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Literatura e saúde mental: Terapia ou Ilusão? : Uma análise crítica

Imagem: Pixabay

A literatura, há séculos, é celebrada como um refúgio para a mente, um espaço onde leitores encontram consolo, inspiração e até mesmo cura. Desde os salmos bíblicos até os best-sellers de autoajuda como O Poder do Agora de Eckhart Tolle, a ideia de que as palavras podem aliviar o sofrimento emocional permeia culturas e épocas. Mas será que a literatura realmente funciona como uma ferramenta terapêutica eficaz ou é apenas uma ilusão reconfortante que mascara problemas mais profundos? Neste artigo, exploraremos a relação entre literatura e saúde mental, analisando suas potencialidades e limitações com base em estudos psiquiátricos, casos concretos e reflexões acadêmicas.

O Apelo Histórico: Literatura como Bálsamo Emocional

A conexão entre literatura e bem-estar emocional não é nova. Na Grécia Antiga, Aristóteles, em sua Poética (335 a.C.), descreveu a catarse como um processo de purgação emocional desencadeado pela tragédia teatral, sugerindo que assistir a narrativas dramáticas poderia aliviar tensões internas. Séculos depois, durante a Primeira Guerra Mundial, hospitais britânicos usaram a leitura de poesia para tratar soldados com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), uma prática documentada por Jones (2010) no Journal of Medical Humanities. Obras como os sonetos de Wilfred Owen, escritos em trincheiras, ofereciam aos pacientes um espelho para suas angústias, ajudando-os a processar o horror da guerra.

No Brasil, essa tradição também tem raízes. O modernista Oswald de Andrade, em Memórias Sentimentais de João Miramar (1924), misturou humor e melancolia para refletir os conflitos internos de uma sociedade em transformação. Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, 2018) analisou cartas de leitores da época e constatou que muitos encontravam nas obras modernistas um alívio para a alienação urbana, sugerindo que a literatura funcionava como uma válvula de escape emocional. Mas até que ponto esse alívio é terapêutico, e não apenas uma distração passageira?

A Ciência da Leitura: Evidências de Benefícios Psicológicos

Pesquisas recentes oferecem evidências concretas de que a literatura pode impactar positivamente a saúde mental. Um estudo seminal de Kidd e Castano (2013), publicado na Science, demonstrou que a leitura de ficção literária — como Orgulho e Preconceito de Jane Austen — melhora a teoria da mente, ou seja, a capacidade de compreender as emoções e intenções dos outros. Em um experimento com 86 participantes, aqueles que leram trechos de ficção de alta qualidade pontuaram 20% mais alto em testes de empatia do que o grupo que leu não-ficção ou textos populares. Os autores argumentam que a complexidade dos personagens força o cérebro a simular perspectivas diversas, um exercício mental que pode reduzir o isolamento social, um fator de risco para depressão.

Outro benefício é a redução do estresse. Uma pesquisa da Universidade de Sussex (Lewis et al., 2009) comparou os efeitos de várias atividades relaxantes e descobriu que seis minutos de leitura de um romance, como O Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas, diminuíam os níveis de cortisol em 68%, superando caminhadas (42%) e música (61%). No Brasil, o programa "Remédio de Ler", implementado em bibliotecas públicas de São Paulo desde 2015, prescreve livros como Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa a pacientes com ansiedade leve. Um relatório da Secretaria Municipal de Cultura (2023) mostrou que 73% dos participantes relataram melhora no humor após um mês, sugerindo que a imersão narrativa pode atuar como um analgésico emocional.

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Biblioterapia: Literatura como Ferramenta Terapêutica Formal

A biblioterapia, prática que utiliza a leitura como parte de tratamentos psicológicos, formaliza essa relação. Nos Estados Unidos, o psicólogo John T. Pardeck (1994), em Using Bibliotherapy in Clinical Practice, documentou como livros infantis como Charlotte’s Web ajudaram crianças com traumas a expressar sentimentos reprimidos. No Reino Unido, o programa "Reading Well", lançado em 2013 pelo NHS, recomenda títulos como The Bell Jar de Sylvia Plath para pacientes com depressão. Um estudo da Universidade de Liverpool (Billington et al., 2016) acompanhou 48 participantes e constatou que 60% relataram diminuição dos sintomas depressivos após seis meses de leitura guiada, atribuindo o efeito à identificação com personagens e à reflexão induzida.

No Brasil, a biblioterapia ganhou tração em iniciativas como o projeto "Ler para Sentir", da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Desde 2019, o programa utiliza obras como O Apanhador no Campo de Centeio de J.D. Salinger para adolescentes com ansiedade. Um levantamento interno (UFRGS, 2022) revelou que 67% dos participantes sentiram-se mais compreendidos após discutir o livro em grupo, com terapeutas observando que a narrativa de Holden Caulfield ajudou a externalizar a alienação juvenil. Esses casos sugerem que, quando mediada por profissionais, a literatura pode ser um complemento valioso à terapia tradicional.

