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O sucesso e a psicologia das emoções em Divertida Mente 2

Foto:Pixar

Divertida mente é um filme infantil que explora a vida de Riley, uma garotinha de onze anos que tem que aprender a lidar com os seus sentimentos em meio à pré-adolescência durante a mudança de sua cidade natal, Minnesota, para viver em São Francisco. Dentro da cabeça de Riley vivem suas emoções, alegria, raiva, nojinho, medo e tristeza. Já no segundo filme da franquia, somos apresentados à outros sentimentos: ansiedade, tédio, vergonha, inveja e nostalgia.

Reprodução

Neste novo enredo (divertida mente 2), Riley está enfrentando a puberdade no auge dos seus treze anos e tem sua vida tomada pela ansiedade que aprisiona todos os seus outros sentimentos durante um episódio de 'abandono', quando ela se separa de suas melhores amigas que mudam de escola. A sala de comando de Riley, seu cérebro, não sabe como processar os sentimentos de Riley com a chegada da adolescência e dos novos sentimentos que agora estão tomando a protagonista de súbito. O desafio agora é a participação da alegria que tenta a todo custo manter as rédeas dos sentimentos funcionando perfeitamente, tornando assim, a vida de Riley mais tranquila e feliz.

O filme estreou com uma das maiores bilheterias do mundo em uma pré-estreia para uma animação, superando a marca dos duzentos milhões de dólares ao redor do mundo, uma bilheteria exorbitante que excedeu com sucesso as expectativas de seus idealizadores em relação à arrecadação esperada. E não, não é coincidência, o enredo se baseia na forma como a qual lidamos com nossas emoções durante o processo de amadurecimento da vida e dos sentimentos que podem ou não nos controlar à depender de nossa reação em meio a situação inusitadas, novas e jamais vividas. O enredo que trabalha com foco total na psicologia do comportamento humano transporta o expectador para uma experiência imersiva na evolução de nossa vida no decorrer do tempo, ocasionando assim, em um corte incisivo e profundo no que temos pré-estabelecido de conhecimento acerca de como agimos ou estamos aptos à agir em meio ao cotidiano e com a frustração de nossas vontades. 

O filme também aborda temas importantes como a importância de lidar com nossas emoções de forma saudável e a compreensão de que todos os sentimentos, sejam eles positivos ou negativos, são parte essencial de quem somos. Além disso, ele ressalta a importância da empatia, do apoio dos amigos e da comunicação aberta para enfrentarmos os desafios da vida, o que pode, em parte, explicar o grande sucesso dessa continuação, que, para todos, expressa de forma brilhante a vida e o amadurecimento precoce que enfrentamos no cotidiano.

Assista ao trailer de Divertida Mente 2:

Traiu ou não traiu? Uma análise do enredo de Dom Casmurro, de Machado de Assis

Foto: Centro educacional Leonardo Da Vinci



Publicado em 1899 pela Livraria Garnier, Dom Casmurro é um dos livros mais aclamados da escrita de Machado de Assis. Escrito originalmente para ser lançado como livro completo - diferentemente das demais obras do autor que eram divididas em capítulos -, completa a trilogia realista composta também por Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba.

A história é narrada pelo personagem principal, Bento Santiago, que cria um paradoxo ao escrever sobre sua juventude em velhice (54 anos). Ele comenta suas experiências na casa do Engenho Novo onde morava e as aventuras vividas lá. Também fala sobre a época de sua vida no seminário e como conheceu seu melhor amigo Ezequiel. Além disso, ele menciona o amor incondicional por Capitu que era mais humilde vizinho dele... No entanto esse foi também o motivo da raiva futura sentida por ela!

A quebra da monotonia nos contos de adultério de Machado de Assis é representada pelo fato do narrador ser Bentinho (Bento Santiago), cuja motivação é advém do sentimento nocivo e ciumento.

Na infância, Bento Santiago frequentou um seminário devido a uma promessa feita por sua mãe viúva. Embora não tivesse decidido para o assunto, ele aceitou seu destino e aprendeu na esperança de se tornar um clérigo no futuro. Foi lá que conheceu Ezequiel de Sousa Escobar, filho de um advogado curitibano com quem fez amizade e juntos decidiram abandonar o seminário.

Após ser libertado e influenciado pela presença de Ezequiel, Bentinho se forma em Direito em São Paulo, e sua relação com Capitu só se intensifica. Como resultado, os dois eventualmente se casam. Enquanto isso, Ezequiel torna-se um comerciante excepcional e casa-se com uma amiga de Capitu: Sancha; juntos têm uma filha a quem carinhosamente chamam de Capitolina (nome verdadeiro de Capitu). Na mesma época em que isso acontece, Capitu e Bentinho também têm um filho que deram o nome de Ezequiel.

As famílias dos amigos moravam próximas e tudo ia bem. No entanto, em 1871, Escobar morreu afogado tragicamente, apesar de ser um excelente nadador. Durante o funeral, Bentinho percebeu a profundidade com que Capitu olhava para o falecido: "Houve um momento em que os olhos de Capitu se fixaram no morto como os de uma viúva [...], assim como as ondas quebram na praia tentando engolir o que aquela manhã nadador."

É a partir desse momento que Bentinho começa a desconfiar da infidelidade da esposa. A única lágrima que cai dos “olhos ciganos” de Capitu no funeral parece culpada, arrependida e apaixonada.

A trama principal do romance se torna clara. Bento apresenta ciúmes incontroláveis ​​conforme seu filho (Ezequiel) cresce e traços cada vez mais semelhantes ao amigo falecido acidentalmente a aparecer nele.

Nesse instante, o avanço alcançou seu ápice: Ele chegou à conclusão de que Capitu havia traído-o com seu melhor amigo, sendo Ezequiel a prova disso. Como consequência, ele mandou ambos para a Europa e lá perdeu suas vidas alguns anos depois.

Ao término de sua existência, Bentinho é visto como uma pessoa amargurada e isolada. Devido ao fato de preferir escrever durante suas viagens ferroviárias a interagir com os demais passageiros, ele passou a ser chamado de Dom Casmurro, nome que viria acompanhado da conversa pouco animada descrita acima. Aos poucos seus vizinhos e amigos o conheceram por este pseudônimo enquanto residiam no Engenho Novo na Rua Matacavalos antiga.

Uma análise da obra

Uma vez que o autor e a história já são conhecidos, é sensato realizar uma análise crítica da obra apresentada. Dom Casmurro é considerado a principal obra realista de Machado de Assis em conjunto com outras duas histórias semelhantes. A linguagem utilizada por Machado é culta dentro das normas do português (considerada muito elevada para grande parte da população) e contém elementos metalinguísticos, intertextuais, pessimismo e ironia. Para os leitores ávidos, este se trata de um livro silencioso para ser lido por vontade própria porque sua narrativa flui divertidamente com excelente estruturação na construção dos personagens. Entretanto há aqueles que apenas lêem livros obrigatórios escolarmente referendam este trabalho como sendo algo sublime mas suavizado quando comparando-se ao estilo Eça; no entanto sabemos que o gosto varia entre as pessoas individualmente desta forma não se pode generalizar tal assertiva sobre obras literárias refletindo meras opiniões pessoais.


Bento Santiago, personagem principal, também é o narrador da história. Esse fato fica evidente logo no primeiro capítulo deste livro.

“Recentemente, em uma viagem noturna da cidade ao Engenho Novo, encontrei num trem da Central, um jovem deste bairro que reconheço de vista e de chapéu.”

Na narrativa de "Dom Casmurro", o Narrador Personagem é quem relata todos os acontecimentos, pois faz parte da história. Com isso, vemos as situações por meio do ponto de vista de Bentinho e suas interações com personagens marcantes como Capitu e Ezequiel.

