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A Comédia Romântica de Vinicius Grossos é um "Comfort Book" sobre Segundas Chances


Se existe uma data no calendário capaz de polarizar a humanidade, é o 12 de junho. Em "Melina odeia o dia dos namorados", Vinicius Grossos captura com precisão cirúrgica o sentimento daquele grupo demográfico que prefere se esconder em um bunker a enfrentar a enxurrada de declarações melosas nas redes sociais. A obra, um spin-off do universo de "Cruzeiro do Amor", funciona como uma novela (ou conto estendido) ágil, focada em Melina da Silva Souza, uma protagonista negra, bissexual e deliciosamente mal-humorada, que se vê encurralada pela data que mais despreza.

A narrativa começa no "Quadro Bar", um cenário urbano e "descolado" em São Paulo , onde Melina busca refúgio no fundo de uma taça de gim-tônica (bem doce, por favor) . A construção de Melina é o ponto alto inicial: ela é relacionável em seu esgotamento pós-corporativo e em sua autoconsciência irônica — chegando a imaginar que sua vida é uma série narrada por Taís Araújo ou Viola Davis .

A premissa, embora clássica, é executada com um frescor pop: a ex-namorada que partiu seu coração ressurge das cinzas (ou da multidão do bar) mais bonita e bem-sucedida do que nunca. A chegada de Abigail, a ex loira e rica , serve como o catalisador para uma jornada que alterna entre o presente embriagado e um passado repleto de desastres cômicos. Grossos não perde tempo com introduções lentas; a química — e o rancor — entre as duas é estabelecida instantaneamente, criando um gancho de leitura que prende pela curiosidade: como dois opostos que se repeliram tão violentamente podem se atrair de novo?

A Estrutura Narrativa: O Passado como Alívio Cômico

O livro adota uma estrutura não linear inteligente. Enquanto o presente avança em direção a uma reconciliação tensa, os capítulos de flashback servem para justificar o título do livro. Por que Melina odeia o dia dos namorados? A resposta é entregue através de vinhetas de humilhação pública que beiram o sitcom.

Temos desde o jantar romântico arruinado pela intolerância à lactose (onde um creme de milho feito com leite normal causa um desastre intestinal em Abigail) até a inesquecível visita ao "Motel Hot Roll". A cena do motel, descrita como um cenário de filme de terror habitado por uma família de pombos , é o ápice do humor da obra. O autor utiliza o absurdo para humanizar o romance, afastando-se da perfeição idealizada e abraçando o caos da vida real, onde maçanetas caem na mão  e o romantismo morre diante da falta de higiene.

Por trás da camada de humor e das referências à cultura pop (de Taylor Swift a O Diabo Veste Prada), o texto toca em feridas reais de relacionamentos inter-raciais e de classes distintas no Brasil. Melina carrega a insegurança de quem sempre se sentiu "menos" ao lado de Abigail.

A tensão financeira é palpável nas memórias de Melina: a vergonha de chegar a pé no motel, a impossibilidade de acompanhar as viagens internacionais da namorada, a sensação de inadequação. O término original, que Melina interpretou como rejeição por quem ela era (ou não podia pagar para ser), revela-se fruto de uma falha de comunicação colossal. A revelação de que Abigail terminou para cuidar da mãe com câncer  é o plot twist emocional que recontextualiza o rancor da protagonista.

Aqui reside, talvez, a única crítica estrutural à obra: a resolução é veloz. O salto do "eu te odeio" para o "vamos transar e fingir que somos namoradas por uma noite"  exige uma suspensão de descrença. A mágoa de anos é dissolvida em alguns parágrafos de conversa e uma dose de atração física inegável. No entanto, considerando o formato de novela curta, essa agilidade é perdoável e até necessária para manter o ritmo frenético proposto.

Representatividade e Modernidade

Vinicius Grossos acerta em cheio na naturalização da bissexualidade de Melina. Ela se define como uma "mulher inclusiva", e sua sexualidade não é o conflito da trama, mas apenas uma característica. A presença de Alessandro (o QueerAndro), melhor amigo gay e suporte emocional, adiciona camadas de afeto e representatividade, mostrando a importância da "família escolhida" para a comunidade LGBTQIA+. A entrevista bônus com Alessandro ao final  é um toque de metalinguagem que expande o universo literário de forma divertida.

Conclusão: Um "Comfort Book" para Desencantados

"Melina odeia o dia dos namorados" não tenta ser um tratado denso sobre a psique humana, e nisso reside seu triunfo. É literatura de entretenimento em sua melhor forma: rápida, escapista e com coração. A escrita é fluida, recheada de diálogos verossímeis e pensamentos internos que geram identificação imediata.

O final, com a troca de mensagens estendendo o "namoro de mentira" para uma semana, deixa um gosto doce de esperança. O livro nos diz que, às vezes, o amor não precisa ser perfeito, nem lógico, e muito menos livre de pombos em quartos de motel baratos. Ele só precisa de uma segunda chance e de um pouco de coragem para superar o orgulho.

Veredito: Uma leitura leve, picante e genuinamente engraçada. Victor Grossos entrega uma comédia romântica sáfica que cura a ressaca de qualquer data comemorativa, provando que até os corações mais cínicos (e as piores experiências com lactose) têm salvação. Ideal para ler em uma sentada só, de preferência com um gim-tônica na mão.

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