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CRÍTICA: Platoon (1986)

Imagem: Mubi / Reprodução

Platoon (1986), dirigido por Oliver Stone, é uma obra seminal do cinema de guerra que transcende o gênero ao oferecer uma visão crua, visceral e profundamente pessoal do conflito no Vietnã. Lançado em um momento em que os Estados Unidos ainda lidavam com as cicatrizes psicológicas e culturais da Guerra do Vietnã, o filme se destaca por sua autenticidade, impulsionada pela experiência de Stone como veterano, e por sua abordagem moralmente complexa, que evita glorificar a guerra ou demonizar seus participantes. Estrelado por Charlie Sheen, Willem Dafoe e Tom Berenger, Platoon é tanto um retrato da brutalidade do combate quanto uma meditação sobre a perda da inocência, a divisão moral e o impacto da guerra na psique humana. Esta crítica analisa todos os elementos do filme — narrativa, direção, atuações, fotografia, trilha sonora, design de produção, temas e impacto cultural —, oferecendo uma avaliação detalhada de sua relevância histórica e cinematográfica.

Platoon segue Chris Taylor (Charlie Sheen), um jovem voluntário americano que chega ao Vietnã em 1967, cheio de idealismo e ingenuidade. Integrado a um pelotão de infantaria na selva, Chris enfrenta não apenas o inimigo vietcongue, mas também as tensões internas entre seus companheiros, divididos entre dois sargentos opostos: Elias (Willem Dafoe), um líder compassivo e humanista, e Barnes (Tom Berenger), um comandante endurecido e implacável. À medida que Chris testemunha atrocidades cometidas por ambos os lados, incluindo um massacre em uma vila vietnamita, ele é forçado a confrontar sua própria moralidade e a brutalidade da guerra. O filme culmina em uma batalha devastadora que testa as lealdades do pelotão e marca a transformação de Chris de um novato idealista em um sobrevivente desiludido.

Lançado em 19 de dezembro de 1986, Platoon foi um marco no cinema de guerra, vindo na esteira de filmes como Apocalypse Now (1979) e The Deer Hunter (1978), mas distinguindo-se por sua perspectiva de trincheira, baseada nas experiências reais de Oliver Stone no Vietnã. Produzido com um orçamento modesto de US$ 6 milhões, o filme arrecadou mais de US$ 138 milhões globalmente e venceu quatro Oscars, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor. No Brasil, Platoon estreou em 1987, resonando com um público que via paralelos entre a desilusão do Vietnã e os desafios políticos da redemocratização. Sua abordagem realista e crítica consolidou-o como um clássico, influenciando gerações de cineastas e permanecendo relevante em discussões sobre guerra e moralidade.

A narrativa de Platoon é estruturada como uma jornada de amadurecimento, narrada em primeira pessoa por Chris Taylor através de cartas fictícias à sua avó. Essa narração em voz off, embora criticada por alguns como redundante, serve para ancorar o espectador na perspectiva de Chris, cuja ingenuidade inicial é gradualmente destruída pela realidade da guerra. O filme segue uma progressão linear, dividida em três atos: a chegada de Chris ao Vietnã, sua integração no pelotão e a batalha final, que funciona como um clímax moral e físico.

Stone utiliza uma abordagem quase documental, com cenas de combate caóticas e uma atenção meticulosa aos detalhes da vida na selva — o calor, os insetos, a exaustão. A narrativa é pontuada por momentos de introspecção, como as conversas noturnas no acampamento, onde os soldados fumam maconha e discutem a guerra, e por sequências de violência gráfica, como o massacre na vila, que ecoa eventos reais como o massacre de My Lai. A tensão entre Elias e Barnes, que representam polos morais opostos, é o cerne do conflito interno do pelotão, transformando Platoon em uma alegoria sobre a luta entre o bem e o mal dentro da humanidade.

O estilo narrativo de Stone é visceral e imersivo, rejeitando a romantização da guerra vista em filmes anteriores, como The Green Berets (1968). A comparação com Apocalypse Now é inevitável, mas enquanto o filme de Coppola adota um tom surreal e filosófico, Platoon é mais direto, focando na experiência cotidiana dos soldados rasos. Algumas críticas apontam que a narração de Chris pode ser excessivamente didática, explicando sentimentos que as imagens já transmitem, mas a força da narrativa reside em sua capacidade de capturar a desorientação e o trauma da guerra sem oferecer respostas fáceis.

