[RESENHA] Claro enigma, de Carlos Drummond de Andrade


Uma das formas de compreender o conjunto dos 41 poemas que formam a coletânea de Claro Enigma, de 1951, é comparar este livro com A Rosa do Povo, livro publicado em 1945. Se na lírica dos anos 40 predominava a postura de engajamento e compromisso social, agora o questionamento em torno desse posicionamento ganha espaço na poesia drummondiana.

Assim, a poesia abandona o desejo de buscar respostas e passa a focalizar as perguntas que precisam ser feitas. Ao invés da comunhão anterior, vigora a certeza melancólica da dissolução iminente. A esperança é substituída pelo desencanto. As referências mais diretas ao mundo concreto, historicamente localizado, são preteridas em nome de um universo metafísico, que pesquisa o ser humano em si, independente de seu entorno.

A relativa perda de certezas políticas representa um passo no sentido da formulação de um novo projeto literário, capaz de se colocar de forma perplexa diante das possibilidades que se apresentam. Além de tematizar exatamente a angústia das incertezas quanto ao rumo a ser seguido.

Desse ponto de vista, ganham especial significado os versos de “Cantiga de enganar”: “O mundo não vale o mundo, / meu bem. / Eu plantei um pé-de-sono, / brotaram vinte roseiras. / Se me cortei nelas todas / e se todas se tingiram / de um vago sangue jorrado / ao capricho dos espinhos, / não foi culpa de ninguém”. É sintomático que esses versos retomem a imagem da rosa – proeminente, já a partir do título, em A Rosa do Povo – e mais ainda a maneira como o fazem: os espinhos da rosa agora ferem o poeta. As certezas e as esperanças anteriores são capazes de sangrar, isto é, podem levar à perda da vida.

Em termos formais, nota-se o retorno a formas clássicas. Na verdade, não era uma tendência exclusiva de Drummond. A poesia de sua geração, que surgiu em 1930, já se caracterizava pela retomada de formas clássicas, como a do soneto, por exemplo, campo no qual seu contemporâneo Vinícius de Moraes ganhou merecido destaque.
Além disso, a chamada “geração de 45” foi formada por poetas de forte influência clássica. Sem manifestar os vícios formalistas, o fato é que o poeta mineiro se coloca muito distante tanto do coloquialismo um tanto ingênuo dos modernistas da primeira hora, quanto da tendência panfletária, de comunicação fácil, de alguns de seus poemas da década de 1940. O retorno ao arcaísmo formal inibe os versos livres e o resgate de uma terminologia mais filosofante e classicizante distancia sua expressão da marca coloquial.

Se o leitor quiser levar em conta as coordenadas históricas, tão importantes em A Rosa do Povo, basta recordar que, no final dos anos 1940 – período de composição dos poemas de Claro Enigma – vivia-se a Guerra Fria e a ameaça da bomba atômica. O mundo mergulhava em uma disputa ideológica envolvendo capitalismo e comunismo que, para além das diferenças entre as duas ideologias, revelavam os meandros dos regimes de força que as sustentavam. Para um poeta como Drummond, que sempre lutou pela liberdade, a percepção dessa identidade entre regimes ideologicamente tão distintos conduzia à perplexidade e ao pessimismo.
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