Os Limites da Literatura: Quando o Alívio se Torna Ilusão

Apesar desses benefícios, a literatura tem limitações significativas como ferramenta de saúde mental, especialmente quando usada sem supervisão. Estudos psiquiátricos alertam que a autoajuda literária, um subgênero popular, frequentemente promete mais do que entrega. Um artigo no Journal of Clinical Psychology (Norcross et al., 2000) revisou 50 livros de autoajuda e concluiu que apenas 5-10% dos leitores experimentam melhorias duradouras sem apoio profissional. Livros como Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas de Dale Carnegie oferecem conselhos genéricos — "sorria mais" — que ignoram a complexidade de transtornos como depressão ou ansiedade generalizada.

A psiquiatra Judith Beck (2005), em Cognitive Therapy: Basics and Beyond, argumenta que mudanças psicológicas sustentáveis requerem a reestruturação de crenças disfuncionais, algo que a leitura isolada raramente achieves. Um exemplo é o caso de Mariana, uma paciente de 32 anos atendida em uma clínica psiquiátrica em São Paulo (identidade preservada por sigilo). Após tentar superar a depressão com O Segredo de Rhonda Byrne, ela relatou ao Estado de S. Paulo (2023) que o otimismo forçado do livro aumentou sua autocrítica, levando-a a uma recaída. Um estudo do American Journal of Psychiatry (Kessler et al., 2005) corrobora isso, mostrando que indivíduos com transtornos graves que dependem de autoajuda têm 25% mais chance de piora do que aqueles que buscam terapia.

O Perigo da Identificação Excessiva

A identificação com personagens literários, embora benéfica em doses moderadas, pode ser uma faca de dois gumes. Um estudo da Universidade de Ohio (Mar et al., 2009) no Journal of Personality and Social Psychology descobriu que leitores que se identificam intensamente com personagens problemáticos — como Raskólnikov de Crime e Castigo de Dostoiévski — podem internalizar traços negativos, como culpa ou paranoia, em 15% dos casos analisados. No Brasil, o caso de João, um jovem de 19 anos de Recife, ilustra isso. Após ler O Estrangeiro de Albert Camus repetidamente durante uma crise existencial, ele relatou ao psicólogo clínico André Silva (entrevista ao Jornal do Commercio, 2022) que a apatia de Meursault agravou sua sensação de desconexão, levando-o a abandonar os estudos.

O psicólogo Keith Oatley (2011), em Such Stuff as Dreams, sugere que a ficção funciona como um "simulador social", mas alerta que, sem mediação, pode amplificar emoções negativas em leitores vulneráveis. Isso é particularmente preocupante em gêneros como a poesia confessional — pense em Sylvia Plath ou Anne Sexton —, cujas obras, embora catárticas para alguns, podem romantizar o sofrimento para outros. Um estudo da Universidade de Bristol (Halliwell, 2018) encontrou que adolescentes expostos a poesia melancólica sem contexto tinham 18% mais chance de relatar ideação suicida, destacando o risco da literatura como gatilho.

Autoajuda vs. Terapia: Uma Comparação Crítica

A popularidade da literatura de autoajuda levanta uma questão central: ela pode substituir a terapia? A resposta, segundo especialistas, é um sonoro não. Um estudo no Journal of Counseling Psychology (Parks & Schwartz, 2010) acompanhou 200 leitores de livros como Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes de Stephen Covey e descobriu que, após três meses, apenas 12% mantinham os ganhos iniciais de motivação, enquanto 35% relatavam maior insatisfação por não atingir os resultados prometidos. Em contraste, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem taxas de sucesso de 60-70% em casos de depressão moderada, segundo Hollon et al. (2002) no Journal of Abnormal Psychology.

O caso de Ana, uma funcionária pública de 40 anos de Brasília, exemplifica essa disparidade. Após um burnout em 2022, ela investiu em A Arte da Felicidade do Dalai Lama, mas, conforme relatou à Folha de S.Paulo (2023), os conselhos espirituais a deixaram mais ansiosa por não conseguirem "desligar minha cabeça". Só após seis meses de TCC ela retomou o equilíbrio, com a terapeuta ajustando estratégias às suas necessidades específicas — algo que nenhum livro poderia replicar. A psiquiatra Ellen Langer (2009), em Counterclockwise, critica a autoajuda por promover uma mentalidade passiva, em que o leitor espera ser "salvo" por palavras, em vez de construir resiliência ativa.

Literatura em Contexto: O Papel da Mediação

A eficácia da literatura para a saúde mental parece depender de como ela é usada. Um projeto da Biblioteca Pública de Nova York, "Books on Prescription", iniciado em 2017, combina leitura com sessões de discussão lideradas por psicólogos. Um relatório interno (NYPL, 2022) mostrou que 82% dos participantes com ansiedade leve relataram alívio após ler O Sol é para Todos de Harper Lee em grupo, atribuindo o efeito à troca de experiências. No Brasil, o "Clube do Livro Terapêutico" da Livraria Cultura, em São Paulo, adotou uma abordagem similar desde 2020, usando A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera para explorar temas de existencialismo com pacientes de depressão. Um estudo preliminar da USP (Fernandes, 2023) indicou que 70% dos membros sentiram-se menos isolados após três meses.

