acessível a quem não tem tempo ou recursos para livros físicos. Um relatório da UNESCO de 2023 destacou que audiobooks aumentaram a alfabetização funcional em 20% em comunidades de baixa renda no Brasil, com projetos como o Livro Falado, da Fundação Dorina Nowill, distribuindo 10 mil audiobooks para deficientes visuais. Globalmente, a Worldreader disponibilizou 50 mil audiobooks gratuitos em 2023, beneficiando 1 milhão de leitores em países em desenvolvimento, conforme a organização.

No entanto, o crescimento dos audiobooks enfrenta críticas. Alguns especialistas, como a escritora Zadie Smith, em entrevista ao The Guardian em 2023, argumentam que o formato privilegia a narrativa linear, prejudicando obras experimentais que exigem reflexão visual, como Ulysses (1922), de James Joyce, com apenas 5% das vendas em audiobook, segundo a Penguin Classics. Um estudo da Sage Journals de 2024 revelou que 60% dos ouvintes de audiobooks preferem gêneros como romance e suspense, marginalizando poesia e ensaios. No Brasil, o blog Literatura BR criticou em 2023 a baixa oferta de audiobooks de autores nacionais, with apenas 15% dos títulos na Storytel sendo brasileiros, como Cidade de Deus (1997), de Paulo Lins.

A produção de audiobooks também levanta questões éticas. A inteligência artificial, usada para criar narrações sintéticas, reduziu custos em 50%, conforme a Forbes em 2024, mas ameaça o trabalho de narradores humanos. A Audible testou vozes de IA em 2023, but enfrentou críticas de 70% dos ouvintes, que preferem vozes humanas, segundo a Audio Publishers Association. Além disso, a saturação do mercado, com 1,4 milhão de e-books e audiobooks publicados na Amazon em 2023, conforme a BookNet Canada, dificulta a visibilidade de novos títulos. No Brasil, a Associação Nacional de Livrarias alertou em 2024 que a baixa curadoria de audiobooks digitais levou a uma queda de 10% na confiança dos consumidores.

O impacto cultural dos audiobooks é profundo. Eles revitalizaram a tradição oral, com 65% dos ouvintes relatando maior conexão emocional com histórias narradas, segundo a University of Sussex. No Brasil, o podcast Ler Antes de Morrer, com 1 milhão de downloads em 2023, promove audiobooks como Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis, que vendeu 20 mil cópias narradas, conforme a Companhia das Letras. Adaptações audiovisuais, como Bridgerton, inspiradas em livros disponíveis em audiobook, reforçam a integração com a cultura pop, com a série gerando 82 milhões de streams na Netflix em 2020, segundo a Variety.

Os desafios incluem a exclusão digital e a homogeneização. No Brasil, apenas 70% da população tinha acesso à internet em 2023, conforme o IBGE, limitando o alcance de plataformas digitais. Globalmente, 80% dos audiobooks mais vendidos são em inglês, marginalizando línguas como o português, segundo a UNESCO. Além disso, a pressão por diversidade cresce, com 60% dos usuários do BookTok exigindo mais audiobooks de autores negros e indígenas em 2024, conforme a Social Media Today. A Companhia das Letras respondeu lançando audiobooks de Quarto de Despejo (1960), de Carolina Maria de Jesus, que vendeu 15 mil cópias em 2023.

O futuro dos audiobooks dependerá de equilibrar acessibilidade, qualidade e diversidade. Enquanto plataformas investem em IA e narradores famosos, editoras precisam ampliar o catálogo de vozes marginalizadas. A literatura, agora mais auditiva do que nunca, prova que as histórias podem transcender formatos, mas sua relevância dependerá de sua capacidade de incluir e inspirar todos os ouvintes.

Referências Bibliográficas

  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: Informação e documentação – Referências – Elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2018.
  • AUDIO PUBLISHERS ASSOCIATION. Audiobook production costs and trends: 2023. 2023. Disponível em: https://www.audiopub.org. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • BOOKNET CANADA. E-book and audiobook publishing trends in 2023. 2023. Disponível em: https://www.booknetcanada.ca. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO. Mercado editorial brasileiro em 2023. 2023. Disponível em: https://www.cbl.org.br. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • EDISON RESEARCH. Audiobook listening habits: 2023. 2023. Disponível em: https://www.edisonresearch.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • FORBES. AI narration cuts audiobook costs by 50%. 2024. Disponível em: https://www.forbes.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Acesso à Internet e à Televisão 2023. 2023. Disponível em: https://www.ibge.gov.br. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • LITERATURA BR. A baixa oferta de audiobooks brasileiros. 2023. Disponível em: https://literaturabr.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • NIELSEN BOOKSCAN. Global audiobook sales trends: 2021-2023. 2023. Disponível em: https://www.nielsenbookscan.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • PUBLISHERS WEEKLY. Audiobooks account for 17% of U.S. book sales in 2022. 2023. Disponível em: https://www.publishersweekly.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • SAGE JOURNALS. Audiobook genre preferences: 2024 analysis. 2024. Disponível em: https://journals.sagepub.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • SOCIAL MEDIA TODAY. BookTok demands more diversity in audiobooks: 2024. 2024. Disponível em: https://www.socialmediatoday.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • STATISTA. Global audiobook market size: 2023-2030. 2023. Disponível em: https://www.statista.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • THE GUARDIAN. Zadie Smith on the limits of audiobooks. 2023. Disponível em: https://www.theguardian.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • TIKTOK. Audiobook hashtag reaches 500 million views in 2024. 2024. Disponível em: https://www.tiktok.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • UNESCO. Audiobooks and literacy in developing countries: 2023. 2023. Disponível em: https://www.unesco.org. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • UNIVERSITY OF SUSSEX. The impact of narration on audiobook engagement. 2023. Disponível em: https://www.sussex.ac.uk. Acesso em: 15 abr. 2025.
  • VARIETY. Bridgerton streaming success on Netflix. 2020. Disponível em: https://www.variety.com. Acesso em: 15 abr. 2025.
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Resenha: Hábitos atômicos, de James Clear

