![]() |
| Reprodução / Divulgação |
No vasto universo dos animes shonen (voltados para o público jovem masculino), poucos títulos conseguiram mesclar com tanta eficácia a alta fantasia ocidental e a dinâmica de batalha oriental quanto Os Sete Pecados Capitais (Nanatsu no Taizai). Baseada no mangá de Nakaba Suzuki, a obra transcendeu as páginas para se tornar um dos pilares do catálogo de animes da Netflix globalmente, oferecendo uma narrativa que, embora repleta de ação, é fundamentada em tragédia, romance e redenção.
A trama nos introduz ao Reino de Liones, uma terra que remete à Grã-Bretanha medieval, onde os Cavaleiros Sagrados, outrora protetores, orquestram um golpe de estado. A esperança recai sobre a terceira princesa, Elizabeth Liones, que parte em uma busca desesperada para encontrar a única ordem capaz de enfrentar a tirania: os Sete Pecados Capitais.
![]() |
| Reprodução / Divulgação |
Este grupo de cavaleiros lendários, dissolvido anos antes sob a acusação de conspirar contra o reino, carrega a estigma dos piores vícios da humanidade. A genialidade de Suzuki reside em apresentar esses "criminosos" não como vilões, mas como heróis falhos, cujos "pecados" são, muitas vezes, reflexos de suas maiores tragédias pessoais.
O coração da obra não reside apenas em suas batalhas, mas na construção psicológica de seus personagens. Abaixo, analisamos como cada membro principal sustenta a narrativa:
![]() |
| Reprodução / Divulgação |
1. Meliodas (O Pecado da Ira do Dragão)
Longe do estereótipo do protagonista ingênuo, Meliodas é uma figura complexa. Sua aparência infantil esconde uma idade milenar e uma dor incomensurável. A crítica positiva recai sobre sua dualidade: ele é capaz de uma bondade gentil e humorística, mas carrega uma escuridão aterrorizante. Sua jornada não é sobre "ficar mais forte", mas sobre manter sua humanidade diante de uma maldição cíclica de amor e perda.
2. Ban (O Pecado da Ganância da Raposa)
Ban é, indiscutivelmente, um dos personagens mais carismáticos da série. Sua imortalidade física contrasta com sua vulnerabilidade emocional. A "ganância" de Ban é recontextualizada como um desejo profundo de reviver aquilo que lhe foi tirado. A lealdade canina que ele nutre por Meliodas e seu amor trágico por Elaine oferecem algumas das cenas mais tocantes da obra.
3. King (O Pecado da Preguiça do Urso)
Harlequin, o Rei das Fadas, traz a dimensão do dever versus o sentimento. Sua evolução é uma das mais visíveis; ele começa inseguro e ressentido, mas cresce para assumir a responsabilidade de proteger seu povo e seus amigos. A versatilidade de sua arma, a Lança Espiritual Chastiefol, reflete sua própria natureza adaptável e protetora.
4. Diane (O Pecado da Inveja da Serpente)
Diane subverte a expectativa do "gigante bruto". Ela é a alma inocente do grupo, ansiando por ser pequena apenas para vivenciar o amor de forma convencional. Sua força física devastadora é equilibrada por uma doçura desarmante, e sua lealdade aos companheiros serve muitas vezes como a bússola moral do grupo.
5. Gowther (O Pecado da Luxúria da Cabra)
O elemento de mistério e estranheza. Gowther opera com uma lógica fria que frequentemente gera alívio cômico ou tensão dramática. Sua busca para entender as emoções humanas ("o coração") é uma metáfora poderosa para a neurodivergência e a busca por conexão, tornando-o um personagem fascinante de se analisar psicologicamente.
6. Merlin (O Pecado da Gula do Javali)
A maga suprema de Liones representa a sede insaciável por conhecimento. Merlin é a estrategista, a figura que está sempre cinco passos à frente. Sua confiança inabalável e seu vasto arsenal mágico trazem um ar de sofisticação à obra, servindo como o pilar intelectual que sustenta as batalhas mais caóticas.
7. Escanor (O Pecado do Orgulho do Leão)
Introduzido tardiamente, Escanor tornou-se um fenômeno cultural por si só. A dicotomia entre sua forma noturna (frágil e humilde) e sua forma diurna (o auge do poder e arrogância) é escrita com maestria. Ele não é apenas "forte"; ele é a personificação do poder absoluto. Suas falas, como "Quem decidiu isso?", tornaram-se icônicas, representando o ápice do power fantasy feito da maneira correta.
A recepção de Os Sete Pecados Capitais pode ser dividida em duas fases distintas.
A Ascensão: As duas primeiras temporadas foram aclamadas pela crítica e pelo público. A animação fluida (inicialmente pela A-1 Pictures), a trilha sonora épica de Hiroyuki Sawano e o ritmo frenético conquistaram o ocidente rapidamente.