O tema principal de Dom Casmurro é baseado no sentimento incontrolável de ciúme experimentado por Bentinho em relação à sua esposa. Tal sensação acaba se tornando o foco central da narrativa, como podemos observar na passagem: "Finalmente chegou a hora do enterro e partida. Sancha queria despedir-se do marido e aquela cena devastadora entristeceu todos os presentes. Muitos homens choraram também, assim como todas as mulheres. Somente Capitu parecia conseguir conter suas próprias emoções enquanto apoiava a viúva e tentava tirá-la dali abruptamente para fora daquele ambiente agitado. Tudo estava confuso ao redor mas mesmo assim Capitu fixou seu olhar sobre o cadáver durante alguns momentos tão intensamente apaixonados que não surpreenderia ninguém se algumas lágrimas furtivas caíram pela face dela...”

Outro tema significativo é a suposta traição, característica atribuída ao desenvolvimento humano.

Conforme já mencionado, o Realismo Machadiano é o movimento literário predominante na obra Dom Casmurro. Podemos notar a abordagem pessimista e irônica que Assis utiliza por meio do personagem narrador Bentinho em determinadas passagens:

Não consulte dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que lhe dão, mas sim na forma como foi apresentado como um rótulo para alguém silencioso e introvertido. O título Dom surgiu ironicamente, deixando-me com ar de nobre. Tudo porque eu estava cochilando! Eu não poderia encontrar um título melhor para minha história – se não houver outro até o final do livro, então este será suficiente. Meu poeta ferroviário sabe que não guardo rancor dele. E com apenas um pequeno esforço de sua parte para criar seu próprio título, ele pode até acreditar que este trabalho será verdadeiramente sua própria criação algum dia, em breve. Existem livros que levam apenas os nomes de seus autores; alguns dificilmente conseguem tal conquista.”

"A definição de que José Dias deles havia dado, 'olhos de cigana oblíqua e dissimulada', me veio à mente. Eu não sabia o significado exato de obliqua, mas entendia o sentido por trás da palavra dissipulada, então decido verificar se essa descrição também poderia ser aplicável."

Ao longo do livro, é oferecida a presença de intertextualidade que faz referência tanto à obra de Schopenhauer quanto à peça Otelo, escrita por Shakespeare. O personagem Bentinho não busca esclarecer suas dúvidas sobre as atitudes do protagonista Capitu e se deixar levar pelo ciúme puro. Isso ilustra como a imaginação pode desencadear sentimentos mundanos associados à inferioridade masculina.

No capítulo 72, a intertextualidade com a tragédia de Shakespeare; Otelo é retomado para introduzir uma reforma dramática na trama. No entanto, Assis optou pelo caminho tradicional em sua continuação do drama realista.

Dom Casmurro não se arrisca a ser transparente, e às vezes sua ansiedade beira uma crise de nervos, chegando até mesmo a ter impulsos agressivos em relação a Capitu.

O livro apresenta excelentes trabalhos em cada elemento, mas é a irresponsabilidade do final deixado por Machado de Assis que confere encanto e perfeição à obra que acabou culminando em uma série de análises acadêmicas, filmes e livros variados atribuídos aos sentimentos de seus personagens, se tornando o livro mais conhecido ao redor do globo e um dos mais editados do mundo.

Conclusão

Depois de ler Dom Casmurro e conhecer a metodologia de Machado de Assis, bem como sua história pessoal, podemos perceber certas conexões entre as razões para descrever elementos de maneiras particulares. Apesar de não ter nascido rico e ter testemunhado a transição do Brasil de império para república durante seu sistema político, ele viveu uma época complicada. Embora possa parecer distante agora, percebo claramente como a realidade não alterou o seu ponto de foco.

Com que frequência vemos problemas como desonestidade, traição e sentimentos hediondos que levam a atos terríveis na televisão todos os dias? E quantas vezes ficamos decepcionados com alguém que amamos – sejam nossos filhos ou pais, marido ou esposa, irmãos – quer sejam conhecidos por nós ou não? Os relacionamentos são construídos sobre uma base de desconfiança que não pode ser negada, pois é uma parte inata da natureza humana. A sociedade em 1899 era exatamente a mesma que temos agora! Machado de Assis retratou a descrição da humanidade com tanta maestria que os pilares da nossa moral permanecem precisamente inalterados!

Ao ser o narrador da história, o protagonista é capaz de nos apresentar sua própria perspectiva e permite que nossa imaginação flua livremente; assim como ele mesmo experimentou esse processo. Como humanos, temos a capacidade empática de compartilhar sentimentos semelhantes aos outros, pois já surgiram por situações semelhantes em nossas vidas.

No capítulo CXIII, encontramos um exemplo dessa situação particular em que o narrador começa a suspeitar de Capitu. Esta última se recusa acompanhar seu marido ao teatro alegando estar doente. Bentinho acaba por ir sozinho e retorna para casa no final do primeiro ato somente para encontrar Escobar no corredor de sua residência... A forma como esse episódio é descrita pelo autor transpira ironia gelada deixando espaço à interpretação pessoal dos leitores sobre possível conexão entre mal -estar sentido pela esposa com visita surpresa do amigo. É natural que tomemos partido de Bentinho já que este possui voz na história; não temos ideia de alguma motivação ou perspectivas ligadas aos personagens secundários citados (Capitu, Ezequiel ou Sancha). Não podemos esperar surpresas brechas informativas também!

Ao longo dos anos, a mente de Bentinho foi envenenada por alguém que não possuía boas intenções - um indivíduo chamado José Dias. Este rapaz ciumento teve sua vida e o protagonista Capitu infernizado pelo manipulador, responsável por semear discórdia no coração do herói nem tão renomado assim.

Eu o chamo de herói porque, ao contrário dos reis romanos mencionados no início do livro - aqueles que eram conhecidos como assassinos de suas esposas -, ele apenas invejou sua esposa e filho para a Europa antes de morrer sozinho. Pelo menos Bento Santiago foi diferente de Vilela (do conto A Cartomante), que assassinou sua esposa e melhor amigo enquanto Camilo mantinha um caso com ela.

Frequentemente, a obra literária de Machado de Assis aborda conflitos amorosos complexos, atitudes adúlteras e mortes. Também são retratados sentimentos egocêntricos e o desejo de isolamento social...Possivelmente porque esses temas refletem experiências que muitas pessoas enfrentam diariamente. É identificar em cada um de nós personagens como Bentinho, Brás Cubas e Quincas Borba pois somos seres humanos com vivências semelhantes profundas descritas na obra possível do autor brasileiro renomado..

Esse é exatamente o cerne de Dom Casmurro. Uma emoção humana que o corrompeu profundamente.

Links:

Jogo do Bicho: Raízes e História no Rio de Janeiro - Novo livro de Luiz Antônio Simas

Foto: MegaFauna / Divulgação

Luiz Antonio Simas é um renomado historiador carioca, cujo olhar privilegia os espaços mínimos que compõem a dimensão mais humana da História. Em sua obra "Maldito invento dum baronete", Simas investiga as origens e o desenvolvimento do jogo do bicho de forma inovadora, integrando-o à cultura popular e à herança afro-indígena que caracterizam o Rio de Janeiro. Com uma abordagem ousada e sagaz, o autor nos convida a refletir sobre as múltiplas facetas desse jogo, que vai além da contravenção e do crime, tornando-se um elemento fundamental da identidade carioca. Em vinte e cinco capítulos envolventes, Simas nos leva por uma jornada histórica fascinante, desafiando as normas acadêmicas e revelando as complexidades das ruas, vielas e esquinas da cidade. É uma obra que certamente encantará e provocará reflexões sobre a cultura, a história e a essência da Cidade Maravilhosa.

