Inscreva-se na Newsletter para receber livros grátis e atualizações imperdíveis

Junte-se a nós!

Receba o melhor da literatura no seu e-mail.

Meus Favoritos

Link Copiado!

A ruptura da masculinidade tóxica em 'foras das linhas', de Vitor Zindacta

Acervo Pesoal / Divulgação

Em "Fora das Linhas", Vitor Zindacta troca a brutalidade explícita da NFL de sua obra anterior pela asfixia silenciosa das quadras de basquete colegial. Ambientado na fictícia e claustrofóbica Crestwood, o romance opera como um estudo de caso sobre a mercantilização da juventude e o colapso físico e psicológico decorrente da expectativa parental. A narrativa nos apresenta Mason West, um prodígio do basquete cuja existência é uma performance contínua para satisfazer um pai tirânico, e Caleb Sullivan, um artista deslocado que enxerga as fissuras na fachada dourada da cidade.

Diferente de um romance Young Adult convencional, Zindacta utiliza o corpo de seu protagonista como um mapa de guerra. A lesão de Mason não é um obstáculo a ser superado para a vitória final; é uma necrose, uma podridão sistêmica que simboliza a corrosão de uma identidade forjada na mentira. O livro transita de um drama de vestiário para um road movie de fuga e, finalmente, para um tratado sobre reconstrução arquitetônica e emocional na Europa.

Nesta entrevista exclusiva, dissecamos com o autor a decisão de subverter a jornada do herói esportivo, a utilização da arquitetura como metáfora de cura e a crítica severa ao sistema de exploração atlética juvenil.


ENTREVISTA EXCLUSIVA: O COLAPSO DA PERFEIÇÃO PLÁSTICA


REDAÇÃO: Vitor, "Fora das Linhas" estabelece uma dicotomia visual imediata: a rigidez geométrica da quadra de basquete versus o caos orgânico da arte de Caleb. Como essa tensão espacial dita o ritmo da narrativa?

VITOR ZINDACTA: A quadra é um espaço de regras binárias: dentro ou fora, vitória ou derrota. A arte de Caleb é o oposto; é sobre a nuance, a mancha, o erro. A narrativa segue esse ritmo: começa rígida, confinada às linhas da quadra e às expectativas de Crestwood, e progressivamente se torna mais fluida e caótica à medida que eles fogem. A quebra da geometria é a quebra do controle.

REDAÇÃO: Mason West é apresentado como o arquétipo do "Golden Boy", mas o leitor logo descobre que ele está literalmente apodrecendo por dentro devido a uma lesão não tratada. Qual foi a intenção semiótica por trás da escolha da necrose como condição física do protagonista?

VITOR ZINDACTA: A necrose é a manifestação somática da mentira. Se eu tivesse dado a ele apenas uma fratura, seria uma "lesão de guerra", algo heroico. A necrose é feia, cheira mal, é o tecido morrendo enquanto o organismo ainda vive. Eu precisava que o leitor sentisse repulsa pela situação, não pena. É a representação visceral de que a perfeição externa de Mason estava matando-o por dentro.

REDAÇÃO: O antagonista, Treinador West, é uma figura paterna monstruosa. No entanto, ele não é um vilão de fantasia, mas um reflexo de uma cultura esportiva real. Como você construiu esse personagem para evitar o maniqueísmo, mantendo a crítica social?

VITOR ZINDACTA: O Treinador West não odeia o filho; ele ama o produto que o filho representa. A vilania dele é sistêmica. Ele é o resultado de uma sociedade que valida o sucesso atlético acima da saúde humana. Ele acredita que está fazendo o certo, que está forjando um campeão. A tragédia é que ele sacrifica o filho no altar do próprio ego, e a sociedade de Crestwood aplaude. Isso o torna mais aterrorizante do que um vilão que faz o mal por prazer.

REDAÇÃO: Caleb Sullivan atua como o observador cínico. Em termos de técnica narrativa, por que foi essencial ter um ponto de vista externo ao mundo do esporte para contar a história de Mason?

VITOR ZINDACTA: Porque quem está dentro do culto não consegue ver as grades. Mason normalizou a dor e o abuso. Caleb, sendo um artista e um forasteiro, tem o distanciamento necessário para olhar para a "glória" de Mason e ver apenas tortura. Caleb é os olhos do leitor; ele valida a nossa percepção de que aquilo tudo está errado.

