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Romance de estreia de Daniel Longhi, A violência gentil navega por memórias familiares e traumas geracionais em um Brasil de constantes transformações

 

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Publicado pela editora Cachalote, o livro será lançado no dia 7 de dezembro na bibla, livraria de rua em São Paulo

Mosaico complexo, impermanente e incessante, a memória é crucial. Explorando o vínculo essencial entre as memórias subjetiva e coletiva, A violência gentil, romance de estreia de Daniel Longhi, navega por uma história familiar em um Brasil de constantes transformações. E questiona: se um gesto de violência pode ecoar por gerações, que mudança é necessária para interromper o ciclo? O livro, recém-publicado pela editora Cachalote, selo de literatura brasileira do grupo editorial Aboio, tem lançamento marcado para o dia 7 de dezembro (sábado), a partir das 14h, na bibla, livraria de rua em São Paulo. 

No romance, a narrativa acompanha Augusto Baldemar, um advogado trabalhista cujo cotidiano é preenchido pelos dramas de seus clientes — suas lutas, injustiças e anseios por reparação. O tédio com que percebe a vida é refletido no barulho mecânico e constante de um ar-condicionado velho, imagem que inspirou a ilustração da capa, assinada pela artista Heloisa Akiyama. A monotonia do cotidiano, porém, é quebrada quando surge um caso envolvendo a mãe falecida do protagonista, obrigando-o a confrontar aquilo que sempre evitou: o seu próprio passado. 

Como afirma Thaís Campolina, que assina a orelha do livro, trata-se de “uma escavação arqueológica subjetiva [...] em busca da verdadeira história de sua família, e, especialmente, de sua mãe”, mas não somente, pois, ao percorrer décadas da história brasileira, com seus conflitos históricos e violências estruturais, apresentando personagens migrantes que carregam o peso de suas origens e a força da sua memória, Longhi “reinventa com originalidade dramas envolvendo segredos familiares, identidade, masculinidade e transformação.”



Confira um trecho de A violência gentil, de Daniel Longhi


Aquela casa estava igual ao que sempre foi. Ou: aquela casa nunca existira. Ou: aquela casa devolvia para ele a careta que ele fazia para ela. Devolvia seu olhar. Ele olhava. Olhava a parede gasta, a telha escurecida pelo tempo. O prego solto na calha, como pode ninguém ter arrumado? Defeitos ignorados são uma herança passada entre gerações. Aquele prego um dia furou uma bola. Aquele prego foi testemunha de um garoto que cuspia no rosto do seu irmão mais novo, que chorava. Como pode ninguém ter arrumado.


FICHA TÉCNICA

Título A violência gentil

Autor Daniel Longhi

Gênero Romance

Dimensões 14x21cm

Nº de Páginas 352

Preço R$ 69,90


Sobre Daniel Longhi

Daniel Longhi foi criado em Recife e é hoje radicado em São Paulo. É servidor público federal e mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Chicago, tendo textos publicados pela Chicago Policy Review.  A violência gentil (Cachalote, 2024) é seu primeiro romance.

Seleção de poemas do livro “Instruções de uma equilibrista”, de Talita Franceschini

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1. colagem - pág. 25

dar corpo

aos restos espalhados

da outra de mim

expelida, fraturada

pela finitude

de um tempo bom

acolher esse corpo

refeito, marcado

por cicatrizes riscadas

em queloides lembranças

e movimentá-lo todos os dias

em direção ao possível

 

2. das mulheres - pág. 31

 

ser só

mulher

 

um devaneio

 

3. sanidade - pág. 40

 

não se culpar

pelos incontroláveis

gritos que causaram

a mudez

 

se abraçar e sentir

o confortável silêncio

de ser uma mulher

louca

 

4. dos fragmentos, o poema - pág. 51

 

tocar no trincado

do vidro interior

estilhaçar

amparar cada

pedaço meu

com

um

poema

de amor

 

5. todo dia - pág. 54

 

abraçar aquela

que não desiste

de estender meu coração

ao sol

 



 

Minibio da autora: Talita Franceschini de Carvalho (@talita.franceschini) é bibliotecária e professora, nasceu e reside na cidade de Descalvado, interior de São Paulo. Formou-se em Biblioteconomia e Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo (USP). Foi mediadora e curadora do coletivo de leitura Leia Mais Mulheres. Tem duas crônicas publicadas na antologia “Crônicas de ir, vir e permanecer” (Editora Txai, 2022) e recentemente publicou "Instruções de uma equilibrista" (Editora Patuá). Leitora simples, apaixonada pela literatura contemporânea, encontrou na escrita seu refúgio – de contradições e condensação – para viver e por um triz.