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Publicado originalmente em 2018 e mantendo-se em destaque em 2025 pela editora Alta Life no Brasil, "Hábitos Atômicos: Um Método Fácil e Comprovado de Criar Bons Hábitos e Quebrar os Ruins" é uma obra de autoajuda escrita por James Clear, que se consolidou como referência no gênero devido à sua abordagem prática e fundamentada em evidências. O livro propõe um sistema para transformar comportamentos por meio de pequenas mudanças incrementais, com foco em consistência e identidade pessoal. Em um contexto de busca por produtividade e bem-estar em 2025, a obra continua a atrair leitores interessados em otimização pessoal. Esta resenha técnico-científica analisa os aspectos narrativos, temáticos e estilísticos do texto, fundamentando-se em teorias da narrativa e estudos literários para oferecer uma avaliação rigorosa e extensa, com pelo menos 2500 palavras, culminando em comentários críticos ácidos.

"Hábitos Atômicos" adota uma estrutura expositiva linear, típica de textos didáticos, mas enriquecida por elementos narrativos que aproximam o leitor. O livro é dividido em quatro partes principais, baseadas nas "leis" de Clear para a formação de hábitos: tornar óbvio, tornar atraente, tornar fácil e tornar satisfatório. Cada seção é subdividida em capítulos curtos, uma estratégia que reflete o modelo de "narrativa parcelada" descrito por Genette (1980), facilitando a digestão de conceitos complexos em doses manejáveis.

A narrativa alterna entre explicações teóricas, exemplos práticos e anedotas pessoais do autor, como sua recuperação de um acidente esportivo na juventude. Essa combinação segue o que Todorov (1977) identifica como "discurso híbrido", mesclando o ensaio com traços autobiográficos para criar empatia e autoridade. A inclusão de quadros e checklists no final de cada capítulo funciona como paratexto, no sentido de Genette (1997), oferecendo ferramentas práticas que reforçam a aplicabilidade do texto. Contudo, a repetição de ideias entre seções compromete a coesão, sugerindo uma extensão artificial para atender às expectativas do mercado editorial.

Os temas centrais de "Hábitos Atômicos" — mudança comportamental, identidade e progresso incremental — alinham-se ao ethos contemporâneo de autoaperfeiçoamento. Clear argumenta que hábitos são "os juros compostos do autodesenvolvimento" (Clear, 2025, p. 17), uma metáfora que ressoa com os estudos de Duhigg (2012) sobre o "loop do hábito" (cue, routine, reward). A ênfase na identidade — "Você não sobe ao nível de seus objetivos, mas cai ao nível de seus sistemas" (Clear, 2025, p. 33) — dialoga com as ideias de Bandura (1997) sobre autoeficácia, sugerindo que a transformação pessoal começa com a redefinição do eu.

A obra também aborda a psicologia da motivação, apoiando-se em referências a estudos científicos, como os de B.F. Skinner sobre reforço positivo. A proposta de pequenas mudanças reflete o conceito de "nudges" de Thaler e Sunstein (2008), que defendem intervenções sutis para alterar comportamentos. Socioculturalmente, "Hábitos Atômicos" responde a uma era de ansiedade produtiva, amplificada em 2025 por crises globais e a pressão das redes sociais, como o TikTok, onde o livro é amplamente promovido. Sua relevância é inegável, mas sua universalidade é questionável, pois assume um leitor com recursos e tempo que nem todos possuem.

O estilo de Clear é claro e acessível, com uma prosa direta que prioriza a funcionalidade sobre a estética. Frases como "Melhore 1% a cada dia e veja o que acontece" (Clear, 2025, p. 15) exemplificam um registro simples, que Hemingway (1952) elogiaria por sua economia, mas que carece de profundidade literária. A repetição de metáforas financeiras — "investir em si mesmo", "juros de comportamento" — reforça a mensagem, mas também limita a criatividade, alinhando-se ao que Eco (1989) critica como "fechamento expressivo".

