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Resenha: Democracia desprotegida, de Emanuel de Melo Ferreira


APRESENTAÇÃO

A Constituição de 1988 estabeleceu princípios democráticos e sociais que moldaram a nação nas últimas décadas. No entanto, ao longo dos anos, esses princípios têm enfrentado uma série de desafios que ameaçam sua integridade e aplicação. A presente obra explora essa questão crucial e apresenta uma análise sobre a erosão do seu caráter social e democrático.

Os eventos do 08 de janeiro de 2023, que incluíram uma tentativa de golpe de Estado e ações violentas contra os três Poderes em Brasília, são tomados como um exemplo dramático dessa erosão democrática. O autor se concentra em investigar o comportamento de juízes e membros do Ministério Público neste contexto, buscando entender em que medida eles têm colaborado com o autoritarismo ou resistido a ele. A pesquisa revela como o autoritarismo tem se desenvolvido, em parte, devido a uma coordenação engajada em torno de princípios antidemocráticos e ao uso do Direito para tais fins, o que resulta em uma proteção inadequada à democracia.

Nas palavras do autor: “As premissas ideológicas desta obra partem da necessidade de lutar pela Constituição de 1988, reconhecendo as graves desigualdades sociais do Brasil, amplificadas por meras análises abstratas tipicamente liberais. Nesse sentido, a busca por uma efetiva democracia social, capaz de concretizar os diversos direitos sociais previstos constitucionalmente, passa por uma rigorosa crítica ao autoritarismo e à exaltação do golpe militar na medida tais práticas amplificam ainda mais a ofensa à isonomia, fomentando violência contra grupos menos favorecidos, como os que sofrem com a violência nas periferias”.

RESENHA

O livro se inicia abordando a erosão do caráter social e democrático da Constituição de 1988 no Brasil, destacando um processo que busca exaltá-la a ditadura militar e promover um projeto autoritário. Esse cenário se intensificou após os eventos de 8 de janeiro de 2023, quando ocorreram tentativas de golpe de Estado em Brasília. O livro mencionado no texto tem como objetivo investigar a postura de juízes e membros do Ministério Público diante do autoritarismo e das práticas não democráticas, analisando como essas instituições podem tanto perpetuar legados da ditadura quanto resistir a eles. A pesquisa para elaboração do livro questiona em que medida os atores da justiça colaboram com o autoritarismo ou se opõem a atos que apologia a ditadura militar. A hipótese é que parte do sistema judiciário atua em consonância com princípios antidemocráticos, utilizando o Direito para proteger deficientemente a democracia. Ao longo da obra, são explorados os legados da ditadura, a negação dos crimes perpetrados durante esse período e o impacto dessas práticas autoritárias nas instituições de controle e no funcionamento do Estado.

Um foco importante é dado ao negacionismo da ditadura militar, que deslegitima o passado e justifica ações autoritárias, como as homenagens a torturadores e a perseguição de opositores. A pesquisa utiliza uma abordagem de estudos de caso para investigar práticas concretas e atende a um critério metodológico que busca compreender as relações entre o sistema de justiça e a proteção da democracia.

O livro segue ressaltando a importância da análise conjunta do Judiciário e do Ministério Público, considerando suas funções na salvaguarda da democracia e na resistência a práticas que ameaçam os direitos humanos, evidenciando um cenário complexo entre o legado autoritário e a luta pela efetivação dos direitos constitucionais no Brasil.

A obra ainda aborda a investigação de práticas autoritárias no sistema de justiça brasileiro, destacando a importância do caso publicamente evidenciado pelo jornal Folha de São Paulo para o desencadeamento de uma pesquisa aprofundada. A análise considera a politização militar e exemplos recentes, como a palestra do General Hamilton Mourão que sugeriu intervenções militares. O foco da pesquisa são os vícios processuais e materiais que indicam uma aceitação da ditadura militar no Judiciário, incluindo a negação de crimes da ditadura e a discricionariedade militar. A argumentação jurídica é explorada como um meio pelo qual legados autoritários se manifestam, ressaltando a necessidade de uma crítica ideológica ao conservadorismo dos juristas. A metodologia da pesquisa reconhece a inevitabilidade da ideologia na neutralidade do pesquisador, buscando uma abordagem que defenda a Constituição de 1988 e combata desigualdades sociais. Os casos analisados, que surgiram após a posse de Jair Bolsonaro, revelam um aumento do autoritarismo e a resistência dentro do sistema de justiça, especialmente em relação ao papel do STF.

