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Vitor Zindacta fala sobre seu novo romance LGBT 'Linha de colisão'

Acervo pessoal / Divulgação

No panteão da literatura contemporânea que ousa tocar nas feridas abertas da masculinidade hegemônica, poucos cenários são tão hostis quanto o vestiário da National Football League (NFL). É neste ambiente de testosterona monetizada e violência tática que o autor Vitor Zindacta situa sua mais recente e visceral obra, "Linha de Colisão". Longe dos clichês do romance desportivo convencional, Zindacta entrega um thriller psicológico que opera na frequência da dor física e do silêncio ensurdecedor.

O romance nos apresenta Liam "The Wall" Davis, um linebacker de elite cuja carreira é construída sobre a capacidade de destruir oponentes e proteger segredos. Em rota de colisão está Evan Hayes, um jornalista esportivo cujo cinismo serve como bisturi para dissecar a mitologia do herói americano. O que se desenrola não é apenas uma história de amor proibido, mas um estudo técnico sobre o custo humano da performance — tanto atlética quanto de gênero — em uma indústria que exige que seus gladiadores sejam feitos de aço, e não de carne.

"Linha de Colisão" é uma obra que transpira a urgência de um cronômetro zerando. Zindacta utiliza a estrutura rígida de uma temporada de futebol americano para criar uma panela de pressão onde a privacidade é o inimigo e a vulnerabilidade é uma falta técnica. A narrativa não pede permissão para entrar na mente de seus protagonistas; ela a invade com a força de um tackle, expondo o medo paralisante que reside sob a armadura de milhões de dólares.

Nesta entrevista exclusiva, conversamos com o autor sobre a arquitetura narrativa de seu novo livro, a decisão de desmantelar o arquétipo do "macho alfa" e a pesquisa técnica necessária para transformar jogadas defensivas em metáforas de repressão emocional.


REDAÇÃO: Vitor, em "Linha de Colisão", você abandona o cenário colegial de suas obras anteriores para entrar na arena multimilionária da NFL. Qual foi o imperativo narrativo para essa mudança de escala e como a "hipermasculinidade" do futebol americano serviu de alicerce para a tensão central do livro?

VITOR ZINDACTA: A mudança foi uma necessidade estrutural. O ensino médio é sobre descoberta; a NFL é sobre sobrevivência e performance. Eu precisava de um ambiente onde a masculinidade não fosse apenas uma característica social, mas uma commodity, um produto vendido em horário nobre. O futebol americano é o coliseu moderno. Ao colocar Liam Davis, um homem cuja carreira depende de sua violência física, dentro de um armário de vidro, eu criei uma panela de pressão onde a "linha de colisão" deixa de ser apenas a scrimmage line e passa a ser o ponto de fratura entre quem ele é e quem ele é pago para ser.

REDAÇÃO: Liam "The Wall" Davis é construído como uma fortaleza impenetrável. Literariamente, como você trabalhou a dicotomia entre a brutalidade física dele em campo e a fragilidade emocional que ele esconde em quartos de hotel?

VITOR ZINDACTA: O desafio técnico foi evitar que Liam se tornasse uma caricatura. A brutalidade dele é uma linguagem. Quando ele derruba um quarterback adversário, ele está exercendo controle, algo que ele não tem em sua vida pessoal. A escrita reflete isso: as cenas de jogo são descritas com verbos de ação, frases curtas, violentas. As cenas com Evan são mais lentas, sensoriais, focadas no silêncio. A fragilidade de Liam não está na fraqueza, mas na exaustão de sustentar a armadura.

REDAÇÃO: Evan Hayes, o jornalista, representa o olhar externo, o "panóptico" da mídia. Como você equilibrou a ética jornalística dele com o desejo pessoal, evitando o tropo do "repórter predador"?

VITOR ZINDACTA: Evan é o antagonista moral de si mesmo. Ele não é um predador; ele é um analista. Ele começa o livro querendo desvendar o jogador, não o homem. A virada acontece quando ele percebe que expor Liam seria destruir a única coisa verdadeira que ele encontrou naquele meio artificial. A tensão não é apenas sexual; é epistemológica. É sobre o que temos o direito de saber sobre as figuras públicas.

REDAÇÃO: A química entre os protagonistas é descrita como um "jogo de gato e rato de alto risco". Em termos de pacing (ritmo), como você manteve essa tensão sem que ela se resolvesse ou se dissipasse prematuramente antes do Super Bowl?