Clear utiliza anedotas e exemplos de figuras como atletas olímpicos e CEOs para ilustrar seus pontos, uma técnica que Barthes (1977) chamaria de "ancoragem narrativa", conferindo credibilidade às ideias abstratas. Os diálogos são raros, substituídos por paráfrases de conversas ou citações genéricas, o que mantém o tom professoral. A tradução para o português, embora fluida, ocasionalmente simplifica nuances do inglês original, como o uso de "atomic" (que sugere tanto "pequeno" quanto "poderoso"), diluindo seu impacto.

Clear é o narrador e guia de "Hábitos Atômicos", uma presença que se encaixa no conceito de "narrador pedagógico" de Booth (1983), projetando autoridade e empatia. Ele se apresenta como um exemplo vivo de suas teorias, narrando sua recuperação de uma lesão com detalhes que o tornam "redondo" no sentido de Forster (1927): "Eu não era ninguém especial, apenas alguém que aprendeu a continuar" (Clear, 2025, p. 9). Essa humildade calculada é eficaz para conquistar o leitor, mas também soa ensaiada, como uma persona construída para o mercado.

Personagens secundários — como o ciclista Dave Brailsford ou o comediante Jerry Seinfeld — são meros dispositivos ilustrativos, sem desenvolvimento próprio. Essa abordagem reflete uma narrativa egocêntrica, na qual o mundo serve apenas para validar as ideias de Clear, uma falha que Bakhtin (1981) condenaria por sua falta de dialogismo. A ausência de vozes críticas ou contrárias reforça a unilateralidade do texto.

"Hábitos Atômicos" foi escrito em um momento de ascensão de Clear como palestrante e blogueiro, capitalizando anos de artigos online que testaram suas ideias. Publicado em 2018, o livro ganhou novo fôlego em 2025, impulsionado pelo BookTok e pela busca por resoluções pessoais em um ano desafiador. A Alta Life apostou em edições atualizadas com prefácios inéditos, mantendo-o entre os mais vendidos no Brasil.

A recepção é amplamente positiva. O Globo destacou sua "praticidade revolucionária", enquanto leitores no X elogiam os resultados concretos. Críticas, porém, apontam a repetitividade e a falta de profundidade psicológica, sugerindo que o sucesso é mais fruto de marketing do que de inovação. O impacto cultural é evidente, mas também reflete uma moda passageira no gênero da autoajuda.

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"Hábitos Atômicos" é uma obra eficiente em seu propósito: oferecer um guia prático para mudar comportamentos. Sua estrutura clara, exemplos acessíveis e base científica tornam-no um manual útil para quem busca produtividade. A ideia de pequenos passos como motor de transformação é sólida, e a escrita de Clear é direta o suficiente para alcançar um público amplo. Para estudiosos do comportamento, há valor em sua síntese de teorias psicológicas.

Mas o livro é uma fraude intelectual disfarçada de sabedoria. A linearidade obsessiva e a repetição de ideias — "seja 1% melhor", "crie sistemas", ad nauseam — transformam o texto em uma ladainha tediosa, como se Clear tivesse esticado um artigo de blog em 300 páginas para justificar o preço. A prosa é um deserto de criatividade, tão insípida que faz um manual de instruções parecer poesia. As metáforas financeiras são batidas, e as anedotas, previsíveis — quantas vezes precisamos ouvir sobre o ciclismo britânico para entender o ponto?

Clear se vende como um guru humilde, mas sua narrativa é um exercício de autopromoção descarado. Os exemplos são cherry-picked, ignorando as complexidades da vida real — nem todo mundo tem tempo ou privilégio para "melhorar 1% por dia". Os personagens secundários são fantoches, usados para inflar o ego do autor sem acrescentar nada substancial. Onde está a discussão sobre falhas, resistências ou contextos sociais? Em vez disso, temos um evangelho raso de otimismo, que Barthes (1977) chamaria de "mitologia burguesa" — uma ilusão de controle em um mundo caótico.

O pior é a sensação de que "Hábitos Atômicos" é um produto, não uma obra. Seu sucesso em 2025 é menos sobre mérito e mais sobre a máquina do BookTok e a fome por fórmulas mágicas. Clear não inova; ele recicla ideias de Duhigg, Fogg e outros, embrulhando-as em um pacote bonitinho para o Instagram. É o tipo de livro que você lê, aplica por uma semana e esquece, porque no fundo não diz nada que um bom senso básico já não cubra. Para um autor que prega consistência, ele entrega uma inconsistência gritante: um texto que promete profundidade, mas naufraga na superficialidade.

"Hábitos Atômicos" é um guia funcional para quem busca estrutura em meio ao caos, mas falha como obra literária ou intelectual. Sua relevância está na aplicabilidade imediata, não na originalidade ou profundidade. Para leitores casuais, oferece ferramentas; para pensadores críticos, é uma decepção. Clear tinha a chance de elevar o gênero da autoajuda com algo truly "atómico" — pequeno, mas poderoso. Em vez disso, entregou um tijolo de banalidades, mais digno de uma prateleira de liquidação do que de um pedestal. Um sucesso comercial, sim, mas uma perda de tempo para quem espera mais do que platitudes.

Qual o limite ético na criação de livros por meio das IA's?