O trabalho é estruturado em três capítulos, que resumem os casos e as práticas judiciais relacionadas à ditadura militar, com o objetivo de documentar a resistência constitucional frente ao autoritarismo contemporâneo, caracterizando-o como inconstitucional. Os argumentos abordados pelo sistema de justiça que justificam essa inconstitucionalidade são criticados. A pesquisa se baseia em pensadores como Paulo Bonavides, enfatizando a necessidade de um Direito Constitucional de resistência contra as práticas autoritárias e as políticas neoliberais.

A análise da justiça de transição no Brasil e a negação dos legados da ditadura militar revela um cenário complexo e conflituoso, repleto de tentativas de silenciamento e de reinterpretação de eventos históricos que marcaram a nação. O primeiro capítulo aborda os legados da ditadura, destacando como a interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei de Anistia tem sido pautada pela busca por uma “estabilidade social”, o que, muitas vezes, resulta na minimização da gravidade das violações de direitos humanos. Isso se dá em um contexto onde precedentes internacionais sugerem a necessidade de responsabilização por crimes de lesa-humanidade, um aspecto ignorado em diversas ocasiões.


Os casos emblemáticos como Riocentro, Rubens Paiva, Etienne Romeu e Antonio Torini evidenciam a resistência em reconhecer as atrocidades cometidas durante o regime militar. Além disso, homenagens públicas a figuras ligadas à repressão, como Sebastião “Curió” e a celebração do Golpe Militar, refletem uma tentativa contínua de legitimar ações autoritárias no imaginário social. A captura da Comissão de Anistia e a paralisação do Memorial da Anistia também simbolizam esforços sistemáticos para evitar a responsabilização dos torturadores, culminando em episódios como a censura judicial à Comissão Nacional da Verdade.

No segundo capítulo, as estratégias utilizadas para a conservação do autoritarismo se desdobram em dois eixos principais: processuais e materiais. A manipulação dos precedentes e a deslegitimação da Comissão Nacional da Verdade, bem como a promoção de uma liberdade de expressão que se torna um manto para a politização militar, formam um caldo de cultura que favorece o autoritarismo. A neutralidade ideológica, frequentemente proclamada, revela-se, na prática, como um instrumento de erosão dos direitos constitucionais e da legitimidade democrática.

Por fim, o terceiro capítulo discute a difusão desse autoritarismo à luz da resistência constitucional. Elementos como a figura do “cidadão de bem” e as críticas de juristas como Paulo Bonavides sobre a neutralidade ideológica revelam a transformação da política brasileira em um espaço onde as ideologias se radicalizam, desafiando a democracia. A resistência constitucional não é apenas uma luta por direitos, mas também uma repolitização do debate público, que busca reverter a erosão provocada por interpretações conservadoras e autoritárias. Assim, vemos que a articulação entre a colaboração interinstitucional e as práticas autoritárias resulta em uma verdadeira batalha judicial e social pela manutenção da democracia e pela verdade histórica no Brasil.


O livro, democracia desprotegida, se destaca por sua análise crítica e corajosa acerca das dinâmicas entre o sistema de justiça brasileiro e as práticas autoritárias que ameaçam a democracia. Ao abordar a erosão do caráter social e democrático da Constituição de 1988, especialmente em um momento de crescente tensão política, a obra oferece uma reflexão profunda, enriquecida por uma sólida pesquisa de campo e um acurado trabalho de análise teórica.

Através de uma abordagem metódica que investiga a postura de juízes e membros do Ministério Público, o autor não apenas critica, mas também ilumina as nuances da situação atual, evidenciando tanto os legados da ditadura militar quanto os esforços de resistência que surgem dentro das instituições. A contextualização dos casos emblemáticos traz à tona a importância de reconhecer e confrontar o passado, enquanto desafia a tendência de apagamento e negação das violências históricas.