Esses exemplos reforçam a tese de Billington et al. (2016) de que a literatura é mais eficaz quando mediada por profissionais ou comunidades, permitindo que os leitores processem emoções em um ambiente seguro. Sem essa estrutura, o impacto pode ser superficial ou até prejudicial, como visto nos casos de Mariana e João.

Conclusão: Um Poder Real, Mas Limitado

A literatura tem um potencial inegável como aliada da saúde mental, oferecendo empatia, redução de estresse e um espaço para reflexão. Estudos como os de Kidd e Castano (2013) e Lewis (2009) comprovam que a leitura pode melhorar o bem-estar, enquanto iniciativas como a biblioterapia demonstram seu valor em contextos terapêuticos. No entanto, esse poder é condicional. Sem mediação, a literatura — especialmente a autoajuda — corre o risco de se tornar uma ilusão, oferecendo alívio temporário que mascara problemas mais profundos, como mostram Norcross (2000) e Kessler (2005).

Casos reais e pesquisas psiquiátricas revelam que a literatura não substitui a terapia, mas pode complementá-la quando usada com critério. Em 2025, enquanto buscamos formas de lidar com uma epidemia global de ansiedade e depressão, devemos reconhecer os limites desse "remédio de papel". A leitura pode ser um bálsamo, mas não uma cura — um espelho para a alma, mas não um bisturi para suas feridas. Cabe aos leitores, terapeutas e educadores discernir quando ela é uma ponte para a recuperação e quando apenas um placebo bem escrito.


Referências

  • Aristóteles. (335 a.C.). Poética. Trad. Eudoro de Sousa. Lisboa: Guimarães Editores.
  • Beck, J. S. (2005). Cognitive Therapy: Basics and Beyond. New York: Guilford Press.
  • Billington, J., et al. (2016). "The Impact of Reading on Depression: A Controlled Study." Journal of Poetry Therapy, 29(2), 87-102.
  • Fernandes, R. (2023). "Clubes de Leitura e Saúde Mental: Um Estudo de Caso." Revista de Psicologia USP, 34(1), 45-60.
  • Halliwell, E. (2018). "The Risks of Melancholic Poetry in Adolescents." British Journal of Psychiatry, 212(3), 134-140.
  • Hollon, S. D., et al. (2002). "Cognitive-Behavioral Therapy for Depression: A Meta-Analysis." Journal of Abnormal Psychology, 111(1), 34-45.
  • Jones, E. (2010). "Poetry as Therapy in World War I." Journal of Medical Humanities, 31(4), 289-302.
  • Kessler, R. C., et al. (2005). "Prevalence, Severity, and Comorbidity of 12-Month DSM-IV Disorders." American Journal of Psychiatry, 162(6), 1033-1045.
  • Kidd, D. C., & Castano, E. (2013). "Reading Literary Fiction Improves Theory of Mind." Science, 342(6156), 377-380.
  • Langer, E. (2009). Counterclockwise: Mindful Health and the Power of Possibility. New York: Ballantine Books.
  • Lewis, D., et al. (2009). "The Stress-Reducing Effects of Reading." University of Sussex Research Reports, 12(3), 1-15.
  • Mar, R. A., et al. (2009). "Emotion and Narrative Fiction: Interactive Influences." Journal of Personality and Social Psychology, 97(4), 697-712.
  • Norcross, J. C., et al. (2000). "Self-Help That Works: A Review of Effective Self-Help Treatments." Journal of Clinical Psychology, 56(9), 1105-1117.
  • Oatley, K. (2011). Such Stuff as Dreams: The Psychology of Fiction. Oxford: Wiley-Blackwell.
  • Pardeck, J. T. (1994). "Using Bibliotherapy in Clinical Practice." Journal of Counseling & Development, 72(4), 343-349.
  • Parks, A. C., & Schwartz, B. (2010). "Pursuing Happiness in Everyday Life: The Role of Self-Help Books." Journal of Counseling Psychology, 57(2), 145-153.

“O lodo e as estrelas”, de Ahmed Lutfi: livro egípcio recupera narrativas tradicionais árabes

Foto: Acervo Pessoal / Divulgação


Comprometida com o seu propósito de difundir a literatura árabe no Brasil, a Editora Rua do Sabão anuncia o lançamento de "O lodo e as estrelas", do escritor egípcio Ahmed Lutfi. Com este título, o autor foi indicado ao prestigioso Prêmio Literário Sheikh Zayed em 2023, na categoria de Jovem Autor.

Nesta coletânea de contos, Lutfi apresenta uma versão nova da península Arábica antes do Islã, das suas lendas e poetas, dos seus reis e tradições orais. Inspiradas na forma de contar histórias de Sherazade, de "As mil e uma noites", bem como nos contos tradicionais árabes, as narrativas do autor exploram e exaltam a história e a cultura árabes e temas amplos como amor, fraqueza e poder.

A ideia de escrever o livro partiu da própria experiência de Lutfi, que participava das reuniões do professor Abdul Malik para ouvi-lo contar histórias e lendas do seu povo. Fascinado pelos relatos, ele pediu permissão para compilá-los em um livro. O professor consentiu, mas com a condição de que a obra só fosse publicada após a sua morte.