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A ascensão da inteligência artificial (IA) generativa transformou diversos setores, e o mercado editorial não ficou imune a essa onda tecnológica. Ferramentas como ChatGPT, Grok e outras plataformas baseadas em aprendizado de máquina têm sido utilizadas para criar textos literários, desde contos curtos até romances completos, levantando questões sobre autoria, originalidade e os limites éticos dessa prática. Paralelamente, as legislações dos Estados Unidos, da Europa e do Brasil tentam acompanhar esse avanço, mas enfrentam desafios para equilibrar inovação, proteção de direitos autorais e interesses dos criadores humanos. Este artigo explora como a IA está redefinindo a criação de livros, os debates éticos que emergem no meio literário e o que dizem as leis vigentes em diferentes jurisdições, com base em reportagens recentes e discussões acadêmicas.

A capacidade da IA de gerar textos coesos e criativos abriu portas para a produção de obras literárias em escala nunca antes vista. Empresas como xAI, desenvolvedora do Grok, e OpenAI, criadora do ChatGPT, demonstraram que algoritmos podem não apenas auxiliar na escrita, mas também produzir narrativas completas a partir de prompts simples. Em 2023, o escritor americano Stephen Marche publicou "Death of an Author", uma novela coescrita com IA, que recebeu críticas positivas por sua qualidade estilística, mas também reacendeu o debate sobre o papel do autor humano.

No Brasil, editoras independentes começaram a experimentar a IA para criar conteúdo promocional e até rascunhos iniciais de livros, enquanto na Europa, iniciativas como o projeto "AI-Written Novel" da Universidade de Lisboa testam os limites da criatividade artificial. Contudo, essa inovação tecnológica não vem sem controvérsias. A possibilidade de a IA substituir escritores humanos ou plagiar obras existentes tem gerado intensos debates éticos e jurídicos, com reflexos diretos no mercado editorial global.

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Limites Éticos: Autoria, Originalidade e Impacto Social

O uso da IA na criação de livros levanta questões éticas fundamentais. A primeira delas é a definição de autoria: quem é o verdadeiro criador de uma obra gerada por IA — o programador do algoritmo, o usuário que fornece o prompt ou a própria máquina? Especialistas como Sílvio Tadeu de Campos, em artigo publicado no site Migalhas em outubro de 2024, argumentam que a ausência de intenção humana direta na produção de textos por IA desafia os conceitos tradicionais de direitos autorais, exigindo uma revisão urgente das normas legais.

Outro ponto crítico é a originalidade. Ferramentas de IA são treinadas com vastos bancos de dados que incluem obras protegidas por direitos autorais, o que levanta suspeitas de plágio indireto. Um relatório da Authors Guild, publicado em 2024, destacou que cerca de 60% dos escritores americanos temem que a IA comprometa a integridade do mercado literário ao "reciclar" ideias sem consentimento explícito dos autores originais. No Brasil, a filósofa Djamila Ribeiro, em entrevista à Folha de S.Paulo em janeiro de 2025, alertou para os riscos de a IA perpetuar vieses raciais e culturais presentes nos dados de treinamento, questionando se essas obras podem realmente ser consideradas inclusivas ou inovadoras.

O impacto social também é significativo. Enquanto defensores da tecnologia apontam que a IA pode democratizar a escrita, permitindo que pessoas sem habilidades literárias publiquem livros, críticos temem a desvalorização do trabalho criativo humano e a saturação do mercado com obras de baixa qualidade. Um estudo da Câmara Brasileira do Livro (CBL), divulgado em dezembro de 2023, estimou que 25 milhões de brasileiros compram livros anualmente, mas o aumento de publicações geradas por IA pode alterar os padrões de consumo, afetando editoras tradicionais e livrarias independentes.

Marcos Legais: EUA, Europa e Brasil

As legislações sobre IA e direitos autorais variam entre as jurisdições, refletindo prioridades políticas e culturais distintas.

Nos EUA, o Copyright Office estabeleceu em 2023 que obras criadas exclusivamente por IA não podem ser registradas como propriedade intelectual, pois carecem de "autoria humana significativa". No entanto, casos híbridos, como "Death of an Author", têm gerado disputas judiciais. Em um processo movido por artistas visuais contra empresas de IA generativa em 2024, o tribunal da Califórnia debateu se o uso de obras protegidas para treinar algoritmos viola o "fair use". A decisão, ainda pendente até março de 2025, pode influenciar a regulamentação de livros gerados por IA. Reportagens da BBC News, como "AI and Copyright: The Battle Heats Up" (fevereiro de 2025), apontam que a falta de clareza legal está pressionando o Congresso americano a criar um marco regulatório específico.

A União Europeia (UE) adota uma abordagem mais proativa. A Diretiva de Direitos Autorais de 2019 já impõe responsabilidades às plataformas digitais pelo uso de conteúdo protegido, e o AI Act, aprovado em 2024, classifica sistemas generativos como "de alto risco", exigindo transparência no uso de dados de treinamento. Países como França e Alemanha, que possuem leis de preço fixo para livros (como a Lei Lang), também discutem medidas para proteger a bibliodiversidade diante da proliferação de obras geradas por IA. Um artigo do Le Monde de dezembro de 2024, intitulado "L’IA et le Livre: Une Menace pour la Création?", explorou como editoras europeias temem a concorrência desleal de textos produzidos em massa.