VITOR ZINDACTA: Através da contenção. Em um romance convencional, o clímax sexual libera a tensão. Em "Linha de Colisão", o sexo aumenta o perigo. Cada encontro clandestino eleva a aposta. Eu usei o calendário da temporada da NFL como um metrônomo. À medida que os playoffs avançam, o espaço para o erro diminui. A tensão é mantida não pelo que eles fazem, mas pelo medo constante do que podem perder.

REDAÇÃO: Há uma crítica contundente à mercantilização dos atletas. Em determinado momento, Liam se refere ao próprio corpo como uma "máquina alugada". Isso é uma crítica direta à indústria do esporte?

VITOR ZINDACTA: Absolutamente. A NFL, e o esporte de elite em geral, moem carne humana em troca de entretenimento. Liam é um ativo depreciável. O fato de ele ser gay adiciona uma camada de risco de mercado. Se ele sai do armário, ele não perde apenas a privacidade; ele perde valor de patrocínio, ele se torna um "risco de vestiário". O livro examina o custo humano desse capitalismo atlético.

REDAÇÃO: O título "Linha de Colisão" sugere impacto físico, mas o livro é repleto de colisões ideológicas. Qual é a colisão mais fatal na história: a dos corpos em campo ou a da verdade contra a imagem pública?

VITOR ZINDACTA: A colisão física é recuperável; ossos colam, músculos regeneram. A colisão fatal é a da identidade. Quando a imagem pública de Liam (o Deus do Estádio) colide com sua necessidade humana de conexão (com Evan), não há sobreviventes. Uma das personas tem que morrer. O livro é o registro desse óbito e do renascimento subsequente.

REDAÇÃO: Você optou por não dar a eles um final "fácil" dentro do sistema. A decisão de Liam de abandonar a carreira no auge foi planejada desde o início ou foi uma exigência da evolução do personagem?

VITOR ZINDACTA: Foi inevitável. Se Liam ficasse na NFL e se assumisse, a história se tornaria sobre a luta dele para ser aceito pelo sistema, tornando-se um "ativista". Eu não queria isso. Eu queria que fosse sobre ele escolhendo a si mesmo acima do sistema. Sair de campo antes do cronômetro zerar é o ato final de autonomia. É ele dizendo: "Vocês não podem me demitir, eu me demito".

REDAÇÃO: A narrativa utiliza muitos termos técnicos de futebol americano. Como foi o processo de pesquisa para garantir que a descrição das jogadas soasse autêntica para os fãs do esporte, sem alienar os leitores de romance?

VITOR ZINDACTA: Foi uma imersão tática. Estudei playbooks, assisti a horas de filmes de jogos defensivos. Eu precisava que o leitor sentisse o impacto de um blitz ou a complexidade de uma cobertura em zona. Mas a técnica serve à emoção. Quando descrevo uma jogada, estou descrevendo o estado mental de Liam: o foco, a visão de túnel, a dor. O jargão técnico é a poesia da violência dele.

REDAÇÃO: O medo do "outing" (ser exposto forçosamente) permeia a obra como um thriller. Como você trabalhou a atmosfera de paranoia que cerca o casal?

VITOR ZINDACTA: A paranoia é construída nos detalhes sensoriais. O som de um obturador de câmera, o flash de um celular, o silêncio repentino em uma sala quando eles entram. Eu queria que o leitor sentisse a claustrofobia de ser uma figura pública escondendo um segredo. Eles nunca estão sozinhos, mesmo quando estão sozinhos. O mundo está sempre assistindo, esperando um deslize.

REDAÇÃO: Evan Hayes é cínico, mas acaba sendo o catalisador da libertação de Liam. Podemos dizer que Evan é o verdadeiro herói da história, ou ele é apenas o facilitador?

VITOR ZINDACTA: Evan é o espelho. Ele obriga Liam a olhar para si mesmo sem o capacete. Ele não é o herói salvador; Liam se salva sozinho. Mas Evan é a prova de conceito. Ele é a evidência de que existe uma vida possível fora da arena, uma vida onde a vulnerabilidade não é punida com uma derrota.

REDAÇÃO: A capa do livro, com o capacete abandonado, é emblemática. Qual a importância da semiótica visual na construção da expectativa do leitor para esta obra?