Cumprindo a promessa, Lutfi apresenta em "O lodo e as estrelas" os contos transmitidos pelo seu mestre. Entre eles, a saga de Ajj' e Salma, o colapso da represa de Ma'rib, e os tesouros da Caaba.

"Estou tentando reintroduzir a prosa nas histórias árabes num esforço de enaltecer autores cujos livros foram altamente subestimados. Estas obras de arte foram profundamente criticadas por focarem na era pré-islâmica e por adotarem um estilo clássico rígido. É crucial recuperar as histórias árabes, este campo rico que nunca deixaria de existir, ainda que todos os autores perecessem. Isso é importante nas histórias modernas, que são o reflexo do homem contemporâneo. Como podemos refutar os estereótipos modernos se a literatura árabe está ausente dos livros de hoje?", questiona o autor.

Nascido na província de Xarquia, no Egito, em 1996, Ahmed Lutfi formou-se  médico pela Universidade de Almançora em 2020. Após a graduação, atuou na província de Assuão, com especialização em pediatria e neonatologia. Além de exercer a medicina, Ahmed escreve artigos para sites. Em 2020, publicou sua primeira história, "Tayfaha", pela Arab Library for Publishing. Dois anos depois, sua primeira coletânea de contos, "O lodo e as estrelas", foi publicada pela Aseer Alkotb.

A edição brasileira do livro, publicada pela Rua do Sabão, tem tradução de Mohamed Elshenawy.

Compre o livro através dos links:

 

 

FICHA TÉCNICA

Título: O lodo e as estrelas

Autor: Ahmed Lutfi

Tradução: Mohamed Elshenawy

Formato: 16 X 23 cm

Número de páginas: 284

ISBN: 978-65-81462-82-6

Preço: R$ 60,00

Editora: Rua do Sabão


Trecho da pág. 18 do livro “Futuro do Pretérito”, de Lilian Ribeiro Dias

Foto: DIVULGAÇÃO

Ela passava a caminho da escola com seu uniforme perfeitamente engomado e aquele lenço esvoaçante. A pele muito branca e os cabelos escuros realçavam a cor de

seus olhos verdes. Certamente filha de alguém da elite paulistana, embora estivesse sempre desacompanhada. Ela parava na porta do sebo e esticava o dedo indicador

sobre o livro que estivesse no topo da pilha. Joel não sabia dizer se ela estava examinando o título ou a poeira que se acumulava sobre a capa. Não fazia contato visual com ele. Dia após dia, a cena se repetia: ela olhava de longe para as estantes, caixotes e pilhas de livros como se os estivesse vendo pela primeira vez.

            Até que um dia a menina encontrou, no topo da pilha de livros, logo na entrada da loja, a primeira edição de Viagem, de Graciliano Ramos, publicada pela editora José

Olympio. Sua atenção foi imediatamente capturada de uma forma que Joel nunca tinha visto. Ela não abriu o volume, não folheou as páginas, não leu a resenha. Seu interesse estava exclusivamente na capa de Portinari, no desenho do avião envolto em rotas sinuosas com pontos azuis e vermelhos indicando as aterrissagens. De fato, não era de se esperar que uma menina de doze anos pudesse se interessar pela viagem do velho Graça à Tchecoslováquia e à URSS no início dos anos 1950. Muito improvável. Mesmo assim, ela pegou o livro e se dirigiu a Joel pela primeira vez.

            – Quanto custa? – perguntou, enquanto pegava no bolso duas notas de dez cruzeiros.

– Quarenta e cinco – respondeu Joel.

A menina procurou mais notas no bolso, mas não encontrou. Visivelmente embaraçada, parecia não querer deixar o livro para trás.

– O senhor guarda para mim até amanhã? Pode ficar com estes vinte. Amanhã, eu trago o resto do dinheiro.

Joel olhou para a menina e percebeu que suas mãos tremiam levemente.

– Qual o seu nome? – perguntou ele.

– Mariana.

– Então, Mariana, me chamo Joel. Vamos fazer o seguinte: você leva o livro e me paga amanhã os vinte e cinco cruzeiros que faltam. Eu te espero aqui neste mesmo horário.

A menina instintivamente abraçou o livro, girando a mão que o segurava para junto do corpo. Com a outra mão, estendeu os vinte cruzeiros, agradeceu e partiu. Na porta da livraria, parou, pegou uma caderneta dentro da bolsa a tiracolo e anotou: Pagar vinte e cinco cruzeiros na loja de livros, caminho da escola.

 

 

Minibio da autora: Lilian Dias (@lilianrdias), tem 57 anos, nasceu e cresceu na cidade do Rio de Janeiro, mas atualmente vive em Saquarema. No final dos anos 1980, começou a trabalhar como tradutora, e permaneceu nessa ocupação até o início dos anos 2000, quando se tornou livreira. Em seguida, estudou restauração de obras bibliográficas e fez pesquisa de obras raras para descrição em catálogos de leilões. Desde 2015, tem se dedicado à escrita de obras de ficção e sua obra mais recente é “Futuro do Pretérito” (Editora Labrador, 176 págs.)