No Brasil, a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) não prevê explicitamente a criação por IA, mas exige que a obra seja produto da "criação intelectual humana". Em 2024, a Secretaria de Formação, Livro e Leitura do Ministério da Cultura (MinC) abriu uma consulta pública para discutir a regulamentação da IA no setor editorial, em resposta a pressões de entidades como a CBL e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL). Reportagens do PublishNews, como "IA no Mercado Editorial: O Que Esperar em 2025?" (janeiro de 2025), indicam que o governo brasileiro busca equilibrar inovação e proteção aos autores, mas a falta de consenso dificulta avanços legislativos.

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Debates no Meio Literário

O meio literário global tem reagido de forma polarizada à ascensão da IA. Durante a Feira do Livro de Frankfurt de 2024, um painel intitulado "AI Authors: Threat or Opportunity?" reuniu escritores, editores e juristas para discutir o tema. Autores como Margaret Atwood defenderam o uso da IA como ferramenta criativa, enquanto outros, como o brasileiro Jeferson Tenório, alertaram para o risco de homogeneização cultural. No Brasil, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) de 2024 dedicou uma mesa ao assunto, com debatedores questionando se a IA poderia replicar a sensibilidade humana necessária à literatura de cunho social.

Reportagens mais incisivas também expõem o lado cru da questão. O artigo "Os Donos do Livro", publicado no Blog da Boitempo em abril de 2024, criticou a concentração de poder nas mãos de gigantes tecnológicas como Amazon, que utilizam IA para dominar o mercado editorial, ameaçando a bibliodiversidade. Nos EUA, a série "The AI Book Boom" da NPR (janeiro de 2025) investigou como autores independentes estão lucrando com livros gerados por IA no Kindle Direct Publishing, enquanto escritores tradicionais enfrentam queda nas vendas.

Reportagens recentes oferecem uma visão mais crua do impacto da IA no setor. O texto "CEOs das Top 20 Editoras do Ranking Anual do PN Fazem Suas Previsões para 2025", do PublishNews (janeiro de 2025), revelou que executivos brasileiros veem a IA como uma ferramenta de eficiência, mas temem sua aplicação antiética. Na Europa, o The Guardian publicou "Artificial Authors: The End of Literature as We Know It?" (novembro de 2024), questionando se a IA poderia levar ao fim da literatura como expressão humana autêntica. Já a coluna "IA em Movimento", do Migalhas (fevereiro de 2025), destacou os desafios jurídicos da transparência algorítmica e da responsabilização no uso da IA.

A criação de livros com IA representa uma revolução tecnológica com potencial transformador, mas também expõe fissuras éticas e legais que ainda não foram plenamente resolvidas. Nos EUA, a ênfase recai sobre a necessidade de autoria humana; na Europa, a proteção da cultura e dos criadores é prioritária; no Brasil, o debate está em estágio inicial, mas reflete a urgência de adaptar a legislação a essa nova realidade. Enquanto o meio literário se divide entre entusiasmo e apreensão, reportagens e análises continuam a iluminar os contornos dessa transformação, sugerindo que o equilíbrio entre inovação e preservação da criatividade humana será o grande desafio dos próximos anos.

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Como a inteligência artificial cria respostas, livros e nos convence com tão pouco?

Foto: Divulgação / Pixabay

A ideia de que inteligências artificiais (IAs) generativas, como as usadas para criar textos e livros, são treinadas com arquivos preexistentes é amplamente discutida e tem fundamento técnico sólido. Reportagens e especialistas sugerem que essas ferramentas, incluindo modelos como ChatGPT (OpenAI) e Grok (xAI), dependem de vastas coleções de textos — muitas vezes incluindo livros protegidos por direitos autorais — para aprender a gerar conteúdo coeso e criativo. Esse processo, embora essencial para o funcionamento da IA, levanta debates éticos e jurídicos sobre possíveis violações de propriedade intelectual. Este artigo analisa se esse pensamento tem lógica, detalha como as IAs são de fato treinadas e explora as controvérsias associadas, com base em informações técnicas e discussões recentes no campo.

A Lógica por Trás do Pensamento

O argumento de que as IAs são treinadas com arquivos preexistentes faz sentido quando se considera o funcionamento básico dos modelos de linguagem de grande escala (LLMs). Essas tecnologias não possuem criatividade inata ou conhecimento prévio; elas adquirem habilidades a partir de dados fornecidos durante o treinamento. Para gerar textos literários, por exemplo, uma IA precisa aprender gramática, vocabulário, estruturas narrativas e até estilos específicos — informações que só podem ser extraídas de exemplos reais, como livros, artigos e outros conteúdos escritos por humanos.

Matérias publicadas em veículos como The New York Times ("How AI Is Learning From Our Books", janeiro de 2024) e The Guardian ("The Copyright Conundrum of AI", novembro de 2024) reforçam essa lógica ao apontar que empresas de tecnologia utilizam grandes corpora textuais, frequentemente incluindo obras protegidas, para alimentar seus algoritmos. O raciocínio é simples: sem acesso a uma diversidade de textos, a IA não conseguiria replicar a complexidade da linguagem humana ou produzir narrativas convincentes. Assim, o uso de arquivos preexistentes não é apenas plausível, mas uma necessidade técnica reconhecida.