“Ariano Suassuna: no teatro da vida”: livro celebra a vida e a obra de Ariano Suassuna nos 10 anos de sua morte


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Com organização do pesquisador Anderson da Silva Almeida, “Ariano Suassuna: no teatro da vida” esmiúça passado do escritor ressaltando sua relevância para a cultura brasileira



“Pois se a minha vida é um sonho, é um sonho de um demente, cuide-se de fazer aqui, desse pesadelo feio e sujo uma narração cruelmente alegre ali, sangrenta e colorida acolá, sagrada em sua profanidade, (...) luzida e intrépida em sua feiura.”

Ariano Suassuna, 1972



Como narrar a trajetória de Ariano Suassuna, um dos maiores nomes da cultura brasileira? Pela vida? Pela obra? Pelo passado? Pelo presente? E quem é capaz de abarcar a totalidade de um sujeito que mudou a história da arte brasileira? Pensando nestas questões, o pesquisador  Anderson da Silva Almeida (@andersondasilvalmeida), doutor e mestre em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF), organizou a obra “Ariano Suassuna no teatro da vida”, publicada pela editora CRV. Com extenso trabalho no campo de pesquisa, Anderson já foi finalista do Prêmio Jabuti de Literatura, em 2018, na categoria Biografias e vencedor do Prêmio Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional, em 2010. 


No decorrer das 354 páginas, a obra é lançada no ano em que se completa 10 anos da morte de Ariano no contexto dos 60 anos do Golpe de 1964. Além disso, “Ariano Suassuna: no teatro da vida” também chega ao mundo na ocasião do lançamento do filme O Auto da Compadecida 2, esperada continuação de um dos maiores clássicos do cinema nacional. 


Segundo o organizador, o livro representa a realização de um desejo de conhecer mais profundamente a atuação de um grande intelectual no período da ditadura e o movimento cultural por ele criado, o Movimento Armorial, que reverberou principalmente no Nordeste uma tentativa de se construir o que ele chamou de “cultura erudita brasileira”, com inspiração na chamada “cultura popular” e o que seriam suas raízes ibéricas e árabes, principalmente.


“Como pesquisador da ditadura, percebi a ausência de estudos no meio historiográfico sobre a atuação de Ariano naquele período. Temos obras que abordam o Movimento Armorial, mas sem conectar com o contexto político. Ariano esteve muito presente nos debates políticos dos anos 1960-1970, principalmente em Recife, e já era muito conhecido pelo prêmio conquistado pelo Auto da Compadecida, em 1956”, ressalta Anderson. 


Um Ariano Suassuna das letras, do teatro, da política, das inspirações no cordel e na xilogravura


“Ariano Suassuna no teatro da vida” se volta para a vida e a obra do grande nome do teatro popular brasileiro, Ariano Suassuna, através de 13 artigos que se debruçam sobre os mais diversos temas, incluindo o seu maior sucesso, a peça  Auto da Compadecida. A obra mergulha nos primórdios do dramaturgo, ressaltando eventos que foram primordiais para a formação do futuro escritor. De um lado, a família aristocrática e a convivência com as camadas mais populares na pequena cidade de Taperoá, na Paraíba, que inspira grande parte das peças de Suassuna, e o assassinato de seu pai, João Suassuna, ao se envolver em questões políticas locais ao enfrentar o grupo político do antigo aliado, João Pessoa, cujo assassinato marcou a política nacional. 


Organizado ao longo dos últimos três anos, o livro opta por trabalhar com autores que já tinham alguma ligação com o personagem Ariano Suassuna, seja com pesquisas maduras, seja com alguma experiência não ocasional. Alguns dos temas que você vai encontrar no livro são: conflitos políticos nos anos 1930; teatro brasileiro dos anos 1940-1950; a atuação de Ariano durante a ditadura; conflitos com a Tropicália e o Manguebeat; sua obra literária e sua dramaturgia (Movimento Armorial; Auto da Compadecida, Cordel, Xilogravura).


