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[RESENHA #1012] E se os gatos desaparecessem do mundo, de Genki Kawamura

Foto: Arte digital


APRESENTAÇÃO

Com os dias contados, um carteiro jovem e solitário de repente se vê diante de um grande dilema existencial.

Sem contato com a família, morando sozinho e tendo apenas o gato como companhia, ele não estava preparado para receber o diagnóstico de uma doença em fase terminal e a notícia de que teria apenas alguns meses, talvez até semanas, de vida. Entretanto, antes que possa se conformar com a fatalidade do destino, o Diabo aparece em sua casa e lhe faz uma proposta irrecusável: para cada coisa que o homem estiver disposto a fazer desaparecer do mundo, ele ganhará um dia extra de vida. E assim começa uma semana inusitada.

Porém, o que a princípio parecia simples se transforma em tormento. Afinal, como decidir o que faz a vida valer a pena? Como distinguir o que é dispensável daquilo que se ama? Enfrentando essas questões cruciais, o protagonista lida com um Diabo excêntrico e maquiavélico e embarca em uma jornada que o levará ― junto de seu querido gato ― aos limites entre a vida e a morte.

Em Se os gatos desaparecessem do mundo , Genki Kawamura presenteia o público com um romance sensível e fascinante que traz à tona a importância da vida e do mundo que nos cerca, permeado por reflexões primordiais e contundentes.


RESENHA


Foto: Arte digital


Neste romance situado no Japão, o narrador anônimo está contando os seus últimos dias. Trabalhando como carteiro, ele recebe a responsabilidade de cuidar do gato após a morte de sua mãe há quatro anos. À beira da morte, o narrador reflete sobre o propósito da vida. O título assustador de SE OS GATOS DESAPARECEM DO MUNDO esconde uma história emotiva sobre a existência e os sacrifícios que estaríamos dispostos a fazer por apenas mais um dia.


O diabo se apresenta ao narrador, informando-lhe que está nos estágios finais do câncer e tem apenas seis meses de vida restantes. O demoníaco personagem, que ostenta um visual de praia, é o 107º cliente do narrador e está determinado a fazer um acordo. Essa situação levanta questões sobre quais outras coisas desapareceram sem que percebêssemos e o que isso revela sobre a natureza dos objetos criados pelos seres humanos. Até mesmo a noção de tempo é posta em xeque nessa história.


Durante o desenrolar do romance, o narrador anônimo concorda em trocar alguns dias extras pela remoção de certos objetos do mundo. O primeiro item a desaparecer são os telefones celulares. O diabo lhe concede a oportunidade de fazer um último telefonema e, diante da escolha de quem ligar, o narrador entra em reflexão sobre o significado desses objetos para os seres humanos e como a vida poderia ser afetada se fossem tirados para sempre. A narrativa dos desaparecimentos me convenceu e a reflexão do narrador sobre eles pareceu muito pertinente. Ela leva o leitor a refletir sobre a vida sem esses objetos e como as invenções modernas influenciaram a humanidade e moldaram a natureza humana. Por exemplo, o narrador observa: "Quando o ser humano inventou o celular, também inventou a ansiedade de não tê-lo".


E onde entram os gatos nessa história? A mãe do narrador era uma amante de gatos e transmitiu esse amor, juntamente com seu gato, para ele. Quando o primeiro gato da família torna-se parte da vida deles e falece, a mãe entra em depressão - até que chega para fazer companhia. Enquanto enfrenta seus medos de morte iminente e reflete sobre a importância dos objetos que desaparecem para os humanos, ele lembra-se com carinho de sua mãe como a figura que manteve a família unida. Após a morte dela, quatro anos antes do início do romance, ele perde o contato com o pai. Além de tentar reconstruir o relacionamento com o pai, é a mãe quem o ensina a lidar com as adversidades da vida e fornece uma perspectiva única sobre os gatos. Ele sempre recorda de uma frase da mãe sobre os gatos que vivem com humanos: “Podemos pensar que possuímos gatos, mas não é assim. Eles simplesmente nos permitem desfrutar de sua companhia.”


Apesar de se tornar um pouco previsível ao longo da leitura, o desfecho do romance é profundamente comovente e emocionante. A escrita de Kawamura é marcada por uma simplicidade genuína que revela uma apreciação pela vida. O protagonista relutantemente enfrenta a inevitabilidade da morte, mas percebe que é hora de se despedir e resolver questões pendentes. A morte traz a oportunidade de encerrar assuntos inacabados e refletir sobre o que realmente importa na vida. Essa jornada emocionante é acentuada pelo estilo narrativo simples que valoriza cada palavra, tornando a leitura envolvente e rápida.


Se os Gatos Desaparecerem do Mundo é uma sobre a jornada de um jovem para aceitar o fim e fazer as pazes com ele. E, claro, também é sobre Gatos. Recomendo especialmente para os amantes de felinos, fãs de ficção japonesa ou aqueles interessados em escritos especulativos sobre a vida e a morte.

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