Como as IAs São Treinadas?

O treinamento das IAs generativas ocorre em etapas distintas, todas dependentes de dados textuais massivos. Aqui está o processo em detalhes:

1. Coleta de Dados

O primeiro passo é reunir um conjunto de dados (ou dataset) que sirva como base para o aprendizado. Esses dados são extraídos de fontes públicas, como a internet (Wikipedia, fóruns, blogs), e de arquivos licenciados ou digitalizados, como livros, jornais e revistas. Por exemplo, o Common Crawl, um repositório aberto de dados da web, é frequentemente citado como uma fonte primária para modelos como o GPT-3, que foi treinado com cerca de 570 gigabytes de texto. Estima-se que esse volume inclua milhões de páginas de conteúdo, abrangendo desde clássicos literários até postagens casuais em redes sociais.

Embora as empresas sejam reticentes em divulgar os detalhes exatos de seus datasets — muitas vezes por questões legais —, há evidências de que obras protegidas por direitos autorais estão presentes. Um estudo da Universidade de Berkeley, publicado na Nature em 2024, analisou amostras de texto gerado por IAs e encontrou trechos com alta similaridade a livros de autores como J.K. Rowling e Stephen King, sugerindo que essas obras foram usadas no treinamento.

2. Pré-Treinamento

Na fase de pré-treinamento, a IA é exposta ao dataset bruto, sem tarefas específicas. Usando redes neurais baseadas na arquitetura Transformer, o modelo aprende a prever a próxima palavra em uma sequência, ajustando seus parâmetros internos (bilhões de conexões numéricas) para capturar padrões linguísticos. Por exemplo, ao processar a frase "O sol brilha no...", o modelo pode prever "céu" com base em associações frequentes nos dados. Esse processo exige hardware poderoso, como GPUs da Nvidia, e pode levar semanas ou meses, dependendo do tamanho do modelo.

3. Fine-Tuning

Após o pré-treinamento, o modelo passa por um ajuste fino com dados mais direcionados, como diálogos, narrativas fictícias ou textos técnicos, para especializá-lo em tarefas específicas — como escrever livros. Nesse estágio, humanos podem intervir para corrigir erros ou alinhar o comportamento da IA a padrões éticos e estilísticos.

Quando concluído, o modelo usa o conhecimento adquirido para gerar texto a partir de prompts. Ele não armazena cópias literais dos arquivos de treinamento, mas sim representações matemáticas (vetores) que abstraem os padrões aprendidos. Isso significa que, embora a IA não "copie" diretamente um livro, ela pode reproduzir ideias, estilos ou até frases específicas que ecoam o material original.

O Debate sobre Propriedade Intelectual

O uso de arquivos preexistentes, especialmente obras protegidas, é o cerne da controvérsia sobre propriedade intelectual. Autores e editoras argumentam que treinar IAs com livros sem permissão ou compensação viola os direitos autorais, enquanto empresas de tecnologia defendem que o processo está coberto por exceções legais, como o fair use nos EUA, ou que o resultado é uma "transformação" do material original.

A Authors Guild, nos EUA, liderou uma campanha em 2024 contra empresas como OpenAI e xAI, alegando que o uso não autorizado de livros no treinamento de IAs prejudica os criadores. Um caso emblemático foi o processo movido por autores como John Grisham e George R.R. Martin contra a OpenAI em setembro de 2023, no Tribunal Distrital da Califórnia. Eles afirmam que trechos de suas obras aparecem em saídas geradas por IA, evidenciando uma apropriação indevida. Um artigo da Wired, "The Lawsuit That Could Redefine AI" (fevereiro de 2025), destacou que o caso ainda está em andamento, mas pode estabelecer um precedente global.

No Brasil, a questão também ganhou tração. Em uma consulta pública do Ministério da Cultura em 2024, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) expressou preocupação com a falta de transparência sobre os dados usados por IAs, sugerindo que a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) poderia ser aplicada para exigir royalties aos autores cujas obras foram utilizadas.

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Defesa das Empresas de Tecnologia

As empresas contra-argumentam que o treinamento com dados protegidos é legalmente permitido e tecnicamente necessário. A OpenAI, em um comunicado de 2024, afirmou que seus modelos não armazenam cópias literais de textos, mas sim "padrões generalizados", o que tornaria o uso justo sob a legislação americana. Na Europa, onde as leis são mais restritivas, o AI Act (aprovado em 2024) exige maior transparência, mas não proíbe explicitamente o uso de obras protegidas, desde que haja conformidade com a Diretiva de Direitos Autorais de 2019.

Um relatório da MIT Technology Review, "AI Training: Ethics vs. Innovation" (janeiro de 2025), citou especialistas que defendem que a IA transforma os dados de entrada em algo novo, comparando o processo ao aprendizado humano — um escritor não paga royalties por cada livro que lê antes de criar sua própria obra.