O livro está dividido em duas partes. Na primeira, o leitor encontrará um perfil mais biográfico e de atuação política, em diálogo com a chamada história social (o contexto) e questões que envolviam o universo da cultura e sua relação com o Estado. Na segunda parte, os textos dialogam mais com análises sobre influências na obra de Ariano e a construção de sua dramaturgia. “Nesse sentido, há um caráter híbrido que tenta dialogar com leitores e leitoras para além do público universitário. Esse é o nosso grande desejo: sair da bolha acadêmica”, frisa o organizador.


Além de incluir dois capítulos do próprio Anderson da Silva Almeida, o livro reúne textos de pesquisadores/as de todo o Brasil, do Norte ao Sul, destacando inclusive movimentos controversos de Suassuna, como sua participação no Conselho Federal de Cultura, após o Golpe de 1964. Sem buscar sacralizar a figura do escritor, a coletânea mostra as contradições e ambivalências que formam Ariano: uma mistura entre o popular e o erudito, o sagrado e o profano, o clássico e o moderno, a poesia e o romance, incluindo sua inicial visão monarquista e sua conversão para uma visão de esquerda do mundo. Quanto a isso, a título de exemplo, o pesquisador Dimas Brasileiro Veras tensiona a trajetória política de Suassuna a partir da provocação se Ariano seria melhor identificado como “um extremista de centro” ou “um monarquista de esquerda”. 


Sem ignorar os mais diversos lados do escritor paraibano, a obra inclui também episódios pouco conhecidos do autor, tais como a “briga” de Ariano com os tropicalistas pernambucanos em um episódio no qual houve até socos desferidos;  a sua relação complexa com as culturas de massa e sua implicância com símbolos incorporados da cultura norte-americana. Em geral, a proposta apresentada pelo organizador indica que mesmo sendo visto por alguns críticos como conservador e teimoso, Ariano Suassuna reviu posições políticas ao longo de sua vida e não se furtou a mudar, reorientando seu destino, reconhecendo  erros, equívocos e fracassos, com a beleza dos contrastes de sua trajetória, “numa narração na qual caibam as coisas mais diferentes e opostas - o brilhante e o monstruoso, o grotesco e o terrível, o trágico e o ridículo, a emoção e a bufonaria”, como sugeriu o mais famoso escritor de Taperoá, cidade paraibana onde Ariano cresceu e influenciou sua literatura.



Adquira o livro no site da Editora CRV:
https://www.editoracrv.com.br/produtos/detalhes/38932-ariano-suassuna-no-teatro-da-vida

ENTREVISTA | Escritora e roteirista carioca Luiza Conde explora o tempo e a morte por meio do fantástico e do terror em “Relógios partidos”

 

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Rituais longínquos, maldições pregadas na parede e amigos monstruosos. Um ônibus para lugar nenhum, um metrô infinito e uma coleção sanguínea. Esses são cenários que atravessam “Relógios partidos” (Editora Litteralux, 114 páginas), o primeiro livro da roteirista carioca Luiza Conde (@luizacma)


Com uma carreira profícua no roteiro, Luiza agora se lança na literatura fantástica com 12 contos sobre o tempo e os principais medos que acometem a humanidade: envelhecer, ficar só, errar, escolher, morrer, viver.  Dividido em três partes que remetem ao passado (“Tempos que foram”), presente (“Tempos que são”) e futuro (“Tempos que podem ser”), “Relógios partidos” é influenciado pelas obras de autoras que conversam com o insólito e o terror, como Mariana Enriquez, Lygia Fagundes Telles, Silvina Ocampo e Socorro Acioli.  A obra tem texto de orelha assinado pelo escritor e pesquisador Leonardo Villa-Forte.


Nascida no Rio de Janeiro em 1989, Luiza é formada em Letras — Português e Russo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e trabalhou no mercado editorial por dez anos. Entre os autores que inspiram sua escrita, a autora vai de clássicos, passando pela ficção científica e o realismo mágico latino-americano, citando Machado de Assis, Jorge Luis Borges, William Faulkner, Sylvia Plath, Clarice Lispector, Adolfo Bioy Casares, Ursula K. Le Guin e Isaac Asimov. Luiza trocou o mercado editorial pelo audiovisual aos 27 anos, área em que atua até hoje. Como roteirista, trabalhou nas séries “Sem filtro” (Netflix), “Vai que cola” (Multishow) e “Detetives do prédio azul” (Gloob), e é coautora do longa “Jogada ensaiada” (Vitrine Filmes), vencedor do Prêmio Cabíria na categoria Argumento de longa infanto juvenil em 2021. 


