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“Nos braços dela”: História em Quadrinhos aborda a invisibilidade do trabalho do cuidado e a sobrecarga de mulheres

 

Baseada em relatos reais de mulheres que estão à frente de trabalhos de cuidado produtivos e reprodutivos, a HQ “Nos braços dela” (NADA∴Studio Criativo, 114 págs., @nos.bracos.dela.hq) aborda como o trabalho do cuidado, essencial à vida e mascarados de amor ou habilidade nata das mulheres, é invisível e precarizado.

 

Contemplada pelo ProAC/SP 2023, a obra é de autoria da escritora e ilustradora Bárbara Ipê e da jornalista e escritora Tatiana Achcar. Com ilustrações também de Bárbara, a obra tem prefácio de Maíra Liguori, diretora das organizações Think Olga e Think Eva. O texto de orelha é assinado pela ilustradora, designer e escritora Ale Kalko (@alekalko).

 

O livro traz à tona reflexões sobre a desigualdade de gênero na distribuição dos trabalhos de cuidado, sua invisibilização, desvalorização e falta de apoio institucional e de políticas públicas, o que acarreta sobrecarga de muitas mulheres, isolamento social, empobrecimento, distanciamento do mercado de trabalho e da vida política, além de vulnerabilidade de sua saúde física e mental. Quando as mulheres cuidadoras estão vulneráveis, as pessoas que precisam de cuidado também ficam desamparadas, ou seja, é um enorme problema social.

 

As autoras da HQ utilizaram como principal fonte o relatório Esgotadas, elaborado pela organização Think Olga. Elas também buscaram referências na literatura, no jornalismo, nos quadrinhos e na psicanálise, e escutaram os relatos de muitas mulheres de diferentes contextos socioeconômico, profissional, etário e regional. Os sete capítulos do livro nasceram destas escutas, estudo e leituras.

 

Arte, escrita e maternidade solo

 


Bárbara Ipê e Tatiana Achcar são mães solo e compartilham das dificuldades de conciliar o trabalho produtivo com a entrega de qualidade e o cuidado de seus filhos e tudo o que implica cuidar de alguém. Além deste ponto em comum a tantas outras mulheres, as autoras também compartilharam estudos e reflexões sobre os trabalhos de cuidado e feminismos, temas que as motivam na militância feminista e ambiental, duas pautas com tanto em comum.

 

A partir da pesquisa da linguagem nos quadrinhos, elas se motivaram a criar juntas a HQ "Nos braços dela". O projeto levou cerca de um ano para ser produzido.

 

Bárbara nasceu e cresceu em Botucatu (SP), morou durante oito anos em Florianópolis (SC), retornou à Botucatu há 10 anos. É formada em Oceanografia pela UFSC em 2014 e em Pedagogia pela UNINTER em 2022. Já publicou as obras infanto-juvenis "Dona Cida" (Editora Patuá), em 2021; e a HQ "Meliponi & SuperApi” (NADA∴Studio Criativo), em 2023.

 

Tatiana nasceu e cresceu em São Paulo, capital, e as viagens sempre fizeram parte de sua formação. Morou fora do Brasil, vivendo sobre uma bicicleta. Morou em Florianópolis e agora reside em Botucatu.

Já Tatiana é jornalista, escritora e ativista pelos direitos das pessoas com deficiência — sua filha tem Síndrome de Down — e pelos direitos das mulheres. Em sua trajetória profissional, percorreu as maiores redações do país como repórter cobrindo pautas de educação e sociobiodiversidade. Produziu e escreveu um livro-reportagem sobre o modo de vida tradicional da população caiçara e os desafios da disputa pela terra.

 

Segundo as autoras, o processo criativo da HQ gerou um impacto emocional em ambas ao ter que refletir diretamente sobre suas vidas pessoais, relações e as formas de verem o mundo e se posicionarem.  “Fomos descobrindo um monte de artimanhas do patriarcado e um pacto social que determina que resta às mulheres a tarefa de cuidar dos outros e não de priorizar e maximizar seus próprios interesses e ganhos”, aponta Tatiana. “Aos homens é permitido defender seu interesse próprio enquanto as mulheres sustentam o frágil amor que deve ser conservado. Sendo excluídas.”

 

“Experimentamos juntas o desabrochar de muitas reflexões que produziram lágrimas, risadas, encontros e desencontros. Uma experiência verdadeira de união e criação entre mulheres, driblando o script de rivalidade, competição e separação determinadas pelo patriarcado”, reflete Bárbara Ipê. “A HQ recomenda: mulheres unam-se, criem juntas, abracem as diferenças. Temos muita potência”.