Foto: Arte digital / Post Literal


Confira a apresentação da obra:

Intelectual ousado, pesquisador sagaz, observador participante, pensador dos mitos, ritos, práticas e idiossincrasias cariocas, Luiz Antonio Simas nos traz com esta publicação reflexões sobre uma das obras mais significativas da vida da mui heroica e leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: o jogo do bicho. E, em função das qualidades acima descritas, não espere a senhora leitora ou o senhor leitor, neófita ou neófito no assunto, um livro que contará a história centenária desta loteria nascida no jardim zoológico de Vila Isabel. É claro que vocês terão acesso a um número expressivo de informações, mas não estamos falando de um livro de história, estamos falando de uma obra que busca no passado elementos para continuar se debruçando sobre a ex-capital da República, livre das amarras das normas, dos jargões e das hipocrisias acadêmicas, mas encantado pelas dobras, frestas e esquinas. Historiador das ruas, graças a Deus recebeu as bençãos dos Exus que abriram seus caminhos e fizeram com que percebesse que lugar de professor e de estudante é longe do confinamento e da opressão das salas de aula. E, não nos esqueçamos, estas mesmas ruas, esquinas e botequins desta cidade sempre foram o lugar de trabalho dos bicheiros, só não sabemos por quanto tempo mais. E agora?! Vai no grupo, centena ou milhar?

SOBRE O AUTOR

Author

LUIZ ANTONIO SIMAS

é carioca, botafoguense, filho de pai catarinense e mãe pernambucana. Trabalha como professor de História e faz pesquisas sobre culturas populares do Brasil. É autor, entre outros, do “Almanaque Brasilidades” (Bazar do Tempo, 2018), de “Pedrinhas miudinhas: ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros” (Mórula, 2013), de “Ode a Mauro Shampoo e outras histórias da várzea” (Mórula, 2017), do “Dicionário da História Social do Samba” (Civilização Brasileira, 2015), em parceria com Nei Lopes, de “O corpo encantado das ruas” (Civilização Brasileira, 2019) e de “Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas” (Mórula, 2018) e "Flecha no tempo" (Mórula, 2019), estes dois últimos com Luiz Rufino.

A resenha da obra pode ser lida aqui em nosso site

Você pode adquirir a obra na pré-venda no site oficial da Morula editorial.

Maldito invento dum baronete: Uma breve história do jogo do bicho, de Luiz Antônio Simas

Foto: Arte digital / Post Litera

APRESENTAÇÃO

Luiz Antonio Simas já se tornou um clássico da historiografia carioca. Seu olhar se volta preferencialmente para os espaços mínimos, miudinhos, que constituem a dimensão mais humana da História. Neste Maldito invento dum baronete, Simas investiga as origens e o desenvolvimento do Jogo do Bicho, não pela óptica usual, aquela que privilegia a contravenção ou o crime — mas numa perspectiva inovadora, que compreende o Jogo como elemento fundamental da cultura popular, integrada ao complexo metafísico que envolve o Samba, o Futebol, as Religiões de Terreiro, os modos de ser e fazer da nossa inestimável herança afro-indígena.
Alberto Mussa

Arte: Morula Editorial

Intelectual ousado, pesquisador sagaz, observador participante, pensador dos mitos, ritos, práticas e idiossincrasias cariocas, Luiz Antonio Simas nos traz com esta publicação reflexões sobre uma das obras mais significativas da vida da mui heroica e leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro: o jogo do bicho. Estamos falando de uma obra que busca no passado elementos para continuar se debruçando sobre a ex-capital da República, livre das amarras das normas, dos jargões e das hipocrisias acadêmicas, mas encantado pelas dobras, frestas e esquinas.
Felipe Magalhães

RESENHA

Luiz Antonio Simas é um renomado historiador carioca, cujo olhar privilegia os espaços mínimos que compõem a dimensão mais humana da História. Em sua obra "Maldito invento dum baronete", Simas investiga as origens e o desenvolvimento do jogo do bicho de forma inovadora, integrando-o à cultura popular e à herança afro-indígena que caracterizam o Rio de Janeiro. Com uma abordagem ousada e sagaz, o autor nos convida a refletir sobre as múltiplas facetas desse jogo, que vai além da contravenção e do crime, tornando-se um elemento fundamental da identidade carioca. Em vinte e cinco capítulos envolventes, Simas nos leva por uma jornada histórica fascinante, desafiando as normas acadêmicas e revelando as complexidades das ruas, vielas e esquinas da cidade. É uma obra que certamente encantará e provocará reflexões sobre a cultura, a história e a essência da Cidade Maravilhosa.

O autor apresenta reflexões sobre o jogo do bicho, uma das obras mais significativas do Rio de Janeiro, em um olhar ousado e sagaz. Ele aborda a história sem amarras acadêmicas, explorando as idiossincrasias cariocas. Como historiador das ruas, ele desafia as normas acadêmicas e se encanta com as dobras e esquinas da ex-capital da República, livre das hipocrisias. O livro não se limita a contar a história do jogo do bicho, mas busca elementos do passado para continuar explorando a cidade, desafiando as salas de aula e se aproximando do trabalho dos bicheiros. A obra convida o leitor a escolher entre grupo, centena ou milhar, desejando boa sorte.

O livro explora as razões que levaram o jogo do bicho a ser proibido, destacando o contexto social e histórico do Rio de Janeiro do final do século XIX. Ao longo de vinte e cinco capítulos, a obra aborda as múltiplas facetas do jogo do bicho através dos animais que formam os grupos da loteria. O objetivo não é esgotar o tema, mas sim provocar reflexões e apresentar um material acessível, não acadêmico, para diversos públicos interessados. O autor destaca a importância histórica do jogo do bicho na formação da cidade do Rio de Janeiro, ressaltando que é impossível contar a história da cidade sem mencioná-lo.

O livro se divide em capítulos que explanam de forma categórica e minuciosa os animais relacionados ao jogo do bicho. Cada nova representação vem acompanhada da história do universo do jogo do bicho em paralelo à história do Rio de Janeiro e o desenvolvimento das jogadas numa esfera político-social como parte da construção da identidade de um povo.

Avestruz

No ano de 1892, o governo do presidente Floriano Peixoto tentou adiar o carnaval no Rio de Janeiro devido à insalubridade da cidade, mas a população não aceitou e acabou celebrando a festa tanto em junho quanto em fevereiro. A elite republicana buscava modernizar a cidade, reprimindo os pobres e removendo cortiços. Além disso, tentavam apagar as referências culturais africanas, como a capoeira. Em meio a essas tensões, o Jardim Zoológico de Vila Isabel foi reinaugurado com novidades, causando impacto na cidade. O episódio representou uma mudança significativa na história do Rio de Janeiro.

Águia

No universo simbólico, a águia é vista como um ícone de força e grandeza. Utilizada por diversos impérios, desde os antigos persas até a "Grande Armée" de Napoleão Bonaparte, a águia é associada à guerra, conquistas e audácia. O Barão de Drummond foi comparado a uma águia majestosa, símbolo de pessoas inteligentes e ousadas. A genealogia da família Drummond é marcada por reviravoltas, desde a Hungria até Portugal e, finalmente, ao Brasil, onde se estabeleceram em Minas Gerais.

