Responsive Ad Slot

FOTOGRAFIA: Como aproveitar a iluminação natural ao tirar fotos



Capturar fotografias incríveis envolve encontrar o equilíbrio perfeito entre luz e sombra. Embora a iluminação artificial possa ser ajustada para criar a foto ideal, é a luz natural que possui um charme único capaz de fazer uma imagem realmente se destacar.

Na fotografia, a iluminação é crucial e pode definir o sucesso da foto. Dominar a luz natural é uma habilidade que pode elevar o nível das suas fotografias, seja você um fotógrafo experiente ou iniciante.

Vamos explorar como tirar o máximo proveito da iluminação natural ao fotografar. Não importa se suas fotos são de paisagens, retratos ou qualquer outro tema, continue lendo para descobrir como conseguir imagens deslumbrantes usando apenas a luz natural.

Entenda a Direção da Luz


Uma das considerações mais importantes ao utilizar luz natural é a direção da fonte de luz, pois isso afeta significativamente o resultado da foto, especialmente em termos de sombras e realces. A iluminação frontal pode ser bastante uniforme e é excelente para retratos e fotografia de produtos, mas pode deixar as imagens sem profundidade. A iluminação de fundo, por outro lado, confere um efeito dramático, criando silhuetas e halos ao redor do sujeito, ideal para paisagens e pores do sol.

A iluminação lateral é muitas vezes considerada a mais interessante e dinâmica. Ela cria sombras e realces que adicionam textura e dimensão às fotos, sendo perfeita para detalhes arquitetônicos, natureza morta e até retratos. É essencial observar a direção da luz e experimentar diferentes ângulos para encontrar a melhor forma de capturar o sujeito. Movimente-se e observe como a luz altera a cena. Com prática, você pode usar a direção da luz natural a seu favor para criar fotos impressionantes.

Escolha o Momento Certo do Dia



O timing é crucial para capturar ótimas fotos com luz natural. A posição do sol no céu afeta a qualidade e o caráter da luz, e compreender isso pode transformar suas fotografias. Os melhores momentos para fotos ao ar livre são as chamadas horas douradas, que ocorrem logo após o nascer e antes do pôr do sol. Nessas horas, a luz é mais suave e difusa, com um tom dourado que adiciona uma qualidade única às imagens.

No meio do dia, a luz é mais forte e cria sombras marcadas, o que pode ser desfavorável. Se você não puder fotografar durante as horas douradas, busque áreas sombreadas, use difusores ou refletores para suavizar a luz, ou fotografe de costas para o sol para minimizar sombras intensas.

Saber qual o melhor momento do dia para aproveitar a luz natural é vital para produzir fotografias deslumbrantes. Com um pouco de planejamento e experimentação, você pode capturar a beleza do mundo natural e a magia das horas douradas, criando imagens que se destacam.

Explorando Fontes de Luz Interessantes na Fotografia


A iluminação é um dos aspectos mais fundamentais na fotografia, e aproveitar a luz natural vai além de simplesmente saber a hora certa do dia para fotografar. É essencial também buscar fontes de luz inusitadas para aprimorar suas imagens. Embora o sol seja a opção mais evidente, ele não é a única fonte de luz disponível.

Passe a observar ao seu redor e descubra alternativas únicas como reflexos na água, o brilho das luzes da cidade à noite ou a iluminação suave de velas e fogueiras. Essas variantes podem conferir efeitos marcantes e diferenciados às suas fotografias.

Manipulação e Filtragem da Luz Natural


Você pode, inclusive, utilizar elementos naturais para filtrar e direcionar a luz de maneira criativa. A sombra projetada por uma árvore ou uma folhagem pode criar um efeito de luz salpicada, enquanto um prédio pode proporcionar áreas de sombra e realce interessantes. Posicionar seu objeto de forma que seja parcialmente sombreado permite criar composições com maior profundidade e interesse visual.

Abusar dessas diferentes fontes de luz e filtros naturais não só vai adicionar camadas de complexidade às suas fotos, mas também transformar uma imagem ordinária em algo extraordinário. Na próxima vez que estiver fotografando, aventure-se além das fontes de luz óbvias e procure aquelas joias escondidas que podem elevar suas fotos a um novo patamar.

A Utilização de Refletores


Quando a iluminação natural precisa de um reforço, os refletores são aliados valiosos. Essas superfícies reflexivas, geralmente feitas de materiais leves como espuma ou tecido, ajudam a redistribuir a luz de forma vantajosa. Posicione um refletor estrategicamente para intensificar a luz natural, trazendo mais profundidade, textura e realce de cores às suas fotos.

Os refletores são versáteis e vêm em várias cores e materiais, cada um com efeitos próprios. Refletores brancos criam uma luz suave e natural, enquanto os dourados oferecem um tom mais quente e os prateados produzem uma iluminação mais fria e brilhante. Se a intenção é absorver a luz e formar sombras definidas, um refletor preto é uma excelente escolha.

Para utilizá-los, simplesmente posicione o refletor de forma que ele redirecione a luz para o seu objeto. Por exemplo, se o sol estiver iluminando um lado do sujeito, um refletor pode equilibrar a iluminação do outro lado. Fotografe retratos com refletores abaixo do queixo para preencher sombras e obter um visual mais lisonjeiro.

Evitando a Luz Solar Direta


Enquanto a luz do sol é uma excelente fonte de iluminação, é fundamental ser cauteloso com a luz solar direta, especialmente ao meio-dia, quando ela é mais intensa. A luz direta pode causar sombras duras e cores desbotadas, resultando em fotografias planas e sem vida.

Privilegie áreas com luz difusa, como sob a sombra de árvores ou estruturas arquitetônicas. Caso seja necessário fotografar sob luz solar direta, o uso de um difusor pode fazer maravilhas. Esse equipamento amacia e espalha a luz, proporcionando uma iluminação mais equilibrada.

Outra técnica eficaz é o flash de preenchimento, que suaviza sombras duras ao adicionar uma fonte secundária de luz. Essas abordagens permitem que você manipule a luz direta de maneira mais criativa e controlada.

A luz natural é uma ferramenta poderosa na fotografia, mas saber como manipulá-la e buscar fontes de luz alternativas pode transformar completamente suas imagens. Evite a luz solar direta em momentos desfavoráveis e descubra novos métodos e ferramentas para aprimorar suas fotos com iluminação natural. Com essas dicas, suas fotografias certamente ganharão um novo nível de profundidade e impacto visual.

Explore a Magia da Exposição


Capturar fotografias deslumbrantes envolve um elemento crucial: a exposição. Esse termo refere-se à quantidade de luz que entra na câmera, determinando se a imagem será clara ou escura. Uma exposição correta resulta em fotos nítidas e vívidas, enquanto a exposição inadequada pode deixar a imagem opaca. Experimente com a exposição ao fotografar em luz natural para alcançar os melhores resultados.

Ajuste a Exposição Manualmente

Você pode ajustar a exposição de duas maneiras: manualmente ou usando a exposição automática. O modo manual oferece controle total, enquanto o automático economiza tempo e esforço. No entanto, depender inteiramente da exposição automática pode resultar em superexposição ou subexposição, especialmente em condições desafiadoras de iluminação.

Compensação de Exposição e Técnica de Bracketing

Situações de luz muito brilhante ou fraca são comuns ao ar livre. Nestes casos, use a compensação de exposição para ajustar o nível sem alterar outras configurações, equilibrando a exposição entre o assunto e o fundo. Outra técnica eficaz é o bracketing, que envolve tirar várias fotos com diferentes níveis de exposição. Isso garante pelo menos uma foto com exposição correta, e você pode até combinar imagens para criar uma foto de alta faixa dinâmica (HDR).

A Profundidade da Temperatura da Cor

A temperatura da cor da luz, medida em Kelvins (K), é outra variável crítica. Diferentes momentos do dia e condições climáticas afetam essa temperatura, influenciando o resultado das suas fotos. Por exemplo, nas manhãs e fins de tarde, a luz tende a ser mais quente e dourada (2000K-3000K), enquanto ao meio-dia, a luz é mais fria e azulada (5000K-6000K). Dias nublados oferecem uma luz difusa e neutra (6500K).

Balanço de Branco e Pós-Processamento

Embora as câmeras modernas tenham configurações automáticas, ajustar o balanço de branco manualmente pode resultar em cores mais precisas. Fotografar em formato RAW oferece flexibilidade no pós-processamento, permitindo ajustar a temperatura da cor conforme desejado. Você pode aquecer uma foto para criar uma sensação nostálgica ou esfriá-la para um visual moderno e sofisticado.

