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[RESENHA #969] Os dezoito de brumário de Luis Bonaparte, de Karl Marx

SINOPSE

Em O Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte, Karl Marx expõe de que modo a França que, mais uma vez, inspirou o mundo a lutar contra o absolutismo monárquico, através da Revolução de Fevereiro de 1848, se revelou um exemplo caricato de suas próprias contradições.

Após frear um refluxo conservador e destituir Luís Felipe I como rei, o país elegeu Luís Bonaparte, sobrinho do seu antigo imperador, Napoleão, como presidente da República recém-declarada. Aquela sociedade permitiu-se enganar pelo ímpeto popular do novo presidente, que, encoberto pelos acenos de ampliação de direitos civis, conduziu o golpe de Estado que o consagrou imperador Napoleão III, refazendo a posição autoritária do poder bonapartista.

É esse o contexto histórico sobre o qual Karl Marx debruçou nesta obra, uma primorosa crítica que revelou as primeiras experiências empíricas de seu materialismo e se tornou um dos textos mais importantes da ciência política. Esta edição, traduzida por Leandro Konder e Renato Guimarães, conta com preparação, introdução e notas de rodapé da socióloga Sabrina Fernandes, que apresenta a importância da obra para nossa época e explica detalhes do original alemão de modo acessível à leitora e ao leitor brasileiros. Assim, ela continua o trabalho de divulgação marxista iniciado com O manifesto comunista, dando seu segundo passo na reapresentação das edições de Karl Marx publicadas pela Editora Paz & Terra.

Temos, portanto, a oportunidade de entender não apenas quais foram as explicações de Marx sobre o golpe de Estado de Napoleão III, mas também como esse tipo de expediente continua sendo receita para líderes carismáticos subverterem insurreições populares em prol de si mesmos. Sabrina Fernandes nos ensina como o famoso enunciado de Marx sobre a tragédia e a farsa é nítido também para acontecimentos políticos recentes no Brasil – dos protestos de junho de 2013 ao governo de Jair Bolsonaro.

RESENHA

O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte" de Karl Marx é uma obra profunda e brilhante que analisa o golpe de Estado que levou Louis-Napoléon Bonaparte ao poder na França em 1851. Marx, com sua abordagem materialista da história, examina os eventos reais e os situa no contexto da luta de classes, revelando as verdadeiras forças motrizes por trás da história.

Ao contrário dos livros didáticos tradicionais de história, esta leitura traz um olhar renovado e desprovido de preconceitos. Marx analisa objetivamente os eventos, utilizando metáforas e recursos literários para transmitir sua visão da realidade diante de seus olhos.

Ao explorar o papel do Estado e da luta de classes, Marx demonstra como as revoluções burguesas apenas aperfeiçoaram a opressão das classes dominantes. Ele propõe, pela primeira vez, a ideia de que o proletariado não deve apenas assumir o aparato estatal existente, mas desmantelá-lo completamente.

Mesmo diante da derrota de movimentos como a Comuna de Paris, Marx mantém a esperança para aqueles que se sentem desesperançados. Sua análise continua sendo uma base importante para o debate político e acadêmico, especialmente em momentos em que variantes bonapartistas surgem na América Latina.

O livro "Os Dezoito de Brumário, de Luís Bonaparte" de Karl Marx é uma obra primorosa que mergulha no contexto histórico da Revolução Francesa, especificamente do golpe de Estado de Napoleão Bonaparte, ocorrido em 1851. Neste livro, Marx analisa em detalhes os eventos que levaram ao estabelecimento do regime bonapartista na França e faz uma série de reflexões sobre a natureza do poder político e a dinâmica das classes sociais.

Uma das principais contribuições do livro é a análise minuciosa que Marx faz do papel das classes sociais e das lutas de poder na consolidação do regime bonapartista. Ele destaca que a burguesia francesa, após a Revolução de 1848, estava dividida e incapaz de resolver seus conflitos internos. Nesse contexto, Napoleão Bonaparte, apoiado pela classe agricultora e beneficiando-se da crise econômica e política em curso, conseguiu se posicionar como uma figura forte e carismática, capaz de unir diferentes classes sociais em torno de seu regime.

Marx também discute a importância do golpe de Estado de Napoleão Bonaparte para a história política da França e do mundo. Ele argumenta que o regime bonapartista representou uma espécie de "retorno ao passado", marcado pela centralização do poder nas mãos de um líder autoritário, em detrimento dos avanços democráticos conquistados durante a Revolução Francesa. Ao analisar os eventos ocorridos no período conhecido como "Dezoito de Brumário", Marx também aponta para questões mais amplas, como a natureza do Estado e o papel da violência política na tomada e na manutenção do poder.

Outro ponto interessante do livro é a forma como Marx utiliza uma vasta gama de fontes históricas para sustentar suas análises. Ele cita inúmeros artigos de jornais, discursos políticos e documentos oficiais para ilustrar os eventos e as disputas de poder da época. Esse rigor metodológico confere uma grande credibilidade às conclusões de Marx e permite ao leitor ter uma compreensão mais ampla e precisa dos acontecimentos.

Além disso, a escrita de Marx é envolvente e marcada por seu estilo característico, que combina erudição, clareza e ironia. Ele é habilidoso em expor contradições e hipocrisias tanto nos discursos políticos quanto nas ações dos atores envolvidos. Sua crítica incisiva aos poderosos e sua defesa dos interesses das classes oprimidas são constantes ao longo do livro, tornando-o uma obra carregada de conteúdo político e social.

Em resumo, "Os Dezoito de Brumário, de Luís Bonaparte" é uma leitura imprescindível para aqueles interessados na história política e social do século XIX, bem como para aqueles que desejam entender mais profundamente a teoria marxista. Karl Marx utiliza uma vasta gama de fontes e oferece uma análise detalhada dos eventos que levaram ao golpe de Estado de Napoleão Bonaparte, explorando aspectos históricos, citando fontes primárias e fornecendo informações pertinentes à compreensão do período.

Marx destaca que os grandes eventos históricos e personagens aparecem duas vezes: uma vez como tragédia e outra como farsa. Ele relaciona o golpe de Estado de Napoleão Bonaparte em 1799 com o golpe de seu sobrinho, chamado de "a segunda edição do 18 de brumário". Marx vê o primeiro golpe como um momento heroico da burguesia e o segundo como uma reação militar repressiva.

O autor busca explicar o movimento da história através das lutas de classes sociais. Sua obra é uma continuação do livro anterior, As Lutas de Classes na França de 1848 a 1850, onde ele discute a dominação da burguesia e analisa o período de 1848 a 1851 sob o ponto de vista do antagonismo de classe.