A escolha por um formato de estudo de casos é particularmente eficaz, permitindo uma exploração detalhada das intersecções entre a legislação, a prática judicial e o contexto político. Ao propor um diálogo entre a teoria e a prática, a obra se torna um instrumento valioso para acadêmicos, juristas e cidadãos comprometidos com a defesa da democracia e dos direitos humanos.

O enfoque no negacionismo e na manipulação legal como formas de perpetuação do autoritarismo revela uma preocupação essencial com a saúde da democracia brasileira. Além disso, a crítica à neutralidade ideológica no sistema de justiça proposta pelo autor é um convite à reflexão sobre a responsabilidade dos operadores do Direito em tempos de crise.

Ao longo dos capítulos, o autor não apenas documenta, mas também propõe uma ação, instigando o leitor a pensar na importância da resistência constitucional. O trabalho termina com uma nota de esperança, enfatizando que a luta pela verdade e pela justiça não é apenas uma tarefa institucional, mas um imperativo moral de toda a sociedade. Assim, a obra se configura como um importante farol para aqueles que desejam compreender e enfrentar os desafios contemporâneos à democracia no Brasil.

Resenha: Dentes de leite, Antonio Pokrywiecki



APRESENTAÇÃO

Em sua estreia na contística, Antonio Pokrywiecki percorre — com propósito e, quando quer, com maldade — a ambiguidade dos signos do medo e do trauma. A imprevisibilidade que assombra pode ser tão assustadora quanto os próprios monstros. E os monstros também não fogem. Mas podem ser provisórios.

RESENHA

Em "Dentes de leite", de Antônio Pokrywiecki somos apresentados a um conjunto de narrativas interligadas que se desenrolam em igual intensidade. Iniciando em 'o balneário', tendo como pano de fundo uma praia local que serve não apenas como cenário, mas como um símbolo profundo de introspecção e transformação nas relações interpessoais. A obra, rica em nuances emocionais, mergulha nas complexidades das conexões humanas, abordando temas como amor, solidão e a inevitável passagem do tempo. A narrativa inicia-se com um grupo de amigos, liderados por X, que se reúnem anualmente em uma praia que, embora marcada pela especulação imobiliária, carrega lembranças de um tempo em que a beleza do lugar era inquestionável. As reflexões de X sobre as mudanças nas relações à medida que envelhecem, culminam em momentos de melancolia e saudade, marcado pela lembrança do guarda 5, onde um homem rememora a morte de seu irmão, evocando a dualidade do luto e a continuidade da vida.

A história se desdobra em experiências de G e H na praia menos frequentada, Guarda 17, onde enfrentam um ambiente insalubre. Mesmo assim, a ousadia de nadar nessas águas questionáveis reflete uma busca silenciosa por intimidade, revelando como a busca por conexão pode superar as adversidades. Outro ponto alto da narrativa é a descrição de uma família que visita um balneário tranquilo, onde o pai, V, lida com a transição da filha Z para a adolescência. As preocupações que surgem com essa nova fase da vida de Z impõem a V uma reflexão sobre seu papel como pai e as novas dinâmicas familiares que se estabelecem, reafirmando como a percepção das relações muda com o tempo. Além dessas perspectivas, a obra também nos apresenta um momento tocante da infância, com uma criança que chora na beira da praia, e a luta de um homem que questiona suas aptidões como pai, mergulhando em uma onda de arrependimento e aversão ao compromisso que o cerca. Essas vozes, solitárias e interligadas, enriquecem a trama, trazendo à tona as inquietações que cada um carrega.