A Prática é Essencial

Dominar a fotografia exige muita prática. Mesmo com um bom entendimento de iluminação e exposição, a prática constante é necessária para aplicar eficazmente esses conhecimentos. Tire fotos em diferentes horas do dia e condições climáticas para entender como a luz muda e afeta as suas fotos. Experimente diferentes ângulos e posições para ver seu impacto na iluminação.

Feedback Construtivo

Buscar feedback de outros fotógrafos, amigos ou familiares ajuda a melhorar suas habilidades. Compartilhe suas fotos, peça críticas construtivas e use essas informações para evoluir. Lembre-se, a fotografia é uma arte em constante evolução, sempre com espaço para melhorias.

A Proeza da Luz Natural


A luz natural é uma poderosa ferramenta para fotografias deslumbrantes. Entender como aproveitá-la maximiza a vibração, dinamismo e envolvimento das suas imagens. Preste atenção à direção, intensidade e temperatura da cor da luz, ajustando as configurações da câmera e composição conforme necessário.

Independente do tipo de fotografia que você pratica, a luz natural pode adicionar profundidade e dimensão às suas imagens. Experimente ângulos e momentos diferentes do dia para encontrar a melhor luz. Com essas dicas, eleve suas habilidades fotográficas e crie imagens de tirar o fôlego. Então, comece a explorar o poder da iluminação natural e veja suas fotos alcançarem um novo patamar!

Resenha: Dr. do meu coração, de Kelly Nakamura


APRESENTAÇÃO

Isadora, uma jovem e talentosa lutadora de taekwondo, sofre uma lesão no tornozelo durante uma competição e acaba conhecendo o charmoso médico Dr. Gabriel. A conexão entre eles é imediata, intensificada pelo fato de Isadora também ser estudante de medicina.

Entre consultas e conversas, nasce um romance cheio de desafios. A rotina puxada dos estudos, as demandas da carreira médica e os preconceitos externos ameaçam separá-los. Mas será que o amor verdadeiro de Isadora e Gabriel conseguirá vencer todas as barreiras?

Embarque nessa história emocionante de paixão e determinação, onde o amor é o melhor remédio.

"Dr. do meu coração" é mais do que um simples romance; é uma reflexão sobre as dificuldades e os sacrifícios que envolvem o amor e a carreira. Kelly Nakamura, com sua escrita cativante e sensível, nos guia através das experiências de Isadora e Gabriel, mostrando que o amor verdadeiro pode superar qualquer obstáculo. 

RESENHA

Arte digital


Isadora e Gabriel, ambos médicos, se reencontram quando Isadora vai devolver o anel de noivado a ele, um ano após o término. Gabriel percebe que o coração de Isadora já não palpita como antes em sua presença. Ela, alheia à angústia de Gabriel, deixa o consultório após a devolução. Gabriel, ainda perplexo, é interrompido por sua secretária, Clarice, que avisa sobre a chegada de uma paciente.

Isadora, ao perceber que esqueceu a chave do carro, volta para buscá-la. Clarice a auxilia enquanto Gabriel atende outra paciente. Isadora sente nostalgia ao ver o consultório que ajudou a decorar para Gabriel. Ela se despede de Clarice, enquanto reflexões sobre o passado e sobre sua irmã Clara, uma jovem radiante e gimnasta talentosa, permeiam sua mente.

Gabriel, imerso em melancolia, retorna ao consultório vazio, onde cada detalhe lembra Isadora. O anel de noivado simboliza o amor e as emoções não expressadas entre eles. Ele contempla um futuro sem Isadora, sentindo a dor do vazio. Paralelamente, Isadora, antes atleta, enfrenta uma partida de taekwondo onde se lesiona gravemente. Esse evento marca a transição dela para focar na medicina.

Esses encontros revelam sentimentos profundos entre os personagens, ainda presos ao passado, mas buscando formas de seguir em frente. No consultório, uma mãe ansiosa e sua filha mais nova, Clara, entram buscando respostas sobre Isadora, a filha mais velha e estudante dedicada de medicina, que não pode se afastar das aulas por nenhuma lesão. A mãe expõe sua preocupação ao Dr. Gabriel, destacando a paixão de Isadora pela profissão e implorando por sua ajuda para garantir a recuperação da filha. Dr. Gabriel, tocado e inspirado pela determinação e resiliência de Isadora, se compromete a cuidar dela com dedicação.

Isadora não consegue tirar o Dr. Gabriel da cabeça por causa do tratamento atencioso e empático que ele lhe ofereceu, criando uma forte conexão pessoal e profissional. Gabriel também sente uma atração especial por ela, e suas consultas revelam um vínculo cada vez mais emocional. Em um dos encontros, Gabriel faz uma brincadeira sobre ser também o "doutor do coração" de Isadora, intensificando os sentimentos mútuos.

No entanto, Gabriel faltou à última consulta, deixando Isadora preocupada. Eles se reencontram em uma palestra na faculdade, onde percebem a necessidade de esclarecer seus sentimentos, mas decidem aproveitar o momento juntos. Gabriel explica que sua ausência foi devido à enfermidade do pai, o que fortalece o vínculo com Isadora. Juntos, reformam a clínica de Gabriel, selando o amor com um beijo e um compromisso.

Seis meses depois, Gabriel propõe casamento na clínica renovada. Porém, a vida cheia de compromissos de ambos resulta em afastamento. Isadora suspeita de uma traição ao ver Gabriel com outra mulher, causando dúvidas e tensão entre eles. Ela vence um campeonato de Taekwondo, mas permanece triste pela situação com Gabriel.

Gabriel descobre que Isadora interpretou mal uma visita de Raquel, uma antiga conhecida, mas se lamenta pela quebra de confiança. A situação se complica quando Isadora começa um estágio na clínica de Gabriel. Ela decide devolver o anel de noivado, mas Gabriel reconhece seu erro e a procura para reconquistá-la. No estacionamento da clínica, sob a chuva, ele pede perdão e promete não mais deixar que nada interfira no amor deles. Isadora aceita o anel de volta, e ambos renova seu compromisso, prontos para encarar o futuro juntos.

O enredo de "Isadora e Gabriel" é uma narrativa engajante e comovente, repleta de detalhes emocionais que exploram profundamente os sentimentos e dilemas dos personagens principais. A história começa com um reencontro frio e doloroso entre Isadora e Gabriel, delineando claramente o abismo emocional que se formou entre os dois desde o término do noivado. O retorno de Isadora ao consultório para devolver o anel, e a subsequente interação com a secretária Clarice, estabelece uma ambiência nostálgica que permeia toda a trama, ancorando o leitor no passado e no presente de ambos.

A profundidade das personagens é esmiuçada pouco a pouco, revelando a complexidade de suas emoções e ambições. A escolha de mostrar Isadora como uma ex-atleta que transita para medicina após uma lesão grave dá uma carga emocional ao seu personagem, demonstrando resiliência e determinação. O envolvimento de Clara, a adorável e talentosa irmã gimnasta, acrescenta uma camada de ternura à história e uma motivação extra para Isadora.

Gabriel, por outro lado, é representado como um homem profundamente afetado pelo término, claramente ainda apaixonado por Isadora, e que tenta canalizar sua dor no trabalho. Sua melancolia e o simbolismo do anel de noivado proporcionam uma reflexão sobre os amores não correspondidos e as oportunidades perdidas. O cenário no qual a mãe de Clara implora pela ajuda de Gabriel para cuidar de Isadora é tocante, dando uma dimensão altruísta ao personagem dela e reforçando a conexão entre Isadora e Gabriel. A maneira como o tratamento de Gabriel evolui de profissional para pessoal, com sentimentos mútuos florescendo de maneira orgânica e natural, é um dos pontos altos da narrativa.

A jornada dos dois é marcada por altos e baixos que mantêm o leitor investido até o fim. O momento em que Gabriel faltou à consulta e a subsequente explicação na palestra são habilmente manejados para intensificar o clímax emocional. A reconstrução da clínica como uma metáfora para a reconstrução do relacionamento é um toque elegante que encerra a história de uma maneira satisfatória. A trama se adensa novamente com a suspeita de traição, um elemento comum porém eficaz, que gera tensão e dúvidas entre os personagens. A conclusão sob a chuva, no estacionamento, é cinematográfica e dramática, evocando o poder purificador da reconciliação e o renascimento do compromisso amoroso.

Em suma, o enredo de "Isadora e Gabriel" é cativante, bem-estruturado e emocionalmente rico. Ele aborda temas de amor, perda, recuperação e reconciliação com uma sensibilidade que é ao mesmo tempo dolorosa e esperançosa. A história captura a complexidade das relações humanas, entregando um desenlace que é tanto emotivo quanto gratificante.