Marx faz uma crítica negativa ao campesinato, considerando-os como aliados da classe dominante. Ele os compara a um saco de batatas, sem vontade própria, prontos para serem influenciados por forças superiores, representadas pelos Bonaparte. Segundo Marx, a dinastia Bonaparte não representa os camponeses revolucionários, mas sim os conservadores, que desejam consolidar sua condição social e se apoiam na superstição e preconceitos dos camponeses.

Em resumo, Marx vê a história como uma sucessão de eventos trágicos e cômicos, impulsionada pelas lutas de classe, onde o campesinato surge como um aliado da classe dominante.

[RESENHA #968] Exátomos, de Vitor Miranda


"Exátomos", de Vitor Miranda, é uma obra que nos convida a ponderar a respeito da vida, das relações humanas e do mundo em que vivemos. O livro é uma seleção de poemas que revelam a precisão dos átomos em todas as coisas existentes, nos fazendo questionar o que fizemos com essa existência.

Dividido em cinco partes, o livro abarca uma ampla gama de sentimentos e temas, desde a ironia e a descrença até a crítica social, o amor, a esperança e o desespero. É uma obra que nos leva a reconsiderar nossa própria existência e nos ajuda a crescer como indivíduos.

Logo no início, o autor nos presenteia com uma frase impactante: "a terra não é plana, mas é chata". Essa frase apenas arranha a superfície da sagacidade e do humor irônico de Vitor, que por vezes pode nos fazer crer que ele é um poeta niilista. Porém, ao ler com mais atenção, percebemos que por trás de seu deboche e raiva, há uma profunda mágoa pelo que o mundo poderia ser.

Exátomos nos incentiva a refletir sobre a finitude de cada momento preciso e nos incita a descobrir a beleza oculta na crueldade. Vitor expõe as mazelas do mundo em sua poesia, mas também se nutre dela, florescendo em meio ao caos. É uma poesia profunda que nos leva a repensar a vida e nos faz questionar nossas próprias ações e escolhas.

A versatilidade de Vitor como escritor é evidente nessa obra, na qual ele transita entre diferentes emoções e contextos. Exátomos é um convite à reflexão e uma demonstração do poder da poesia como uma arma para desafiar a finitude. É uma leitura que nos desafia e nos enriquece como seres humanos.

Em "poema", o autor descreve o poema como um sentimento fossilizado, uma matéria arqueológica. Ele o compara a um signo paleolítico, uma representação primitiva. A escuridão da árvore amazônica é mencionada, onde o escorpião dorme, associando o poema a algo que está adormecido e escondido. O autor também menciona o pião, que gira eternamente, simbolizando a vitalidade e movimento contínuo do poema.

O poema é descrito como um esqueleto de sonhos, representando as ideias e imagens que o compõem. A arcada dentária dos dinossauros é mencionada, sugerindo a antiguidade do poema e a presença de elementos poderosos e fortes. A expressão "ácido nucleico religião" sugere que o poema possui uma força vital, algo essencial para a existência e fé.

O poema é descrito como um objeto ausente de átomos, o que pode significar que ele não possui uma presença física palpável, mas sim uma natureza imaterial e intangível. Ele é descrito como o indizível intocável, algo que não pode ser explicado totalmente, mas que tem o poder de explodir, causar um impacto profundo. Isso sugere que o poema possui uma força explosiva, capaz de despertar emoções e reflexões intensas.

Já em derrota, o dramaturgo expressa a ideia de que a dor faz parte do percurso da vida. Para o poeta e a poesia, a dor é uma armadura que os protege contra a amargura que emerge. Isto significa que a expressão artística pode ser um refúgio e uma forma de lidar com os momentos difíceis. Porém, o poema ressalta que o amor é mais duradouro do que a derrota, mostrando que apesar das adversidades, o sentimento amoroso é capaz de superar as dificuldades e oferecer um renascimento emocional.

Em eterna cadência (p.78):

me disseram que já não sou adolescente para fazer loucuras de amor
me disseram que haviam coisas mais importantes na vida
me disseram que tempo é dinheiro e deus ajuda quem cedo madruga
me disseram que pássaros voam por fome e não por paixão
me disseram que amor não põe comida na mesa
me disseram desde o princípio que necessitava de uma profissão que me
desse dinheiro
me disseram que a vida é uma merda e que a poesia não serve pra nada
só não me disseram que ao escutar a eterna cadência de sua voz
deixaria de crer em tudo que me disseram

Este poema expressa a contradição entre as expectativas e pressões sociais e o poder transformador do amor verdadeiro. O eu lírico é confrontado com conselhos racionais, baseados em ideias de pragmatismo e sucesso financeiro, que o desencorajam de seguir seus desejos emocionais. No entanto, ao ouvir a voz da pessoa amada, o eu lírico é capaz de se libertar dessas ideias limitantes e começa a questionar tudo o que lhe foi dito. A "eterna cadência" da voz do ser amado representa a verdadeira paixão, que transcende as expectativas impostas pela sociedade e torna todas as suposições anteriores sem sentido. A poesia, nesse contexto, assume um significado poderoso, oferecendo uma perspectiva alternativa à ideia de que a vida é apenas uma "merda", sugerindo que é através do amor e da arte que podemos encontrar beleza e realização verdadeiras.

Já em as crianças do mundo:

as crianças de gaza
não são as crianças
da nossa sala de estar

as crianças de gaza
não estão mais

as crianças de gaza
não são as crianças
de auschwitz

as crianças de auschwitz
não estão adultas

as crianças adultas
não são as crianças
brasileiras do piauí

as crianças do piauí
não estão mais

não estão mais
as crianças do congo

as crianças do mundo
não estão em paz

Este poema que surge como um a onda protestante, aborda a triste realidade das crianças ao redor do mundo que estão sofrendo devido a conflitos e injustiças. O autor compara a situação dessas crianças com as crianças em ambientes mais privilegiados, como a sala de estar ou mesmo a infância mais segura em Auschwitz, ressaltando a diferença entre suas realidades.  O poema também menciona crianças adultas, sugerindo que muitas delas se viram obrigadas a crescer rapidamente, perdendo a inocência e a oportunidade de aproveitar a infância. O autor menciona especificamente as crianças brasileiras do Piauí, indicando que mesmo em locais onde há pobreza e dificuldade econômica, a situação pode não ser tão precária como em outros lugares do mundo.

Por fim, o poema destaca que as crianças ao redor do mundo não estão vivendo em paz, provavelmente aludindo a conflitos armados, guerras e outras formas de violência que afetam as crianças em várias regiões. A mensagem central é que, infelizmente, muitas crianças estão privadas de uma infância tranquila e segura, sendo impactadas por problemas globais.

Em suma, Exátomos é uma obra magnífica e bela, que nos faz repensar nossa própria existência e nos ajuda a enxergar a vida de forma mais profunda e significativa. Vitor Miranda se revela um poeta talentoso e versátil, capaz de provocar emoções e reflexões por meio de suas palavras. Ler este livro é uma experiência transformadora e inspiradora.