O futuro de Luiza Conde está cheio de estreias. Ela também pretende começar a escrever seu primeiro romance, “A Hóspede”, em breve, além de lançar uma nova coletânea de contos fantásticos, dessa vez com a temática dos labirintos. Em 2025, estreia a primeira peça que assina como dramaturga, “Memórias da superfície”, uma sátira sobre influenciadores e a nossa relação com redes sociais.



ENTREVISTA


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Por que escolher tempo e morte como temas a se trabalhar em um livro?


O tempo sempre foi uma ideia fascinante para mim, desde pequena. Sempre amei histórias de viagem no tempo, com as suas intrincadas regras de funcionamento e os seus paradoxos. Lembro de ler sobre o paradoxo dos gêmeos quando era bem pequena e ficar totalmente ensimesmada com a ideia de que o tempo é mutável, moldável. Eu gosto da ideia do tempo como essa entidade que existe e não existe simultaneamente, como algo que sentimos e vivenciamos, mas que da mesma maneira criamos ao inventar as medidas de tempo e as convenções para a sua passagem. Acho incrível que consigamos dar formas ao futuro, algo que ainda não existe. E que tenhamos um passado coletivo compartilhado que nos impacta mesmo que não o tenhamos vivido. Acho difícil também lidar com o tempo, tenho dificuldade de administrá-lo e de precisar quanto cada coisa vai levar. Também por isso, escrevo sobre o tempo, para ver se faço mais sentido da coisa.


Já a morte se apresentou como tema balizador do livro mais por circunstâncias de vida. Sempre gostei tanto de escrever quanto de ler e assistir histórias violentas, e, portanto, a morte sempre foi temática da minha literatura. Mas acho que só se tornou um elemento tão estrutural do livro por ter começado a escrevê-lo pouco depois de perder meu pai e, ainda durante o processo de escrita, ter perdido minha mãe também. Assim, os anos de escrita do livro foram de perda e luto, e não havia como esses temas não transbordarem para a obra de uma forma ou de outra.



Como foi o processo de escrita de Relógios Partidos?


A minha literatura sempre foi mais densa, como em Relógios Partidos. Curiosamente, desde que me tornei roteirista, aos 27 anos, só fui chamada para escrever comédias, como o meu currículo indica. Sou grata ao roteiro por ter revelado esse talento para a comédia que eu não sabia que tinha e que não teria descoberto de outra forma. Sinto que incorporei um humor sombrio à minha literatura por conta dessa descoberta, inclusive. No entanto, em algum momento começou a pesar o fato de só escrever comédias (e o mesmo tipo de comédia) no roteiro. Retomei a escrita da literatura aos 30 anos por necessidade de dar vazão a coisas que queria escrever que não tinham espaço no roteiro. Aos 31, em meados de 2021, uma amiga me indicou a oficina Casulo do Leonardo Villa-Forte, escritor e pesquisador. Era uma oficina de leitura e escrita de contos. Toda semana, nós líamos alguns contos e o Leonardo passava uma proposta de exercício em cima deles, e na semana seguinte líamos os contos que tínhamos escrito. Assim, eu fui escrevendo um conto por semana, e fui gostando do resultado. Ao final do ano, a oficina se encerrou e eu me dei conta de que já tinha um número bem considerável de contos escritos. Foi daí que surgiu a ideia de Relógios Partidos. O processo de escrita não foi fácil, como disse foram anos de perdas muito duras, lutos e transformação. Também estava em salas de roteiro durante 2022 e 2023. Por conta disso tudo, não pude me dedicar com a constância que gostaria ao livro. Passei 2022 e a primeira metade de 2023 o escrevendo, reescrevendo, revisando. Em agosto de 2023, finalmente consegui terminá-lo.


Em sua análise, quais as principais mensagens que podem ser transmitidas pelo livro?


Acho que o livro traz uma mensagem de não conformismo. Tanto de um ponto de vista individual, de romper com os papéis que somos obrigados a performar socialmente, com o que é esperado de nós; quanto coletivamente de ruptura com o status quo. Afinal, não é porque “as coisas são assim” que está tudo bem. As consequências da conformidade em nossa sociedade podem ser (e são) terríveis, o que também é explorado em alguns contos do livro.