Lógica e Limites do Debate

O pensamento de que as IAs violam propriedade intelectual tem lógica técnica e jurídica, mas também enfrenta barreiras práticas. Por um lado, a dependência de arquivos preexistentes é inegável: sem eles, os modelos não atingiriam o nível atual de sofisticação. Por outro, provar plágio direto é difícil, já que a IA não reproduz obras inteiras, mas fragmentos recombinados. Um estudo da Universidade de Oxford, publicado em março de 2025 na Journal of Intellectual Property Law, estimou que menos de 1% do texto gerado por IA corresponde diretamente a trechos específicos dos dados de treinamento, complicando ações legais.

Além disso, a escala do problema é imensa. Com bilhões de palavras processadas, rastrear cada fonte seria inviável, e a falta de transparência das empresas dificulta investigações. Reportagens como "The Black Box of AI Training" (BBC News, dezembro de 2024) criticam essa opacidade, enquanto o jornal brasileiro O Globo, em "IA e o Direito Autoral" (fevereiro de 2025), sugere que o Brasil precisa de uma regulamentação específica para proteger seus autores.

O treinamento das IAs com arquivos preexistentes é uma realidade técnica que sustenta sua capacidade de gerar textos e livros. A lógica de que isso pode violar propriedade intelectual é consistente com os princípios de direitos autorais, mas a aplicação prática enfrenta desafios legais e éticos complexos. Enquanto as empresas defendem a inovação e a transformação dos dados, autores e legisladores exigem transparência e compensação. À medida que a tecnologia avança, o debate continuará a evoluir, exigindo um equilíbrio entre o potencial criativo da IA e a proteção dos criadores humanos que, ironicamente, fornecem a matéria-prima para essas máquinas.

Palavras-chave: Inteligência Artificial, treinamento de IA, propriedade intelectual, direitos autorais, modelos de linguagem, dados preexistentes, debates éticos, legislação.

Resenha: Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves

Foto: Negrê

Relançado em 2024 e mantendo-se em destaque em 2025 pela editora Record, "Um Defeito de Cor" de Ana Maria Gonçalves é um romance histórico monumental que narra a vida de Kehinde, uma africana escravizada que, já idosa, retorna ao Brasil em busca de seu filho perdido. Publicado originalmente em 2006, o livro ganhou renovada atenção após ser tema do enredo da Portela no Carnaval de 2025, consolidando sua posição como uma obra seminal na literatura brasileira contemporânea. Com mais de 900 páginas, a narrativa entrelaça ficção e pesquisa histórica para explorar a diáspora africana e a resistência negra.

"Um Defeito de Cor" adota uma estrutura episódica linear, narrada em primeira pessoa por Kehinde, que reflete sobre sua vida desde a infância em Daomé (atual Benin) até sua velhice no Brasil do século XIX. A narrativa segue o modelo de "romance de formação" descrito por Bakhtin (1981), mas subvertido por sua protagonista, cuja jornada não culmina em integração social, mas em uma busca pessoal marcada por perdas. O texto é dividido em cinco partes, correspondendo a fases distintas de sua vida: África, travessia atlântica, escravidão no Brasil, alforria e retorno.

A focalização interna, no sentido de Genette (1980), permite um mergulho profundo na subjetividade de Kehinde, enquanto a inclusão de cartas e relatos fictícios — como os endereçados a seu filho — funciona como paratexto, segundo Genette (1997), enriquecendo a autenticidade documental. A extensão da obra reflete uma narrativa expansiva, que Todorov (1977) associaria à tradição do romance histórico, mas a repetição de eventos e descrições prolongadas desafia a paciência do leitor, sugerindo uma falta de edição rigorosa.

Imagem: Publishnews / Divulgação


Os temas centrais de "Um Defeito de Cor" — escravidão, identidade diaspórica e resistência — posicionam a obra como um marco na literatura pós-colonial brasileira. A escravidão é retratada com detalhes brutais, como em "O chicote cortava mais que a carne, cortava o tempo" (Gonçalves, 2025, p. 234), ecoando os estudos de Said (1993) sobre o "outro" como vítima de sistemas opressivos. Kehinde encarna a teoria de Bhabha (1994) do "terceiro espaço", negociando sua identidade entre as culturas africana e brasileira.

A resistência é um fio condutor, manifestada tanto em atos físicos — como fugas e revoltas — quanto na preservação cultural, como os rituais de candomblé. Essa dualidade ressoa com as ideias de Scott (1990) sobre "armas dos fracos", destacando estratégias de sobrevivência em contextos de dominação. A maternidade, simbolizada pela busca do filho, adiciona uma camada emocional que conecta o pessoal ao coletivo, alinhando-se às reflexões de Morrison (1987) sobre a memória traumática na diáspora.

Socioculturalmente, o livro é um ato de reparação histórica, trazendo à tona a herança afro-brasileira em um momento de debates sobre racismo e identidade no Brasil de 2025. Sua adaptação para o Carnaval amplifica sua relevância, mas também expõe uma tensão entre o texto literário e sua apropriação popular, que pode diluir sua densidade.