O AUTOR

Sobre o poeta Vitor Miranda:

Estreou na literatura com o livro de contos “Num mar de solidão”, um dos contos, “Pise fundo meu irmão”, virou curta-metragem e Vitor recebeu um prêmio de melhor ator. Em 2016 aparece com sua primeira publicação independente, “Poemas de amor deixados na portaria”, livro que deu origem a Banda da Portaria. Como letrista tem parcerias com artistas como Alice Ruiz, Rubi, Luz Marina, Dani Vie, João Mantovani, João Sobral, Touché, Zeca Alencar e Heron Coelho. Em sua aproximação com figuras da poesia curitibana, lança pela Editora Kotter o livro “A gente não quer voltar pra casa”. Experimenta na linguagem em 2019 com o romance poema “A moça caminha alada sobre as pedras de Paraty”. Inicia o projeto de entrevistas “Prosa com Poeta” no qual entrevista figuras como Alice Ruiz, Maria Vilani, Bobby Baq, Dionísio Neto, entre outros artistas. Organiza o Movimento Neomarginal onde exerce o ofício de agitador cultural. Volta aos contos com “O que a gente não faz para vender um livro?” pelo Selo Neomarginal onde destila todo seu sarcasmo. Em 2023 surge com “Exátomos” novamente pelo Selo Neomarginal.

Mais informações:
Instagram: https://www.instagram.com/vitorlmiranda/
Facebook: https://www.facebook.com/vitor.miranda.775/

[RESENHA #967] Antígona: Ela está entre nós, de Andréa Beltrão


Há 2.500 anos, Antígona, de Sófocles, é uma dramaturgia comovente que conquista a atenção dos espectadores. A história da princesa que desafiou um rei para que o corpo do próprio irmão fosse sepultado é reencenada brilhantemente por Andrea Beltrão – neste que é um de seus trabalhos mais audaciosos e que lhe rendeu o Prêmio APCA. Ao reinventar a tragédia grega, Andrea Beltrão não apenas concebe, junto ao diretor Amir Haddad, um sucesso de público e crítica, mas dá novo sentido a uma das personagens mais extraordinárias da história do teatro, posicionando-a frente a frente com as maiores lições de luta deste tempo.

Antígona é um símbolo de insubmissão. Alguém que converteu o luto em ativismo político. A perda, em força de vida. Ao recriá-la, Andréa Beltrão reconhece a magnitude de sua persistência e traz Antígona para o presente.

Neste livro, a atriz, produtora e diretora de teatro conta sobre o processo de criação e destaca os principais trechos que usa para refabular a história da jovem que desafia o Estado. Quem entra em contato com a Antígona de Andrea Beltrão não permanece incólume. A presença da protagonista pode ser vivenciada – através da tradução de Millôr Fernandes do texto de Sófocles, que acompanha integralmente esta edição –, como se estivéssemos no antigo Teatro de Dionísio. Ela está entre nós.

RESENHA

Antígona é uma adaptação teatral do clássico de Sófocles, traduzido por Millôr Fernandes, que narra a história de uma princesa que desafia o poder do rei para sepultar seu irmão morto em guerra. A peça, que estreou em 2017, é fruto da parceria entre a atriz Andréa Beltrão e o diretor Amir Haddad, que assinam juntos a dramaturgia.

A história de Antígona, de Sófocles, é uma tragédia grega que narra o conflito entre a princesa Antígona e o rei Creonte, sobre o destino do corpo de Polinice, irmão de Antígona, que morreu em guerra contra Tebas. Antígona quer sepultar o irmão, seguindo as leis divinas, mas Creonte proíbe, seguindo as leis humanas. Antígona desafia o rei e é condenada à morte, provocando uma série de desgraças na família real de Tebas. A peça é considerada um clássico da literatura mundial, que aborda temas como a liberdade, a justiça, o amor, o destino e a morte.  A obra é uma reflexão sobre a liberdade do cidadão diante do Estado, e sobre os conflitos éticos e morais que envolvem a escolha entre obedecer às leis humanas ou às leis divinas. Antígona representa a resistência, a coragem e a lealdade, mas também a rebeldia, a obstinação e a tragédia.

No palco, Andréa Beltrão interpreta todos os personagens da trama, usando apenas alguns adereços para mudar de identidade. Ela dialoga com a plateia em um ritmo acelerado e envolvente, que mistura humor e emoção. A atriz demonstra sua versatilidade e talento ao dar vida a Antígona, Creonte, Ismênia, Hêmon, Tirésias e outros.

Antígona é uma peça que traz a atualidade de um texto milenar, que fala sobre temas universais e atemporais, como o amor, a justiça, a honra, o destino e a morte. É uma obra que convida o espectador a pensar sobre o seu papel na sociedade, e sobre os valores que norteiam as suas ações.

[RESENHA #966] Ilustrações, de Jailton Moreira


RESENHA

Ilustrações é o primeiro livro de poemas de Jailton Moreira, um artista plástico, professor e curador que conheceu todo o tipo de arte em suas andanças. O livro é fruto de uma relação em que o escrito se submete ao visual, e não o contrário. São 29 poemas que respondem poeticamente e criticamente às experiências vividas pelo autor frente a determinados artistas e suas obras, como Piet Mondrian, Diego Velázquez e Richard Serra.

O livro é uma obra que desafia o leitor a se tornar observador e a ir conhecer por conta própria os trabalhos que inspiraram o autor a escrever. Cada poema é uma tentativa de ordenar as impressões, os sentimentos e as reflexões que as imagens provocam no autor, usando uma linguagem simples, direta e criativa. O autor não se limita a descrever ou elogiar as obras, mas também as questiona, as contraria e as reinventa.

Ilustrações é um livro que mostra a versatilidade e o talento de Jailton Moreira, que transita entre diferentes formas de expressão artística, e que convida o leitor a fazer o mesmo. É um livro que celebra a arte como uma forma de conhecimento, de comunicação e de transformação.

Como descrito no site oficial da obra, este é um convite à experimentação em que o autor se liga ao visual para dar vida as palavras, e não ao contrário. A obra é ilustrada ricamente com imagens que carregam um forte sentimentalismo histórico e simbolista que provoca leitor não somente uma onda reflexiva, mas também uma série de pensamentos acerca da historicidade e das propostas elencadas em seu enredo. 