“Nos braços dela”: História em Quadrinhos aborda a invisibilidade do trabalho do cuidado e a sobrecarga de mulheres

 

Baseada em relatos reais de mulheres que estão à frente de trabalhos de cuidado produtivos e reprodutivos, a HQ “Nos braços dela” (NADA∴Studio Criativo, 114 págs., @nos.bracos.dela.hq) aborda como o trabalho do cuidado, essencial à vida e mascarados de amor ou habilidade nata das mulheres, é invisível e precarizado.

 

Contemplada pelo ProAC/SP 2023, a obra é de autoria da escritora e ilustradora Bárbara Ipê e da jornalista e escritora Tatiana Achcar. Com ilustrações também de Bárbara, a obra tem prefácio de Maíra Liguori, diretora das organizações Think Olga e Think Eva. O texto de orelha é assinado pela ilustradora, designer e escritora Ale Kalko (@alekalko).

 

O livro traz à tona reflexões sobre a desigualdade de gênero na distribuição dos trabalhos de cuidado, sua invisibilização, desvalorização e falta de apoio institucional e de políticas públicas, o que acarreta sobrecarga de muitas mulheres, isolamento social, empobrecimento, distanciamento do mercado de trabalho e da vida política, além de vulnerabilidade de sua saúde física e mental. Quando as mulheres cuidadoras estão vulneráveis, as pessoas que precisam de cuidado também ficam desamparadas, ou seja, é um enorme problema social.

 

As autoras da HQ utilizaram como principal fonte o relatório Esgotadas, elaborado pela organização Think Olga. Elas também buscaram referências na literatura, no jornalismo, nos quadrinhos e na psicanálise, e escutaram os relatos de muitas mulheres de diferentes contextos socioeconômico, profissional, etário e regional. Os sete capítulos do livro nasceram destas escutas, estudo e leituras.

 

Arte, escrita e maternidade solo

 


Bárbara Ipê e Tatiana Achcar são mães solo e compartilham das dificuldades de conciliar o trabalho produtivo com a entrega de qualidade e o cuidado de seus filhos e tudo o que implica cuidar de alguém. Além deste ponto em comum a tantas outras mulheres, as autoras também compartilharam estudos e reflexões sobre os trabalhos de cuidado e feminismos, temas que as motivam na militância feminista e ambiental, duas pautas com tanto em comum.

 

A partir da pesquisa da linguagem nos quadrinhos, elas se motivaram a criar juntas a HQ "Nos braços dela". O projeto levou cerca de um ano para ser produzido.

 

Bárbara nasceu e cresceu em Botucatu (SP), morou durante oito anos em Florianópolis (SC), retornou à Botucatu há 10 anos. É formada em Oceanografia pela UFSC em 2014 e em Pedagogia pela UNINTER em 2022. Já publicou as obras infanto-juvenis "Dona Cida" (Editora Patuá), em 2021; e a HQ "Meliponi & SuperApi” (NADA∴Studio Criativo), em 2023.

 

Tatiana nasceu e cresceu em São Paulo, capital, e as viagens sempre fizeram parte de sua formação. Morou fora do Brasil, vivendo sobre uma bicicleta. Morou em Florianópolis e agora reside em Botucatu.

Já Tatiana é jornalista, escritora e ativista pelos direitos das pessoas com deficiência — sua filha tem Síndrome de Down — e pelos direitos das mulheres. Em sua trajetória profissional, percorreu as maiores redações do país como repórter cobrindo pautas de educação e sociobiodiversidade. Produziu e escreveu um livro-reportagem sobre o modo de vida tradicional da população caiçara e os desafios da disputa pela terra.

 

Segundo as autoras, o processo criativo da HQ gerou um impacto emocional em ambas ao ter que refletir diretamente sobre suas vidas pessoais, relações e as formas de verem o mundo e se posicionarem.  “Fomos descobrindo um monte de artimanhas do patriarcado e um pacto social que determina que resta às mulheres a tarefa de cuidar dos outros e não de priorizar e maximizar seus próprios interesses e ganhos”, aponta Tatiana. “Aos homens é permitido defender seu interesse próprio enquanto as mulheres sustentam o frágil amor que deve ser conservado. Sendo excluídas.”

 

“Experimentamos juntas o desabrochar de muitas reflexões que produziram lágrimas, risadas, encontros e desencontros. Uma experiência verdadeira de união e criação entre mulheres, driblando o script de rivalidade, competição e separação determinadas pelo patriarcado”, reflete Bárbara Ipê. “A HQ recomenda: mulheres unam-se, criem juntas, abracem as diferenças. Temos muita potência”.

Yara Fers é finalista do Prêmio Kindle de Literatura com "Destinas", um mergulho na sororidade e autodeterminação feminina

Yara Fers (@yara.fers), escritora e editora, residente em Arembepe, no município de Camaçari (BA), apresenta seu mais recente livro, "Destinas". A obra, que garantiu a Yara a posição de finalista no 9° Prêmio Kindle de Literatura, entrelaça prosa e poesia para abordar temas profundamente relevantes, como a exaustão feminina na sociedade patriarcal, sororidade, violência doméstica, e maternidade compulsória. O livro é uma road novel em prosa poética, com elementos de realismo mágico e referências a Obaluaê, que questiona os destinos traçados para os corpos femininos, como a violência doméstica, a maternidade compulsória e os padrões de beleza e sociais. A cerimônia de premiação, com o anúncio dos vencedores, está prevista para dia 17 de fevereiro.