Oliver Stone, que serviu no Vietnã em 1967-68, traz uma autenticidade inigualável a Platoon. Sua direção é marcada por uma urgência emocional e um compromisso com a verdade, resultado de sua experiência pessoal e de uma pesquisa rigorosa que incluiu entrevistas com veteranos. Stone exigiu que o elenco, composto principalmente por jovens atores, passasse por um treinamento militar intensivo nas Filipinas, onde o filme foi rodado, para capturar a exaustão e o desespero dos soldados. Essa imersão resultou em performances e cenas de combate que parecem dolorosamente reais.

Imagem: Mubi / Reprodução

A visão artística de Stone é definida por um equilíbrio entre realismo e simbolismo. A selva vietnamita, com sua vegetação densa e luz filtrada, é filmada como um espaço opressivo que engole os soldados, enquanto momentos como a morte de Elias, com os braços abertos em uma pose quase crística, elevam a narrativa a um nível alegórico. Stone também faz uso de contrastes, como a tranquilidade das cenas no acampamento contra a brutalidade das batalhas, para destacar a dualidade da experiência da guerra.

Apesar de sua força, a direção de Stone foi criticada por alguns como excessivamente melodramática, especialmente na trilha sonora e em momentos como a morte de Elias, que pode parecer estilizada demais. Além disso, a representação dos vietnamitas, embora limitada pela perspectiva americana, é às vezes estereotipada, com os civis e soldados inimigos recebendo pouco desenvolvimento. No entanto, essas limitações não diminuem o impacto da direção de Stone, que transforma Platoon em um testemunho poderoso sobre os custos da guerra.

O elenco de Platoon entrega performances memoráveis, com Charlie Sheen, Willem Dafoe e Tom Berenger formando o coração emocional do filme. Sheen, como Chris Taylor, captura a transformação de um jovem idealista em um homem marcado pelo trauma. Sua atuação, embora menos experiente que a de seus colegas, é crível, com momentos de vulnerabilidade que refletem a perda de inocência do personagem. A cena em que Chris confronta Barnes no clímax é um destaque, mostrando sua evolução de passividade para ação.

Willem Dafoe, como Elias, é a alma moral do filme. Sua interpretação combina força e compaixão, com um olhar que transmite empatia mesmo em meio ao caos. A cena de sua morte, icônica e frequentemente referenciada, é elevada pela intensidade de Dafoe, que transforma Elias em um símbolo de resistência à desumanização. Tom Berenger, como Barnes, oferece uma performance igualmente poderosa, retratando um homem endurecido pela guerra, cuja brutalidade é tanto aterrorizante quanto tragicamente humana. O confronto entre Elias e Barnes é um dos pontos altos do filme, com Dafoe e Berenger criando uma tensão palpável.

O elenco de apoio, incluindo Johnny Depp, Forest Whitaker e John C. McGinley, adiciona profundidade ao pelotão, com cada ator trazendo nuances aos seus papéis. A química entre os soldados, forjada durante o treinamento, é evidente nas cenas de camaradagem e conflito, criando a sensação de uma unidade real. A ausência de grandes estrelas na época da produção reforça a autenticidade, com os atores desaparecendo em seus papéis.

A fotografia de Robert Richardson, que mais tarde colaboraria com Stone em JFK e Nascido em 4 de Julho, é um dos pilares de Platoon. Filmado nas Filipinas, o filme utiliza a selva como um cenário opressivo, com uma paleta de verdes escuros e marrons que reflete o isolamento e o perigo. Richardson emprega iluminação natural, com luz filtrada pelas árvores criando sombras que aumentam a sensação de claustrofobia. As cenas de combate são caóticas, com movimentos de câmera rápidos e enquadramentos instáveis que capturam a desorientação da guerra.

O design de produção, liderado por Bruno Rubeo, é minimalista, mas eficaz, com os acampamentos improvisados e as vilas vietnamitas recriadas com atenção aos detalhes históricos. Os uniformes rasgados, as armas sujas e os rostos cobertos de suor dos soldados reforçam o realismo, enquanto objetos como rádios e cigarros evocam a cultura dos anos 60. A vila queimada durante o massacre é um dos cenários mais impactantes, com sua destruição servindo como um símbolo da devastação causada pela guerra.

A trilha sonora de Platoon é dominada pela icônica “Adagio for Strings” de Samuel Barber, que se tornou sinônimo do filme. A composição, usada em momentos-chave como a morte de Elias, adiciona uma camada de tragédia e eleva a narrativa a um nível universal. No entanto, alguns críticos, como Roger Ebert, apontaram que o uso repetitivo do “Adagio” pode ser excessivamente manipulador, embora sua potência emocional seja inegável.