"Diário da Tristeza: Mahmud Darwich e a Tragédia Palestina no Cotidiano"

Foto: Arte digital


Escrito em 1973 por Mahmud Darwich, "Diário da Tristeza Comum" marca sua estreia na prosa, unindo ensaios autobiográficos que resgatam o passado do poeta, desde a infância até a vida no exílio, oferecendo uma profunda reflexão sobre sua condição de presença-ausência na sociedade israelense colonizadora. Ao relatar episódios de sua própria vida, Darwich nos convida a mergulhar na tragédia palestina, tanto do passado quanto do presente.

A obra se destaca por entrelaçar perdas e buscas, combinando eventos históricos, experiências pessoais e diálogos que, ao longo de nove ensaios, culminam em imagens poéticas que sensibilizam e envolvem o leitor.

A tristeza do exílio, comum a todo um povo, permeia várias páginas, mas essas são também pontuadas por humor e ironia mordaz. O relato titular do livro, em capítulos breves, ilumina o quotidiano infernal dos palestinos, submetidos a uma constante vigilância e violência.

O livro começa com o capítulo "A Lua Não Caiu no Poço", onde um Darwich adulto dialoga com seu "eu" infantil. Elementos como a árvore, a rocha e a lua, constantes em seus poemas, surgem nas memórias iniciais do desterro para o exílio.

Em seu retorno à terra natal, Darwich se vê fisicamente presente, mas espiritualmente ausente da pátria, suscitando a dolorosa reflexão: "O que é mais doloroso, ser refugiado em terra estrangeira ou no próprio país?"

Alguns dos textos foram escritos enquanto Darwich ainda estava em Israel, dedicando-se a explorar a psique do invasor. Em uma passagem, um soldado-poeta confessa nunca ter se sentido estrangeiro na Palestina até adentrar uma aldeia na Cisjordânia pós-guerra de 1967, onde uma menina lhe lançou um olhar que fez o chão tremer sob seus pés, revelando-lhe sua posição invasora.

Embora escritos há décadas, esses relatos ecoam com a mesma relevância para os leitores de hoje, abordando temas como ocupação, sionismo e nacionalismo árabe, que permanecem alarmantemente atuais.

O capítulo "Silêncio por Gaza", escrito durante o exílio de Darwich no Egito, é particularmente impressionante. Nele, destaca-se a indiferença global diante das violações israelenses na Faixa de Gaza nos anos 1970. O ensaio atesta a continuidade da Nakba, antecipando a resiliência e resistência que caracterizam a população de Gaza até hoje.

"Diário da Tristeza Comum" vai além de uma mera narrativa pessoal, expressando uma tristeza ordinária, fruto das privações cotidianas impostas pela ocupação aos palestinos.

Com esta edição, a Tabla conclui a publicação da trilogia da prosa de Darwich, reunindo "Diário da Tristeza Comum", "Memória para o Esquecimento" e "Da Presença da Ausência", consolidando assim sua contribuição literária e histórica.

Detalhes da Obra

- Título: Diário da Tristeza Comum
- Editora: Tabla
- Autor: Mahmud Darwich
- Tradução: Safa Jubran
- Posfácio: Milton Hatoum
- Projeto Gráfico: Marcelo Pereira – Tecnopop
- Número de páginas: 176
- Gênero: Não ficção

Editora Tabla: Unindo Culturas Literárias

A Editora Tabla se dedica a publicar autores do Oriente Médio e do Norte da África, promovendo uma ampla diversidade cultural, étnica, linguística e religiosa. Com o compromisso de combater estereótipos e preconceitos, a Tabla estabelece uma ligação direta no eixo sul-sul, permitindo que essas vozes sub-representadas alcancem o público brasileiro e construam novas pontes de entendimento e respeito mútuos.

Em suma, a obra de Mahmud Darwich, através da tradução sensível de Safa Jubran, prossegue sua jornada de conectar almas, reivindicar direitos e celebrar a vida em meio ao exílio e à resistência.

Resenha: Configurações histórico-culturais dos povos americanos, de Darcy Ribeiro

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

O dinamismo do pensamento de Darcy Ribeiro sempre foi objeto de intensas polêmicas. A cada artigo ou livro que brotava de suas pesquisas e reflexões, ânimos e mentes nunca permaneciam indiferentes. Os dois ensaios do antropólogo que compõem este Configurações histórico-culturais dos povos americanos aparecem aqui devidamente analisados por intelectuais brasileiros e estrangeiros de peso que, no início dos anos 1970, foram convidados a expor suas impressões acerca das ideias de Darcy sobre as disparidades que pautaram a formação dos povos no continente americano e acerca de etapas fundamentais que vincaram a evolução sociocultural da humanidade. O primeiro ensaio presente neste volume configura-se em uma síntese de viés ensaístico de seu livro As Américas e a civilização, que aborda a gênese e os agentes provocadores dos desacertos no desenvolvimento dos povos americanos. O segundo, por sua vez, corresponde ao ensaio que encerra O processo civilizatório, livro de Darcy publicado pela primeira vez em 1968. Nessa curta reflexão, o antropólogo remonta aos primórdios da humanidade, momento visto como basilar para a justa compreensão de sua evolução sociocultural.

RESENHA

Foto: Arte digital

A Antropologia tem uma contribuição menor do que o desejável para o entendimento da formação das sociedades modernas e os seus desafios de desenvolvimento, refletindo uma tendência dos cientistas sociais de se focarem em problemas menores pouco relevantes socialmente. Contudo, alguns estudiosos tentaram contrariar essa tendência, tratando de questões amplas e socialmente pertinentes, o que oferece uma perspectiva antropológica crucial para compreender a evolução e a diferenciação das sociedades modernas e os fatores que influenciaram sua integração na tecnologia da civilização industrial.

O autor se propôs a entender a formação étnica das Américas, especificamente o Brasil, necessitando uma revisão dos conceitos usados pela Antropologia e a formulação de um novo esquema evolutivo para essas sociedades. O foco principal foi a formação de novas entidades étnicas através da interação de distintas sociedades e culturas no âmbito dos processos civilizatórios, definidos por grandes inovações tecnológicas e a disseminação de seus efeitos. Tais processos geraram diferentes configurações étnico-culturais, com sociedades atuando como agentes ou pacientes dessa expansão, resultando em macroetnias ou em etnias culturalmente subjugadas.

Desde o século XVI, revoluções tecnológicas como a Revolução Mercantil e a Revolução Industrial impulsionaram quatro processos civilizatórios que moldaram o mundo. Isso originou diferentes formações sociais e econômicas, como Impérios Mercantis, Imperialistas Industriais, entre outros, e a interação entre essas formações e as sociedades dominadas foi essencial para entender as configurações histórico-culturais emergentes.

Essas dinâmicas civilizatórias não apenas dizimaram populações e culturas subjugadas, mas também fomentaram a criação de novas culturas a partir da fusão de elementos dominadores e dominados. Esse processo foi caracterizado pela deculturação, onde elementos culturais originais foram substituídos por novos, adaptados às necessidades impostas pelas sociedades dominadoras. No longo prazo, essas protoetnias almejaram independência e buscaram afirmar suas identidades nacionais, culminando no surgimento de etnias nacionais.

As sociedades modernas variam em seu grau de modernização tecnológica e nas formas como foram etnicamente remodeladas. Comparar estudos de diferentes civilizações ajuda a construir uma teoria explicativa dos processos de formações étnicas e culturais. As situações coloniais ilustram como a aculturação e a deculturação operaram nessas sociedades dominadas, ressaltando a importância de entender como novos corpos culturais se formaram, muitas vezes vistos como culturas espúrias em contraste com as autênticas.

Por fim, os povos modernos emergentes de civilizações antigas subjugadas pelo colonialismo europeu ou de culturas criadas em feitorias tropicais, enfrentaram uma alienação cultural significativa. Este processo envolveu a erradicação de suas culturas originais e a imposição de concepções degradantes de si mesmos, impostas pelas sociedades dominadoras. No entanto, essas sociedades contemporâneas estão começando a se libertar dessas amarras, reconquistando sua identidade cultural genuína.

O autor ainda discorre sobre as forças transformadoras globais provocadas pela expansão europeia, enfatizando duas revoluções tecnológicas fundamentais: a Revolução Mercantil, que criou as primeiras civilizações com bases mundiais, e a Revolução Industrial, ainda atuante na uniformização socioeconômica e cultural. Essas revoluções remodelaram a flora, a fauna e a etnicidade global, massacrando culturas originárias, fundindo povos e padronizando técnicas produtivas e sistemas sociais e políticos.