A obra possui 131 páginas carregadas com 29 poemas e imagens que conversam entre si em sua completude.  A segunda poética do autor é dedicada à uma obra de Giotto (pintor e arquiteto italiano) intitulada legend of St Francis: 15. Sermon to the Birds, que é uma das 28 cenas da Lenda de São Francisco pintadas por Giotto di Bondone na Basílica de São Francisco de Assis, na Itália. A obra retrata um episódio famoso da vida de São Francisco, o santo padroeiro dos animais, que pregou um sermão aos pássaros, exortando-os a louvar a Deus por todas as bênçãos que Ele lhes concedeu. A obra é considerada um exemplo da arte gótica, que se caracteriza pelo uso de cores vivas, pela representação de figuras humanas e pela expressão de sentimentos e emoções. A obra também mostra a habilidade de Giotto em criar perspectiva, profundidade e movimento, usando elementos como a paisagem, as árvores e as nuvens.

A poesia é uma reflexão sobre a arte e a vida, sobre o passado e o presente, sobre o sagrado e o profano. O poeta usa metáforas e imagens que remetem à obra de Giotto, como o berço, a espiga, o óleo, o canto, os pássaros, o céu, o verde e a proa. Ele também faz referências à história de São Francisco, como o santo pobre, o mestre triste e o sonho romano. Ele compara o seu sonho com o de São Francisco, que deslizam na região da Úmbria, onde fica a cidade de Assis.

A poesia é uma forma de homenagear a obra de Giotto e a vida de São Francisco, mas também de questionar o seu significado e a sua atualidade. O poeta se pergunta se o berço da arte pode se transformar em um começo, se é possível superar o vício e a violência, se é possível lubrificar as arestas e colocar a engenharia em movimento, se é possível contar histórias de pássaros e homens famintos, se é possível ver o céu azul e o verde vivo, se é possível sonhar com a paz e a harmonia.

Já na poética guitarras de Picasso, o poema é uma reflexão sobre a arte e a música, sobre o caos e a harmonia, sobre o antigo e o novo. O poeta usa metáforas e imagens que remetem à obra de Picasso, como o berço, o mastro, o âncora, o barco, o casco, a boca, a guitarra, o silêncio e a pátina. Ele também faz referências a diferentes gêneros musicais, como sardanas, cumbias, baladas, fados e fandangos. Ele compara a música tradicional e popular com a música experimental e desconcertante que a obra de Picasso representa.

O poema é uma forma de homenagear a obra de Picasso e a sua inovação, mas também de questionar o seu sentido e a sua beleza. O poeta se pergunta se a guitarra quebrada pode ser consertada, se a música descontínua pode ser ouvida, se a sonora pandora pode reverberar.

Em síntese, podemos dizer que o autor consegue de forma magistral e prolífica inserir em suas reflexões históricas, sociais e urbanas um contexto além da imagem. Essa nova categoria descritiva é uma forma de expor a história e as linhas poéticas em forma de enredo de forma poética e rebuscada. Uma poesia complexa e repleta de nuances quem devem ser sentidas em sua totalidade. Uma obra magistral. 

[RESENHA #965] Tupac Shakur: a biografia autorizada, de Stace Robinson

A primeira e única biografia autorizada pela família do lendário artista Tupac Shakur. Um comovente relato de sua vida e do legado que deixou, ilustrado com fotos pessoais, manuscritos, trechos de seus diários e muito mais!

Artista, poeta, ator, revolucionário... uma lenda.

Tupac Shakur deixou sua marca na cultura mundial. Quase trinta anos depois de sua trágica e precoce morte em 1996, aos 25 anos, Tupac continua sendo presença constante na mídia como uma das figuras mais incompreendidas e fascinantes da história da música.

Em Tupac Shakur: A biografia autorizada pela primeira vez o público tem em mãos uma biografia completa sobre o lendário artista. A autora Staci Robinson ― que conheceu o rapper ainda no ensino médio e foi escolhida por Afeni Shakur, mãe de Tupac, para contar a história do filho ― teve acesso exclusivo a seus diários, suas cartas e conversas, sem censura, com aqueles que o conheciam intimamente. Em Tupac Shakur, Robinson nos oferece uma leitura emocionante e profundamente pessoal sobre os acontecimentos que marcaram a vida de Tupac, e do legado que ele deixou no mundo, com fotografias exclusivas da infância e de bastidores da carreira do artista.

Empreitada de décadas, esta obra mergulha no poderoso legado de uma vida que desde cedo foi definida pela política e pela arte ― de um homem movido tanto pelo brilhantismo quanto pela impulsividade, imerso desde cedo na rica tradição intelectual do movimento negro e no ativismo dos Panteras Negras e sem medo de falar as mais ásperas verdades sobre as questões raciais nos Estados Unidos.

Esta é, ainda, a história de um sucesso vertiginoso, com consequências devastadoras. E, como não podia deixar de ser, traz a obra musical de Tupac e sua mensagem atemporal, que seguem inspirando a juventude até os dias de hoje.

RESENHA

Tupac Shakur: a biografia autorizada é o primeiro e único livro que conta a história do lendário rapper americano com a autorização da sua família. A autora, Staci Robinson, foi colega de escola de Tupac e teve acesso exclusivo aos seus diários, cartas, fotos e relatos de seus amigos e parentes. O resultado é um retrato emocionante e pessoal de uma das figuras mais influentes e controversas da história da música.

O livro narra a trajetória de Tupac desde a sua infância, marcada pela pobreza, pela violência e pelo ativismo político dos Panteras Negras, até a sua ascensão ao estrelato, com sucessos como “California Love”, “Changes” e “Dear Mama”. O livro também revela os bastidores da sua carreira como ator, poeta e revolucionário, e os conflitos que o envolveram em polêmicas, processos e rivalidades, culminando no seu assassinato em 1996, aos 25 anos.

O livro é uma homenagem ao legado de Tupac, que continua inspirando milhões de pessoas ao redor do mundo com a sua música, a sua mensagem e a sua atitude. O livro também é uma reflexão sobre as questões raciais, sociais e culturais que Tupac abordou em suas letras, e que seguem relevantes até hoje.

O livro é ilustrado com fotos exclusivas da vida de Tupac, e também contém citações de suas músicas, de seus poemas e de seus depoimento. A obra contém 22 capítulos e eles descrevem períodos únicos e distintos da vida do músico, como o estilo se suas músicas, sua vida em Nova York, sua história de ascensão, período de fama, dentre outros tópicos explorados pela autora.

Esta é a única biografia de Tupac que tem a aprovação da sua família. Ela celebra a sua trajetória e o seu espírito, sem esconder os seus erros nem diminuir os seus desafios e a sua criatividade para alcançar o sucesso. 

Staci Robinson foi amiga de Tupac na escola. Ela estava na lista de escritores que ele queria trabalhar no futuro, antes de ser morto. Apesar de seu histórico escolar não ser muito brilhante, Afeni Shakur viu a sua honestidade e o seu compromisso quando confiou a história do seu filho a ela. Se Robinson não tinha feito nada de extraordinário antes, ela tirou um dez com este. Parabéns a ela por esta ótima biografia, o esforço valeu a pena. O nível de dedicação em capturar a essência de um artista através de todos que o conheceram fica claro nos detalhes. Staci Robinson não poupou esforços, entrevistando todos, desde seus amigos mais íntimos e familiares até seus colegas de infância, mentores e educadores. Ela honra o lado intelectual de Tupac.

