Carandiru (2003) ► (Resenha)


FALAREMOS SOBRE O LIVRO, MAS AS ILUSTRAÇÕES SERÃO DA OBRA CINEMATOGRÁFICA

 Dráuzio Varella formou-se pela USP e atualmente é médico cancerologista. Nasceu em São Paulo, em 1943. Em 1989, iniciou um trabalho de pesquisa sobre a prevalência do vírus HIV na população carcerária da Casa de Detenção do Carandiru e até a desativação do presídio, em setembro de 2002, trabalhou como médico voluntário dentro da cadeia. Nesta época escreveu o livro que lhe deu fama nacional. Tem dez livros publicados sendo que recebeu o Prêmio Jabuti de 2000 pela obra de maior renome, Estação Carandiru.

O presente texto é uma resenha do livro Estação Carandiru, publicado em 1999, pela Companhia das Letras, contendo 302 páginas de relatos sobre a experiência profissional vivenciada por Dráuzio, produto do relacionamento com presos e funcionários em uma das mais famosas e cruentas prisões do Brasil. Sua inserção nesta casa de detenção se realizou em razão de seu trabalho de pesquisa sobre prevenção à AIDS e, desta maneira, deu–lhe a oportunidade de conhecer um mundo diferente daquele que estava acostumado.

Na introdução, Varella expõe o objetivo de seu livro em demonstrar que a perda de liberdade não direciona o homem ao barbarismo. Pelo contrário, o autor mostra através de um paralelo entre a sociedade humana e a animal, que, na preservação da integridade da vida, cada um cria suas próprias leis e regras. Neste aspecto, refere-se: “Em cativeiro, os homens, como os demais grandes primatas (orangotangos, gorilas, chimpanzés e bonobos), criam novas regras de comportamento com o objetivo de preservar a integridade”. (pag. 9). Portanto, deixa antever que no sistema prisional, existem regras que devem ser cumpridas por força da lei e outras criadas pelos próprios presidiários que prevalecem e se não cumpridas rigorosamente, são castigadas com crueldade, espancamento e, dependendo do caso, até com a própria vida. Desta forma, isto os capacita de poder para que imputem suas leis em uma sociedade paralela interna.

Carandiru, um complexo do Sistema Penitenciário tinha por objetivo proporcionar condições para reintegração social do internado, proporcionando-lhes meios preventivos e curativos como: ações de saúde, educação,profissionalização e trabalho. Porém o que podemos depurar desta narrativa de Varella, foram os inúmeros desrespeitos as LEP( Lei de Execuções Penais) e as LDH( Leis dos Direitos Humanos) serviram como estopim para a concretização da maior chacina vista no pais.


No capítulos iniciais, o autor traça uma panorâmica sobre a estrutura física do prédio ,descrevendo detalhadamente a composição física e a administrativa da Casa de Detenção, formado por sete pavilhões que são ocupados pelos detentos de acordo com o crime praticado. No Pavilhão Dois ,onde abriga os presos recém chegados e permanecem por vinte quatro horas, chamado de Triagem, já se observa o desrespeito ao Artigo . 12. LEP -Lei de Execuções Penais-(Lei nº 7.210/84),[online] - A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas e ao artigo cinco da Declaração Universal dos Direitos Humanos –“ Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”- . É neste espaço superlotado que o detento perde sua identificação, “[...] o detento é registrado, fica de cueca na frente de todos e deposita a roupa na Rouparia.Recebe a calca caqui, chamada de "calça jega", corta o cabelo modelo "tigela" (p.20). No aguardo de ser distribuído para algum pavilhão, perde o direito a dignidade, ao respeito e a intimidade e se transforma unicamente em número.

O autor discorre ainda sobre o pavilhão quatro que fica no mesmo piso que o dois onde ficavam reclusos os presos com alguma debilidade física ou mental, uma enfermaria e as celas individuais, destinadas aos presos com nível de escolaridade superior. Ironicamente, neste mesmo complexo,ficavam as piores celas chamadas de “masmorra” designadas aos presos ,os estupradores,que precisam ficar separados dos demais pois os presos tem seu próprio código de honra e ,com certeza, eles correm risco de violência e, muitas vezes, de vida. Ali, neste local, ficam sem banho de sol, convivendo com ratos e baratas. Mais uma vez nota-se o não seguimento do artig. 13 da LEP(Lei nº 7.210/84),[online] onde estabelece que os presos devem ter instalações e serviços que atendam suas necessidades pessoais. Paradoxalmente, Varella apresenta o Pavilhão Oito e o Nove como os pavilhões onde existem as mais rígidas regras morais, e onde se perpetua a hierarquia social. Nestes pavilhões existem celas com regalias que requerem dinheiro e poder para se sustentarem. Interessante notar que , muito diferente do que se pensa ,os presos estabelecem uma ordem higiênica rígida que deverá ser mantida por cada um dos presos, ou serão sancionados pelas duras leis dos presos que podem vir a ser desde pauladas ou sentenças de morte. Como um dos exemplos o autor relata:

” {...}enquanto os faxinas serviam o almoço, o grandão, distraído, saiu na galeria com a camisa aberta e uma toalha no pescoço. {...}Foi a senha para os outros faxinas empurrarem o grandão para a rua Dez, baterem nele e voltarem ao trabalho,como se nada tivesse acontecido” VARELLA, 1999, p.45)
Neste aspecto, pode-se observar que as leis dos detentos são muito mais severas do que as infligidas pelo próprio Código Penal. As regras são soberanas e também Dráuzio teve que respeitar muitas delas para angariar a confiança dos detentos para conseguir elaborar o seu trabalho sobre a Aids . Ele teve que se confrontar com a realidade do presídio, na convivência com as drogas, homossexualismo, mais intensamente do que podia imaginar. A droga se disseminava velozmente ,pois era dividida entre eles e não se constituía em nenhum problema. Bráulio não podia lidar com eles de forma proibitiva por isso utilizava-se estratégias para minimizar o contágio conforme observa-se em: “No fim, eu acrescentava em tom evangélico: quem não consegue escapar do inferno da cocaína engole, faz supositório, fuma, mas baque na veia. não, pelo amor de Deus!”(p.72). Neste capítulo do livro , Drauzio nos fornece uma visão bem realista do envolvimento com drogas dentro do presídio o que vem corroborar com artigo sobre Aids da Agência Brasil publicado por Lourenço(2008) onde relata que as NAÇÕES UNIDAS constataram existir a prevalência de HIV nas prisões em 20 vezes maior do que entre a população em liberdade. Neste mesmo artigo, Márcia de Alencar, coordenadora-geral do Programa de Fomento às Penas Alternativas do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça,  afirma que “Essa situação reproduz o nível de marginalização a que as pessoas que estão dentro das prisões estão submetidas”.

Dentre todos os temas abordados por Dráuzio Varella em Estação Carandirú, ressalta- se o aparecimento de uma cultura própria onde se estrutura uma sociedade autônoma, com funções sociais diferenciadas e leis próprias constituindo-se desta forma duas formas de obediência. Além de terem que se submeter as regras estabelecidas pela instituição prisional,os presos devem obediência as regras impostas pelo regras dos presos.Desta forma,a narrativa de Dráuzio não só traz um alerta sobre a saúde no ambiente prisional, como também demonstra o erro senso comum em classificar o ambiente prisional permeado de barbarismo.Na realidade, este livro compila os problemas do comportamento humano existente nas prisões nacionais ,e nos alerta de que o sistema prisional que não serve como meio de reintegração social se não forem feitas as devidas mudanças .
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