Yara Fers é finalista do Prêmio Kindle de Literatura com "Destinas", um mergulho na sororidade e autodeterminação feminina

Yara Fers (@yara.fers), escritora e editora, residente em Arembepe, no município de Camaçari (BA), apresenta seu mais recente livro, "Destinas". A obra, que garantiu a Yara a posição de finalista no 9° Prêmio Kindle de Literatura, entrelaça prosa e poesia para abordar temas profundamente relevantes, como a exaustão feminina na sociedade patriarcal, sororidade, violência doméstica, e maternidade compulsória. O livro é uma road novel em prosa poética, com elementos de realismo mágico e referências a Obaluaê, que questiona os destinos traçados para os corpos femininos, como a violência doméstica, a maternidade compulsória e os padrões de beleza e sociais. A cerimônia de premiação, com o anúncio dos vencedores, está prevista para dia 17 de fevereiro.

Na história, Heloísa é uma operária de 48 anos, vive um casamento infeliz e uma rotina exaustiva. Num instante limite, desliga a máquina, sai da fábrica e parte em uma viagem não planejada. A amizade com Milena e Sueli se mostra muito além de um encontro nas estradas, mas um entrelaçamento de mulheres e suas histórias, suas dores e renascimentos. 

Promovido pela Amazon Brasil, em parceria com o Grupo Editorial Record e a Audible, o Prêmio Kindle de Literatura tem o objetivo reconhecer autores e autoras independentes do Brasil cujas obras são publicadas no Kindle Direct Publishing (KDP), a ferramenta gratuita de autopublicação da Amazon.

Em sua 9ª edição, o vencedor receberá um prêmio de R$ 50 mil – sendo R$ 40 mil em dinheiro e R$10 mil em adiantamento de royalties –, terá seu livro impresso por um dos selos do Grupo Editorial Record, que será enviado aos assinantes da TAG Experiências Literárias, na modalidade curadoria. Além disso, a Audible premiará todos os cinco finalistas com a produção e publicação de seus audiolivros.

As obras inscritas serão analisadas por um grupo de especialistas editoriais selecionados pela Amazon, pelo Grupo Editorial Record e pela TAG Experiências Literárias. Integram o júri os autores João Silvério Trevisan, Cidinha da Silva e Andréa Del Fuego.

"Destinas": uma viagem poética e sensorial
Os principais temas de "Destinas" são a exaustão feminina na sociedade patriarcal, amizade entre mulheres, sororidade, cura, violência doméstica, maternidade compulsória, e os padrões de beleza impostos às mulheres. Yara escolheu esses temas para enfatizar a importância das mulheres tomarem as rédeas de seus próprios destinos, e como a coletividade, a amizade e a sororidade são cruciais nesse processo de fortalecimento. "É necessário falar sobre a cura envolvida nessa autodeterminação, sobre as cicatrizes que carregamos de todas as violências", afirma a autora.

O livro foi escrito ao longo de seis meses, com mais um ano dedicado à edição, refletindo o compromisso da escritora com a lapidação da linguagem. A narrativa, que mistura prosa poética e elementos visuais, busca criar uma experiência sensorial, envolvendo o leitor na estrada e na velocidade da viagem das personagens.


Processo criativo e estrutura narrativa
Yara, que sempre investigou a palavra poética, encontrou na prosa poética uma forma de unir narrativa e poesia. Em "Destinas", ela explora elementos de poesia visual e ritmo para criar a sensação de velocidade e estrada. O uso de verbos no presente e o fluxo de consciência misturam-se com a estrada, criando um percurso difuso que espelha as viagens da mente. Os capítulos são marcados por quilometragem e linhas tracejadas, transportando o leitor para dentro do carro ao lado das personagens.

Influenciada por autores como Aline Bei, Conceição Evaristo, Valter Hugo Mãe, e Manoel de Barros, ela adota um estilo híbrido que mescla prosa e poesia. Sua escrita é marcada pela exploração de sensações e imagens, buscando conectar o leitor emocionalmente com a narrativa.