O poeta Carlos Drummond de Andrade descreve a vida do Barão em detalhes, destacando suas contribuições para a cidade do Rio de Janeiro, como a criação da Vila Isabel. A narrativa popular do jogo do bicho, inventado pelo Barão para salvar o zoológico em dificuldades financeiras, contrasta com a perspectiva do historiador Felipe Magalhães, que destaca o lado empreendedor e capitalista do Barão. A criação do jogo do bicho foi uma estratégia para atrair visitantes para a Vila Isabel e impulsionar os negócios imobiliários no bairro.

O Barão de Drummond tentou alcançar o sucesso como uma águia no céu da sorte, mas acabou associado a um dos jogos mais populares do Brasil. A história do Barão revela as complexidades e contradições de sua época, misturando mito e realidade em torno de sua figura.

Burro

No contexto do jogo do bicho criado no zoológico do Barão de Drummond, a perspicácia de alguém levou a popularização do jogo ao vender os bilhetes fora do parque. Isso resultou em um crescimento descontrolado do negócio, com bilhetes sendo vendidos em diversos locais da cidade. O jogo do bicho, por sua vez, alimentou o amor das pessoas pelas loterias, consolidando-se como uma tradição enraizada na cultura local.

Borboleta

No colégio, aprendemos que as borboletas passam por quatro etapas em suas vidas: ovo, lagarta, crisálida e adulta. A transição da lagarta para a borboleta é completamente diferente, seguindo o processo de metamorfose completa conforme ensinado pelos professores de biologia. A metamorfose das borboletas exemplifica como um animal pode se transformar significativamente em diferentes fases da vida, de forma semelhante ao jogo do bicho.

A diversão originalmente planejada para capitalizar o zoológico de Vila Isabel e contribuir para o desenvolvimento de um bairro elitista, seguindo padrões europeus, promovendo especulação imobiliária e fluxo de capital na cidade moderna. Esta iniciativa, em parceria com o poder público que permitiu ao Barão de Drummond explorar o jogo legalmente em seu parque, foi um grande sucesso. No entanto, o jogo começou a se expandir quando os bilhetes passaram a ser vendidos além dos limites do jardim, resultando na saída da borboleta do casulo, pronta para voar.

As razões para a popularidade do jogo são diversas, desde a simplicidade até o apelo emocional gerado pelos animais, que criou um vínculo mais forte com a população do que as tradicionais loterias numeradas. Não se pode ignorar o fato de que o Rio de Janeiro sempre teve afinidade com jogos e loterias, mesmo antes do surgimento do jogo do bicho.

Cachorro

Durante grande parte da história da República, os cachorros de rua sem raça definida e sem registro de propriedade não eram bem-vindos na cidade do Rio de Janeiro por parte da população que aspirava a uma vida mais europeia. Eram perseguidos e recolhidos pela temida carrocinha da Inspetoria de Higiene e, muitas vezes, sacrificados. A carrocinha até inspirou uma música infantil que lamentava sua ação.

Nesse contexto de luta entre disciplina e desordem, civilização e barbárie, raças puras e vira-latas, a proibição do jogo do bicho se concretizou. Em 1895, menos de três anos após o início do jogo no zoológico de Vila Isabel, o Decreto nº 113 proibiu os sorteios. O jogo, que era inicialmente uma diversão da elite carioca, foi visto como um vício que precisava ser eliminado.

A proibição dos sorteios no zoológico levou a uma série de medidas legislativas que visavam reprimir o jogo do bicho, incluindo penas de prisão para quem promovesse rifas ou loterias sem autorização. A repressão ao jogo do bicho fazia parte de um contexto mais amplo de modernização na América Latina, que visava conter práticas populares em nome dos "bons costumes". O jogo do bicho foi progressivamente restringido por leis que definiam o que era lícito e ilícito, proibiam loterias com símbolos e figuras e estabeleciam penas de prisão para os envolvidos em jogos de azar. A legislação para reprimir o jogo do bicho estava em vigor desde a proibição dos sorteios no z.

Cabra

A agilidade das cabras é impressionante, sendo as únicas ruminantes capazes de subir em árvores. Curiosas e serelepes, possuem notável facilidade para escapar de cercados onde estão confinadas. Se forem limitadas por cercas que possam ser puladas, certamente irão se libertar e explorar o mundo. O confinamento do jogo do bicho aos limites do zoológico de Vila Isabel foi breve. A proibição do jogo no local em 1895 não impediu que o jogo escapasse para as ruas da cidade. A venda dos bilhetes na rua do Ouvidor indicou o que viria a acontecer em breve. A popularidade do jogo se espalhou rapidamente pelas ruas, por motivos diversos que vão além de apenas ganhar dinheiro com facilidade. A adesão imediata da população ao jogo foi retratada por Machado de Assis e Olavo Bilac, em 1895.

Carneiro

Os carneiros selvagens vivem em grupos, escapando dos predadores e buscando se manter aquecidos durante o mau tempo. Em cada grupo, um macho maduro assume a liderança, utilizando sua força se necessário. Sempre alertas aos predadores, podem fugir para locais altos ou lutar contra as ameaças, mostrando força suficiente para lançar lobos adultos dos penhascos. Essas características dos carneiros selvagens podem ser comparadas com diversos personagens envolvidos no jogo do bicho, que buscam escapar das intempéries de participar de uma loteria ilegal.

A dificuldade em efetuar prisões de envolvidos no jogo do bicho era evidente, como mostrado em um relato de 1900. Mesmo com a suspeita de participação na atividade, a ausência de provas concretas dificultava a manutenção das prisões. Isso gerava disputas pelo controle das apostas, muitas vezes resultando em confrontos e conflitos pelo domínio dos territórios de apostas.

Camelo

Nas culturas ocidentais, o camelo é visto como um animal exótico e estranho, mas para as culturas da península arábica e dos povos berberes do norte da África, ele é considerado bonito, forte e resistente. Capaz de sobreviver em condições difíceis, aguentando o que a maioria dos animais não conseguiria. Assim como o camelo, a vida de Natalino José do Nascimento, conhecido como Natal, foi marcada por condições difíceis e pela capacidade de resistir às adversidades. Nascido em Queluz, São Paulo, em 1905, em um país recém-liberto da escravidão, Natal enfrentou desafios desde cedo.

Após um acidente que o deixou aleijado, Natal encontrou no jogo do bicho uma oportunidade de sobreviver. Inicialmente como apontador de um conhecido bicheiro, ele logo se destacou e se tornou gerente de uma banca de apostas. Com o tempo, Natal se tornou um dos principais contraventores do Rio de Janeiro, enfrentando prisões e processos judiciais, incluindo um famoso caso de legítima defesa.

Cobra

A grande maioria das cobras não possuem veneno. No entanto, entre aquelas que possuem, algumas são extremamente perigosas para os seres humanos, como as cascavéis e as cobras corais. Apesar do risco que representam, muitas serpentes produzem veneno que é essencial para a indústria farmacêutica, especialmente na criação de antídotos e analgésicos. O veneno e o remédio, em essência, são provenientes do mesmo processo.

Em uma edição de 3 de abril de 1960, um leitor do jornal "Correio da Manhã" chamou Aniceto Moscoso, banqueiro do jogo do bicho, de "cobra venenosa". No entanto, Moscoso recebeu o título de Cidadão Carioca da Câmara de Vereadores, mesmo sendo português. As primeiras referências sobre ele nos jornais remontam à década de 1930, quando era visto como uma figura perigosa envolvida em atividades criminosas ligadas ao jogo do bicho. A partir da década de 1940, Moscoso parece ter se tornando uma figura mais institucionalizada, mantendo negócios legais enquanto ainda estava envolvido no jogo do bicho. Ele e outro banqueiro, Natal, disputavam quem pagava mais enterros na região, em um gesto que simbolizava poder e prestígio. Moscoso foi um dos primeiros a trabalhar ativamente na limpeza de sua imagem, utilizando estratégias de controle e benefícios para manter sua influência, assim como o veneno e o remédio se entrelaçam na mesma cobra.