A obra prossegue com a inserção do conto ''o anjo exterminador'', que narra a vida de um marido ao lado de Suzanna,  em um mundo distópico. Eles moram em uma "Torre de Aço e Vidro" e transitam por um sistema de roldanas que traz para eles objetos e lixo. No entanto, o cenário é sombrio. Eles têm consciência da existência de "Cidadãos Miseráveis" que habitam as casas humildes, e a presença do "Anjo Exterminador" sugere uma sociedade rígida e opressora. Suzanna, sempre se preocupa com essas pessoas, e o marido tenta consolar sua preocupação, mesmo relutando em encarar a dureza da realidade. Além disso, a dupla enfrenta o mistério do desaparecimento de seu gato. Apesar das dificuldades e da inquietude que os cercam, o marido sente que a presença de Suzanna torna tudo mais leve e significativo.

O capítulo "Nico e Kira" oferece uma visão introspectiva sobre as dificuldades enfrentadas por um casal em meio a crises de emprego e os desafios do cotidiano. A narrativa começa com a demissão de Nico, um trabalhador que dedicou uma parte significativa de sua vida à fábrica de colchões, sendo substituído por máquinas mais modernas. A frustração e o desamparo que ele sente ao receber a notícia são palpáveis, especialmente no momento em que tenta esconder a demissão de sua esposa, Kira. Enquanto Nico se entrega à contemplação de sua nova realidade, Kira, em seu trabalho como manicure, também enfrenta suas próprias inseguranças e desafios. O contraste entre as profissões e suas respectivas demissões sugere que o mercado de trabalho é implacável e não discrimina. Kira tenta entender seu valor e lugar nesse novo cenário, refletindo sobre a hierarquia existente no salão de beleza onde trabalha e as dificuldades que vêm com a instabilidade de suas atividades.

A obra segue com outros contos de igual relevância, mostrando as habilidades de escrita imponentes apresentadas por Antônio Pokrywiecki, demonstrando uma habilidade ímpar em criar um espaço literário rico, onde a praia atua como um espelho da condição humana, evidenciando a complexidade das relações nos diferentes estágios da vida. Com uma prosa sensível e pensativa, o autor nos convida a refletir sobre o amor, a solidão, a passagem do tempo e o incessante desejo de conexão que define a experiência humana. Em sua totalidade, a obra é uma exploração profunda das nuances emocionais que permeiam a vida e as interações humanas, encerrando cada narrativa em uma leveza tocante e ao mesmo tempo dolorosa.

Resenha: A sociedade perfeita, de João Fragoso



APRESENTAÇÃO

Economistas, sociólogos, antropólogos e historiadores, cada um do seu jeito, vêm tentando explicar o Brasil. Eles nos desnudam, querendo nos mostrar quem somos e por que somos assim, com nossa riqueza e nossa pobreza. Cada autor tenta explicar como é que um país no qual “em se plantando tudo dá” conseguiu chegar ao grau de desigualdade e de pobreza que hoje nos acomete.

Nesta obra, escrita com competência e paixão, o historiador João Fragoso apresenta um panorama bastante diferente daquele que enxerga o capitalismo comercial atuando em terras brasileiras. Ele registra a origem da desigualdade exatamente na sobrevivência de relações feudais no mundo ibérico.

A sociedade perfeita já nasce como um candidato a livro de referência, de leitura obrigatória, tanto pela farta documentação utilizada quanto pela riqueza de análise. Leitura fascinante e obrigatória.

RESENHA

O livro aborda os traços marcantes da sociedade brasileira dos séculos XVII e XVIII, focando na concentração de riqueza e distinções sociais. O autor examina a maneira como as desigualdades eram vistas como fenômenos naturais, aceitas e até desejadas pela população, influenciadas por um pensamento cristão medieval que entendia a hierarquia social como uma ordem divina.  Na análise, a sociedade é apresentada como uma “sociedade perfeita” baseada na desigualdade, com a autoridade dos senhores sobre homens e mulheres, refletindo visões familiares de obediência. O livro destaca a formação de uma elite agrária no Brasil colonial, onde a escravidão e a concentração de terras eram fundamentais para a economia, e onde a miséria e a opressão eram aceitas como partes do destino social.

Os capítulos exploram a transição da Europa feudal para uma sociedade dominada por uma nova ordem econômica e social, a expressão do Antigo Regime no Brasil através da exploração das culturas e do comércio de escravos, e a constituição da hierarquia social local, com elites neoterritoriais que negociavam e controlavam a população e a economia. 