Na história, Heloísa é uma operária de 48 anos, vive um casamento infeliz e uma rotina exaustiva. Num instante limite, desliga a máquina, sai da fábrica e parte em uma viagem não planejada. A amizade com Milena e Sueli se mostra muito além de um encontro nas estradas, mas um entrelaçamento de mulheres e suas histórias, suas dores e renascimentos. 

Promovido pela Amazon Brasil, em parceria com o Grupo Editorial Record e a Audible, o Prêmio Kindle de Literatura tem o objetivo reconhecer autores e autoras independentes do Brasil cujas obras são publicadas no Kindle Direct Publishing (KDP), a ferramenta gratuita de autopublicação da Amazon.

Em sua 9ª edição, o vencedor receberá um prêmio de R$ 50 mil – sendo R$ 40 mil em dinheiro e R$10 mil em adiantamento de royalties –, terá seu livro impresso por um dos selos do Grupo Editorial Record, que será enviado aos assinantes da TAG Experiências Literárias, na modalidade curadoria. Além disso, a Audible premiará todos os cinco finalistas com a produção e publicação de seus audiolivros.

As obras inscritas serão analisadas por um grupo de especialistas editoriais selecionados pela Amazon, pelo Grupo Editorial Record e pela TAG Experiências Literárias. Integram o júri os autores João Silvério Trevisan, Cidinha da Silva e Andréa Del Fuego.

"Destinas": uma viagem poética e sensorial
Os principais temas de "Destinas" são a exaustão feminina na sociedade patriarcal, amizade entre mulheres, sororidade, cura, violência doméstica, maternidade compulsória, e os padrões de beleza impostos às mulheres. Yara escolheu esses temas para enfatizar a importância das mulheres tomarem as rédeas de seus próprios destinos, e como a coletividade, a amizade e a sororidade são cruciais nesse processo de fortalecimento. "É necessário falar sobre a cura envolvida nessa autodeterminação, sobre as cicatrizes que carregamos de todas as violências", afirma a autora.

O livro foi escrito ao longo de seis meses, com mais um ano dedicado à edição, refletindo o compromisso da escritora com a lapidação da linguagem. A narrativa, que mistura prosa poética e elementos visuais, busca criar uma experiência sensorial, envolvendo o leitor na estrada e na velocidade da viagem das personagens.


Processo criativo e estrutura narrativa
Yara, que sempre investigou a palavra poética, encontrou na prosa poética uma forma de unir narrativa e poesia. Em "Destinas", ela explora elementos de poesia visual e ritmo para criar a sensação de velocidade e estrada. O uso de verbos no presente e o fluxo de consciência misturam-se com a estrada, criando um percurso difuso que espelha as viagens da mente. Os capítulos são marcados por quilometragem e linhas tracejadas, transportando o leitor para dentro do carro ao lado das personagens.

Influenciada por autores como Aline Bei, Conceição Evaristo, Valter Hugo Mãe, e Manoel de Barros, ela adota um estilo híbrido que mescla prosa e poesia. Sua escrita é marcada pela exploração de sensações e imagens, buscando conectar o leitor emocionalmente com a narrativa.

Sobre a autora
Nascida Yara Fernandes Souza, em Ribeirão Preto (SP), Yara Fers vive na Bahia há 10 anos. Com formação em Comunicação Social e especialização em Teoria da Literatura e Produção Textual, atua como mentora, professora e editora. Yara é a fundadora da Editora Arpillera, de livros artesanais, e editora do portal Fazia Poesia e da Revista Aorta. Publicou 12 livros, entre poesia, romance e infantis, e é participante ativa de coletivos literários como Escreviventes, Poexistência e Papel Mulher.

Além de ser finalista do 9° Prêmio Kindle de Literatura, Yara já foi premiada em diversos concursos, incluindo o Concurso Tâmaras 2023 e o Prêmio Book Brasil 2022, destacando-se como uma voz poderosa na literatura contemporânea.


