A personagem-título, um herói sem nenhum caráter (anti-herói), é um índio que representa o povo brasileiro, mostrando a atração pela cidade grande de São Paulo e pela máquina. A frase característica da personagem é "Ai, que preguiça!". Como na língua indígena o som "aique" significa "preguiça", Macunaíma seria duplamente preguiçoso. A parte inicial da obra assim o caracteriza: "No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite."
A obra é considerada um indianismo moderno e é escrita sob a ótica cômica. Critica o Romantismo, utiliza os mitos indígenas, as lendas, provérbios do povo brasileiro e registra alguns aspectos do folclore do país até então pouco conhecidos (rapsódia). O livro possui estrutura inovadora, não seguindo uma ordem cronológica (i.e. atemporal) e espacial. É uma obra surrealista, onde se encontram aspectos ilógicos, fantasiosos e lendas. Adota como protagonista uma personagem fantasiosa e complexa, na qual se misturam os mais diversos traços de nossa formação cultural. A confluência racial em Macunaíma se evidencia desde o primeiro capítulo e é o próprio Rei Nagô, figura africana quem avisa que o herói é muito inteligente. Com uma critica maior à linguagem culta já vista no Brasil.
Não deixe de ler esta grande obra onde realidade e fantasia se misturam formando uma composição única.
ISBN-13: 9788571750579
ISBN-10: 8571750572
Ano: 2004 / Páginas: 175
Idioma: português
Editora: Garnier Itatiaia
RESENHA
O escritor Mário de Andrade nasceu em São Paulo, em 1893 e faleceu em 1945, foi um dos precursores do modernismo no Brasil e um dos responsáveis pela Semana de Arte Moderna de São Paulo. Poeta, contista, romancista, cronista e crítico de arte, teve uma atuação visível como músico e folclorista e como ficcionista. Vou me prender em Mário autor ficcionista, que escrevia com inspiração e liberdade. Sua obra Macunaíma falando criticamente, é, na visão modernista, o sonho do autor, escrever coisas nossas, desvinculando-se de toda influência europeia e buscando construir a identidade nacional. Iniciou sua carreira em 1917 com o livro Há uma gota de sangue em cada poema. Sua segunda obra, Paulicéia Desvairada, também de poesia, foi publicada em 1922, ano em que Mário de Andrade, participou da Semana de Arte Moderna de São Paulo. Mário de Andrade publicou Macunaíma, o herói sem nenhum caráter em 1928. Como houve falta de editora foram publicados somente oitocentos exemplares, no entanto o livro foi festejado pela crítica modernista por sua inovação narrativa e de linguagem.
O livro Macunaíma, o herói sem nenhum caráter narra a história de um índio negro e de suas mazelas para recuperar seu muiraquitã o qual ganhou de sua amada Ci. Macunaíma é mostrado como um herói diferente, pois é preguiçoso, indolente, vagabundo e cheio de artimanhas para sempre se dar bem, mas acaba sendo enganado por Anhangá e mata sua mãe sem querer. Percebemos que a obra toda parece um conjunto de lendas e mitos, no qual Macunaíma é o herói, no entanto um herói muito estranho, pois ora é bom ora é mau, ora mentiroso, ora contraditório, ora ingênuo. O herói parece estar em fase de aprendizado, o que percebemos ao longo do livro, pois por cada aventura que ele passa Macunaíma aprende algo novo.
Macunaíma é individualista e só faz o que tem vontade, não se preocupa com questões sociais ou políticas é inconsequente. Há na história muitos nomes estranhos e de contos nacionais como o curupira, a cobra preta, Ci-mãe do mato e gigante Paiamã. Há também os nomes de constelações mencionadas, a história parece ser uma grande lenda composta de muitos acontecimentos. Macunaíma conversa também com pessoas de épocas antigas como Delmiro Gouveia, Hércules Florence e João Ramalho. O autor considerou a obra uma rapsódia, eu diria que é um conjunto de mitos e lendas fictícios para formar uma história.
