“Cronofagia”, de Carla Brasil: quando a poesia mastiga o tempo

 

Leonardo Gudel

“A poeta não foge do sujo, vai até o limite, sempre em favor da ideia, sem sacrificar o encantamento perverso de algumas imagens, beirando o sórdido.”
 — Ruy Guerra, no prefácio de “Cronofagia”

Carla Brasil (@eu.carlabrasil) não estreia de forma tímida. Cronofagia (Editora Appris) é uma irrupção — uma obra que atravessa o leitor com seus 37 poemas de carne e ironia, onde o tempo deixa de ser medida e se torna matéria. É poesia que grita, sangra e debocha do presente, ao mesmo tempo em que o contempla com assombro.

Com prefácio do cineasta, dramaturgo e também poeta Ruy Guerra, o livro já nasce em meio a elogios raros. “É muito bom ler uma jovem poeta como Carla Brasil, que na sua primeira arremetida chega tão longe. Me dá vontade de usar um daqueles sonoros palavrões descarados, para escancarar o meu entusiasmo”, escreve ele, destacando a ousadia e a densidade da autora.

A obra, que já foi lançada na Bienal do Livro Rio e na FLIP, ganha uma nova sessão especial na Livraria Travessa, de Botafogo (Rua Voluntários da Pátria, 97), no Rio, com um bate-papo exclusivo com Ruy Guerra. O encontro acontece dia 13 de novembro, às 19h.

O tempo como devorador — e como personagem

Na tensão entre lirismo e brutalidade, Carla Brasil transforma o tempo — esse algoz invisível e onipresente — em protagonista. Seus versos encaram a ansiedade digital, a compressão da subjetividade, o esgotamento da produtividade e a ironia cruel de uma era que promete ganho de tempo, mas entrega  apenas exaustão.

“Esse jogo perverso entre aceleração e esgotamento é a essência do livro”, explica a autora. “O tempo não é um bem que possuímos, mas uma força que nos intersecta, nos escapa e, ao mesmo tempo, nos consome.”

A partir dessa visão, Cronofagia desenha uma experiência poética que desafia rótulos. A identidade é fluida, a memória é falha, o amor é um hiato, e a existência — uma coreografia entre o absurdo e o encantamento.

Divulgação

Entre o escracho e o abismo

Para Ruy Guerra, a escrita de Carla Brasil é um “retrato impiedoso de um tempo ansioso, barulhento e vazio”. Sua poesia transita entre o sublime e o grotesco, entre a filosofia e o esgoto, sem concessões. “Carla Brasil abre o seu livro com uma paródia sofrida e indignada do hino nacional, marcando a sua vocação do abismo”, observa o autor, referindo-se ao poema “Hino Marginal Brasileiro”, que subverte o patriotismo em um grito de desencanto:

“Terra calada,
 Entre outras mil,
 És tu, Brasil,
 A mais roubada!
 Pros filhos deste solo és tão hostil,
 Pátria amarga,
 Brasil!”

Em outro momento, em “Clichês do tempo”, o embate com o relógio é íntimo e devastador:

“corre o tempo e eu não corro
 ele salta colinas
 eu me destroço em pedregulhos
 ele voa absorto
 e eu fico na lama,
 no rastro bastardo do seu pecado”

Poesia Visual

Multiartista de formação e atuação, Carla Brasil assina também a direção criativa do projeto gráfico de Cronofagia. Desde a concepção da capa até o conceito das ilustrações de Daniel Uires, sua visão estética compõe o mesmo corpo poético dos textos. “A fusão entre palavra e imagem não são apenas ilustrativas — fazem parte da narrativa do livro”, afirma.

Uma autora que provoca territórios

Poeta, escritora e artista visual, Carla Brasil vive e cria no Rio de Janeiro, movida por um impulso que une literatura, design, artes plásticas e fotografia. Sua produção reflete as contradições da contemporaneidade com lirismo, ironia e crítica social, sem medo de encarar o grotesco como matéria estética.

Seu talento já foi reconhecido em premiações literárias nacionais, como o Prêmio Poesia Agora – Primavera 2020 (Editora Trevo) e a Seleção Poesia Brasileira – Poetize 2021 (Vivara Editora Nacional), nas quais teve poemas selecionados entre milhares de inscritos.

Em Cronofagia, Carla Brasil faz da linguagem o campo de batalha onde o eu-lírico enfrenta o colapso cotidiano com sarcasmo, melancolia e fúria poética. Um livro que devora o tempo — antes que o tempo nos devore.

FICHA TÉCNICA

Livro: Cronofagia
Autora: Carla Brasil
Prefácio: Ruy Guerra
Editora: Appris
Ilustrações: Daniel Uires
Disponível em: editoraappris.com.br

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