REDAÇÃO: O livro faz uma transição abrupta de gênero no segundo ato, transformando-se em uma fuga. Qual foi o desafio técnico de mudar o cenário das montanhas da Virgínia para a estrada e, posteriormente, para a Europa?

VITOR ZINDACTA: O desafio foi manter a tensão sem o antagonista físico presente. Em Crestwood, o perigo era o pai. Na estrada, o perigo era a sepse, a infecção. A mudança de cenário serviu para despir os personagens. Sem a escola, sem o time, sem o status social, quem são eles? A mudança geográfica forçou uma evolução psicológica acelerada.

REDAÇÃO: A arquitetura surge como uma paixão secreta de Mason e, eventualmente, sua salvação. Como a linguagem arquitetônica — fundações, vigas, reformas — serve de metáfora para o arco de recuperação dele?

VITOR ZINDACTA: A arquitetura é a arte de criar abrigo. Mason passou a vida sendo um objeto em exposição; ele ansiava por estrutura e proteção. O processo de reformar a casa na Toscana é análogo ao processo de reconstruir a si mesmo. Ele aprende que uma estrutura pode ter rachaduras e ainda ser sólida, que uma ruína pode ser bela. É a antítese do corpo perfeito de atleta que ele foi treinado para manter.

REDAÇÃO: Há uma cena crucial onde Caleb precisa limpar a ferida necrótica de Mason. Como você trabalhou essa cena para que ela fosse lida como um ato de intimidade suprema e não apenas como body horror?

VITOR ZINDACTA: A intimidade reside na vulnerabilidade absoluta. Mason, o intocável, permite que Caleb veja e toque o seu lado mais repugnante, o seu segredo mais vergonhoso. A escrita foca no cuidado, no toque gentil de Caleb em contraste com a brutalidade da ferida. É o momento em que o amor deixa de ser estético e se torna funcional, salvador.

REDAÇÃO: O livro critica a "teocracia esportiva" das pequenas cidades americanas. Você acredita que essa obsessão por heróis colegiais é uma forma de canibalismo social?

VITOR ZINDACTA: Sem dúvida. Essas cidades projetam suas frustrações e esperanças em crianças de 17 anos. Elas consomem a juventude, a saúde e a identidade desses garotos para entretenimento de sexta-feira à noite. Quando o atleta se quebra, ele é descartado. "Fora das Linhas" é sobre o que acontece com a "mercadoria" quando ela decide que não está mais à venda.

REDAÇÃO: Ao contrário de "Linha de Colisão", onde o protagonista já é adulto, aqui lidamos com adolescentes. Como isso afetou a construção dos diálogos e das tomadas de decisão, muitas vezes impulsivas?

VITOR ZINDACTA: A adolescência é um estado de hipérbole emocional. Tudo é o fim do mundo. A decisão de fugir para o Canadá e depois para a Itália é logisticamente insana, mas emocionalmente coerente para dois garotos desesperados. Os diálogos oscilam entre uma maturidade forçada pelo trauma e uma ingenuidade típica da idade. Eu precisava respeitar essa urgência juvenil.

REDAÇÃO: A arte de Caleb evolui ao longo do livro, passando de esboços cínicos para retratos de cura. Qual a função da arte como documento histórico dentro da narrativa?

VITOR ZINDACTA: A arte de Caleb é a testemunha. Onde a cidade via o "Rei", Caleb desenhava o menino quebrado. No final, seus quadros na Itália servem para documentar a verdade da jornada deles. A arte valida a existência deles fora das expectativas alheias. É a prova de que eles sobreviveram.

REDAÇÃO: O desfecho na Toscana rompe completamente com o realismo suburbano americano do início. Essa mudança para um cenário quase idílico foi uma escolha de recompensa para o leitor ou uma necessidade temática?

VITOR ZINDACTA: Foi uma necessidade temática de "renascimento". A Toscana, com sua luz, sua história de ruínas e reconstrução, oferece o contraste perfeito com a escuridão e a modernidade fria dos ginásios. Não é apenas um final feliz; é um final em outro mundo. Eles precisavam sair do mapa de Crestwood para existir.

REDAÇÃO: A relação entre Mason e sua mãe (ou a ausência dela) é um fantasma na história. Como a omissão materna contribui para a solidão de Mason?