Acho também que, embora não seja exatamente uma mensagem do livro, ele sustenta algo que me é muito caro artisticamente: a ideia de que a arte deve causar algum tipo de incômodo, de desconforto, de deslocamento, porque isso gera reflexão e investigação.


O que esse livro e a escrita dele representam para você? 


Para mim, é ao mesmo tempo a concretização de um grande sonho e o início de uma trajetória. Entendo agora que quero construir uma carreira como escritora e dramaturga, e Relógios Partidos, para mim, é o ponto inicial desse caminho. A escrita do livro foi minha companheira durante esse momento pessoal delicado de luto, ao mesmo tempo em que o mercado de roteiro vem enfrentando um período complicado nesses anos pós-pandemia. Entendi não só a vontade, como a necessidade de diversificar meus caminhos profissionais, o que também fez crescer em mim um desejo antigo de retomar e aprofundar os estudos acadêmicos, outro caminho que pretendo começar a trilhar em breve. Isso tudo foi se dando durante o processo de escrita e publicação do livro, foi um período de investigação e transformações profundas mesmo.


Como a sua bagagem profissional como roteirista ajudou na construção da obra?


Embora esse seja o meu primeiro livro, considero que os anos de carreira como roteirista ajudaram bastante, especialmente no que diz respeito a uma constância, velocidade e experiência de escrita, principalmente no sentido de saber com mais facilidade o que funciona e o que não.


Por quê a escolha dos gêneros conto e literatura fantástica para a escrita de Relógios Partidos?


Sempre escrevi contos, desde novinha. Já a literatura fantástica surgiu depois. Ali pelos 15, 16 anos meu pai me apresentou o Borges, e daí eu fui conhecer também o Cortázar, o Bioy Casares, a Ocampo... O Horacio Quiroga e a Lygia Fagundes Telles foram meu primeiro contato com contos de terror, e mais tarde eu viria a descobrir também a ficção científica. São gêneros que me fascinam, principalmente o realismo fantástico latino-americano, por ser uma expressão que eu considero bastante afinada com a nossa cultura, tradições e realidade. Assim é que, quando retomei a escrita de literatura aos 30, entendi que o que mais me interessava escrever era literatura fantástica e de gênero.


Como você definiria seu estilo de escrita? Que tipo de estrutura você adotou ao escrever a obra?


O Leonardo Villa-Forte disse na leitura crítica dele que a minha literatura se equilibra entre a brutalidade e a doçura. Acho que é uma ótima definição. Como falei mais acima, gosto de arte que incomoda e, por esse motivo, provoca reflexão, um olhar para dentro, uma reação. Não gosto da ideia de arte morna, sem alma. Também me interessa bastante a literatura de gênero, e é o que eu gosto de fazer: literatura fantástica, de terror, ficção científica. 


Inicialmente, não adotei estrutura nenhuma, no sentido de que sabia que seria uma coletânea de contos fantásticos, mas só isso. Fui juntando contos que me agradavam num mesmo documento para ter uma noção mais precisa de quantas páginas eu já tinha. Mas com isso fui percebendo que alguns contos conversavam entre si e tinham uma forma parecida. Foi assim que cheguei à ideia macro do livro como uma viagem no tempo e da divisão das 3 partes: passado, presente e possibilidades de futuro. A partir daí, organizei os contos que já tinha nas 3 partes, cortei alguns que não cabiam na proposta e aí sim passei a escrever de acordo com o que ainda precisava e com a proposta de linguagem de cada parte também.


Desde quando você escreve?  Como nasceu sua relação com a literatura?


Comecei a escrever bem novinha. Sempre adorei ler, e já pequena veio essa vontade de contar as histórias que surgiam na minha cabeça. Escrevi meu primeiro livrinho aos 9 anos. Mas foi com 13, depois de ler Crime e Castigo, que a ideia de ser escritora de fato surgiu. O livro teve um impacto enorme em mim, e para mim pareceu mágica a possibilidade de poder despertar tantos sentimentos com palavras no papel. Escrevi dos 13 até os 19 ou 20 (sempre contos), quando decidi deixar esse sonho para trás (o jovem sempre acha que está velho demais para alguma coisa). Aos 24, no entanto, eu (que também sempre fui apaixonada por cinema e TV) tive a ideia de me tornar roteirista. Aos 27 comecei na carreira. Aos 30 retomei a escrita de literatura. Aos 31, comecei a escrever Relógios Partidos.