Coelho

Segundo a tradição popular, quem tem muitos filhos é comparado a um coelho, devido à sua reprodução constante. A coelha fica fértil durante todo o ano devido à ovulação induzida pelo acasalamento, o que faz os machos se manterem sexualmente ativos. Por isso, sonhar com filhos, gravidez ou temas semelhantes é considerado um sinal de boa sorte no jogo do bicho.

A interpretação dos sonhos como presságios ou sinais divinos não é algo novo e está presente em diversas culturas ao longo da história. Exemplos incluem José no Antigo Testamento decifrando os sonhos do Faraó e os estóicos gregos classificando os sonhos como divinos, malignos ou oriundos da alma humana. Os ciganos também atribuem grande importância aos sonhos, e eram bastante presentes na época em que o jogo do bicho surgiu.

Os jornais especializados em jogo do bicho no início do século XX não apenas anunciavam resultados, mas também ofereciam prognósticos baseados em interpretações de sonhos. Alguns palpiteiros, como Sonâmbulo e Emydgio Abitayô, ligavam os sonhos às entidades espirituais para orientar os apostadores em suas jogadas. A relação entre os sonhos e o jogo do bicho é intrigante e levanta a questão sobre a existência de uma tipologia dos sonhos que indique resultados potenciais.

Cavalo

O turfe, esporte que envolve corridas de cavalo contemporâneas, tem suas raízes na Inglaterra do século XVII, embora duelos entre cavaleiros já fossem praticados em diversas culturas antigas. Com a popularização do puro sangue inglês, fruto de cruzamentos entre cavalos árabes e europeus, as corridas se popularizaram, tornando-se um esporte praticado por nobres que, ao longo do século XIX, foi se tornando mais acessível ao público em geral.

No Brasil, a paixão pelo turfe chegou no final do século XIX, com a fundação do Derby Club do Rio de Janeiro em 1885. Com o passar do tempo, o turfe se desenvolveu na cidade, com a transferência do Derby Club para a Zona Sul e a inauguração do Hipódromo da Gávea, que posteriormente se uniria ao Jóquei Club, formando o Jóquei Clube Brasileiro. A posse de cavalos de raça tornou-se um símbolo de distinção social, inclusive para os banqueiros do jogo do bicho, que adoravam os animais. Essa relação entre poder, ostentação e amor pelos cavalos é evidenciada na letra de um samba da Beija-Flor de Nilópolis, que exalta o cavalo mangalarga marchador como um vencedor e guerreiro.

Elefante

A interpretação dos sonhos no jogo do bicho vai além da literalidade. A inversão dos significados dos sonhos pode ser mais eficaz para apostas bem-sucedidas. Os sinais e tradições populares também são levados em consideração na hora de escolher o animal para apostar. Os arquétipos dos animais influenciam nas interpretações de sonhos, tornando o jogo do bicho uma atividade cheia de simbologia e tradição.

Alguns especialistas sugerem que o medo dos elefantes em relação às abelhas pode ter sido desenvolvido devido a experiências de picadas dolorosas. Portanto, a explicação para esse comportamento está relacionada ao pragmatismo e à autopreservação dos elefantes.

Galo

Nascido no Rio de Janeiro, o jogo do bicho se espalhou pelo Brasil, misturando elementos cariocas com as referências locais de cada região onde a loteria dos animais se estabeleceu. Um exemplo disso é a relação do galo com o futebol na Paraíba, onde o jogo do bicho é popular. 

No dia 7 de setembro de 1925, em Campina Grande, um clube de futebol foi fundado e recebeu o nome de Treze Futebol Clube, em referência ao grupo do galo no jogo do bicho. O clube se tornou conhecido como o Galo da Borborema. E assim, sendo o rival do Treze, o Campinense adotou como mascote uma raposa, o predador do galo.

O Clube Atlético Mineiro, de Minas Gerais, também é conhecido como Galo, não por causa do jogo do bicho, mas por conta de um galo alvinegro que era imbatível nas rinhas da cidade. A rivalidade com o Cruzeiro fez com que o clube não utilizasse a camisa de número 13, relacionada ao galo no jogo do bicho. Por sua vez, o Cruzeiro adotou a raposa como símbolo em homenagem à astúcia de seu presidente Mário Grosso, que se destacava pelas contratações inteligentes e pela habilidade de superar o rival Atlético-MG. A escolha também teve relação com o fato de as raposas se alimentarem de galinhas, fazendo alusão ao Galo, seu rival.

Gato

Nos cruzamentos do Brasil, é comum que os orixás, divindades originárias da África Ocidental, tenham associações com determinados animais, os quais estão presentes em diversos mitos e rituais dos candomblés. O caracol está ligado a Oxalá, o elefante a Oxóssi, o búfalo aparece nos mitos de Iansã, o leão simboliza a realeza de Xangô, o galo é frequente nos mitos de Ossain, a cobra está vinculada a Oxumarê e Euá, o coelho é de Ibeji, os pássaros canoros são de Logunedé, os peixes pertencem a Iemanjá, e o cachorro é associado a Ogum. Mas qual animal tem conexão com Exu? O gato, esperto, astuto, carinhoso de forma dissimulada, com hábitos peculiares e temperamento imprevisível.

Na linha da umbanda, existe um Exu conhecido como Gato Preto, que em certas versões é descrito como um praticante de alta magia na Irlanda que tem reencarnado por pelo menos 800 anos. Diz-se que ele fez um pacto com um gato para obter a imortalidade das sete vidas, sendo considerado uma entidade ligada à sorte. Dona Maria Padilha, uma poderosa pombagira, muitas vezes é retratada ao lado de um gato em algumas linhas de umbanda, auxiliando em trabalhos de limpeza, alegria e cura.

Um dos casos mais famosos envolvendo Exu e o jogo do bicho foi com o pai de santo Djalma de Lalu, que recebeu um palpite de Exu através de seu erê Pinguilim. Após um sonho revelador, Djalma decidiu apostar em uma milhar seca do macaco e ganhou um prêmio significativo, suficiente para expandir seu terreiro e construir uma vila de casas chamada Vila São Lalu. A festa em homenagem a Exu foi tão grandiosa que os banqueiros da região fizeram um acordo com Djalma e até ameaçaram cortar qualquer bicho em que ele apostasse. A Vila São Lalu ainda está de pé nos dias de hoje.

Jacaré

Campos dos Goytacazes é uma cidade atravessada pelo rio Paraíba do Sul. Segundo os mais velhos, quem navega por ali precisa estar atento ao Ururau Pançudo, um enorme jacaré de papo amarelo. Diz a lenda local que o Ururau era na verdade um jovem apaixonado por uma jovem rica, que foi assassinado e jogado nas águas do rio pelos capatazes do pai dela. Desde então, o rapaz se transformou em um espírito que vive entre o rio Paraíba e a Lagoa de Cima há mais de 200 anos.

Essa lenda do jacaré gigante deixou uma marca na infância do jornalista José do Patrocínio, nascido em Campos dos Goytacazes. Patrocínio, que foi um abolicionista, parlamentar e farmacêutico, ficou conhecido por trazer o primeiro carro ao Rio de Janeiro em 1897. No entanto, ao emprestar o carro para o poeta Olavo Bilac, ocorreu o primeiro acidente automobilístico da história do Brasil.