Intensidade e foco são duas palavras usadas para descrever Tupac no final desta biografia que melhor se encaixam no meu caso. Ele estava determinado no seu futuro, tão seguro da sua fama quanto da sua morte precoce pela violência. Às vezes, a sua natureza intensa levava à violência impulsiva e a atitudes defensivas, mas a sua alma equilibrada se manifestava no final, após a reflexão. Ele também foi realista sobre o mundo e o seu futuro, incluindo a sua expectativa de vida. Ele era sincero quando algo era culpa dele, inflexível quando acreditava que estava sendo injustiçado ou acusado falsamente. Ele exigia honra e respeito mútuos de seus amigos e associados, eliminando as pessoas quando elas o traíam ou desapontavam. Ele tinha um código de ética que era fundamental para a sua imagem e a sua mensagem. Ele era absolutamente polêmico, muitas vezes devido ao alvoroço da mídia e aos equívocos sobre a sua filosofia e os seus objetivos, mas às vezes por causa da sua atitude audaciosa. Staci equilibra a representação do seu comportamento, sem justificá-lo, mas também sem condená-lo por isso. Ela mostra a sua complexidade.

Uma obra completa e magistral.

[RESENHA #964] Ti amo – Hanne Ørstavik

Um câncer terminal levará seu marido dentro de um ano. Ele ignora a morte. E ela se volta à escrita na tentativa de preservar a própria força vital. Para a escritora Natalia Timerman, que assina a orelha do livro, Hanne Ørstavik escreve “na imbricação entre vida e literatura”. Um dos maiores nomes da literatura norueguesa contemporânea, Hanne Ørstavik estreia no Brasil com o encantador e contundente Ti Amo. A prosa comovente que a consagrou como uma autora aclamada em diversos países foi traduzida por Camilo Gomide, direta do norueguês.

RESENHA

Ti amo é um livro que mistura ficção e realidade, baseado na experiência da autora norueguesa Hanne Ørstavik, que perdeu o seu marido italiano para o câncer. O livro é um relato emocionante e íntimo de um amor que enfrenta a morte, a dor e o silêncio. O livro é escrito e ambientado nos primeiros meses de 2020, e seus temas de perda e sofrimento são especialmente adequados para um tempo de luto internacional.

O livro narra a história de uma narradora sem nome que cuida do seu marido, doente de câncer, nos últimos meses da sua vida. Ela examina os elementos da sua vida juntos: a mesa vietnamita cor-de-rosa onde eles comem suas refeições, cada um dos Anos Novos que eles compartilharam, suas amizades e suas trocas mais íntimas. Com tudo em mudança, ela busca as facetas que permanecerão.

O livro é uma homenagem ao legado do seu marido, que era um editor e tradutor italiano, que amava a arte, a música e a literatura. O livro também é uma reflexão sobre as questões existenciais, culturais e linguísticas que o casal enfrentou em sua relação. O que se pode encontrar em um olhar? O que se esconde em uma pintura ou por trás de um punhado de palavras repetidas? Essas são as perguntas que assombram a narradora, que tenta preservar a sua própria força vital através da escrita.

Ti amo é um livro que mostra a sensibilidade e a sinceridade da autora, que é uma das escritoras mais admiradas e premiadas da Noruega. A autora escreve com uma linguagem simples, direta e criativa, que se adapta aos ritmos da mente da narradora. Na tradução de Martin Aitken, a história de Ørstavik ganha vida.

A obra possui um enredo poético e chocante. A autora descreve em detalhes, e em primeira pessoa, o di-a-dia em companhia do marido após diagnóstico. Noites mal dormidas regradas à adesivos e comprimidos para dor, morfina e muita resiliência.

[...] Você está sentindo muita dor. Não podemos colocar mais adesivos?, eu digo. Tudo o que resta é uma pequena pilha de adesivos. E então colocamos os adesivos, dois de cinquenta, um de cada vez,  e depois de passar o dia todo deitado com dores, você finalmente adormece. (p.49)

[...] O que consta em seu boletim médico é que desde o final de outubro os marcadores dobraram a cada novo exame. Lendo em retrospecto, vejo que antes não estava assim, no ano em que você fez a quimio, depois da cirurgia, os valores oscilaram um pouco para cima e para baixo, mas não passaram de quatro mil. [...] No entanto, a dor fica mais forte a cada dia, a cada noite, e agora você está com esse inchaço. [...]

[...] você está deitado na cama e acabou de colocar trezentos miligramas debaixo da língua, mas logo eles vêm te buscar, precisam te preparar para a ressonância magnética mais tarde, tiram você da cama e do barato que acabou de entrar, nós acordamos às sete horas, antes das oito estávamos no táxi. (p.72).

Em síntese, a obra de Ørstavik é complexa, dolorida, repleta de gatilhos. É uma leitura rápida, mas que dura uma vida toda. Leia este livro de coração e alma abertos, ele não é apenas um enredo, mas a descrição de alguém que acabou de perder o seu amor. Um livro para se por embaixo do travesseiro e reler sempre que se sentir sem forças, pois ainda que a autora trabalhe saudade e luto o tempo todo...ela também trabalha força e superação, e é aqui que reside a força de sua escrita: na resiliência.

[RESENHA #963] Os rostos que tenho, de Nélida Piñon

“Viver requer aestado artístico”. Em obra póstuma e inédita, a autora consagrada Nélida Piñon costura, através de 147 capítulos, o seu testamento literário: Os rostos que tenho.

Nélia Pinõn acreditava na importância de deixar rastros. Rastros de existência, da própria criação, de palavras que se incorporam a um legado para os que ficam. Com 147 capítulos curtos que lembram a estrutura de um diário, a autora consagrada esculpe uma extensa pluralidade de máscaras que flutua pelos meandros da vida, da arte e da mortalidade. Ao lado da pressa por escrever em contrapelo ao tempo que lhe resta, não habita a autocomiseração, mas a festa: “Luto para meus dias serem festivos. Só por estar viva, mesmo sem razão concreta, ergo a taça da ilusão”. Obra póstuma e inédita, Os rostos que tenho é, segundo o escritor Rodrigo Lacerda, o “testamento literário” de Nélida Piñon. 

