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[RESENHA #970] No espaço, com Lygia Pape, de Veronica Strigger

SINOPSE

Se, na época de Méliès, Mallarmé e Malevitch, o espaço sideral é ainda algo distante, intangível, aproximado apenas por meio do telescópio, na de Lygia Pape e dos irmãos Campos, esse espaço se torna mais próximo, mais concreto, alcançado por naves e navegado por homens e mulheres. O que há em comum a todos esses artistas é uma imaginação do espaço. Há como que uma captura da imagem do espaço sideral para servir como uma espécie de modelo à constituição do espaço gráfico (da página do livro ou da folha da gravura), pictórico ou até mesmo do espaço real, como no caso do Ballet neoconcreto e do Livro da criação, de Pape. É como se todos estivessem sempre a olhar para o céu, estrelado ou não, em busca não tanto de inspiração, mas de um companheiro de viagem.

RESENHA

No espaço com Lygia Pape é um livro escrito por Veronica Strigger, que proporciona uma visão esclarecedora e inspiradora sobre a vida e obra da renomada artista brasileira Lygia Pape. A obra de Lygia Pape é conhecida por sua originalidade e diversidade, e Strigger faz um excelente trabalho ao explorar as diferentes facetas do trabalho da artista. O livro aborda os principais aspectos históricos das realizações de Pape, incluindo sua performance. A autora vai além das discussões técnicas, ao mergulhar na vida e no contexto social em que Pape viveu. Ela explora as influências culturais que moldaram o trabalho de Pape.

No espaço com Lygia Pape não é apenas uma homenagem à artista, mas também uma reflexão sobre o poder da arte e seu impacto na sociedade. Strigger faz uma análise cuidadosa dos temas abordados por Pape, como pano de fundo principal, a criação de um filme, La Nouvelle Création, ao qual Pape desenvolveu para inscrevê-lo num concurso de curtas metragens, e por fim, sair vencedora, após ser a única brasileira inscrita concorrendo com outros 72 filmes. Sobre sua obra, Pape descreve: ❝Imaginei o homem não mais só sobre a terra, mas no espaço, pois começavam as grandes viagens interplanetárias. Consegui imagens da NASA sobre o primeiro voo de um cosmonauta: - ele surge (em branco/preto) na tela, evoluindo no espaço como um feto ligado à nave/útero por um cordão umbilical. Ele faz algumas evoluções, e de repente, a tela fica vermelha (em uma viragem) e ouve-se o choro de um bebê - nascia o novo homem: La Nouvelle Création.❞ (p.8)

A imagem do cosmonauta surgindo em preto e branco na tela, evoluindo como um feto ligado à nave ou útero por um cordão umbilical, pode representar o nascimento de uma nova era para a humanidade. As evoluções do cosmonauta no espaço podem simbolizar o crescimento e desenvolvimento do ser humano, tanto no aspecto físico quanto intelectual. No entanto, a reviravolta ocorre quando a tela se torna vermelha, provavelmente representando uma mudança significativa. O choro de um bebê pode ser interpretado como o nascimento de um novo homem, "La Nouvelle Création", sugerindo uma transformação profunda e uma nova forma de existência. Essa interpretação traz elementos de progresso, exploração espacial e renascimento do indivíduo e da humanidade como um todo. Ela pode sugerir esperança e potencial para um futuro melhor ou uma visão utópica de uma nova era em que o homem se expande além dos limites terrestres. Além disso, o livro também proporciona um olhar intimista sobre a personalidade de Pape, revelando sua paixão pela arte e seu compromisso em criar obras que desafiam as convenções e estimulam a reflexão. Através de depoimentos de pessoas próximas, Strigger mergulha na mente criativa da artista, revelando os desafios e conquistas enfrentados ao longo de sua carreira.

A obra de Pape é uma forma de elucidar sua genialidade em exprimir os sentimentos de uma nova criação por meio de um roteiro milimetricamente projetado para imersão abstrata do público em relação ao poema expresso na tela.

Uma das principais influências presentes nesta obra é a filosofia existencialista, que busca compreender a existência humana e sua liberdade de escolha. Lygia Pape utiliza elementos como a geometria e a abstração para criar um ambiente que convida o espectador a refletir sobre seu papel no mundo e suas possibilidades de ação.

Outra influência perceptível é a filosofia fenomenológica, que se concentra na experiência individual e na maneira como percebemos e interpretamos o mundo ao nosso redor. A artista utiliza formas e cores para criar uma experiência sensorial única, convidando o espectador a se envolver com a obra e refletir sobre sua própria percepção da realidade.

Além disso, é possível identificar influências do pensamento de Gilles Deleuze, especialmente sua teoria sobre o devir e a diferença. Pape explora a ideia de transformação constante e de como o indivíduo pode se reinventar e se adaptar às mudanças do mundo, refletindo os conceitos deleuzianos de multiplicidade e individualidade.No espaço com Lygia Pape é uma leitura enriquecedora e cativante para qualquer pessoa interessada em arte contemporânea e na história cultural do Brasil. Veronica Strigger oferece uma perspectiva relevante e esclarecedora sobre a obra de Pape, ao mesmo tempo em que nos leva a refletir sobre o poder transformador que a arte pode ter em nossas vidas.

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