VITOR ZINDACTA: A passividade é uma forma de cumplicidade. A mãe representa a parte da cidade que vê o abuso, mas se cala para manter o status quo. A solidão de Mason vem do fato de que as pessoas que deveriam protegê-lo eram as que o estavam entregando ao carrasco.

REDAÇÃO: "Fora das Linhas" aborda o luto de Caleb de forma não linear. Como a perda da mãe dele influencia a maneira como ele cuida de Mason?

VITOR ZINDACTA: Caleb já conhece a finalidade da morte. Ele vê em Mason a deterioração que viu na mãe. Isso lhe dá uma urgência que outros adolescentes não têm. Ele não está brincando de romance; ele está lutando contra a morte. O luto o tornou um cuidador relutante, mas eficaz.

REDAÇÃO: A cena em que Mason destrói os troféus é catártica. Qual o peso simbólico desse ato de violência contra os objetos de sua "glória"?

VITOR ZINDACTA: É o rompimento do contrato. Os troféus eram os grilhões dourados. Ao destruí-los, ele não está apenas quebrando plástico e metal; ele está dizendo ao pai que a moeda de troca deles não tem mais valor. É o momento em que ele deixa de ser um objeto e volta a ser um sujeito.

REDAÇÃO: Você utiliza a carta final como um dispositivo de encerramento. Por que escolher a forma epistolar para o último capítulo em vez de uma cena de ação ou diálogo?

VITOR ZINDACTA: A carta permite reflexão e distanciamento temporal. É a voz de alguém que já processou o trauma. Permite que Mason e Caleb falem diretamente sobre o que aprenderam, consolidando a tese do livro. É um fechamento íntimo, um sussurro depois do grito.

REDAÇÃO: A sexualidade dos personagens é tratada com naturalidade, mas o conflito principal não é a homofobia, e sim a exploração. Essa foi uma escolha deliberada para mover o foco do "sair do armário" para a autonomia corporal?

VITOR ZINDACTA: Exatamente. O problema de Mason não é gostar de garotos; é não ser dono do próprio corpo. A homofobia existe em Crestwood, claro, mas a verdadeira opressão é a utilitária. Ele é uma máquina de fazer pontos. Sua humanidade é secundária. A luta dele é para recuperar a posse de si mesmo, em todos os sentidos.

REDAÇÃO: O título em inglês seria "Outside the Lines". Em português, "Fora das Linhas" carrega uma ambiguidade entre estar "fora da quadra" e "fora do padrão". Como você vê essa dualidade?

VITOR ZINDACTA: É o coração do livro. Estar "dentro das linhas" é estar seguro, mas preso às regras do jogo. Estar "fora das linhas" é perigoso, é onde a falta acontece, mas é onde a vida real existe. O título é um convite à transgressão.

REDAÇÃO: Se compararmos com "A Teoria do Caos", onde a política escolar era central, aqui o isolamento parece ser a chave. Por que isolar os dois personagens do resto do mundo?

VITOR ZINDACTA: Porque o trauma isola. A dor de Mason e o luto de Caleb criaram bolhas individuais. Ao isolá-los juntos — no carro, na cabana, na Itália —, eu forcei a criação de um novo universo onde apenas as regras deles se aplicavam. O isolamento foi o incubador do amor deles.

REDAÇÃO: Qual a mensagem final sobre "sucesso" que o livro deixa, considerando que Mason abandona uma carreira milionária?

VITOR ZINDACTA: O livro redefine sucesso. Sucesso não é a bolsa na Duke ou a NBA. Sucesso é acordar sem dor. Sucesso é desenhar uma casa e depois viver nela. Sucesso é a liberdade de ser irrelevante para o mundo, mas essencial para si mesmo.

REDAÇÃO: Para finalizar, Vitor: se "Fora das Linhas" pudesse ser resumido em uma manchete de jornal sensacionalista de Crestwood, e depois na manchete da vida real deles na Itália, quais seriam?

VITOR ZINDACTA: Em Crestwood: "TRAGÉDIA: ESTRELA DO BASQUETE DESAPARECE E LEVA O SONHO DA CIDADE JUNTO". Na Itália: "ARQUITETO E ARTISTA REFORMAM RUÍNA E DESCOBREM QUE ALICERCES TORTOS SUSTENTAM AS MELHORES VISTAS".

Achamos que você poderia gostar de...
Carregando...