A obra Macunaíma, o herói sem nenhum caráter busca sintetizar o caráter do povo brasileiro, isto diante das concepções da primeira fase modernista. Uma leitura possível é que o povo brasileiro não tem um caráter definido e o Brasil, fazendo uma comparação com o aspecto físico de Macunaíma, é grande como o corpo dele, porém imaturo, comparando com sua cabeça pequena.
Quanto à linguagem marioandradiana, percebemos o uso de neologismos no emprego das palavras “brincar” e “brincadeira” para os encontros amorosos entre o índio e as índias, na mata onde viviam: “Brincou com Saforá, com Susi, mulher de Jiquê. E assim Macunaíma vivia sua vida, brincando com uma e com outra”. O livro faz parte da primeira fase modernista, a fase heroica o que torna as influências das vanguardas europeias visíveis em várias técnicas inovadoras de linguagem apresentadas na obra. Por isso, “Macunaíma”, pode oferecer alguma dificuldade de leitura. No capítulo 9 “Cartas para icambiadas”, Macunaíma ironiza o modo de falar do povo de São Paulo, que fala em uma língua e escreve em outra, a narrativa se aproxima da oralidade e não há verossimilhança realista.
Somente no epílogo é que fica evidente que a história fora contada ao narrador pelo papagaio do herói, o qual aprendeu com ele todas as suas aventuras com isso teríamos um foco narrativo em primeira pessoa, com um narrador personagem ausente, já que ele não aparece na história, somente no final. Mas, na prática o que acontece, é que tal narrador se apaga na narrativa. O foco perceptível é de terceira pessoa, com um narrador-observador das peripécias de Macunaíma. Há exceção no capítulo central (9) “Carta para icambiadas”, que se destaca na narrativa por ter um narrador personagem, o próprio herói, que escreve para suas súditas amazonas, relatando suas experiências em São Paulo e pedindo dinheiro.
“Macunaíma” é uma narrativa mítica, por isso o tempo e o espaço da obra não estão precisamente definidos, tendo como base a realidade. Pode-se dizer apenas que o espaço é prioritariamente o espaço geográfico brasileiro, com algumas referências ao exterior, enquanto o tempo cronológico da narrativa se mostra indefinido.
Nesse primeiro momento do modernismo a preocupação dos escritores consistia em descobrir a identidade do país e do brasileiro, no plano formal essa busca se dá pela linguagem falada no Brasil, ignorando, ou melhor, desafiando o português lusitano. No plano temático, o folclore é utilizado como matéria-prima dessa busca.
O texto “A pedra mágica do discurso”, de Eneida Maria de Souza nos apresenta uma interpretação dos signos utilizados por Mário de Andrade em Macunaíma, os quais são utilizados pelo autor para ironizar e criticar a escrita e o falar do povo brasileiro sem se prender a regionalismos, mas sim mostrar as variações linguísticas do Brasil. Além de analisar a linguagem inovadora fazendo uma relação entre a pedra (muiraquitã) e a palavra, as quais são preciosas. O texto aborda também as transformações sofridas pelo signo-pedra que ao ser polido vai tornando-se mais valiosa, assim como a palavra, ao ser usado de maneira mais articulada, isso fica evidente no capítulo “Cartas para icambiadas”, no qual o autor utiliza uma linguagem mais formal com o intuito de persuadir o destinatário, suas súditas, e assim conseguir resolver seus problemas financeiros.
O título do texto de Eneida Maria de Souza nos remete a uma busca, ou seja, a muiraquitã perdida é como se fosse o vocábulo perdido que o narrador tenta resgatar na busca da pedra-signo, das palavras difíceis e preciosas da retórica.
A autora realiza uma leitura original da linguagem utilizada por Mário em Macunaíma e enriquece a bibliografia crítica, analisando de forma exaustiva os procedimentos de ordem linguística da obra de Mário de Andrade.
A autora aborda também a análise de pedras lapidares que estão sugeridas nos epitáfios presentes em Macunaíma, completando assim a relação entre a pedra e o signo analisados no texto.
Finalizando, Macunaíma é uma obra riquíssima em linguagem, na qual podem existir centenas de interpretações diferentes de acordo com a visão de cada leitor, mas o que se percebe é que a obra reflete a multiplicidade do povo brasileiro suas diversas culturas e línguas, vários países dentro de um gigante chamado Brasil.
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