Você tem algum ritual de preparação para a escrita? Tem alguma meta diária de escrita? 


Tem dias em que não escrevo nada e dias em que escrevo madrugada adentro sem parar. Sou uma escritora meio caótica, não tenho uma frequência e horário pré-definidos. Também não costumo escrever a esmo. Escrevo de acordo com o projeto que estou desenvolvendo no momento. É o que me motiva e engaja. As demandas profissionais também fazem com que a escrita autoral aconteça quando dá, no ritmo em que é possível. 

A perpetuação de ciclos traumáticos em diferentes gerações de mulheres é tema do livro de estreia da escritora e roteirista paulistana Patricia Tischler

Foto: Divulgação

A morte de uma tia querida é o início de uma jornada de descobertas e compreensão do amor em “Vanessa Halen: tudo o que não quis mas já é”.


A jornalista investigativa Vanessa Halen precisa lidar com o luto pela morte de Leila, tia-avó e única familiar que realmente impactou sua vida. Porém, ao começar a explorar a história da tia, Vanessa será confrontada por segredos e mistérios que nunca poderia imaginar. É assim que a escritora paulistana Patricia Tischler apresenta o seu primeiro romance, “Vanessa Halen: tudo o que não quis mas já é” (135 págs.).


A obra gira em torno de traumas e do reflexo que os “carmas familiares” têm em diferentes gerações, assim como da capacidade de cada um construir o seu próprio caminho a despeito deles, ainda que aos trancos e barrancos. Em contraponto à dor vivenciada pela personagem, um passeio por seus afetos revela mais sobre a personalidade de Vanessa. Seja nas lembranças sobre a tia Leila ou na relação com a amiga Marta.


Com um enredo dinâmico, que se passa tanto em São Paulo, capital, quanto em Florianópolis (SC), e que mescla as investigações sobre a vida pregressa da tia-avó com a descoberta de um novo amor, o livro aborda a história de mulheres que fazem escolhas difíceis e incomuns, na tentativa de serem felizes à sua própria maneira, sem a necessidade de se conformar ao que é esperado delas.


“Neste livro, crio personagens que procuraram não se render à posição de vítima. Que passaram pelos ciclos de traumas, compreenderam serem eles repetições do que viera antes, e fizeram deles o símbolo do que não querem mais perpetuar”, explica a autora, que se descreve como “nômade, ex-yogi, fotógrafa entusiasta, funcionária do Itamaraty e escritora”. Inicialmente, com um blog sobre suas viagens, a autora, que atualmente vive na Dinamarca, começou a buscar sua voz na escrita por vários caminhos até chegar em seu primeiro livro e também na newsletter In-Sight, onde divulga textos diversos.


Em “Vanessa Halen: tudo o que não quis mas já é”, Patricia explora também a realidade de pessoas, como a protagonista, que por causa do  histórico familiar, nunca tiveram um lar e pela primeira vez se vêem diante da necessidade de criar raízes. Para a autora, as relações intergeracionais têm um grande papel nas escolhas das personagens, que não conseguem se permitir relacionamentos saudáveis por medo de reproduzir o que elas mesmas vivenciaram.  “Gosto de explorar a ideia de ciclos, que se reproduzem e perpetuam, mas sempre com algumas diferenças.”


De Van Halen a Eric Clapton: conheça a história do livro



Ao retornar ao Brasil para receber a herança de sua amada tia Leila, Vanessa Halen se depara com os objetos e memórias contidos naquele apartamento que foi como uma segunda casa e que agora é seu. Enquanto organiza os pertences da tia-avó, acumulados ao longo de 86 anos de vida, Vanessa descobre um armário misterioso, cujo conteúdo desencadeia uma investigação sobre a vida daquela que foi a sua parente mais querida e que ela descobre não ter conhecido tão bem quanto pensava.