O autor propõe explorar as uniformidades histórico-culturais decorrentes desse processo, agrupando os povos extraeuropeus em quatro categorias: Povos-Testemunho, Povos-Novos, Povos-Transplantados e Povos-Emergentes. Os Povos-Testemunho são remanescentes de antigas civilizações espoliadas pela expansão europeia. Os Povos-Novos, como os americanos, surgiram da fusão de indígenas, negros e europeus. Povos-Transplantados referem-se a populações europeias implantadas em territórios ultramarinos mantendo suas características originais. Finalmente, os Povos-Emergentes são nações africanas e asiáticas que evoluíram a partir de estruturas tribais ou coloniais.

Essas categorias foram criadas para explicar como esses povos, apesar de culturalmente distintos, mantiveram algumas singularidades, formando assim configurações socioeconômicas homogêneas. O autor se aprofunda na forma como os Povos-Testemunho integraram as tradições europeias e as suas próprias, enfrentando desafios na adaptação à modernidade imposta pelo colonialismo. O Japão e a China foram exemplos de sucesso parcial, enquanto outros países ainda lutam contra as deformações e marginalização provocadas pela dominação histórica. O documento conclui destacando que, além dos desafios de desenvolvimento socioeconômico, os Povos-Testemunho enfrentam a difícil tarefa de integrar suas populações marginais, preservando ao mesmo tempo suas identidades culturais e respeitando a autonomia das etnias diferenciadas. A verdadeira integração requer a aceitação de seu caráter multiétnico e a abolição das políticas de assimilação compulsória.

O autor retrata ainda as forças transformadoras das Revoluções Mercantil e Industrial, impulsionadas pelos povos ibéricos e, posteriormente, outros europeus. A Revolução Mercantil iniciou a criação de civilizações de base mundial, enquanto a Revolução Industrial promoveu a uniformização socioeconômica e cultural globais, levando a uma civilização comum. Estas revoluções civilizatórias reordenaram a natureza, estandardizando flora e fauna globalmente, e transfiguraram povos ao dizimarem etnias e fundirem raças, línguas e culturas. Este impacto homogeneizou as técnicas produtivas, os modos de ordenação social e política e o conhecimento, crenças e valores.

No plano mundial, as diferenças étnicas são menos relevantes diante das uniformidades causadas pela expansão europeia. Estas uniformidades podem ser socieconômicas, relacionadas ao grau de integração na civilização industrial moderna, ou histórico-culturais, surgidas de distintos processos de formação étnica. Assim, é possível classificar os povos extraeuropeus em quatro configurações histórico-culturais: Povos-Testemunho, Povos-Novos, Povos-Transplantados e Povos-Emergentes. Cada grupo possui características específicas de formação étnica, mas não podem ser considerados entidades socioculturais independentes. As unidades operativas são as sociedades e culturas particulares, e os estados nacionais.

Os Povos-Testemunho são representantes de civilizações antigas espoliadas pela expansão europeia, enfrentando a tarefa de integrar suas tradições culturais com a influência europeia. Estes povos lidam com um conflito interno entre manter suas tradições e a modernização forçada. O Japão e a China são exemplos de sucesso nesta integração, enquanto outros Povos-Testemunho continuam a enfrentar divisões internas.

Nas Américas, os Povos-Testemunho sofreram um processo de europeização compulsória, resultando em uma configuração étnica misturada. Nações modernas como Índia, China, México e países andinos representam este grupo, lidando com heranças históricas de espoliação e desafios de desenvolvimento socioeconômico e cultural.

Povos-Novos, formados na América pelo encontro e fusão de europeus, indígenas e negros, apresentam uma etnia mestiça predominantemente. Povos-Transplantados, comunidades formadas por europeus em novas terras, mantiveram suas características culturais originais. A classificação de povos extraeuropeus baseia-se na formação histórica e nos desafios enfrentados por cada grupo, como a integração de tradições e desenvolvimento econômico-social. As nações da América do Sul, por exemplo, apresentam configurações híbridas, refletindo a complexa interação cultural e histórica. Em resumo, o conteúdo aborda a influência europeia na formação das configurações étnicas e culturais atuais, evidenciando a complexidade das interações civilizatórias iniciadas pelas revoluções mercantil e industrial.

O autor examina as grandes configurações histórico-culturais de povos extraeuropeus, classificando-os em quatro categorias e avaliando seu desenvolvimento. Observa uniformidades e discrepâncias, destacando como a estratificação social impactou o desenvolvimento. Os Povos-Transplantados como EUA e Canadá alcançaram maior progresso devido à sua formação flexível e igualitária, enquanto os Povos-Novos e Povos-Testemunho enfrentam maiores obstáculos devido a uma formação hierárquica, marginalização cultural e social, e desigualdade econômica enraizada.

A exploração colonial afetou profundamente essas regiões, criando estruturas sociais rígidas e desiguais que dificultam a industrialização. Esses povos foram usados para enriquecer elites locais e estrangeiras, sem incentivo para desenvolver suas próprias economias. A industrialização, quando presente, ocorre de forma distorcida, voltada para exportação e sem benefícios para a população em geral. Há uma crescente marginalização socioeconômica, criando uma grande massa de desfavorecidos com potencial para fomentar mudanças sociais futuras.

A resistência ao progresso se deve ao controle oligárquico e à exploração externa, resultando em uma forma deformada de industrialização que não promove renovação social. Portanto, para superar esses desafios e alcançar um desenvolvimento mais equitativo, seria necessário reestruturar profundamente as bases socioeconômicas e políticas dessas regiões.

O estudo da evolução sociocultural revela que as sociedades humanas se transformaram significativamente a partir da Revolução Agrícola, cerca de 10 mil anos atrás. Essa revolução, juntamente com o desenvolvimento pastoril, impulsionou a integração de novas tecnologias e modelou a vida social ao longo dos milênios. Em seguida, a Revolução Urbana trouxe mudanças tecnológicas e sociais adicionais, e muitas sociedades evoluíram para Estados Rurais Artesanais, dividindo-se em contingentes urbanos e rurais.

A Revolução do Regadio, ocorrida cerca de 7 mil anos atrás, deu origem às primeiras Civilizações Regionais, baseadas na irrigação, e foi seguida pela Revolução Metalúrgica, que deu lugar aos Impérios Mercantis Escravistas. Após a decadência dessas civilizações, a Revolução Pastoril no início da era cristã trouxe novas mudanças com chefias nômades motivadas por tecnologias e ideologias religiosas.

No século XV, a Revolução Mercantil, alavancada pelos avanços na navegação e armas de fogo, resultou na expansão global da Europa e no surgimento de Impérios Mercantis Salvacionistas. Esse período também viu a formação do Capitalismo Mercantil, que impulsionou um novo processo civilizatório a partir da Europa. A Revolução Industrial, três séculos depois, ativou a configuração das sociedades capitalistas avanzadas como uma nova formação sociocultural, o Imperialismo Industrial. Essas revoluções tecnológicas, culminando na Revolução Termonuclear, unificaram a humanidade sob um mesmo sistema produtivo e mercantil, configurando uma Civilização da Humanidade global. As oito revoluções tecnológicas identificadas (Agrícola, Urbana, do Regadio, Metalúrgica, Pastoril, Mercantil, Industrial e Termonuclear) moldaram a evolução sociocultural e continuam a influenciar a sociedade moderna.

O autor analisa a formação étnica das Américas, com especial atenção ao Brasil, revisando conceitos antropológicos e propondo um esquema evolutivo para essas sociedades. O foco é a formação de novas entidades étnicas resultantes da interação entre diferentes culturas e sociedades, impulsionada por grandes inovações tecnológicas. Esses processos civilizatórios, iniciados no século XVI com revoluções tecnológicas como a Revolução Mercantil e a Revolução Industrial, resultaram em configurações étnico-culturais variadas. Novas culturas e identidades nacionais emergiram de fusões entre elementos dominadores e dominados.

A classificação dos povos extraeuropeus em quatro categorias (Povos-Testemunho, Povos-Novos, Povos-Transplantados e Povos-Emergentes) ajuda a entender as uniformidades históricas e culturais resultantes da expansão europeia. Os Povos-Testemunho enfrentam desafios na integração cultural e modernização, com exemplos de sucesso e fracasso. Os Povos-Novos nas Américas demonstram a mestiçagem cultural, enquanto os Povos-Transplantados mantêm características europeias. Finalmente, os Povos-Emergentes trazem nações africanas e asiáticas em evolução. O impacto da colonização europeia moldou a flora, a fauna e a etnicidade globais, homogeneizando técnicas produtivas e sistemas sociais. Para superar os desafios de desenvolvimento e marginalização, essas sociedades precisam reestruturar profundamente suas bases socioeconômicas e políticas, até se libertarem das imposições coloniais e reafirmarem suas identidades culturais genuínas. Uma obra magistral.