Com um olhar para as transformações do século XVIII, o autor discute a descoberta de metais preciosos e a formação de um complexo mercado interno. O livro propõe que essa desigualdade e a noção de sociedade perfeita foram (re)criados pelos próprios brasileiros, um processo que, segundo o autor, pode contribuir para a compreensão e a redução das desigualdades sociais atuais.


O autor oferece uma análise da estrutura social e das relações de poder na Europa do século XVI, destacando a interdependência entre camponeses e aristocratas. Através das falas de personagens de peças teatrais de Thomas Middleton e William Shakespeare, a discussão se centra na dinâmica de servidão e na hierarquia social, onde a ideia de um homem sem senhor provoca estranhamento e questionamentos sobre a ordem social vigente. Os pensadores da época, tanto cristãos quanto seculares, percebiam a necessidade de uma hierarquia para a manutenção da ordem social. Mesmo os defensores de conceitos democráticos perseguiam uma estrutura que não incluía todos os cidadãos, como mulheres e lavradores, demonstrando um consenso sobre a desigualdade.

A cultura da época, ainda predominantemente rural, via a terra como um bem associado ao poder aristocrático, e a relação entre senhores e camponeses era legitimada pela tradição e pela crença religiosa. Os camponeses aceitavam a superioridade dos nobres, que eram vistos como figuras quase divinas, baseando-se na concepção de um mundo hierárquico instituído por Deus. Essa relação de dependência era caracterizada por um pacto desigual, onde os camponeses sustentavam os senhores em troca de proteção e acesso à terra. A fé cristã desempenhava um papel crucial em justificar esta hierarquia, levando os homens a interpretar sua realidade social como uma ordem natural e desejada.

Além disso, o conceito de corporações sociais aparece como fundamental para a compreensão da vida comunitária. As aldeias foram apresentadas como corporações que regulavam a vida cotidiana, organizando atividades como coletas de impostos e festas, e mediando as relações de dependência entre senhores e lavradores. Portanto, essa visão da sociedade europeia renascentista é marcada por um entendimento de hierarquia e desigualdade sustentado por estruturas religiosas e sociais profundamente enraizadas. No final do século XIII, a sociedade feudal entrou em crise devido a uma combinação de fatores, como a dificuldade de sustentar a população crescente, o aumento da fome e a mortalidade provocada pela peste bubônica, que exterminou cerca de 25 milhões de pessoas entre 1348 e 1350. O despreparo da aristocracia para lidar com essa mortalidade aprofundou a crise agrícola e a miséria urbana. O renascimento das monarquias territoriais se deu em meio a revoltas camponesas e à crise de legitimidade da Igreja Romana, gerando espaço para o surgimento de novas ideias religiosas e políticas. A centralização do poder nas mãos da Coroa se evidenciou em países como França e Espanha. A Monarquia Espanhola, formada através de alianças matrimoniais, tornou-se um império em expansão sob Carlos V. O autor também aborda as novas paisagens agrárias e a economia-mundo emergente na Europa moderna, como a protoindústria nos Países Baixos e o impacto da crescente demanda por lã na Inglaterra, que levou ao cercamento de campos e à transição gradual para um sistema capitalista. Na França, os camponeses conseguiram maior autonomia em comparação com a aristocracia.

O autor aborda os processos de constituição da sociedade aristocrática em Portugal, traçando um panorama histórico desde o final do século X até as mudanças que ocorreram ao longo da Reconquista e na transição para uma monarquia pluricontinental. Inicialmente, o Condado Portucalense, como parte da estrutura feudal do norte da península ibérica, servia de barreira contra as investidas islâmicas. Com a Reconquista no século XI, liderada por Afonso Henriques e impulsionada por alianças com cidades e a pequena nobreza, Portugal começou sua formação como reino, culminando na aclamação de Afonso como rei em 1139. A sociedade lusa se estruturou sob uma hierarquia aristocrática e católica, onde a Coroa exercia poder distribuindo privilégios e recompensas por serviços militares, posicionando-se como a "cabeça" do sistema social. A nobreza gerada era mais dependente dos favores reais do que de propriedades fundiárias, o que a diferenciava de nobrezas em outros países. Após o término da Reconquista em 1249, a escassez de recursos agrários gerou tensões sociais, pois a aristocracia desempregada e o déficit alimentar ameaçaram a estabilidade política.