O design de som, supervisionado por Gordon Daniel, é igualmente impressionante, com o rugido de helicópteros, o estalar de tiros e o som da selva — insetos, pássaros, chuva — criando uma imersão total. As explosões e os gritos dos soldados são mixados para refletir a confusão do combate, enquanto os momentos de silêncio, como as pausas entre batalhas, intensificam a tensão. Músicas diegéticas, como “Tracks of My Tears” de Smokey Robinson, tocadas nos rádios do pelotão, adicionam um toque de nostalgia e humanidade.


Imagem: GoToon! / Reprodução

Platoon é uma exploração profunda da moralidade em tempos de guerra, com Elias e Barnes representando os dois lados da alma humana. Elias, com sua compaixão e relutância em cometer atrocidades, é um símbolo da humanidade preservada, enquanto Barnes, com sua brutalidade e pragmatismo, encarna a desumanização causada pelo conflito. Chris, como o narrador, é o espectador, preso entre esses dois polos e forçado a escolher seu caminho.

O filme também aborda a perda da inocência, com a jornada de Chris refletindo a desilusão de uma geração que acreditava na guerra como uma causa nobre. A selva, com sua beleza e perigo, é uma metáfora para a guerra, um espaço onde as regras da civilização desaparecem. O massacre na vila vietnamita, inspirado em My Lai, é um dos momentos mais perturbadores, expondo a capacidade dos soldados comuns de cometerem atos monstruosos sob pressão.

A crítica ao imperialismo americano é sutil, mas presente, com o filme questionando a justificativa da intervenção no Vietnã. A diversidade do pelotão, com soldados negros, brancos e latinos, reflete as tensões raciais dos EUA na época, enquanto a camaradagem entre eles sugere uma unidade forjada pela adversidade. A cena final, com Chris refletindo sobre sua experiência, é uma meditação sobre a sobrevivência e a responsabilidade de carregar as lições da guerra.

Platoon foi um sucesso crítico e comercial, com uma aprovação de 88% no Rotten Tomatoes e elogios de críticos como Pauline Kael, que o chamou de “um grito de angústia”. No Brasil, o filme foi recebido com entusiasmo, especialmente por sua relevância em um período de redemocratização, com críticos do Jornal do Brasil destacando sua honestidade brutal. No entanto, alguns veteranos criticaram o filme por exagerar a violência interna do pelotão, enquanto outros o elogiaram por capturar a essência do Vietnã.

O impacto cultural de Platoon foi profundo, influenciando filmes de guerra como Saving Private Ryan (1998) e Black Hawk Down (2001). Sua abordagem realista redefiniu o gênero, afastando-o da glorificação e aproximando-o da crítica social. No Brasil, o filme ressoou com discussões sobre militarismo e violência, especialmente em um contexto de transição política. A cena da morte de Elias tornou-se um ícone cultural, referenciada em filmes, músicas e memes.

Comparado a A Zona de Interesse (2023), Platoon é mais visceral e narrativo, mas ambos exploram a moralidade em contextos extremos. Em relação a Saltburn (2023), que também apresenta Barry Keoghan, Platoon é mais sóbrio, mas compartilha a intensidade emocional. O Mal Não Existe (2023), de Ryûsuke Hamaguchi, oferece um contraponto contemplativo, enquanto Acabe com Eles (2024) ecoa os temas de violência e culpa em um cenário rural.

Platoon é uma obra-prima do cinema de guerra que combina autenticidade, intensidade emocional e uma crítica poderosa ao custo humano do conflito. Oliver Stone, com sua direção visceral, atuações brilhantes de Willem Dafoe, Tom Berenger e Charlie Sheen, e uma fotografia imersiva, cria um filme que é tanto um testemunho histórico quanto uma meditação atemporal sobre a moralidade. Apesar de algumas críticas ao seu tom melodramático, Platoon permanece um marco do cinema, capturando a desilusão de uma geração e desafiando o espectador a confrontar as complexidades da guerra. No Brasil, sua relevância persiste em debates sobre violência e responsabilidade, enquanto seu impacto global o consagra como um clássico indispensável. Platoon não é apenas um filme sobre o Vietnã, mas uma reflexão profunda sobre o que significa ser humano em meio ao caos.

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