A primeira escritora a se tornar presidente da ABL sabia do papel social e literário que exercem os registros que deixamos, as memórias que nos empenhamos para preservar. Através de textos curtos que, no entanto, não correm o risco de minguar na superfície, Nélida mergulha em suas próprias máscaras, tecendo um balanço de vida coeso, complexo e multifacetado. Os rostos que tenho nos apresenta a recortes de sua infância, na qual as línguas espanhola e portuguesa se entrelaçam, criando uma sinfonia cultural que ecoa através de sua vida e de sua literatura. Somos convidados, ainda, a conhecer sua relação íntima com a palavra, com a criação, com os seus contemporâneos. Em uma reflexão profunda sobre a mortalidade, reconhecemos a preciosidade de seus rastros e vontades de memória.

O prefácio desta primeira edição, assinado pelo escritor – e editor de Nélida Piñon - Rodrigo Lacerda, deixa um recado ao leitor:

“Haveria ainda muito a se falar sobre o testamento literário de Nélida Piñon e seus rostos mutantes, ou, como diz o capítulo 46, suas “máscaras”. É melhor, no entanto, deixar que os leitores se surpreendam com o livro. E se emocionem com as derradeiras perguntas que Nélida deixa no ar, vendo próximo o fim de uma vida inteira dedicada ao poder de invenção e reinvenção pelas palavras.”

RESENHA

Os rostos que tenho é um livro póstumo e inédito da escritora brasileira Nélida Piñon, considerada uma das maiores da língua portuguesa. Publicado em 2023 pela editora Record, o livro reúne 147 crônicas curtas, que lembram um diário, nas quais a autora reflete sobre sua vida, sua obra, sua relação com a palavra, seus amigos, seu amor, sua morte e seu Deus.

O nome da obra é uma alusão ao título do capítulo 46, ao qual Nélida adotou após uma reunião com os editores da obra, o titulo original desta obra é Andanças de Nélida, e foi escrito a obra como uma testamento literário enquanto escrevia, em contrapartia, seu último romance, como prefaciado por Rodrigo Lacerda.

O livro é dividido em 147 capítulos, que variam de uma a três páginas, e que abordam temas diversos, como a infância, a família, a cultura, a política, a literatura, a amizade, o amor, a solidão, a velhice, a morte e a fé. Nélida Piñon, que era filha de imigrantes espanhóis, mostra como sua identidade foi marcada pela convivência entre duas línguas e duas culturas, e como isso influenciou sua escrita. Ela também homenageia seus mestres e amigos, como Clarice Lispector, García Márquez, Susan Sontag, Rubem Fonseca, entre outros, e compartilha suas impressões sobre suas obras e suas vidas.

Os rostos que tenho é um livro que celebra a arte e a existência, em uma prosa lírica e envolvente. Nélida Piñon mostra sua paixão pela palavra, sua busca pela beleza, sua lucidez diante da realidade, sua coragem diante do sofrimento, sua esperança diante do mistério. É um livro que revela a grandeza de uma escritora que soube transformar sua vida em literatura, e sua literatura em vida.

A autora nos brinda com sua genialidade de forma poética e singela em cada capítulo,  sobretudo, quando faz afirmações ao divino no capítulo de abertura da obra, a eternidade: Deus é tão palpável quanto um pedaço de pão. Apieda-se da fome humana enquanto impõe-nos seu intransigente decálogo. E dissemina existir onde nos abrigaremos no futuro. Vale, pois, crer em tal divindade. (p.19); quando aborda a estética: A estética tem rosto, posso vê-lo. Assim, no exercício da arte, a estética é difusa, inconsútil, arcaica, carnal, mística, transcendente, arqueológica, vasta, profunda, tradicional, contemporânea, sobretudo, mestiça (p.21); quando aborda a humanidade: Quem repetirá, à beira da cama, palavras que decerto não foram alinhavadas pelo engenho e pela carência dos homens? (p.23).

A muito o que se declarar quando o tópico central da discussão é Piñon, Nélida esteve sempre à frente de seu tempo, não apenas em suas palavras e atitudes, mas em seu legado.

Nélida Piñon, que faleceu em 2022, aos 85 anos, em Lisboa, deixou um legado literário de grande valor e reconhecimento. Foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras, em 1996, e recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais, como o Príncipe de Astúrias, da Espanha, em 2005. Em Os rostos que tenho, ela revela as múltiplas facetas de sua personalidade e de sua criação, em um testemunho sincero, poético e emocionante.

[RESENHA #962] Noveletas – Sigbjørn Obstfelder

Noveletas reúne as novelas Liv e As Planícies, do escritor norueguês Sigbjørn Obstfelder (1866-1900). Esse é o 1º título da Coleção Norte-Sul, organizada e traduzida por Guilherme da Silva Braga.

RESENHA

Noveletas é uma coletânea de duas novelas do escritor norueguês Sigbjørn Obstfelder (1866-1900), considerado um dos pioneiros do modernismo literário em seu país. O livro, traduzido diretamente do norueguês por Guilherme da Silva Braga, é o primeiro título da Coleção Norte-Sul, que pretende apresentar ao público brasileiro autores e obras de países nórdicos ainda pouco conhecidos.

As novelas Liv e As Planícies são exemplos da prosa inovadora e experimental de Obstfelder, que explora aspectos psicológicos e abstratos dos personagens, em contraste com a narrativa realista e naturalista predominante na época. Influenciado pela poesia de Charles Baudelaire, Obstfelder cria atmosferas sombrias, melancólicas e simbólicas, que refletem sua própria angústia existencial e sua busca por um sentido para a vida.

Liv conta uma história narrada em primeira pessoa de um homem que cuida de uma mulher de nome homônimo ao conto. Ela vive em um internato e encontra-se doente, e ele toma para si a obrigação de cuidar dela. A narrativa é marcada pela subjetividade e pela fragmentação, que expressam o conflito interno e a instabilidade emocional da protagonista. O final é algo inesperado pelo leitor e marca toda leitura com um enredo emocionante e tocante.

Liv é islandesa. Ela, essa alva e bela figura, cuja mão desliza como uma sombra por cima das cobertas, em cujos olhos há um brilho de maciez, fala com erres ríspidos e estrangeiros, que soam estranhamente pesados na língua ademais suave. (p.19)

As Planícies narra a viagem de um homem através das planícies, onde ele descreve, com destreza mais do que os olhos podem enxergar. Ele conhece uma mulher de nome Naomi ao qual se encanta à primeira vista, ela é, segundo ele, pálida como um cadáver. A escrita do autor é prolífica em suas nuances e descreve com clareza e expertise um enredo inovador e intrínseco. O autor trabalha a noção de psicologia e lembrança em seus enredos, as descrições e aventuras de suas personagens revelam muito além do que o enredo pode proporcionar fora das entrelinhas, é necessário descortina-los, ler, reler e refletir. Sinto como se cada descrição do autor fosse um universo particular dentro de uma criação única e singular.

