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Um bate papo com o autor Vitor Zindacta

Rio Verde, GO – Longe dos grandes eixos editoriais do país, o escritor goiano Vitor Zindacta constrói uma carreira literária marcada pela coragem e pela versatilidade. De romances eróticos que exploram as profundezas do desejo a guias sensíveis sobre o luto, ele transita por gêneros distintos com uma fluidez que instiga e cativa leitores. Estudante de História e História da Arte, Zindacta utiliza seu conhecimento acadêmico como lente para observar e narrar as complexas facetas da experiência humana.

Nesta conversa aprofundada, mergulhamos em seu processo criativo, no impacto de suas obras e nos caminhos que o levaram a explorar territórios tão diversos da escrita.


REDAÇÃO: Vitor, sua bibliografia é notavelmente diversa. Você publicou romances como "Ruínas do Desejo", contos eróticos em "Todos os Ruidosos Pássaros e Outras Devassidões" e um livro de não ficção sobre o luto, "Viver com a Perda". O que te move a explorar gêneros tão distintos?

Vitor Zindacta: Acredito que a vida em si não se encaixa em um único gênero. Sentimos desejo, amor, dor, luto, curiosidade intelectual... São todas facetas da mesma experiência humana. Para mim, a escrita é uma ferramenta para investigar essas diferentes facetas. Cada tema, cada sentimento, parece pedir um formato, uma abordagem, um "gênero" diferente para ser explorado em sua plenitude. Não me vejo como um "autor de um gênero só", mas como um autor interessado na complexidade do ser humano.

REDAÇÃO: Vamos falar sobre "Ruínas do Desejo". O livro aborda uma paixão avassaladora com uma honestidade crua. Qual foi o maior desafio ao construir uma narrativa erótica que também tivesse profundidade psicológica e emocional?

Vitor Zindacta: O maior desafio foi justamente equilibrar a balança. O erotismo, para ser potente, não pode ser apenas a descrição de um ato físico; ele precisa estar carregado de tensão, de psicologia, de história. Em "Ruínas do Desejo", busquei mostrar como o desejo pode ser uma força transformadora e, ao mesmo tempo, destrutiva. O desafio era narrar a intimidade do casal de forma explícita sem que isso soasse gratuito, garantindo que cada cena de sexo revelasse algo novo sobre os personagens, suas vulnerabilidades e o poder que exerciam um sobre o outro.

REDAÇÃO: Em seguida, você publica "Todos os Ruidosos Pássaros", uma coletânea de contos. O que o formato de conto permitiu explorar dentro da temática erótica que o romance não permitia?

Vitor Zindacta: O conto é como uma fotografia, um instante capturado com intensidade máxima. Ele me permitiu explorar uma variedade muito maior de cenários, fetiches, dinâmicas de poder e tipos de relacionamento que não caberiam em um único romance. Pude experimentar com diferentes vozes narrativas e abordar a sexualidade de formas mais fragmentadas e pontuais. Foi um exercício de concisão e potência, focando no clímax de uma situação, seja ele físico ou emocional.

REDAÇÃO: A transição do erótico para um guia sobre o luto em "Viver com a Perda" é marcante. O que motivou essa mudança de foco tão drástica e como foi o processo de pesquisa para escrever sobre um tema tão delicado?

Vitor Zindacta: A mudança pode parecer drástica por fora, mas internamente ela faz sentido. Tanto o desejo intenso quanto o luto profundo são experiências que nos levam aos limites de nossas emoções. São vivências que nos transformam irrevogavelmente. A motivação veio de uma percepção da necessidade de se falar sobre o luto de forma mais aberta e acolhedora. O processo foi intenso, envolvendo muita leitura, desde a psicologia até relatos pessoais, e uma busca por uma linguagem que fosse ao mesmo tempo respeitosa, empática e útil. Meu objetivo era oferecer um mapa, um ombro amigo para quem se sente perdido na dor.

REDAÇÃO: Qual foi a recepção dos leitores que te conheciam pelo seu trabalho de ficção erótica ao se depararem com "Viver com a Perda"? Houve algum tipo de estranhamento?

Vitor Zindacta: Sim, houve uma surpresa inicial por parte de alguns, o que é natural. Mas a recepção foi majoritariamente positiva e compreensiva. Acredito que os leitores perceberam que, apesar dos temas distintos, a essência do meu trabalho continua a mesma: um interesse genuíno pelas emoções humanas em seus extremos. Recebi mensagens muito tocantes de pessoas que foram ajudadas pelo livro em momentos difíceis, e isso valida a decisão de ter navegado por essas águas. Mostra que o autor pode, e deve, ser multifacetado.

REDAÇÃO: Seu livro mais recente, "Onde guardas o que não se vê?", parece dialogar com a memória e o afeto. Como suas vivências em Rio Verde e seus estudos de História influenciaram essa obra?

Vitor Zindacta: Totalmente. Viver em uma cidade do interior, com um ritmo próprio, aguça a percepção sobre a passagem do tempo, sobre as memórias que impregnam os lugares e as relações. A História nos ensina que somos feitos de camadas, de passados que coexistem com o presente. Em "Onde guardas o que não se vê?", busco explorar exatamente isso: as memórias afetivas, os legados familiares, as coisas que não são ditas, mas que moldam quem somos. É um livro que nasce dessa observação do micro, do cotidiano, que por sua vez reflete questões universais.