Confira um trecho de “Destinas”:


“e enquanto na estrada tantas vacas mastigam o pasto, heloísa relembra sua própria carne queimada de vaca no abatedouro da vida, a ração fracionada de cada dia, o rasgo no uniforme que precisava de remendo, a gota de óleo no tecido branco, apenas algumas nuances que a diferenciam ou não de tantas outras vacas no pasto, na linha de produção, o peito brilhante sob o sol, a expectativa inútil do nascimento dos bezerros, mais filhotes para o rebanho infinito de almas, as vacas todas amamentando, ou sendo ordenhadas, ou ficando bonitas, servindo servindo servindo servindo servindo, enquanto as cercas de arame farpado limitam seus movimentos, enquanto outros corpos bovinos estéreis são abatidos para também servir, e os olhos oleosos de heloísa, uma vaca cansada parada na paisagem, pastando, enquanto a vida passa por ela em alta velocidade em carros bonitos”


Trechos do livro “As sementes que o fogo germina”, de Sumaya Lima*


Imitação do amor (pág. 13)

Agora estou partindo, e na verdade sinto como se retornasse ao meu lugar após um longo combate em terra estranha. Saio a coxear, claro, já sem os mesmos contornos, as capacidades diminuídas, e Gregório virá também com suas marcas. Nesta altura da vida, já vamos muito alterados. Mas, para simular o amor, há sempre muitos meios. Sair em viagem na companhia de alguém, por exemplo. Este simples estar passageiro de nós dois aqui é uma imitação bem plausível do amor.


Polaroide (pág. 14)

Naquele mesmo domingo de agosto, quando o sol se pôs e o último convidado se despediu, a nonagenária foi habilmente amarrada à sua cadeira de rodas e presa, com fita de carga, ao escapamento de uma van Mercedes Sprinter 13 lugares. O veículo, dando voltas pelo centro histórico da cidade de Iguape durante a festa do Senhor Bom Jesus, segunda maior confraternização religiosa do estado de São Paulo, rumou para a ponte que liga o município, no continente, à vizinha Ilha Comprida. Perto do quilômetro três, a van parou e nove mulheres desembarcaram, desprenderam a cadeira do carro e lançaram o corpo esfacelado de Lurdes Medeiros de encontro às águas do Mar Pequeno. Há fotos.


Subterrâneos (pág. 20)

Por quanto tempo uma pessoa é capaz de andar na vida com verdades enterradas dentro de si? Como respira quando ocupam todo o espaço entre as costelas, quando entopem suas veias, sufocam a garganta? Meu pai tinha segredos enovelados nos órgãos internos como teias tumorais. Estrangulado, sem vazão, privado de si, era um corpo tomado por uma batalha entre a razão de ser e a impossibilidade de ser.


O olho do dia (págs. 77 e 78)

Nos instantes que ainda me sobram, recordo a fragrância que me penetrou neste início de tarde quando, discreto, pude ver Deise a se divertir no banho. As gotículas de água estrepitando sobre a pele nua em meio à bruma abafadiça do boxe. Os modos parvos de distribuir a espuma no corpo. A indiferença nos gestos, a lassidão e, contudo, o esplendor da vitalidade: tudo nela revelava a mesma energia oculta em meus velhos odores, da seiva em mim que não se extingue. Neblinado, não pude nada além de me largar mais um par de minutos ali, à espreita, admirando o ritual de afetos que somente a imersão na meninice é capaz de exultar. 

Sumaya Lima (@sslima) nasceu e vive na cidade de São Paulo desde 1978. Formada em Letras pela USP, atua há mais de 25 anos como editora freelancer, preparadora de originais e revisora de textos. Devota da poesia, somente em 2020 lançou-se à escrita de prosa de ficção, dando início aos textos que depois seriam publicados em As sementes que o fogo germina, seu livro de estreia.  

Livro vencedor do prêmio Tato Literário do piauiense Andrey Jandson contrapõe masculinidade tóxica e leva personagens a revelar sentimentos e emoções

Divulgação

Obra vencedora na categoria contos é a estreia de Andrey Jandson na literatura; livro se destaca pela sensibilidade potente ao abordar rupturas e transformações emocionais


“Penso comigo que o martírio aconteceu num lugar sagrado, um lugar onde ainda havia um jovem que acreditava em anjo da guarda. Mas quando Ele viu aquele Homem Cachorro nos olhos, soube que o sagrado estava tão mais perto do ato de sentir do que o de projetar um paraíso. Ele não sabia de tudo que estava escrito, mas sentiu tudo como uma agulha a lhe atravessar o espírito - se algum dia eu me ajoelhei e pedi perdão, não foi por amor”

Trecho do livro


O diretor e escritor piauiense Andrey Jandson lança seu primeiro livro “Beija-Flor de Concreto” ( 180 págs.) , vencedor da categoria conto Tato Literário - 1º Prêmio com.tato de Literatura Independente, promovido pela com.tato. A obra aborda temas contemporâneos como masculinidade tóxica e violências do cotidiano por meio de histórias que permeiam o fantástico e realismo mágico. Cada conto acompanha a jornada de mudanças internas e transformações emocionais experimentadas pelos personagens ao longo das histórias. 


O livro é dividido em três partes: Beija-flores, Tetralogia das Aves e Rios Inundados, contado ao todo com 14 contos.  Os enredos diferem entre si, no entanto, as personagens e elementos descritos parecem habitar um mesmo universo. Os cenários remetem ao interior,  lugares em que o tempo corre lento e a vida cotidiana é contemplada com mais profundidade.


Para o escritor Wesley Barbosa, um dos jurados do prêmio, o talento e estilo de Andrey puderam ser percebidos nas primeiras linhas de “Beija-flor de concreto”. “Vários contos são cinematográficos”, elogia. O autor ainda comenta sobre os elos que o premiado faz ao longo da obra, como no primeiro conto que converge com o último. “As próprias repetições do livro me parecem resultado de uma unidade, e alcançar isso em um livro de contos não é fácil”, pontua Wesley. 