O autor também descreve a evolução da Coroa e do sistema econômico, que se tornaram insustentáveis após a Reconquista. Com o reinado de D. João I, Portugal buscou alternativas econômicas através da exploração ultramarina, iniciando a conquista de Ceuta e expandindo seu comércio com a África. A aristocracia lusa passou a se envolver com o comércio, com figuras como D. Henrique liderando expedições e estabelecendo um domínio marítimo. Além disso, salienta-se que o sistema de erva aristocrático se perpetuou com a Lei Mental, que consolidou a herança em terras nobres, e a criação de morgados para garantir a continuidade das casas aristocráticas. Já no século XV, as expedições exploratórias e de comércio escravista nos arquipélagos da Madeira e Açores começaram a moldar a economia portuguesa, que se alicerçou em práticas que se refletiriam nas futuras colônias.

O autor aborda a interseção entre o comércio atlântico de escravos e o catolicismo durante a monarquia portuguesa nos séculos XVI a XIX, destacando que, mais do que um sistema de comércio, o tráfico de cativos era legitimado por uma visão religiosa que os transformava em escravos cristãos. Esse processo envolvia a conversão dos cativos por meio do batismo, que os integrava ao sistema cristão, ao mesmo tempo em que justificava a escravidão. Embora o cristianismo tivesse também começado a condenar a escravidão moralmente a partir do século XVIII, ainda assim forneceram apoio teológico e moral ao escravismo durante muito tempo.

A Igreja Católica, em particular, participou ativamente desse fenômeno, legitimando a escravidão como um meio de evangelização e impondo normas que promoviam a obediência dos cativos. Os batismos registrados nas colônias, que adotavam a prática de nomear os cativos como cristãos, simbolizavam a passagem de cativos a escravos. Assim, a produção e o comércio de cativos eram vistos como naturalizados, tanto em contextos africanos como nas Américas, e o batismo era uma formalidade essencial na conversão de cativos.

A narrativa também aponta para o papel ativo das sociedades africanas no comércio de escravos, enfatizando que estas não eram apenas passivas em relação à exploração européia, mas desenvolviam seus próprios interesses econômicos e sociais, moldando o sistema de escravidão dentro de suas culturas e contextos históricos.

O autor discute a complexidade das relações envolvendo o tráfico, argumentando que este não se resumia apenas a interesses europeus, mas que as comunidades africanas tinham papéis significativos e estruturas próprias de poder que influenciaram o fluxo do comércio atlântico.

Finalmente, conclui que a história do tráfico de escravos é uma narrativa compartilhada entre as experiências africanas e americanas, e que a deslegitimação do escravismo na atualidade não deve obscurecer as compreensões históricas sobre a combinação de fatores sociais, culturais, políticos e económicos que permitiram a perpetuação desse sistema.

O autor aborda a dinâmica das capitanias hereditárias no Brasil em relação às populações indígenas, especialmente os tupinambás, destacando os conflitos entre essas sociedades e os portugueses durante a colonização. Inicialmente, descreve a organização social e política dos tupinambás, que eram estruturadas em aldeias, com laços familiares e alianças intercomunitárias fortemente influenciadas pelo cunhadismo, formando a base de sua identidade e resistência às invasões europeias.

A implantação do sistema de capitanias hereditárias, inspirado na experiência da Coroa portuguesa durante a Reconquista, buscava criar feudos políticos e econômicos em que os donatários exerceriam autoridade e controle sobre a justiça e a economia local. No entanto, a maioria das capitanias falhou devido a constantes ataques indígenas, com exceção de São Vicente e Pernambuco, onde os donatários souberam negociar e aliar-se aos indígenas, utilizando a guerra e o cunhadismo como ferramentas para consolidar seu poder.