Sobre a autora
Nascida Yara Fernandes Souza, em Ribeirão Preto (SP), Yara Fers vive na Bahia há 10 anos. Com formação em Comunicação Social e especialização em Teoria da Literatura e Produção Textual, atua como mentora, professora e editora. Yara é a fundadora da Editora Arpillera, de livros artesanais, e editora do portal Fazia Poesia e da Revista Aorta. Publicou 12 livros, entre poesia, romance e infantis, e é participante ativa de coletivos literários como Escreviventes, Poexistência e Papel Mulher.

Além de ser finalista do 9° Prêmio Kindle de Literatura, Yara já foi premiada em diversos concursos, incluindo o Concurso Tâmaras 2023 e o Prêmio Book Brasil 2022, destacando-se como uma voz poderosa na literatura contemporânea.


Confira um trecho de “Destinas”:


“e enquanto na estrada tantas vacas mastigam o pasto, heloísa relembra sua própria carne queimada de vaca no abatedouro da vida, a ração fracionada de cada dia, o rasgo no uniforme que precisava de remendo, a gota de óleo no tecido branco, apenas algumas nuances que a diferenciam ou não de tantas outras vacas no pasto, na linha de produção, o peito brilhante sob o sol, a expectativa inútil do nascimento dos bezerros, mais filhotes para o rebanho infinito de almas, as vacas todas amamentando, ou sendo ordenhadas, ou ficando bonitas, servindo servindo servindo servindo servindo, enquanto as cercas de arame farpado limitam seus movimentos, enquanto outros corpos bovinos estéreis são abatidos para também servir, e os olhos oleosos de heloísa, uma vaca cansada parada na paisagem, pastando, enquanto a vida passa por ela em alta velocidade em carros bonitos”


Trechos do livro “As sementes que o fogo germina”, de Sumaya Lima*


Imitação do amor (pág. 13)

Agora estou partindo, e na verdade sinto como se retornasse ao meu lugar após um longo combate em terra estranha. Saio a coxear, claro, já sem os mesmos contornos, as capacidades diminuídas, e Gregório virá também com suas marcas. Nesta altura da vida, já vamos muito alterados. Mas, para simular o amor, há sempre muitos meios. Sair em viagem na companhia de alguém, por exemplo. Este simples estar passageiro de nós dois aqui é uma imitação bem plausível do amor.


Polaroide (pág. 14)

Naquele mesmo domingo de agosto, quando o sol se pôs e o último convidado se despediu, a nonagenária foi habilmente amarrada à sua cadeira de rodas e presa, com fita de carga, ao escapamento de uma van Mercedes Sprinter 13 lugares. O veículo, dando voltas pelo centro histórico da cidade de Iguape durante a festa do Senhor Bom Jesus, segunda maior confraternização religiosa do estado de São Paulo, rumou para a ponte que liga o município, no continente, à vizinha Ilha Comprida. Perto do quilômetro três, a van parou e nove mulheres desembarcaram, desprenderam a cadeira do carro e lançaram o corpo esfacelado de Lurdes Medeiros de encontro às águas do Mar Pequeno. Há fotos.


Subterrâneos (pág. 20)

Por quanto tempo uma pessoa é capaz de andar na vida com verdades enterradas dentro de si? Como respira quando ocupam todo o espaço entre as costelas, quando entopem suas veias, sufocam a garganta? Meu pai tinha segredos enovelados nos órgãos internos como teias tumorais. Estrangulado, sem vazão, privado de si, era um corpo tomado por uma batalha entre a razão de ser e a impossibilidade de ser.


O olho do dia (págs. 77 e 78)

Nos instantes que ainda me sobram, recordo a fragrância que me penetrou neste início de tarde quando, discreto, pude ver Deise a se divertir no banho. As gotículas de água estrepitando sobre a pele nua em meio à bruma abafadiça do boxe. Os modos parvos de distribuir a espuma no corpo. A indiferença nos gestos, a lassidão e, contudo, o esplendor da vitalidade: tudo nela revelava a mesma energia oculta em meus velhos odores, da seiva em mim que não se extingue. Neblinado, não pude nada além de me largar mais um par de minutos ali, à espreita, admirando o ritual de afetos que somente a imersão na meninice é capaz de exultar. 

Sumaya Lima (@sslima) nasceu e vive na cidade de São Paulo desde 1978. Formada em Letras pela USP, atua há mais de 25 anos como editora freelancer, preparadora de originais e revisora de textos. Devota da poesia, somente em 2020 lançou-se à escrita de prosa de ficção, dando início aos textos que depois seriam publicados em As sementes que o fogo germina, seu livro de estreia.  

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