Patrocínio faleceu sem concluir seu projeto do dirigível, mas sua morte foi cercada de mistérios e superstições, especialmente no que diz respeito ao jogo do bicho. Anos após sua morte, o escritor Lima Barreto retratou em um conto a história de uma jovem que sonha com o número da sepultura da avó e, seguindo o conselho de uma cozinheira, acaba ganhando uma grande quantia em dinheiro no jogo do bicho.

Leão

Em 1976, a Beija-Flor de Nilópolis, localizada em um pequeno município da Baixada Fluminense, conquistou o título de campeã do carnaval das escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro com o enredo "Sonhar com rei dá leão". Foi a primeira vez que a agremiação venceu, quebrando a longa hegemonia das chamadas "quatro grandes" do carnaval: Portela, Mangueira, Salgueiro e Império Serrano. O enredo da Beija-Flor, que contava uma história sobre o jogo do bicho e as relações entre sonhos e palpites, homenageava Natal, um famoso bicheiro com forte ligação com uma escola de samba. Natal, que faleceu recentemente, foi por muito tempo o líder da Portela.

Um detalhe curioso do desfile foi a presença de uma zebra, animal que não faz parte do jogo do bicho. A escolha se deu pela expressão popular "deu zebra", que se tornou sinônimo de resultados surpreendentes no futebol. A Beija-Flor surpreendeu ao conquistar o título, quebrando o favoritismo das grandes escolas de samba do Rio de Janeiro.

Macaco

O santo padroeiro da cidade do Rio de Janeiro é São Sebastião. Em honra a ele, um chimpanzé nascido no zoológico da cidade em 16 de janeiro de 1963, batizado como Tião, ficou conhecido como "O Macaco Tião". Tião nasceu no novo zoológico, na Quinta da Boa Vista, que substituiu o antigo parque de Vila Isabel. Ele se tornou o habitante mais famoso do local.

Tião era descrito por seus biógrafos como um chimpanzé amigável, acostumado a passear livremente pelo zoológico na infância. Ao crescer e ser colocado em uma jaula, tornou-se mal-humorado, divertindo-se ao desafiar e brincar com os visitantes, principalmente autoridades. Seus ataques chegaram a chamar a atenção da mídia. O macaco Tião até se tornou um candidato a prefeito nas eleições municipais de 1988, em um protesto humorístico que ganhou popularidade. Apesar de receber cerca de 400 mil votos, todos anulados, ele foi o terceiro candidato mais votado do Rio de Janeiro na época. No dia da morte de Tião, a milhar 0067 foi sorteada como prêmio, associada ao bicho macaco, destacando ainda mais a fama do Macaco Tião entre os cariocas.

Porco

O que um jogador experiente na metafísica do jogo do bicho faz se sonhar com uma cobra acuada? É bem possível que aposte no porco.  O jornal "O Bicho" - um periódico que circulou no Rio de Janeiro entre 1910 e 1914 - anunciava na primeira página ser um "jornal útil e agradável, dedicado aos amantes de todos os esportes". Apesar disso, o foco principal era o jogo do bicho, abordando tanto a vertente mística quanto a racional.

O jornal também fornecia tabelas de bichos premiados, informava há quanto tempo determinado bicho não saía e sugeria palpites baseados em probabilidades. A tradição das "puxadas" do jogo, que consiste em observar que combinações de bichos são mais comuns ao longo dos sorteios, já era presente naquela época. Se um jogador sonhasse com uma cobra acuada, talvez devesse considerar apostar no porco, segundo as tradições do jogo. E se sonhasse com uma porca morta, seria melhor evitar o jogo por alguns dias, pois seria azar na certa.

Pavão

O pavão, apesar do seu temperamento tranquilo e gregário, é comumente associado a pessoas vaidosas e exibicionistas devido às suas penas ornamentais. Essa relação foi evidenciada pela representação dos chefões do jogo do bicho, feita pelo jornal "O Globo" em 1993, como pavões ornamentados, em vésperas de carnaval. O carnaval de 1993 foi marcado pela exibição pública dos bicheiros, desfilando na frente das escolas e sendo admirados por artistas e políticos. No entanto, poucos meses depois, muitos desses líderes foram condenados por diversas atividades criminosas, revelando a verdade por trás das aparências exuberantes.

Capitão Guimarães, em uma entrevista posterior, reconheceu o erro de buscar os holofotes, expondo o jogo do bicho e a cúpula do crime. Assim como o pavão que abre a cauda para impressionar, a busca por destaque os expôs aos perigos da justiça.

Peru

Orlando Drummond foi um renomado ator e dublador brasileiro, conhecido por dar vida a diversos personagens icônicos como Scooby Doo, Popeye, o Vingador e o Gato Guerreiro. Além de seu talento na dublagem, Drummond também brilhou como o Seu Peru na Escolinha do Professor Raimundo, programa humorístico de Chico Anysio. Ele vivia em Vila Isabel, bairro ligado à origem do jogo do bicho, refletindo sua ligação com o local. Drummond faleceu aos impressionantes 101 anos em julho de 2021. Curiosamente, no mesmo dia, no sorteio do jogo do bicho, a milhar 0980 - peru foi o número sorteado. É incerto quantas pessoas acertaram esse palpite, mas histórias curiosas de como as pessoas interpretam sinais místicos para escolher seus números são comuns.

Uma dessas práticas envolve simpatias com moedas e palpites, como enterrar moedas e pedir para estranhos mencionarem um animal ao serem entregues. Além disso, sonhar com um peru na ceia de Natal pode ser considerado sorte, mas na ceia de Ano Novo é tido como azar, de acordo com crenças populares.

Touro

Boi e touro são nomes que se referem ao mesmo animal, o macho da espécie Bos taurus. A diferença entre eles está na capacidade reprodutiva. Enquanto o boi é castrado, o touro é o reprodutor. Um dos tipos de touro mais famosos é o touro de Lídia, conhecido por sua valentia e agressividade.  A imprensa esportiva do Rio de Janeiro comparou o bicheiro Castor de Andrade a um "touro bravo" durante um jogo de futebol em 1966. Castor, filho do banqueiro do jogo do bicho Eusébio de Andrade, era presidente do Bangu e interferiu no jogo armado com um revólver calibre 45.

A polêmica em torno de Castor resultou em mudanças nas regras do campeonato. No final, o Bangu saiu vitorioso e Castor comemorou invadindo o campo. Sua história como "bicheiro romântico" chegou ao fim em 1994, quando sua fortaleza foi descoberta, revelando conexões com crimes graves. Castor foi preso, mas desfrutou de regalias na prisão antes de falecer em 1997. A disputa pelo seu espólio gerou mais violência e mortes na década seguinte, revelando os aspectos sombrios do mundo do jogo do bicho e dos bicheiros.

Tigre

O tigre, um felino de grande porte, é classificado por biólogos como um superpredador, ficando atrás apenas de algumas espécies de ursos na hierarquia dos principais carnívoros do planeta. Capaz de consumir até 10 kg de carne de uma só vez, os superpredadores estão no topo da cadeia alimentar. Durante a ditadura civil-militar brasileira, o termo "tigrada" era usado para descrever os setores subordinados das forças armadas e polícias que atuavam na repressão do regime. Eles realizavam as tarefas cotidianas de interrogatórios, torturas, assassinatos e desaparecimentos de corpos, operacionalizando a repressão no dia a dia.