É estranho pensar que todos os outros estiveram com ela ao longo da vida inteira, e que no entanto, fui o primeiro a vê-la. Nenhuma pessoa no mundo viu Naomi (p.48) 

Noveletas é um livro que nos surpreende pela originalidade e pela beleza de sua escrita, que nos envolve e nos emociona com suas histórias de amor, dor e loucura. É uma obra que nos faz conhecer e admirar o talento de Sigbjørn Obstfelder, um autor que influenciou grandes nomes da literatura mundial, como Rainer Maria Rilke, e que merece ser lido e apreciado por todos os amantes da boa literatura.

[RESENHA #960] O cordeiro e os pecados dividindo o pão, de Milena Martins Moura

Nas palavras de Priscila Branco, que assina o prefácio do novo livro de Milena Martins Moura, “[em] O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, o único milagre possível é o ato poético […]: ‘Eu estou escrevendo / Isso é um milagre’”

Exercício de subversão, Milena Martins Moura faz o cordeiro – símbolo da castidade – sentar à mesa com os pecados. E gozar da companhia um do outro, “de corpo inteiro no indevido”.

Para a professora Paula Glenadel da Universidade Federal Fluminense (UFF), Milena “assume para si uma voz incomum entre sua geração”, tratando de temas bíblicos, ou dos “mistérios gregos”.

Neste O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, a opressão é esmagada e as palavras são desnudadas sem culpa, como aponta Anna Clara de Vitto na orelha.

A Eva de Milena é “serpente e desfrute” e vai “lambendo o caminho desviado”, dando atos de sujeito à primeira mulher. Em certo momento, Eva afirma: “estou nua e disso não me envergonho”.

RESENHA

A poeta enfrenta temas como religião, erotismo, profanação do sagrado e as proibições ligadas à liberdade feminina, em versos que usam a palavra como instrumento de independência. Priscila Branco ressalta, logo no início do prefácio, que essa coletânea de poemas é transgressora, pois propõe uma total inversão da tradição judaico-cristã, estabelecida em nossa sociedade por milhares de anos. E afirma: “O próprio ato de escrita e, agora, de leitura deste livro é a luta contra o sacrifício. Que a poesia possa sempre dar voz ao cordeiro e aos pecados, e que todo leitor ache um pedaço desse pão, mesmo que o cobertor esteja úmido em dias gelados.” Nessa mesma direção, Paula Glenadel oferece, no posfácio, uma análise sobre a abordagem ousada de Milena nessa obra. De acordo com ela, a fome e a sede são imagens que percorrem quase todos os poemas do livro. Para a professora, essas cenas se organizam em duas grandes séries de substâncias, a do pão, do vinho ou da água; e a da carne e do sangue, nas quais o sujeito se exercita na ocupação de lugares mutáveis. E essa transubstanciação, em suas palavras, “põe em destaque a ineficácia da transferência sacrificial tradicional, incapaz de saciar essa sede e, principalmente, essa fome”. Em O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão, as mulheres existem como seres que desejam e é do desejo que o direito à subjetividade emerge. Para a autora, trabalhar esse tema sob essa perspectiva era algo inevitável, além de um ato político em desejo de si e de outras: “Eu sou uma mulher que foi criada sob o peso da culpa e que se cansou de ver seu desejo como um erro e seu corpo como impuro.”

Em uma análise ao poema LUTA:

apenas dois
olhos
fracos
se interpõe
entre mim
escuro

e eu que nunca fui muito forte existo novembro e flores mortas pintadas do sangue de flamboyants tenho dois olhos cor de tempestade e um cansaço ancestral nos ossos do não
dito 

O poema é um texto lírico que expressa a angústia e a solidão do eu lírico, que se sente fraco e cansado diante da escuridão da vida. O poema tem uma estrutura irregular, sem rimas ou métrica definida, o que sugere uma ruptura com as formas tradicionais e uma busca por uma linguagem mais livre e pessoal.

O poema se divide em três partes, cada uma iniciada por uma referência aos olhos do eu lírico. Na primeira parte, ele diz que tem apenas dois olhos fracos que se interpõem entre ele e o escuro, o que indica uma sensação de impotência e vulnerabilidade diante do desconhecido. Na segunda parte, ele afirma que nunca foi muito forte e que existe novembro e flores mortas pintadas do sangue de flamboyants, o que remete a uma atmosfera de melancolia e decadência, marcada pelo fim do outono e pela cor vermelha que simboliza tanto a beleza quanto a violência. Na terceira parte, ele revela que tem dois olhos cor de tempestade e um cansaço ancestral nos ossos do não dito, o que sugere uma emoção intensa e reprimida, que carrega consigo há muito tempo e que não consegue expressar.

O poema, portanto, é uma manifestação de um sentimento de desesperança e de incomunicabilidade, que revela a fragilidade e a complexidade do eu lírico.

Adquira O Cordeiro e os Pecados Dividindo o Pão via site da editora Aboio: https://aboio.com.br/produto/o-cordeiro-milena-martins-moura/

[RESENHA. #961] O sorriso do erro, de Eduardo rosal

Em um mundo tomado pela disputa entre aprovação e reprovação, Eduardo Rosal defende o erro pelo erro. Não como um passo a caminho para o sucesso, mas uma escolha de maneira consciente: a fuga de qualquer rota totalitarista que desconsidere nossas singularidades e diferenças.

“Ser escritor”, diz o poeta, “é um esforço destinado ao erro; é trabalhar com as ruínas do fracasso”. No entanto, é preciso continuar escrevendo, buscando, ou melhor, criando um sentido para nossas vidas. “Assim como é preciso ver Sísifo contente, precisamos ver o sorriso no erro”, sentencia.

O Sorriso do Erro apresenta 42 poemas divididos em seis seções – Os muros do nome, Dentro e fora, Os gestos no escuro, Croque de concretude, Lições de fragilidade e Errâncias. Embora cada uma tenha seu próprio mote, elas dialogam entre si, fomentando uma conversa que culmina em um questionamento para o leitor: afinal, o que é o erro?

RESENHA

O Sorriso do Erro é um livro de poesia de Eduardo Rosal, publicado pela Editora Aboio em 2023. O autor defende o erro como uma forma de resistência e criação, contrapondo-se à lógica da aprovação e da reprovação que domina o mundo contemporâneo. Rosal propõe uma poesia que celebra as singularidades, as diferenças e as dúvidas, em oposição ao totalitarismo, ao fascismo e à uniformidade.

O livro é dividido em seis seções (os muros do nome; dentro e fora; os gestos no escuro; croqui de concretude; loções de fragilidade e errância), cada uma com um tema específico, mas que se relacionam entre si. Os poemas exploram questões como a identidade, a linguagem, a violência, a fragilidade, a memória e a esperança. Rosal utiliza uma linguagem simples, mas não simplista, que busca provocar o leitor a questionar o que é o erro e qual o seu papel na construção de um sentido para a vida.