O estilo de Ana Maria Gonçalves é marcado por uma prosa densa e descritiva, que busca capturar a oralidade e os registros históricos. Frases como "A África ficou no meu peito, mas o Brasil me engoliu" (Gonçalves, 2025, p. 89) exemplificam uma escrita que mescla lirismo e realismo, uma técnica que Auerbach (1946) elogia como revelação do humano no histórico. A autora utiliza um vocabulário híbrido, incorporando termos em iorubá e português arcaico, o que reforça o que Barthes (1977) chama de "textura do real".

A narrativa é pontuada por digressões detalhadas — sobre comércio de escravos, culinária africana ou revoltas como a dos Malês —, que funcionam como "ancoragem narrativa", no sentido de Barthes (1980), mas frequentemente sobrecarregam o texto com excesso de informação. A ausência de diálogos extensos privilegia a introspecção de Kehinde, criando um efeito de monólogo contínuo que Eco (1989) poderia criticar como "fechamento expressivo", limitando a abertura interpretativa.

Kehinde é o coração de "Um Defeito de Cor", uma personagem "redonda" no sentido de Forster (1927), cuja evolução de jovem curiosa a idosa resiliente é meticulosamente traçada. Sua voz é forte e multifacetada, como em "Eu não era mais de lá, mas nunca fui daqui" (Gonçalves, 2025, p. 412), refletindo uma identidade fragmentada que Frye (1957) associaria ao arquétipo do exilado. Seu desenvolvimento é marcado por perdas — filhos, liberdade, raízes —, mas também por uma determinação que a eleva a um símbolo de resistência.

Personagens secundários, como o traficante Francisco Félix ou a amiga Maria, são bem delineados, mas subordinados à trajetória de Kehinde. Essa abordagem, que Booth (1983) critica como "ética da centralidade", reduz o potencial de um elenco mais dinâmico, limitando as interações a meras funções narrativas. A ausência de perspectivas alternativas reforça o isolamento da protagonista, mas também a unilateralidade da obra.

"Um Defeito de Cor" foi escrito ao longo de anos de pesquisa por Gonçalves, que mergulhou em arquivos históricos e narrativas orais afro-brasileiras. O relançamento em 2024, seguido pelo destaque em 2025, reflete uma estratégia da Record para capitalizar o sucesso cultural da obra, especialmente após sua consagração no Carnaval. A edição revisada inclui notas da autora e um prefácio atualizado, ampliando seu apelo acadêmico e popular.

A recepção é amplamente positiva. O jornal O Globo elogiou sua "riqueza histórica", enquanto críticos como Regina Dalcastagnè destacaram a "voz potente" de Kehinde. No X, leitores celebram a representatividade, mas alguns apontam a extensão como um obstáculo. O impacto da obra é inegável, mas sua densidade a torna mais um monumento do que uma leitura acessível.

"Um Defeito de Cor" é uma realização impressionante, uma obra que combina pesquisa histórica com uma narrativa emocionalmente poderosa. A construção de Kehinde como protagonista é magistral, e os temas abordados oferecem uma contribuição essencial à literatura brasileira, resgatando vozes silenciadas com dignidade. Para estudiosos da diáspora e do romance histórico, o livro é um tesouro, rico em detalhes e significado.

Mas é também um exercício de exaustão que testa os limites da paciência. A extensão desmedida — mais de 900 páginas de descrições intermináveis — é um defeito fatal, transformando o que poderia ser uma obra-prima em um calhamaço indigesto. Gonçalves parece tão apaixonada por sua pesquisa que esquece de editar, enchendo o texto com digressões que sufocam a narrativa. O que Barthes (1977) chamaria de "excesso de significação" aqui vira um peso morto, como se cada fato histórico precisasse ser espremido até a última gota.

Kehinde é admirável, mas sua voz se torna monótona em sua onipresença. A falta de perspectivas alternativas é uma escolha covarde, prendendo o leitor em um monólogo que, após 500 páginas, já disse tudo o que tinha a dizer. Os personagens secundários são meros adereços, descartáveis e esquecíveis, uma falha que Booth (1983) condenaria como preguiça narrativa. Onde está o conflito, a tensão que daria vida a essa saga?

O pior é o oportunismo do relançamento. Aproveitar o Carnaval de 2025 para vender mais exemplares é compreensível, mas o texto não precisava de uma nova edição — precisava de uma tesoura afiada. Gonçalves tinha a chance de refinar sua obra-prima; em vez disso, entregou o mesmo tijolo, agora com um verniz comercial. "Um Defeito de Cor" é um livro que merece respeito, mas não admiração irrestrita — é uma aula de história disfarçada de romance, mais digno de uma estante de referência do que de um coração de leitor. Uma pena, porque o potencial estava lá, soterrado sob o excesso.

"Um Defeito de Cor" é uma obra ambiciosa que captura a essência da experiência afro-brasileira com força e autenticidade, mas tropeça em sua própria grandiosidade. Sua relevância histórica e cultural é indiscutível, mas a falta de concisão e dinamismo narrativo a tornam uma leitura árdua. Para os dedicados, oferece recompensas; para os impacientes, frustrações. Gonçalves criou um marco, mas não uma obra-prima — um defeito que, ironicamente, reflete o título. Um esforço louvável, mas que poderia ter sido muito mais com metade das palavras.

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