Com a abertura política na década de 1970, os agentes da repressão que compunham a "tigrada" passaram a buscar poder em outros espaços, principalmente ligados ao crime organizado. Jornalistas como Aloy Jupiara e Chico Otávio abordaram essa relação no livro "Os porões da contravenção", essencial para entender as mudanças no jogo do bicho e na cidade do Rio de Janeiro. A consolidação de uma cúpula no jogo do bicho ocorreu em meio a consensos e conflitos, resultando em uma reorganização do território do jogo. Com o declínio da rentabilidade do jogo do bicho devido à expansão das loterias estatais, a cúpula precisou diversificar suas atividades, incluindo contrabando, lavagem de dinheiro e comércio ilegal.

Urso

Fulano é um grande traidor! Antigamente, o termo "amigo urso" era usado para descrever alguém assim. Esse tipo de pessoa aparenta ser prestativa e amigável, mas acaba traindo a confiança. A origem da expressão vem de uma fábula francesa em que um urso acidentalmente mata um homem ao tentar matar uma mosca que pousou em seu nariz. Um samba famoso dos anos 50 também faz referência a essa história.

Em um crime que mudou a história do jogo do bicho, a morte de Euclides Pannar, conhecido como China Cabeça Branca, levantou questionamentos sobre quem seria o verdadeiro "amigo urso". Ele teria sido assassinado por denunciar manipulações no jogo, de acordo com a investigação do Ministério Público. Anos depois, outro ex-policial ligado ao esquadrão da morte foi morto por querer entrar no negócio do jogo do bicho.

Veado

A origem da correspondência feita no Brasil entre homens homossexuais é debatida. Alguns afirmam que o termo não tem ligação com o veado, o animal, mas sim com a expressão "desviado" ou "transviado" - homens que teriam se desviado de uma suposta normalidade. Essa explicação remonta aos anos 1960, durante a ditadura civil-militar, que propagava preconceito e não aceitava a diversidade de orientações sexuais. Estudiosos admitiram que chamar um homem gay de "viado" teria realmente relação com o veado, o animal. A linguista Stela Danna, da Universidade de São Paulo, aponta a década de 1940 como o surgimento do termo, especialmente devido ao sucesso do filme Bambi, de Walt Disney, que mostrava veados depositando o esperma uns nos outros durante o período de reprodução.

A mobilização contra a homofobia parece estar surtindo efeito, com clubes e jogadores tomando posições contra a discriminação. Na Copa do Mundo, o zagueiro Bremer foi o primeiro atleta da seleção brasileira a usar o número 24. Em 2022, em celebração ao Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, clubes como Fluminense, Flamengo e Vasco realizaram ações simbólicas em apoio à causa.

O tabu em torno do número 24 reflete um longo histórico de preconceito e estigmatização, mas a luta contra a homofobia continua avançando, com mais indivíduos e instituições se posicionando a favor da diversidade e do respeito.

Vaca

As vacas ruminam cerca de 8 horas por dia, mastigando aproximadamente 50 vezes por minuto, totalizando incríveis 40 mil movimentos mandibulares diários. Além disso, possuem um olfato aguçado e uma visão razoável em condições normais, permitindo enxergar quatro vezes melhor que os humanos em baixa luminosidade. Ruminar consiste no ato de remoer os alimentos que retornam do estômago à boca, ou seja, mastigar novamente. Em sentido figurado, significa meditar, pensar novamente, refletir sobre algo. No contexto do jogo do bicho, a ruminação é crucial e demanda capacidade de enxergar em cenários de pouca luminosidade, como as vacas fazem com maestria.

A história do jogo do bicho está intrinsecamente ligada aos dilemas e complexidades da transição do Rio de Janeiro da Monarquia para a República, e às relações entre loteria, sociedade e estado. Este breve livro é inspirado nas reflexões de autores como Felipe Magalhães e Ami Chazkel, que abrem caminhos para uma reflexão essencial sobre o jogo. O jogo do bicho se tornou rapidamente uma prática popular, sendo a loteria dos menos favorecidos em uma época em que atividades populares eram reprimidas. Criminalizar tais atividades era uma tendência higienista das elites que projetavam as cidades latino-americanas seguindo modelos europeus.

Ao estudar o jogo do bicho, é fundamental evitar a romantização acrítica ou a demonização dos aspectos culturais envolvidos. Este livro traz vinte e cinco histórias entrelaçadas que exploram dramas urbanos, superstições, contravenções, arte e fé, revelando a complexidade da encruzilhada que é o Rio de Janeiro.

O livro "Maldito invento dum baronete" de Luiz Antonio Simas é uma obra que convida o leitor a mergulhar nas origens e no desenvolvimento do jogo do bicho no Rio de Janeiro de uma forma inovadora e desprovida das amarras acadêmicas usuais. Explorando as múltiplas facetas do jogo através dos animais que compõem a loteria, o autor nos conduz por uma jornada histórica envolvente e repleta de reflexões sobre a cultura popular, a cidade e suas entranhas. Com uma abordagem ousada, sagaz e participativa, Simas nos presenteia com uma obra que desafia as normas acadêmicas e nos convida a refletir sobre as dobras, frestas e esquinas da cidade do Rio de Janeiro, enriquecendo nossa compreensão da história e da cultura carioca. Uma leitura cativante e instigante que certamente irá encantar e provocar reflexões em diferentes públicos interessados na rica herança afro-indígena e nas idiossincrasias cariocas.

O AUTOR

LUIZ ANTONIO SIMAS é carioca, escritor, compositor, professor de História e pesquisador das culturas de rua do Brasil. É autor de mais de 20 livros, entre eles “Pedrinhas miudinhas: ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros” (Mórula, 2013), “O corpo encantado das ruas” (Civilização Brasileira, 2019), “Maracanã: quando a cidade era terreiro” (Mórula, 2021), “Umbandas” (Civilização Brasileira, 2021) e “Santos de casa” (Bazar do tempo, 2022). É vencedor do prêmio Jabuti 2016 de melhor livro do ano de não-ficção com o “Dicionário da história social do samba” (Civilização Brasileira, 2015), que escreveu em parceria com Nei Lopes.

Heitor Villa-Lobos: A Alma da Música Brasileira (1887-1959)

APRESENTAÇÃO

A Editora Contracorrente tem a honra de anunciar a publicação do livro Heitor Villa-Lobos: vida e obra (1887-1959), do musicólogo finlandês Eero Tarasti.

A tradução deste livro é um grande acontecimento para os estudos dedicados à vida e obra de Heitor Villa-Lobos no Brasil.

Nele Tarasti investiga a fundo toda a vastidão da obra villalobiana, apresentando obras que ainda hoje são pouco conhecidas entre nós brasileiros, como as óperas Izaht, Menina das Nuvens e Yerma, ou obras sinfônicas como O Papagaio do Moleque e a cantata Mandú-Çárárá. Se o livro era lido e constantemente citado no Brasil por um círculo restrito de conhecedores, muitas vezes a partir de cópias xerográficas ou digitalizações pouco legíveis do original em inglês, que está esgotado, esta tradução certamente irá permitir que um número muito maior de músicos, pesquisadores e apreciadores da música brasileira possam conhecer mais os tesouros que Villa-Lobos nos deixou e que precisam ser ouvidos nos palcos e em gravações.

RESENHA

O livro de Eero Tarasti, traduzido para o português, representa um marco nos estudos sobre Heitor Villa-Lobos no Brasil. O trabalho abrange quase toda a extensa produção musical do compositor, estabelecendo critérios atualizados para a literatura musicológica sobre ele. Tarasti realiza uma análise intertextual da obra villalobiana, associando-a a diversos compositores europeus e americanos, além de investigar a literatura sobre Villa-Lobos. O autor identifica quatro aspectos paradigmáticos na abordagem da música de Villa-Lobos: questões harmônicas, formais, estruturas simétricas e simbólicas. A tradução do livro apresenta desafios, incluindo a adaptação de termos específicos. O texto traz análises minuciosas e reveladoras, ampliando o entendimento sobre a música de Villa-Lobos. A obra de Tarasti estimulou estudos posteriores sobre Villa-Lobos e promoveu uma maior visibilidade da produção musical do compositor.