Resenha: As Américas e a Civilização: Processo de formação e causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos, de Darcy Ribeiro

Foto: Arte digital

APRESENTAÇÃO

As Américas e a civilização constitui-se no segundo livro a compor a série “Estudos de Antropologia da Civilização” concebida por Darcy Ribeiro que é compostas por O processo civilizatório, As Américas e a Civilização, O dilema da América Latina, Os Brasileiros: 1 - Teoria do Brasil, e Os índios e a civilização.

As reflexões aqui presentes vieram à lume durante o período em que o intelectual esteve no exílio. Trata-se de uma análise profunda dos processos histórico-culturais vividos pelos povos gestados na América a partir de uma perspectiva inovadora , na qual buscou-se evitar abordagens tradicionais marcadas por visões eurocêntricas.

O desafio a que Darcy se colocou neste livro é dos mais espinhosos: tratar de forma conjunta das particularidades e percursos que marcaram as diferentes populações do vasto continente americano. Como extremo estudioso da História que foi, o antropólogo reúne num só livro os caminhos e descaminhos dos habitantes da América do Norte, Central e do Sul. E faz isso com a propriedade de quem não apenas estudou suas origens e experiências históricas, como também de quem percorreu boa parte das terras americanas.

RESENHA

Foto: Arte digital

A obra 'as Américas e a civilização', de Darcy Ribeiro analisa dois esquemas conceituais que abordam o desenvolvimento desigual das sociedades americanas: o acadêmico (sociologia e antropologia) e o marxismo dogmático. O esquema acadêmico entende o atraso como um descompasso entre estruturas tradicionais e modernas, destacando estudos de dualidade estrutural e modernidade versus tradicionalismo. Ao discutir sociedades subdesenvolvidas como híbridas, os estudos falham ao mistificar fatos e ignorar tecnologias avançadas usadas na colonização. No plano socioeconômico, estrutural e familiar, são examinadas classes sociais, sistemas produtivos e modelos familiares tradicionais versus modernos. O marxismo dogmático vê o atraso como etapas de um processo evolutivo unilinear, utilizando teses clássicas de Marx para identificar resíduos feudais e capitalistas na América Latina. Ambos os esquemas são criticados por suas limitações explicativas e manutenção do status quo. Propõe-se uma terceira abordagem, focada nos fatores dinâmicos das mudanças sociais e tecnológica, associativa e ideológica, utilizando uma metodologia dialética para entender as disparidades de desenvolvimento e as interações entre sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas.

A história dos últimos séculos é marcada pela expansão da Europa Ocidental, que impôs sua civilização a outros povos através de violência, cobiça e opressão. Nesse processo, o mundo foi reorganizado de acordo com os interesses europeus. As duas principais ondas de expansão foram protagonizadas pelos ibéricos (portugueses e espanhóis) e pelos russos, cada um em suas áreas. Os europeus ocidentais, impulsionados por duas revoluções tecnológicas, a Mercantil e a Industrial, lideraram essas mudanças. A Revolução Mercantil, com inovações como a navegação oceânica e as armas de fogo, permitiu a expansão marítima, enquanto a Revolução Industrial trouxe novas fontes de energia e produção em massa. A expansão ibérica foi influenciada pela tecnologia islâmica e pela luta contra os muçulmanos, culminando na conquista e colonização das Américas. Eles impuseram seu domínio cultural e econômico, contribuindo para a Revolução Mercantil antes de serem ultrapassados pela Revolução Industrial. As nações ibéricas, Portugal e Espanha, não conseguiram se modernizar plenamente e tornaram-se dependentes das novas potências capitalistas-industriais. A Europa central e nórdica, menos avançada inicialmente, amadureceu mercantilmente e, posteriormente, liderou a Revolução Industrial. Isso proporcionou dominação global e expansão cultural, levando à criação de uma civilização policêntrica pela competição entre as novas potências emergentes. Em suma, a dominação europeia reconfigurou o mundo, sendo vital tanto na contribuição tecnológica quanto na imposição cultural e econômica. Esta dinâmica transformou a história global, sendo elemento crucial na evolução dos sistemas socioculturais até a era contemporânea.

No processo de expansão europeia, muitas culturas autônomas se viram agregadas a um único sistema econômico, resultando na perda de autenticidade e na emergência de formas espúrias de cultura. Essa uniformização, decorrente de processos de deculturação e de estereótipos dominadores, levou a uma miséria e desumanização comuns entre os povos extraeuropeus. Contudo, emergiu uma identidade humana elementar compartilhada por todos, baseada em aspirações comuns de fartura, lazer, liberdade e educação. As sociedades reconfiguradas buscaram recuperar sua autenticidade e independência, apesar das influências dominadoras que operavam a partir do antigo centro reitor europeu. Questionaram a capacidade do sistema global de atender às aspirações humanas de prosperidade, justiça e beleza, expondo a inautenticidade do projeto colonial.

Os povos americanos, profundamente afetados pelo domínio europeu, perderam sua autonomia e passaram por um processo de deculturação, tornando-se sociedades espúrias com culturas alienadas. Projetos coloniais visavam principalmente a exploração econômica, deixando a constituição de novas sociedades como um subproduto não desejado. Apesar disso, os povos colonizados lutaram pela reconstituição de suas identidades culturais, primeiro como etnias diferenciadas e, mais tarde, como nações independentes.

O autor ainda descreve a formação dos povos novos nas Américas, destacando sua configuração histórico-cultural única. Esses povos surgiram da miscigenação e dominação de populações indígenas, africanas e europeias, principalmente sob o regime colonial europeu. A escravidão e a plantation foram fundamentaos na organização produtiva e na conformação das sociedades das Américas. As fazendas de monoculturas agroindustriais e extrativismo mineral modelaram a estrutura social e econômica, integrando e deculturando diversas etnias sob extrema opressão. No sul dos Estados Unidos e nas Antilhas, plantação e escravidão criaram sociedades mais brutalmente capitalistas. Mesmo com variações regionais, a matriz escravista e a grande proporção de negros escravizados deixaram marcas profundas. A miscigenação entre europeus, indígenas e negros formou uma sociedade complexa e mestiça, impregnada de tensões raciais e sociais duradouras. Imigrantes europeus e asiáticos no século XIX desempenharam papéis significativos na modernização tecnológica e na institucionalização dos povos novos, aportando qualificações técnicas e culturais, empurrando as sociedades para uma modernidade mais integrada. A resistência política desses imigrantes, sobretudo aqueles das áreas urbanas, contribuiu para a formação de movimentos trabalhistas e sindicais, desafiando o status quo político e social. Os povos novos, portanto, resultam de complexas integrações e adaptações culturais, refletindo um mosaico de contribuições étnicas e dinâmicas socioeconômicas que moldaram seus perfis e desafios contemporâneos.

O autor ainda destaca que os povos transplantados das Américas são descendentes de migrantes europeus que buscaram novos começos no Novo Mundo, trazendo consigo famílias e expectativas de liberdade e prosperidade. Esses grupos se estabeleceram em territórios pouco habitados, frequentemente desalojando as populações indígenas. Na América do Norte, o colonizador europeu evitou a mistura com os nativos, enquanto nos territórios como a Argentina e o Uruguai, os europeus competiram com e subjugaram populações mestiças.

Os povos transplantados destacam-se pelo perfil europeu em aspectos como paisagem, estrutura racial predominantemente caucasoide, cultura e economia capitalista industrial. Diferentes dos demais blocos culturais das Américas, enfrentam problemas específicos devido a suas características e matrizes culturais distintas, como católica latina no sul e protestante anglo-saxônica no norte. Fatores gerais como o modo de colonização, processos de assimilação cultural e formas de integração econômica contribuem para distinguir esses povos dos demais da região. As sociedades transplantadas, principalmente no Norte, tendem a ser mais igualitárias, enquanto as nações formadas através da escravidão e subjugação de indígenas e negros desenvolveram-se de maneira mais hierárquica e autoritária.

O desenvolvimento desigual criou uma polarização entre os povos transplantados desenvolvidos do Norte e as sociedades menos desenvolvidas do Sul, resultando em tensões e conflitos de interesse. Minorias europeias em áreas interioranas, como no Brasil e na Costa Rica, atuaram como agentes dinâmicos no desenvolvimento regional. Assim, a análise histórica e os diferentes processos de formação étnico-cultural elucidam a complexidade dessas sociedades, ressaltando a necessidade de uma compreensão aprofundada para explicar suas formas e desempenhos distintos.