VITOR ZINDACTA: A capa é um spoiler emocional. Ela diz ao leitor que este não é um livro sobre ganhar o Super Bowl. É um livro sobre o que acontece quando você tira a armadura. O capacete no chão representa a abdicação. É uma imagem de deserção, não de conquista esportiva.

REDAÇÃO: As cenas de sexo são descritas como viscerais e urgentes. Qual a função narrativa dessa intensidade erótica na construção do arco dos personagens?

VITOR ZINDACTA: O sexo é o único momento em que Liam não precisa se segurar. Em campo, ele canaliza a energia para a destruição; com Evan, ele canaliza para a conexão. A urgência vem do fato de que cada encontro pode ser o último. Não é apenas prazer; é uma reivindicação de humanidade. É Liam retomando a posse do próprio corpo, que até então pertencia à franquia.

REDAÇÃO: Você aborda a homofobia internalizada de Liam. Como foi escrever o processo de desconstrução desse preconceito contra si mesmo?

VITOR ZINDACTA: Foi doloroso. Liam odeia a parte de si que ama Evan porque essa parte ameaça tudo o que ele construiu. A desconstrução não acontece através de discursos bonitos, mas através da exaustão. Chega um ponto em que o ódio a si mesmo consome mais energia do que ele tem disponível. Ele se rende ao amor por cansaço de lutar contra sua natureza.

REDAÇÃO: O livro toca na questão da saúde mental dos atletas. Isso foi uma resposta consciente às discussões atuais sobre CTE (encefalopatia traumática crônica) e burnout no esporte?

VITOR ZINDACTA: Sim. O corpo de Liam é um mapa de dores crônicas. Ele vive à base de analgésicos e gelo. Ignorar isso seria romantizar o esporte. A saúde mental dele está por um fio, segurada apenas pela rotina e pela repressão. O livro argumenta que o custo psicológico da excelência é, muitas vezes, a sanidade.

REDAÇÃO: A relação de Liam com o técnico e os companheiros de time é complexa. Como você evitou transformar todos os coadjuvantes em vilões unidimensionais?

VITOR ZINDACTA: A vilania na vida real é sistêmica, não individual. Os companheiros de time não são monstros; eles são produtos do mesmo sistema que moldou Liam. Eles reproduzem a toxicidade porque é a linguagem que aprenderam. Mostrá-los como humanos falhos, e não apenas como antagonistas, torna a traição do sistema ainda mais trágica.

REDAÇÃO: O diálogo final entre Liam e Evan é sobre "coragem". Como você redefine o conceito de coragem masculina neste livro?

VITOR ZINDACTA: A definição tradicional de coragem masculina é suportar a dor em silêncio e conquistar territórios. Eu proponho uma redefinição: coragem é a capacidade de ser vulnerável e de renunciar ao poder em nome da integridade. Sair da NFL exige mais "testosterona", no sentido figurado de bravura, do que ganhar um anel de campeonato.

REDAÇÃO: O estilo de escrita em "Linha de Colisão" parece mais "seco" e direto do que em "A Teoria do Caos". Essa mudança estilística foi deliberada?

VITOR ZINDACTA: Completamente. "A Teoria do Caos" era barroco, emocional, adolescente. "Linha de Colisão" é adulto, profissional, frio. A prosa imita a eficiência de um relatório de jogo ou de uma notícia de jornal. Não há espaço para floreios quando se está operando em modo de sobrevivência.

REDAÇÃO: O livro deixa uma ponta solta sobre o futuro profissional de Liam. Por que não mostrar o "depois" detalhadamente?

VITOR ZINDACTA: Porque o "depois" é irrelevante para a tese do livro. O livro é sobre a decisão. O que ele faz depois — se vira comentarista, técnico ou abre uma padaria — não importa. O que importa é que ele é livre para escolher. O final aberto é a representação dessa liberdade não roteirizada.

REDAÇÃO: Qual a mensagem que você espera que o público heterossexual, especificamente os fãs de esporte, tire dessa leitura?

VITOR ZINDACTA: Que os heróis que eles idolatram são humanos que sangram, e que a armadura que eles aplaudem muitas vezes está sufocando o homem lá dentro. Espero que vejam que a diversidade não enfraquece o esporte; o que enfraquece é a mentira obrigatória.

REDAÇÃO: Vitor, para encerrar: se "Linha de Colisão" fosse uma manchete de jornal, qual seria?

VITOR ZINDACTA: "O Rei Abdica do Trono para Salvar a Própria Alma: A Vitória Final de Liam Davis."

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