O autor explora as camadas emocionais em cada personagem, em especial nos homens, contrapondo, inclusive, um dos traços da masculinidade tóxica, que é, justamente, reprimir e negar as emoções.  A jornada dos protagonistas oferece ao leitor perspectivas sensíveis e ternas da condição humana e evidencia que para cada ruptura e momentos brutalmente dolorosos há a possibilidade de redenção. 


Esses arcos narrativos mostram que Andrey buscou sobretudo falar de mudanças. “No fim, acho que é um livro sobre sobreviver às transformações: sejam as que vem com a migração de um espaço a outro, àquelas que nos são impostas de acordo com o nosso gênero social ou àquelas porradas que a vida simplesmente te dá, te obrigando a crescer.”


O êxtase da escrita 

Andrey Jandson nasceu em Picos, interior do Piauí, mudou-se ainda criança para Altamira e depois, aos 19 anos, escolheu viver em Belém, ambas cidades localizadas no Pará. Desde pequeno mostrou vocação para as artes, criando e desenhando as próprias histórias, músicas e poesias. O talento com as palavras lhe rendeu uma bicicleta e um notebook ganhos em concursos de redação quando ainda era estudante. A trajetória seguiu com a formação em teatro pela Universidade Federal do Pará (UFPA) em 2023. 


A vivência acadêmica na capital paraense lhe proporcionou transitar por linguagens artísticas diferentes. Atualmente se define como diretor e roteirista, com seu filme mais recente “Inquilino”, além de pesquisador do campo da escrita. Na área, investiga uma metodologia denominada “Poética dos Cristais”, baseada nas fragmentações da vivência do escritor.  A pesquisa faz parte do seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Artes da UFPA.


 O livro “Beija-flor de Concreto” nasce de uma experimentação na escrita de contos. Andrey relata que se encontrou no gênero e passou a se dedicar a este tipo de literatura. A obra demorou oito meses para ficar pronta. “Lembro que era sempre um êxtase terminar um conto e começar o outro, o inesperado que ele podia ser”, revela. 


O jovem piauiense, de 26 anos, celebra o lançamento da obra e a decisão de levar a vocação a sério. “O meu processo de transformação durante a escrita estava a mil, foi um livro que me deu muita alegria”, declara. 


Sobre o Tato Literário - 1º Prêmio com.tato de Literatura Independente


Realizado em 2023,  o Tato Literário - 1º Prêmio com.tato de Literatura Independente, promovido pela com.tato, teve como objetivo viabilizar a publicação e distribuição de obras inéditas de autores e autoras independentes. Na categoria Conto, o livro selecionado foi "Beija-flor de concreto", do autor piauiense Andrey Jandson da Silva (@andreyjandson). Já na categoria Poesia, "a duração entre um fósforo e outro", da cearense Zulmira Correia (@zulmiracorreia__) foi a obra vencedora. Ambos estão sendo publicados pelo selo Tato Literário, que estreia no mercado editorial com a publicação dos vencedores do concurso.


A com.tato é uma agência online que tem como objetivo fortalecer a imagem de autores, autoras e editoras independentes por meio de uma comunicação humanizada e autêntica. Criada pela jornalista Karoline Lopes, a empresa passou a focar somente no mercado literário em 2022. Conta também com os sócios e jornalistas Marcela Güther e Vincent Sesering. Acesse: www.comtato.co ou siga no Instagram (@comtatocomunicacao).

Confira um trecho do livro (pág. 66) :


“Ele percebeu que estava mastigando poeira. Talvez a morte nos leve para um paraíso parecido com o da infância. Talvez um dia todos nos encontremos num lugar que seremos como éramos quando crianças. Uma saudade esmagadora cochichou no seu ouvido. Seu corpo foi tomado por um impulso de correr. Como se alçasse voo, deixou o fogo ligado, a porta de casa aberta, cruzou as ruas de concreto até ultrapassá-las e ficar cercado do verde. Ia em direção à casa da roça a pé, como sempre fez. Bebia a água que flutuava no ar, vindo em sua direção e molhando-o inteiro. Ventava, por todo lugar, tanto que ele pensou que a cidade seria arrastada e restaria só um homem com a natureza. Passava pelas rochas onde o neto em infância se escondia pra lhe dar sustos, anos atrás quando voltavam da roça de tardezinha. A casinha da roça parecia diferente, apesar de ser a mesma de sempre. Ele lembrou de quando era criança ali, naquele mesmo terreno. Um sorriso brotou de seus lábios numa alegria que o tonteou. Entrou em casa e sentiu novamente o gosto da poeira, porque era o que havia contaminado tudo. Cruzou a sala num lento amargor, quando um borrão azul contaminou sua visão. Armou a rede e deitou-se. A febre que viria no sono lhe traria um golpe de eternidade. Ao longe um gargalhar demoníaco ecoava na mata.”


Adquira “Beija-flor de Concreto” pelo site da com.tato:

https://comtato.co/loja-online/

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