Ao longo do tempo, a relação entre os portugueses e os tupinambás se tornou marcada por conflitos, mas também acordos, levando à resistência e à realocação de comunidades indígenas em aldeamentos. A chegada do Governo-Geral em 1549, sob Tomé de Souza, buscou implementar uma administração mais centralizada e robusta, essencial para enfrentar a pequena população europeia e a resistência indígena. A estratégia envolveu a formação de alianças políticas e ofereceu proteção a líderes indígenas, enquanto procurava enraizar a fé católica e a disciplina social entre os nativos.

O autor examina a evolução dessa relação até a consolidação da economia baseada na escravidão indígena, destacando a dependência dos portugueses em relação a essa mão de obra. A exploração dos indígenas e o subsequente tráfico de africanos configuraram uma complexa rede de controle social e econômico que caracterizou o desenvolvimento do Antigo Regime nas colônias, culminando na formação de uma elite mameluca que expandiu sua influência em busca de terras e riquezas.

O autor aborda a realidade da escravidão e os circuitos regionais de mercado interno durante o século XVIII na Monarquia pluricontinental portuguesa. Entre 1700 e 1709, houve um fluxo significativo de escravos africanos para as principais cidades brasileiras, como Salvador, Rio de Janeiro e Recife, que se transformaram em centros de comércio e populações multiculturais. Esse movimento de cativos não levou ao colapso social, mas à consolidação de uma sociedade marcada por hierarquias sociais.

O "achamento" das minas em Minas Gerais, impulsionado pela demanda de ouro, intensificou a escravidão e as tensões de poder entre as elites locais e a Coroa portuguesa, levando a negociações complexas sobre a governança e o controle das riquezas mineradoras. As elites locais buscavam mercês da Coroa para obter privilégios, enquanto a Coroa, por sua vez, procurava estabelecer um controle econômico e político sobre a região.

O autor também destaca a evolução econômica que a exploração mineral trouxe, refletindo uma rede de lógicas sociais e econômicas baseada na escravidão, no trabalho compulsório e na produção interna voltada para o abastecimento de populações. As tensões entre diferentes localidades, como as de São Paulo e do Rio de Janeiro, foram marcadas por disputas de poder e uma política de patronagem que moldou o Antigo Regime nas Américas.

A análise Gabriel do autor revela que, apesar das complexidades sociais e do sofrimento inerente à escravidão, o sistema e as estruturas de poder presentes se mostraram resilientes, resultando em uma sociedade que, apesar de suas contradições, se desenvolveu e se estruturou em bases sólidas ao longo do tempo.

O autor analisa a complexidade da formação da sociedade na América lusa entre os séculos XVI e XVIII, destacando a transformação demográfica e social ocorrida nesse período. A população brasileira cresceu significativamente, principalmente devido ao aumento do tráfico atlântico de escravos africanos, que resultou em uma população majoritariamente negra e mestiça em diversas regiões. As capitanias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará apresentaram uma alta percentagem de negros e pardos, com Salvador do Bahia se tornando a segunda maior cidade da América na época.

A análise aponta que, à medida que a população de forros (escravos libertos) cresceu, a hierarquia social também começou a mudar, levando à formação de novos grupos sociais, como comerciantes e senhores de escravos. A economia do Antigo Regime se expandiu, sustentada pelo trabalho escravo e pela intensa comercialização de produtos agrícolas em mercados interligados na colônia, enquanto muitos caixeiros se tornaram poderosos negociantes.

O autor destaca que a sociedade lusa era marcada por desigualdades sociais, onde privilégios eram concentrados em poucas famílias, e existiam tensões entre as classes sociais. Apesar do sistema opressivo, o período foi também de mudanças e resistências, com a crescente importância dos forros e a crítica à escravidão e suas práticas.

Documentos e relatos históricos usados pelo autor revelam que, naquele contexto, as relações sociais eram moldadas por práticas culturais baseadas no catolicismo e na concepção de uma sociedade hierárquica. Por fim, o autor convida futuros pesquisadores a explorar mais sobre as interações sociais e contextos históricos do Brasil, sugerindo que muitas outras dimensões ainda precisam ser estudadas.

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