Para explorar o desenvolvimento dos povos latino-americanos, é preciso analisar primeiramente os modelos industriais e o histórico de atrasos econômicos. O texto apresenta dois paradigmas para entender as trajetórias de sociedades desenvolvidas e as barreiras enfrentadas pelas regiões menos desenvolvidas. Com a Revolução Industrial, nações pioneiras na industrialização como Inglaterra, França, Países Baixos e Estados Unidos se tornaram potências dominantes, promovendo constelações imperialistas. Este avanço industrial foi acompanhado por três tipos de reordenação nas relações globais: a obsolescência dos vínculos coloniais, novas áreas submetidas ao colonialismo ou neocolonialismo, e a hierarquização entre nações industriais e dependentes.

A ruptura desse sistema se deu, inicialmente, pela Alemanha e Japão que se industrializaram seguindo um modelo capitalista tardio. Nações como Itália e países como Turquia, Brasil e Argentina tentaram seguir esse caminho mais tarde. Além do desenvolvimento capitalista tardio, emergiram outros modelos. Nações marginalizadas como Canadá, Austrália e Nova Zelândia avançaram industrialmente devido a isolamento econômico durante crises e guerras. Este progresso foi impulsionado principalmente pela exploração interna de recursos e oportunidades comerciais.

Foto: Arte digital


O autor segue também analisando o modelo socialista, iniciado pela União Soviética, que rompe com o capitalismo industrial e propõe uma formação sociocultural nova. A União Soviética conseguiu industrializar-se rapidamente, inspirando outras nações como China e países do Leste Europeu a seguir um caminho semelhante de desenvolvimento acelerado. Além desses modelos, o texto discute duas variantes de reordenação sócio-econômica: países industrializados que enfrentaram crises adotaram políticas intervencionistas, e países subdesenvolvidos que se industrializaram capitalizando tensões internacionais, como Turquia, Brasil e Argentina, mas com resultados limitados. Por último, o modelo socialista revolucionário atrai nações atrasadas pelas altas taxas de crescimento e a capacidade de elevar grandes massas populacionais, como visto na União Soviética. Esse modelo destaca-se pela capacidade de acelerar a evolução social, transformando economias agrícolas em potências industriais. Esses diversos caminhos de desenvolvimento mostram esforços variados de nações para romper com a dominação imperialista e superar os desafios internos ao progresso econômico.

A Revolução Industrial gerou uma divisão entre povos avançados e atrasados, onde os retardatários não vivem uma fase evolutiva anterior, mas são intencionalmente mantidos em uma posição subserviente e dependente pelos países desenvolvidos. Esses povos subdesenvolvidos experimentam apenas os reflexos da modernização, sem integrar nossa tecnologia. A industrialização espontânea é dificultada pela auto-perpetuação do subdesenvolvimento, pela dominação das elites internas associadas a interesses estrangeiros, pela transferência de excedentes econômicos e pela intervenção política estrangeira que reforça a ordem estabelecida.

Essa situação resulta em uma modernização superficial, beneficiando uma minoria elitista e empobrecendo as massas. As tentativas de revolução e desenvolvimento autônomo, como no México e Bolívia, enfrentaram resistências e limitações. Casos como China e Japão mostraram que o desenvolvimento é possível com maior autonomia, enquanto outras nações permanecem estagnadas. A industrialização das nações subdesenvolvidas manteve-se distorcida e dependente de capitais estrangeiros, não conseguindo criar uma economia autônoma. O contraste é evidente quando comparado com os "povos transplantados" (EUA, Canadá, Austrália), que se desenvolveram sem as barreiras oligárquicas e com uma base mais democrática. A luta pelo desenvolvimento em países subdesenvolvidos mostra que a emancipação requer confrontar e superar tanto interesses internos quanto externos que perpetuam a ordem vigente, impedindo assim um desenvolvimento genuíno e autônomo.

Foto: Arte digital


A obra "As Américas e a Civilização: Processo de Formação e Causas do Desenvolvimento Desigual dos Povos Americanos", de Darcy Ribeiro, é magistral em sua complexidade e profundidade, abordando questões históricas, sociais e econômicas com uma clareza que ilumina as razões por trás do desenvolvimento desigual das sociedades americanas. A obra se destaca por sua capacidade de criticar tanto os esquemas conceituais acadêmicos quanto o marxismo dogmático, oferecendo uma abordagem mais holística e dinâmica.

Primeiramente, Ribeiro é hábil em contextualizar a história das Américas dentro de um panorama global, analisando como a expansão europeia, impulsionada pelas revoluções Mercantil e Industrial, redesenhou o mundo em conformidade com os interesses europeus. Esse contexto é fundamental para compreender a forma como os povos americanos foram subjugados e reconfigurados, perdendo autonomia e autenticidade cultural. Sua análise do impacto da tecnologia islâmica nas navegações ibéricas e nas técnicas de colonização demonstra uma profundidade rara, ao ligar diferentes pontos da história global em sua análise.

Além disso, a interação entre diferentes etnias - indígenas, africanas e europeias - é descrita de maneira detalhada e sensível, revelando como a miscigenação e a opressão moldaram a estrutura social e cultural das Américas. A maneira como Ribeiro aborda a formação das “sociedades espúrias” agrega uma camada significativa à compreensão dos efeitos de uma colonização violenta, enquanto destaca o esforço contínuo dos povos colonizados em reconstituir suas identidades culturais e formas de resistência.

Ribeiro também descreve brilhantemente os diferentes modelos de desenvolvimento seguidos por várias nações americanas, desde os pioneiros da industrialização até os esforços tardios e os modelos socialistas revolucionários. Esta parte do enredo é crucial para entender as disparidades atuais, e a comparação entre os "povos transplantados" e os povos subdesenvolvidos proporciona insights valiosos sobre as diferenças estruturais que persistem até hoje.

Finalmente, a metodologia dialética proposta no texto para explorar as desigualdades oferece uma nova perspectiva, crítica e evolutiva, que extrapola as limitações dos modelos tradicionais. A ideia de que o subdesenvolvimento é intencionalmente perpetuado e que a modernização real é apenas superficial para as massas é uma crítica contundente ao status quo, desafiando o leitor a reavaliar sua compreensão da história e dos atuais desafios socioeconômicos enfrentados pelas nações americanas. Em suma, "As Américas e a Civilização" de Darcy Ribeiro é uma obra-prima que transcende a simples narrativa histórica, fornecendo uma análise detalhada e crítica dos processos que moldaram as Américas, enquanto encoraja uma reflexão profunda sobre as possibilidades de futuro para as sociedades ainda lutando para superar seu passado colonial.

Resenha: Doze dias, de Tiago Feijó

Imagem: Arte digital /Divulgação

APRESENTAÇÃO

Um pai e um filho que não se veem há quinze anos, separados por uma indiferença mútua e persistente, rompida apenas uma vez a cada ano, quando o pai telefona ao filho para felicitá-lo pelo seu aniversário. Mas o acaso tratará de pôr fim a este frio afastamento. Certa manhã, o senhor Raul acorda com uma estranha dor que o impede de se levantar da cama; sozinho e abandonado, não lhe resta outra alternativa senão ligar para o filho e lhe pedir ajuda. Antônio viaja duzentos quilômetros com o intuito de levar o pai ao hospital e retornar à mesmice de sua vida, mas o desenrolar dos fatos o mantém por doze dias no hospital, como único acompanhante do doente, na saga em que se transformará a enfermidade inesperada daquele seu desditoso progenitor. Nas palavras do narrador, “doze dias encavalados neste único e enormíssimo dia”. Neste romance de desbravamento dos medos e das dores do outro, estes dois personagens, durante os doze dias que permanecerão juntos, terão a derradeira oportunidade de se conhecerem a si mesmos e de se perdoarem um ao outro, numa jornada em busca do tempo perdido. A desconstrução do enredo, que salta de capítulo em capítulo para dias aleatórios, salienta e expõe o labirinto afetivo do qual somos todos feitos. Ao fim deste torvelinho varado em doze dias, nem o perdão nem a vingança estarão acima do milagre da aceitação do outro.

RESENHA

Imagem: Tiago Feijó / Ed. Penalux / Reprodução

Antônio, professor de língua portuguesa, estava planejando seus dias e aulas quando recebeu um pedido inusitado do pai por telefone: a urgência e incapacidade de se locomover devido a uma forte dor abdominal provocada por uma hemorroida. Ele pensa, relutante, e deixa um bilhete avisando para a mãe sobre sua viagem em auxílio ao pai adoentado, o que traz à tona inúmeras lembranças de sua infância no interior, em uma casa repleta de anotações de seu crescimento e desenvolvimento. Ele, por horas, transita entre os cômodos, relembrando todo o ar de nostalgia provocado pela casa, sem se dar conta de que aquela decisão mudaria os rumos de sua vida e de seu relacionamento com seu pai para sempre.