O Sorriso do Erro é um livro que convida à reflexão, à crítica e à ação, através de uma poesia que não se conforma com o status quo, mas que busca transformá-lo. É um livro que sorri para o erro, não como um fracasso, mas como uma possibilidade de renovação e de liberdade.

O primeiro poema da primeira seção, os muros do nome, é completamente forte e poético:

Desde que não sei quem sou
começo a me entender
entre a sede
           e o são
    um nome
que não sei dizer
e se refaz 
vão de voo
terreno entre
um natimorto acerto
e os erros de quem
não se rende aos modelos

O poema começa com uma afirmação paradoxal: “desde que não sei quem sou, começo a me entender”. O sujeito poético revela que a sua ignorância sobre si mesmo é o ponto de partida para o seu autoconhecimento. Ele se coloca entre a “sede” e o “são”, ou seja, entre o desejo e a razão, entre a falta e a plenitude, entre o incompleto e o completo. Ele não se define por nenhum desses extremos, mas pela tensão entre eles.

O segundo verso mostra que o sujeito poético está em constante transformação: “um nome que não sei dizer e se refaz”. Ele não tem uma identidade fixa e estável, mas uma que se renova e se reinventa. Ele não sabe dizer o seu nome, pois ele não é um rótulo ou uma etiqueta, mas uma experiência e uma vivência.

O terceiro verso repete a expressão “vão de voo”, que pode ter dois sentidos: um de movimento, de ir e vir, de deslocamento; e outro de vazio, de ausência, de lacuna. O sujeito poético se situa nesse vão, nesse espaço entre, nesse intervalo que não é nem um nem outro, mas que possibilita a criação e a resistência.

O quarto verso reforça essa ideia de estar no “terreno entre”, no limiar, na fronteira, na margem. O sujeito poético não se conforma com o “natimorto acerto”, ou seja, com o que é dado como certo, mas que já nasce morto, sem vida, sem sentido, sem potência. Ele se identifica com os “erros de quem não se rende aos modelos”, ou seja, com as falhas, as diferenças, as singularidades, as subversões, as transgressões, as invenções.

O poema, pode ser considerado uma afirmação da identidade como um processo, uma construção, uma experimentação, uma errância, uma poesia. É um poema que sorri para o erro, como uma forma de liberdade e de expressão.

outro poema bastante interessante do autor está presente na quarta seção, croqui de concretude, loucura:

Locura de astrônomo,
de biólogo:
de binóculo na veia, ver
no mínimo o macro.
Microscopicamente, ver
no macro o micro

Loucura de arqueólogo, 
de catalogador, de colecionador:
movidos mais
pela próxima busca,
apaixonados pelo jogo com a perda,
com fome de fragilidades.

Loucura de escritor que manuseia
um grão de areia e um astro,
com a mesma intimidade
com que entrevista a morte,
uma planta dormideira
e um gato.

Sou louco pelo gelo derretendo,
pelos capachos de bem-vindo
(com ou sem hífen),
pela água ventando na poça.

Louco pelas montanhas com vacas.
Louco por outras pegadas.

Nesse poema, o autor explora as diferentes formas de loucura que se manifestam na curiosidade, na criatividade e na sensibilidade dos seres humanos. Ele usa como exemplos as profissões de astrônomo, biólogo, arqueólogo, catalogador, colecionador e escritor, que representam a busca pelo conhecimento, pela arte e pela memória. Ele também se inclui nessa lista, revelando suas próprias loucuras, que são detalhes simples e cotidianos que o encantam.

O poema é construído com versos livres, sem rima ou métrica fixa, mas com uma certa musicalidade e ritmo. Ele usa repetições, anáforas, aliterações e assonâncias para criar efeitos sonoros e enfatizar as ideias. Por exemplo, ele repete a palavra “loucura” no início de cada estrofe, criando uma espécie de refrão. Ele também usa anáforas como “de” e “pela” para introduzir os objetos de loucura de cada profissão ou pessoa. Ele usa aliterações como “binóculo na veia”, “movidos mais pela próxima busca” e “com fome de fragilidades” para criar sons consonantais que reforçam o sentido dos versos. Ele usa assonâncias como “astrônomo, de biólogo”, “arqueólogo, de catalogador, de colecionador” e “grão de areia e um astro” para criar sons vocálicos que harmonizam os versos.

O poema também usa imagens e metáforas para expressar as loucuras dos sujeitos. Por exemplo, ele usa a imagem do “binóculo na veia” para sugerir a intensidade e a paixão dos astrônomos e biólogos pelo que observam. Ele usa a metáfora do “jogo com a perda” para indicar o desafio e o risco dos arqueólogos, catalogadores e colecionadores que lidam com objetos frágeis e efêmeros. Ele usa a imagem do “grão de areia e um astro” para mostrar a amplitude e a diversidade dos temas que o escritor pode abordar. Ele usa a metáfora da “entrevista” para revelar a proximidade e a curiosidade do escritor com relação aos seus objetos de escrita, que podem ser desde a morte até um gato.

O poema, portanto, celebra a loucura como uma forma de resistir à normalização e à padronização que o autor critica em seu livro. Ele defende a loucura como uma forma de liberdade, de expressão e de criação, que valoriza as singularidades e diferenças humanas. Ele convida o leitor a se identificar com as loucuras apresentadas no poema e a reconhecer as suas próprias loucuras.

O sorriso do erro é um livro que nos convida a refletir sobre o papel do erro na vida humana, na arte e na sociedade. Eduardo Rosal, com sua poesia sensível, criativa e engajada, nos mostra que o erro não é apenas um desvio, um fracasso ou uma falha, mas também uma forma de resistir, de expressar e de criar. Ele nos propõe uma ética do erro, que valoriza as singularidades, as diferenças e as possibilidades de cada ser humano.

O livro é composto por 42 poemas, divididos em seis seções, que abordam temas como o nome, o corpo, o amor, a linguagem, a fragilidade e a errância. Cada seção tem um título que remete ao erro, como Os muros do nome, Dentro e fora, Os gestos no escuro, Croque de concretude, Lições de fragilidade e Errâncias. Os poemas são escritos em versos livres, sem rima ou métrica fixa, mas com uma musicalidade e um ritmo próprios. O autor usa recursos estilísticos como repetições, anáforas, aliterações, assonâncias, imagens e metáforas para criar efeitos sonoros e visuais, e para enfatizar as suas ideias.

O livro é uma obra original, inovadora e provocativa, que nos faz pensar sobre o nosso próprio conceito de erro, e sobre como lidamos com os nossos erros e os dos outros. É um livro que nos desafia a questionar os padrões, as normas e as verdades impostas pela sociedade, e a buscar a nossa própria voz, o nosso próprio caminho, o nosso próprio sorriso. É um livro que nos ensina a errar com coragem e consciência.

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