REDAÇÃO: Você também publicou "Ainda Escrevo Para Você". Qual o papel da literatura epistolar ou de textos mais diretos e confessionais em sua obra?

Vitor Zindacta: "Ainda Escrevo Para Você" é um exercício de vulnerabilidade. A escrita em formato de carta ou de crônica mais pessoal permite uma conexão muito imediata e íntima com o leitor. É como abrir uma janela para a própria alma, sem as máscaras da ficção. Gosto desse formato porque ele humaniza o autor e cria uma corrente de empatia. É uma forma de dizer ao leitor: "Eu também sinto, também sofro, também amo".

REDAÇÃO: Como estudante de História da Arte, de que maneira a linguagem visual e a estética de certos movimentos artísticos contaminam sua prosa? Você "vê" suas cenas antes de escrevê-las?

Vitor Zindacta: Com certeza. A História da Arte treinou meu olhar para a composição, a luz, a sombra, a cor. Eu definitivamente "vejo" as cenas. O Expressionismo, por exemplo, com sua ênfase na emoção distorcendo a forma, inspira-me a construir descrições que reflitam o estado interior de um personagem. O Surrealismo me encoraja a explorar o onírico e o subconsciente. Tento usar as palavras como um pintor usa seus pincéis, para criar atmosferas e evocar sensações que vão além do enredo.

REDAÇÃO: Através do portal "Post Literal", você analisa e divulga outros autores. Como essa atividade de crítico e curador literário impacta seu próprio processo de escrita?

Vitor Zindacta: Ser um leitor crítico é a melhor escola para um escritor. Analisar a obra de outros autores me torna mais consciente das ferramentas narrativas, das estruturas, dos clichês a serem evitados e das soluções criativas possíveis. Isso amplia meu repertório e me torna um juiz mais rigoroso do meu próprio trabalho. Além disso, divulgar a literatura nacional independente é um ato político. Me conecta com a cena contemporânea e me inspira a continuar produzindo.

REDAÇÃO: O mercado editorial brasileiro costuma colocar autores em "caixas" de gênero. Você já sentiu alguma pressão ou dificuldade por transitar entre tantos nichos diferentes?

Vitor Zindacta: A pressão existe, sem dúvida. O mercado gosta de rótulos porque eles facilitam a venda. Mas sempre pautei minha carreira pela liberdade criativa. Acredito que o público leitor é mais inteligente e aberto do que às vezes o mercado supõe. O desafio é construir uma marca autoral que não se baseie em um gênero, mas em uma voz, em uma sensibilidade que perpassa todas as obras. Felizmente, com a publicação independente e as vendas diretas pela internet, tenho mais autonomia para seguir meu caminho.

REDAÇÃO: Olhando para o conjunto da sua obra até agora, qual você acredita ser o impacto principal ou a mensagem que conecta todos esses livros tão diferentes?

Vitor Zindacta: Se há uma linha conectando tudo, acredito que seja a busca pela legitimação de todos os sentimentos humanos. Seja o desejo mais carnal, a dor mais profunda do luto ou o afeto mais singelo, tento escrever com a mensagem implícita de que sentir é humano e legítimo. Minha obra é um convite para que o leitor olhe para suas próprias complexidades sem julgamento.

REDAÇÃO: Existe algum gênero literário que você ainda não explorou, mas tem muita vontade de experimentar no futuro?

Vitor Zindacta: Tenho uma curiosidade imensa pela ficção histórica. Unir minhas duas paixões, História e Literatura, de forma mais direta seria um projeto fascinante. Pesquisar um período específico do Brasil, talvez o período colonial em Goiás, e construir uma narrativa ficcional a partir de fatos e personagens reais é um desafio que me atrai enormemente.

REDAÇÃO: Como você descreveria o leitor ideal para a sua obra? Quem é a pessoa que você imagina lendo seus livros?

Vitor Zindacta: Imagino um leitor curioso e sem preconceitos. Alguém que não tenha medo de mergulhar em emoções intensas e que goste de ser provocado a pensar. Não é um leitor que busca apenas entretenimento fácil, mas que aprecia a beleza de uma linguagem bem trabalhada e que está disposto a se conectar com as vulnerabilidades, tanto dos personagens quanto as suas próprias.

REDAÇÃO: Qual dos seus livros foi o mais difícil de escrever, emocional ou tecnicamente, e por quê?

Vitor Zindacta: Emocionalmente, "Viver com a Perda" foi, de longe, o mais desgastante, por exigir uma imersão constante em um tema de profunda dor. Tecnicamente, talvez "Ruínas do Desejo", pelo desafio já mencionado de construir uma narrativa erótica que fosse literariamente relevante e psicologicamente complexa, fugindo da superficialidade.

REDAÇÃO: Por fim, que conselho você daria a um escritor iniciante que, como você, se sente atraído por múltiplos gêneros e teme não se encaixar no mercado?

Vitor Zindacta: Meu conselho é: seja fiel à sua voz e à sua curiosidade. Não tenha medo de experimentar. A coerência de uma obra não está na repetição de um gênero, mas na honestidade e na qualidade da escrita. Estude, leia de tudo, escreva muito. O mercado é uma consequência. Primeiro, construa uma obra que seja verdadeira para você. O leitor que compartilha da sua sensibilidade vai te encontrar.

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