Antônio dorme exausto na poltrona de um quarto hospitalar enquanto seu pai, senhor Raul, acorda atormentado pela dor e tenta sair da cama, removendo os equipamentos médicos. Determinado a levantar-se, Raul enfrenta dificuldades devido à sua fraqueza, mas consegue pôr-se de pé, apenas para perceber sua vulnerabilidade. Ele chama por Antônio, que acorda confuso e tenta ajudar o pai, mas rapidamente compreende a gravidade da situação. Apesar dos esforços de Raul para convencer o filho de que estão liberados do hospital, Antônio chama as enfermeiras. Três delas vêm em socorro, mas Raul resiste, implorando para não ser amarrado. Antônio, desolado e sem saber como ajudar, acaba afastando-se e liga para pedir ajuda, mas não consegue verbalizar sua angústia, que culmina em um choro incontido e desesperado. A narrativa deixa clara a impotência e o sofrimento de ambos, resultando na intervenção das enfermeiras para cuidar de Raul e a desesperança de Antônio, que fica desolado no corredor do hospital. Em primeira instância, podemos perceber que Antônio se encontra arrependido da viagem, até revelando sua surpresa e insatisfação com sua mãe ao telefone, uma vez que seu pai jamais mantivera contato por quinze anos, exceto, claro, pela casualidade de um telefonema nos aniversários.

Os dias passam e Antônio vê seu pai cada vez mais debilitado, sofrendo de um quadro de fístula perianal com um abscesso rompido, agravado por cirrose e diabetes, o que complica o procedimento cirúrgico e torna os planos de retornar à sua cidade cada vez mais distantes. Apesar de tudo, é nítida a preocupação do filho com o quadro clínico do pai. Quando o pai, senhor Raul, acorda, ele e Antônio têm uma conversa breve e fria, marcando a distância emocional entre os dois. O pai pergunta sobre a casa e se Antônio regou as plantas, enquanto Antônio, cumprindo suas tarefas, mostra-se distante e relutante em expressar afeto. O relato termina com os dois presos em um silêncio incômodo, com Antônio questionando sobre as coisas da casa do pai e o pai, sem responder, bebendo água para evitar qualquer diálogo.

Antônio e seu pai, Raul, passam uma noite desconfortável e abafada em uma sala de espera no hospital, enquanto aguardam pelo atendimento de Raul, que está em condição grave. Após uma noite cheia de idas ao banheiro e preocupações, Antônio acorda na manhã seguinte cansado e sem paciência, vagando pela praça em frente ao hospital e tentando ler sem sucesso. Ao retornar, descobre que o pai foi levado para exames. Antônio aguarda ansioso até que os enfermeiros chegam para transferir seu pai para a clínica cirúrgica. No novo quarto, encontram o senhor Francisco e sua esposa, Teresa, surpreendentemente recuperados e cheios de vida, causando sentimentos mistos em Antônio e seu pai. Enquanto para Antônio isso traz uma sensação de esperança, para Raul, a recuperação de Francisco parece um mau presságio. Pouco depois, Raul é chamado para a cirurgia e, após um aperto de mão com o filho, é levado. O doutor José Pedro fala com Antônio no corredor, mas Teresa, sentindo um pressentimento ruim, observa inquieta. Quando Antônio retorna, seu rosto revela que há más notícias, confirmando os temores de Teresa.
 
Enquanto reflete sobre o passado e a figura paterna, Raul reconhece que não foi um bom pai, mas pede novamente para Antônio regar as plantas, alegando que elas precisam viver. Antônio quase cede à proposta, mas se dá conta da manipulação. Raul sugere que, se necessário, chamaria a irmã de Antônio, Alice, para cuidar dele, o que irrita ainda mais Antônio, já que Alice não está presente. A história segue abordando temas profundos como negligência, ressentimento e a busca pela redenção, além de explorar as dinâmicas familiares complicadas em tempos de doença e sofrimento.

Raul então começa a se questionar sobre o motivo de nunca ter conseguido construir um amor duradouro e se entrega a lembranças dolorosas, especialmente de um caso com a amiga de Noemi, que levou ao fim de seu casamento. Agora, ele se vê dominado por um sentimento de arrependimento e saudade do que nunca viveu. Os momentos finais da partida de Francisco e Teresa são marcados por despedidas afetuosas e palavras de fé. Após a saída do casal, Raul e seu filho Antônio sentem um vazio profundo. Raul enfrenta um misto de agonia e raiva ao saber da visita de familiares no domingo, demonstrando seu rancor e resistência a qualquer forma de reconciliação ou compaixão. Este dilema moral e emocional é exacerbado pelo estado deteriorado de Raul, tanto físico quanto mental. Raul, em meio a delírios, acredita que Antônio quer se vingar por falhas passadas e insiste que ele traga sua irmã, Alice, para uma última visita. Ao tentar processar esses acontecimentos, Antônio é assaltado por sentimentos conflitantes de culpa e compaixão. No final, Raul confunde uma enfermeira com Alice e, mesmo delirante, continua suplicando por um copo d'água. A narrativa explora o tema do desespero humano frente à impotência e à inexorabilidade da morte.

Na improvisada UTI onde Antônio e seu pai, Raul, estão há quase três dias, a primeira luz do dia surge. Raul, atento ao que deixará após a morte, lamenta sua herança insignificante – bares, amigos, contas, amores perdidos, objetos triviais e memórias dolorosas. Ele questiona Antônio sobre o que deixará de lembrança, refletindo sobre seus erros e acertos. Em um gesto de vulnerabilidade, Raul revela uma grave deformidade física. Desesperado, pede a Antônio que lhe prometa não deixá-lo morrer no hospital, mas sim levá-lo de volta para seus locais de vida, como a praça, a rua ou o bar. Antônio, atordoado, faz a promessa, embora saiba que é impraticável cumpri-la.

A história segue girando em torno de um Natal melancólico vivido em uma cidade interiorana, onde as ruas estão cheias de pessoas comprando presentes, e as iluminadas decorações espalham uma ilusória sensação de felicidade e abundância. No entanto, o foco se volta para os irmãos Antônio e Alice e o bebê Bento, que estão em frente ao hospital onde o pai adoece gravemente na UTI. Alice faz a primeira visita ao pai, levando uma carta e sapatinhos de lã que nunca serão usados. Ela se emociona, mas mantém o choro silencioso para não incomodar o pai. Posteriormente, é a vez de Antônio, que inicialmente hesita, mas depois de entrar e ver seu pai, sente uma compaixão universal. Ele também deixa um talismã com o pai e se despede em silêncio. Ao retornarem e observarem a movimentação natalina e a chegada de uma jardineira decorada como trenó de Papai Noel, os irmãos se consolam, conscientes da proximidade da morte do pai. Alice sugere que voltem para casa. Antônio, após levar a irmã e o sobrinho para casa, decide passar a noite na casa da infância, refletindo sobre as sombras e os silêncios deixados pela ausência do pai, antes de cair em um sono exausto e profundo.

A história se finaliza com um enredo repleto de nostalgia. A atmosfera evocada pelo personagem-protagonista é de missão cumprida, saudade, tristeza e satisfação em concluir os últimos desejos do pai. A história criada por Feijó é um misto de emoções entre idas e vindas das memórias e lembranças de uma vida tortuosa vivida por uma família distante emocionalmente, com fortes tendências narcisistas do pai, o que o afastou de seus filhos. A iniciativa do pai em buscar uma redenção por meio do perdão dos filhos é uma válvula forte que revela que estamos sempre prontos para ir, mas sempre receosos sobre nosso legado, no caso, a ausência de afetividade familiar. Os momentos no hospital e as inúmeras visitas de amigos, parentes, filhos e netos são uma reflexão à parte, que transformam todo nosso emocional em um caminho vasto de sentimentalismo, trabalhando com proeza o sentimento de perdão evocado nas páginas. Um enredo poderoso e merecedor de diversos prêmios.