Vítima de um ciclo de abusos, desde a criação fragmentada por uma mãe ausente que só proporcionou um nome de trocadilho que irrita Vanessa (uma alusão à banda de hard rock norte-americana Van Halen) e um pai abusivo e moralmente questionável, Vanessa encontra em tia Leila a referência familiar que molda sua personalidade.  A amizade com a tia é evocada em diversas passagens do livro, que enfatizam o amor que as duas compartilharam. Com o faro aguçado de jornalista, Vanessa empreende uma jornada para preencher as lacunas que não conhecia sobre Leila, enquanto descobre mais sobre si e seus afetos.


Durante a resolução de burocracias do processo de luto, Vanessa conhece Eric, que trabalha em um Poupatempo e a coincidência do nome “criativo” de ambos gera uma primeira conexão. Assim como a jornalista, Eric carrega o fardo de um nome famoso nos seus documentos: Eric Clapton Guimarães e Souza. De um flerte inicial despretensioso a uma relação que se desenvolve em meio aos traumas e limitações de ambos, Vanessa começa a abrir sua vida complicada para Eric enquanto vai aprendendo com o que se parece o amor.  


Em pouco tempo, pequenos aspectos de uma rotina amorosa se estabelecem. O retorno ao bar do primeiro encontro, os desenhos de Eric durante cada conversa. O relacionamento com Eric avança paralelo ao processo de luto de Vanessa. Um mix de sentimentos que se revela a cada etapa.


Mas dar esse passo não é um processo fácil. Com uma relação anterior originada em violência, Vanessa precisa lidar com outros tipos de luto, além da perda de sua tia querida. Para isso, também conta com a amiga Marta, que a acompanha durante suas investigações sobre o passado da tia. A relação com a amiga de longa data é um suporte durante um momento difícil, mas também ilustra a possibilidades de novos começos quando Marta conta a Vanessa que está grávida.   



O primeiro romance de Patricia Tischler


Nascida e criada em São Paulo, Patricia já morou em Brasília, Florianópolis, Madri, Londres, Tallinn (entre outras) e atualmente vive em Copenhague. Após deixar a carreira na yoga para trás, encontrou na escrita (de roteiros e, agora, literária) uma maneira de canalizar suas áreas de interesse variadas.


Com o histórico na ginástica durante a juventude e posteriormente a yoga, a relação com a escrita foi postergada por muito tempo. Aos 30 anos, já funcionária do Itamaraty, Patricia teve a primeira missão no exterior em Hanoi, Vietnã, e sentiu a necessidade de compartilhar essa experiência com família e amigos. Fotos e relatos por e-mail deram origem ao primeiro blog da autora.


Patricia sempre foi uma leitora ávida de ficção, dos policiais aos romances históricos, e ao longo da vida fez diversas tentativas de começar a escrever, mas terminava explorando essa sua necessidade por “mundos inventados” apenas em suas leituras. 


Após se dedicar ao estudo de roteiro em instituições como o Sesc-SP, New York Film Academy e London Film Academy, Patricia sentiu dificuldade de encontrar parceiros para produzir suas histórias por meio do audiovisual. Foi então que começou a fazer o curso de narrativas da escritora Ana Rüsche, com quem já estuda há dois anos, e se encantou com a liberdade dada pela escrita em prosa. “Descobri na escrita de ficção uma forma de mostrar as minhas investigações, experiências e descobertas.” 


“Vanessa Halen: tudo o que não quis, mas já é” é o primeiro romance de Patricia e levou pouco mais de dois meses para ser concluído. “Impressionada com as possibilidades que se abriam, tanto para contar as histórias que eu queria, como para divulgar meus textos, nem bem terminei um e já comecei a converter alguns projetos de audiovisual para a narrativa”, conta a autora que já está com vários projetos na fila, como o segundo romance, e o livro de contos “Tragédias Paulistanas", que teve um texto publicado na edição de setembro/outubro da revista The Bard.


Confira trechos do livro:


“Acho que o hábito de escrever cartas foi o que me fez desenvolver um estilo de escrita meio

pessoal, quase conversando com o leitor. Tive editores que tentaram me corrigir, fazer do meu

jornalismo algo impessoal e menos tendencioso, como se isso fosse possível. Existem tantas

realidades quantos pares de olhos que a observam.”


“Sempre penso em sexo com um novo parceiro como uma dança com um par com quem

jamais dancei. Os passos, mesmo que ambos os saibamos, normalmente saem meio desconjuntados no início. E é preciso ter um certo senso de humor para persistir naquela coreografia confusa.”



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