Um musicólogo finlandês decide estudar a vida e obra de Villa-Lobos, um compositor brasileiro, inspirado pelas ideias de Claude Lévi-Strauss sobre a relação entre mitos e música dos índios sul-americanos. Com uma bolsa do Rotary International, ele viaja para o Brasil, onde tem experiências memoráveis e estuda a música de Villa-Lobos e dos índios brasileiros. Apesar de enfrentar desafios e adiamentos, ele finalmente completa seu estudo, apresentando análises das principais obras de Villa-Lobos e um panorama da cultura musical latino-americana. Agradece a todas as pessoas e instituições que contribuíram para a realização do livro.

O livro se torna uma referência na área da musicologia, contribuindo para uma melhor compreensão da influência dos mitos e da música indígena na obra de Villa-Lobos e enriquecendo o conhecimento sobre a cultura musical latino-americana. O musicólogo finlandês recebe reconhecimento internacional por seu trabalho e é convidado a participar de conferências e palestras ao redor do mundo, disseminando ainda mais seu estudo e fortalecendo as relações culturais entre Finlândia e Brasil. Sua jornada de pesquisa e descoberta se transforma em uma experiência enriquecedora e transformadora, deixando um legado duradouro no campo da música e da etnomusicologia.

O estudo retrata o compositor Villa-Lobos através de sua música, alegando que a biografia definitiva do artista ainda não foi escrita. Comenta-se sobre a complexidade do compositor, suas contradições e mitos em torno de sua vida. É ressaltada a importância de analisar sua personalidade por meio de fontes confiáveis, como relatos verbais e suas composições. O texto destaca a influência da cultura brasileira na maneira como Villa-Lobos se expressava, mostrando a necessidade de interpretar suas falas de forma não literal. Também são mencionadas informações sobre a família do compositor e seu ambiente musical na infância.

Villa-Lobos não teve seguidores ou imitadores, e sua música baseava-se na essência popular do Rio de Janeiro, enquanto o modernismo em São Paulo estava mais concentrado em manifestações artísticas completamente diferentes. Apesar disso, a Semana de Arte Moderna de 1922 teve Villa-Lobos como destaque em suas apresentações musicais, causando escândalo e se tornando um marco na história da arte brasileira. A relação entre Villa-Lobos, Mário de Andrade e outros modernistas foi ambígua, mas Villa-Lobos acabou por representar de forma mais concreta as ideias de nacionalismo e modernismo defendidas pelo grupo.

A melodia cantabile  de Villa-Lobos é ornada por trinados e glissandos, evocando um sentimento de saudade ou nostalgia. O clarinete entra logo em seguida, com notas marcadas e acentuadas, criando um diálogo entre os instrumentos. O ritmo se torna mais livre e fluido, em contraste com a seção anterior. 4ª seção: 6-7. O compasso 6 marca o retorno a um ritmo mais animado e enérgico, com os instrumentos entrando em um diálogo vigoroso. Os movimentos rápidos e os motivos ascendentes e descendentes criam um clima de urgência e dinamismo. Esta seção apresenta uma estrutura mais complexa, com os instrumentos interagindo de forma mais intricada e entrelaçada. 5ª seção: 8-9. A última seção serve como uma espécie de epílogo, trazendo de volta elementos das seções anteriores. A melodia lírica da flauta retorna, enquanto o clarinete fornece contrapontos e adornos. Os instrumentos se unem em um final majestoso e virtuosístico, encerrando a obra com força e determinação. O Choros nº 2 é uma obra complexa e multifacetada, que combina elementos do folclore brasileiro com referências à tradição europeia. Suas seções contrastantes e variedades de temas criam uma narrativa musical envolvente e cativante. A interação entre os instrumentos, alternando entre diálogos repletos de energia e momentos introspectivos e líricos, acrescenta profundidade e complexidade à composição. VillaLobos demonstra sua habilidade em explorar as possibilidades sonoras e expressivas dos sopros, criando uma obra rica em texturas e cores musicais. O Choros nº 2 é um exemplo marcante do talento único e inovador de Villa-Lobos como compositor.

O trabalho de Eero Tarasti sobre Villa-Lobos é uma leitura essencial para qualquer estudioso de música no Brasil. Sua análise profunda e minuciosa da obra do compositor lança luz sobre aspectos até então pouco explorados, como suas influências e a intertextualidade de sua música. A tradução para o português permitiu que mais pessoas tivessem acesso a essa pesquisa de alta qualidade, enriquecendo o cenário acadêmico e ampliando o entendimento sobre Villa-Lobos e sua contribuição para a música brasileira. Tarasti merece todo o reconhecimento pelo seu trabalho excepcional, que certamente será referência por muitos anos.

Querido Babaca: Romance de Virginie Despentes desafia preconceitos e aborda questões urgentes da sociedade contemporânea



Virginie Despentes está de volta com um novo romance epistolar que promete capturar com precisão o espírito do nosso tempo. Em "Querido babaca", a autora nos apresenta a história de Rebecca Latté, uma atriz famosa que está passando por um momento de transição em sua carreira, e Oscar Jayack, um escritor de meia-idade que enfrenta acusações de assédio sexual em meio ao movimento #MeToo (movimento criado com intuito de ajudar as vítimas de abuso e assédio sexual à denunciarem seus agressores).

A trama se desenrola por meio de trocas de e-mails entre os dois protagonistas, que inicialmente se envolvem em uma série de insultos e acusações. No entanto, à medida que a correspondência avança, Rebecca e Oscar começam a compartilhar suas angústias, medos e experiências pessoais. Através dessas cartas, emergem temas como machismo, desigualdade de gênero, saúde mental e os desafios de envelhecer em um mundo em constante transformação.

Com uma narrativa enérgica, direta e irônica, "Querido babaca" é também um elogio ao diálogo e à empatia em tempos de polarização e ódio. Despentes cria personagens complexos, pelos quais o leitor pode sentir tanto empatia quanto desprezo, afastando-se de estereótipos simplistas e nos conduzindo por uma reflexão sobre as relações humanas e a sociedade contemporânea.

Apoiando-se e trazendo a tona temas provocantes e atuais,  Despentes nos convida à adentrar o meio dos abusos sexuais não denunciados e à empatia pelas vítimas. O enredo provocativo, ardente e agridoce nos transporta para uma dimensão do dia-a-dia ao qual sabemos muito bem da existência, mas há muito não vemos: abuso, assédio. Com sua escrita incisiva e provocadora, Virginie Despentes se consolida mais uma vez como uma das grandes vozes da literatura contemporânea, abordando questões urgentes e complexas de forma original e envolvente. "Querido babaca" é uma obra que promete mexer com as estruturas e desafiar nossas concepções pré-estabelecidas, nos convidando a refletir sobre nossas próprias atitudes e preconceitos.

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QUEM ESCREVE


Virginie Despentes nasceu em 1969, em Nancy, na França. Considerada uma das principais vozes do feminismo francês, é romancista e cineasta, tendo já trabalhado como empregada doméstica, prostituta e jornalista freelancer de rock. Autora da trilogia A vida de Vernon Subutex (v. 1, Companhia das Letras, 2019) e do ensaio autobiográfico Teoria King Kong (n-1, 2016), entre outros, a autora dedica sua obra às questões de gênero, sexualidade e marginalidade, sempre a fim de entender a violência. 
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