Resenha: Breve inventário de pequenas solidões, de Tiago Feijó

APRESENTAÇÃO

Depois de estrear na literatura com o livro de contos “Insolitudes” (2015), vencedor do Prêmio Ideal Clube de Literatura, e ter publicado na sequência dois romances, “Diário da casa arruinada” (2017) e “Doze dias” (2022), ambos também premiados, Tiago Feijó volta ao gênero de estreia com esta belíssima coletânea de textos curtos, pelos quais o autor busca estabelecer uma temática definida: a solidão, ou melhor, aquelas pequenas solidões às quais todos nós estamos sujeitos.  Das “insolitudes” para as solitudes, o autor mantém a mesma acuidade na escrita, o mesmo cuidado na composição primorosa das frases e dos diálogos, a mesma preocupação em permear sua prosa com achados poéticos e sutis reflexões. Pelos contos enfeixados neste novo livro, um tênue fio vai costurando as histórias, enredando o leitor em várias tramas e texturas, nas quais os personagens, sejam pessoas ou animais, são marcados por algum tipo de isolamento, de perda ou incomunicabilidade. Em outras palavras, por suas solidões, pequenas solidões. Seja o que for, uma coisa é certa: quem se aventurar nesta obra estará em ótima companhia.

RESENHA

Tiago Feijó retorna ao seu gênero inicial com uma deslumbrante coletânea de textos breves. Com ela, o autor busca criar uma temática específica: a solidão, ou mais precisamente, aquelas pequenas solidões que afetam a todos nós. Migrando das "insolitudes" para as solitudes, Tiago mantém a mesma precisão na escrita, o esmero na composição das frases e diálogos, além da constante preocupação em imbuir sua prosa com toques poéticos e reflexões sutis. Ao longo dos contos reunidos neste novo livro, um delicado fio conecta as histórias, envolvendo o leitor em diversas tramas e texturas. Seja com pessoas ou animais, os personagens enfrentam algum tipo de isolamento, perda ou falta de comunicação, manifestando suas pequenas solidões. O certo é que quem decidir explorar esta obra encontrará excelente companhia.

O conto o destino de Beethoven narra a trajetória de um pássaro conhecido cientificamente como Thraupis Ornata e popularmente como sanhaçu-rei, desde o seu nascimento na Serra do Quebra Cangalha até seu infame destino. O pássaro nasce em um ninho artesanal em uma árvore embaúba e, aos dezoito dias, lança-se para seu primeiro voo ainda com penas acinzentadas. Em busca de alimento, ele acaba caindo em uma armadilha ao tentar comer um mamão e é capturado por humanos junto com outros pássaros.

O conto solenemente narra a inquietação de Dona Quitéria, uma observadora permanente da vizinhança, ao perceber o sumiço de seu vizinho, Sr. Orvílio, e seus trinta cachorros. Inicialmente, ela estranha o silêncio absoluto vindo da casa dele, ao contrário do habitual barulho dos cães e do homem que costumava falar sozinho. Com a ajuda da vizinhança, especialmente da moça Matilda e de uma mulher chique que fornecia ração mensalmente, Dona Quitéria investiga, mas não encontra sinais do Sr. Orvílio ou de seus cães.

O conto Ele é só um menino narra um episódio da vida do protagonista, um entregador de pizzas. No começo, ele chega ao apartamento 83, onde um homem apressado pega a pizza e desaparece para buscar o pagamento. Pressionado pela demora, o entregador relutantemente entra no apartamento, que está repleto de sinais de desordem e uso de drogas. A atmosfera é tensa, com música de Mick Jagger tocando ao fundo. Enquanto o entregador aguarda, um menino mascarado de Batman e armado com um sabre de luz de brinquedo aparece e ignora-o, imerso em suas brincadeiras. O narrador reflete sobre sua vida difícil: um irmão morto em um tiroteio, uma mãe doente em casa e um trabalho mal remunerado. Ele recorda a infância com seu irmão e os problemas que enfrentaram, incluindo o envolvimento do irmão com drogas.

O condenado narra a história de um homem que, após causar um trágico acidente de carro onde duas meninas gêmeas morreram, resolve se isolar em uma velha propriedade rural. Ele chega ao sítio em uma caminhonete, tranca a porteira e estaciona seu veículo em frente à casa, que foi do seu pai. Ao olhar ao redor, ele parece absorver a natureza ao seu redor, como se estivesse se despedindo do mundo.

O conto nossos mortos descreve uma cena doméstica de uma mãe e sua filha preparando e compartilhando o almoço de domingo. A narrativa começa com a mãe cozinhando, verificando a maciez da carne assada e sentindo-se tentada pelo cheiro do tempero. A filha, enquanto isso, arruma a mesa com uma leveza quase poética, criando um ambiente de expectativa e lembrança. A filha inicia uma conversa sobre o pai falecido, lembrando como ele gostava da comida feita pela mãe e os rituais que ele tinha ao comer. A lembrança inclui o modo peculiar como ele preparava seu prato com feijão e farinha, evocando uma memória vívida e carinhosa de um hábito familiar.

O conto Dueto narra a tumultuada e trágica experiência de duas mulheres intercalada entre duas histórias de abandono, violência, e redenção através do amor e da compaixão por animais. Na primeira parte, acompanhamos uma mãe que, em uma noite de desespero, escapa de casa com os filhos e a cadela Nequinha. Papai, furioso, alega que a responsabilidade de levar a cadela é dela, chamando-a de cadela “nojenta.” Ainda presa na dor e no caos emocional, a mãe joga Nequinha para fora do carro em uma estrada solitária. A filha observa, dilacerada pela crueldade do ato e pela compreensão tardia do significado do nome Nequinha, dado pelo pai em um momento de desprezo. Na segunda parte, uma mulher dirige pela estrada e quase atropela um animal pequeno e assustado, que descobre ser uma cadelinha. Ela recolhe a cadela e decide adotá-la, chamando-a Preciosa. O leitor é levado a vivenciar o crescimento da relação entre as duas, desde seu primeiro encontro até a formação de um vínculo profundo. No entanto, Preciosa adoece gravemente de cinomose, uma doença devastadora. O conto descreve a luta desesperada da mulher para salvar a cadela, uma batalha que se mostra infrutífera. Quando Preciosa morre, a mulher, determinada a fazer sentido do sofrimento e do amor que recebeu, começa a resgatar cães abandonados, um para cada dia da luta de Preciosa, como uma forma de dizer "eu te amo" na língua dos cachorros.

Um Instante Infinito de Paz é uma narrativa que começa numa noite calma, onde um pai e sua filha compartilham um momento tranquilo até que ele percebe que ela está com febre alta. Desatento, ele dá dipirona à menina seguindo as instruções da ex-mulher. O pai prepara a filha para dormir, ligando a TV num desenho animado enquanto seus pensamentos vagam por preocupações cotidianas, incluindo a vontade de fumar e a dívida do cartão de crédito. O cenário muda drasticamente quando a menina começa a ter uma convulsão. O pai fica inicialmente paralisado pelo choque e desespero, mas, em seguida, tenta agir rapidamente. Confuso, ele luta para segurar a filha e levá-la ao hospital. A situação é de extrema urgência; enquanto correm, ele enfrenta dificuldades em abrir portas e ligar o carro, mas a adrenalina o impulsiona a seguir em frente.

O Telefonema conta a história de um homem solitário refletindo sobre a difícil tarefa de telefonar para seu irmão com quem não tem contato há anos. A narrativa revela que a família desmoronou após o pai adoecer e morrer, e o irmão mais velho abandonar a casa após um intenso conflito com a mãe por causa de um novo homem que ela trouxe para viver com eles.

O conto "A anônima Maria Auxiliadora de Jesus narra a história de Maria Auxiliadora de Jesus, desde seu nascimento no sertão brasileiro até sua vida adulta. Maria nasceu com dificuldades e foi salva por uma velha parteira. Cresceu em uma família pobre e numerosa, sendo uma criança distinta, introspectiva e imersa em contemplações da natureza. Desde cedo, Maria mostrou-se diferente, admirada pelos irmãos e pais por suas habilidades e comportamentos diversos. Seus primeiros contatos com a escola foram precários e difíceis, mas a professora Benedita Formosa foi quem a introduziu ao mundo das letras. Aprender a ler e escrever abriu novos horizontes para Maria, que descobriu a magia das palavras e sua capacidade de atravessar o tempo e o espaço.

Balada do Impossível, amor através das páginas relata a intensa conexão entre uma personagem de um romance antigo e um leitor. A protagonista, cuja narrativa é contada em primeira pessoa, descreve como foi primeiramente observada por esse leitor. Ele a lê ansiosamente, revelando os detalhes de sua aparência e caráter. A protagonista sente o desejo do leitor e, com o tempo, esta atração se transforma em uma paixão profunda e desesperada.

"Breve Inventário de Pequenas Solidões" é uma obra que reafirma Tiago Feijó como um dos grandes mestres na arte de entrelaçar narrativa e emoção. Cada conto presente na coletânea é um testemunho tocante das solitárias nuances do cotidiano, capturado com uma habilidade literária impressionante. Uma obra que cativará amantes de bons contos e boas doses de reflexão.

© all rights reserved
made with by templateszoo