O Desafio Técnico: Temporadas posteriores (3 e 4), produzidas pelo Studio Deen, enfrentaram críticas severas devido à queda na qualidade da animação.
A obra manteve-se um sucesso estrondoso. O mangá figurou consistentemente entre os mais vendidos do Japão, e a conclusão da história foi elogiada por amarrar pontas soltas complexas, ligando a história diretamente às lendas do Rei Arthur de uma forma que poucos previram.
Inspiração Arturiana: A série é essencialmente um prelúdio para a lenda do Rei Arthur. O reino chama-se Liones (referência a Lyonesse), e personagens como Merlin e Arthur Pendragon têm papéis centrais.
O Bar Chapéu de Javali: A base móvel dos heróis, construída em cima de um porco verde gigante (a Mamãe Hawk), foi uma ideia de Suzuki para diferenciar a série de outras fantasias medievais sérias, adicionando um elemento de capricho e absurdo.
Crossover: Nakaba Suzuki já desenhou um crossover entre Nanatsu no Taizai e Fairy Tail, aproveitando a amizade com o autor Hiro Mashima.
Os Sete Pecados Capitais é uma obra que, apesar de tropeços técnicos em sua adaptação animada final, permanece como um titã do gênero. Sua capacidade de pegar conceitos bíblicos e lendas britânicas e transformá-los em um épico de ação japonês é um testemunho da criatividade de Nakaba Suzuki. Para quem busca uma história onde o passado define o futuro e onde até os "pecadores" merecem redenção, esta é uma jornada obrigatória.
![]() |
| Reprodução / Divulgação |
Dezesseis anos após o fim da Guerra Santa que definiu a era de Meliodas e Elizabeth, a Britânia enfrenta uma nova ameaça. Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (Mokushiroku no Yonkishi) não é apenas uma continuação; é uma reinvenção. O autor Nakaba Suzuki, longe de se apoiar apenas na nostalgia, construiu uma narrativa que expande o universo original, subvertendo a profecia clássica: desta vez, os "Cavaleiros do Apocalipse" são a única esperança do mundo contra a tirania do Rei Arthur e seu Reino Eterno de Camelot.
A Premissa: Uma Profecia Invertida
A história começa longe de Liones, no "Dedo de Deus", uma montanha isolada acima das nuvens. O protagonista é Percival, um garoto ingênuo que vive com seu avô. A tranquilidade é estilhaçada quando um Cavaleiro Sagrado de Camelot aparece, matando o avô de Percival e revelando uma profecia perturbadora: quatro jovens cavaleiros surgirão para destruir o mundo e derrubar o Rei Arthur.
Ao contrário da série original, onde os "Sete Pecados" já eram lendas formadas, aqui acompanhamos a gênese dos heróis. O elemento de "jornada do herói" é mais puro, lembrando os clássicos RPGs de fantasia, onde o grupo se forma gradualmente enquanto explora um mundo vasto e perigoso.
A grande força da sequência é a dinâmica entre os novos protagonistas. Eles carregam o legado genético e temático da geração anterior, mas possuem identidades próprias marcantes.
![]() |
| Reprodução / Divulgação |
1. Percival (O Cavaleiro da Morte)
Percival é o coração pulsante da nova série. Pequeno, com um capacete que lembra um elmo medieval desajeitado e uma capa verde, ele foge do padrão de herói "destinado à grandeza". Sua magia, peculiarmente chamada de "Esperança", é uma das mecânicas mais criativas de Suzuki: seu poder cresce proporcionalmente à fé que seus amigos depositam nele. Ele é a antítese da "Morte" que seu título sugere; ele é a vida vibrante que se recusa a desistir.
2. Lancelot (O Cavaleiro da Guerra)
Filho de Ban e Elaine, Lancelot herdou a atitude despojada do pai e a habilidade de ler corações da mãe. Ele opera sob o disfarce de uma raposa falante chamada "Sin" durante boa parte do início da trama. Como o Cavaleiro da Guerra, ele é um prodígio marcial, muitas vezes servindo como o mentor pragmático e superprotetor de Percival. Sua competência extrema contrasta com suas inseguranças ocultas sobre atender às expectativas de seus pais lendários.
3. Tristan (O Cavaleiro da Peste)
O príncipe de Liones, filho de Meliodas e Elizabeth, é a personificação da dualidade. Carregando sangue de Demônio e Deusa, Tristan luta para equilibrar esses dois lados. Ele prefere usar os poderes de cura da mãe (Deusa), temendo a natureza destrutiva do pai (Demônio). Sua jornada é sobre autoaceitação: entender que a "Peste" e a "Cura" são faces da mesma moeda. Seu visual, com cabelos longos e heterocromia, reflete visualmente essa mistura de naturezas.
4. Gawain (O Cavaleiro da Fome)
A sobrinha do Rei Arthur e herdeira da graça "Sunshine" (que pertenceu a Escanor). Gawain é uma personagem fascinante e controversa. Ela quebra estereótipos de gênero com sua postura galanteadora e arrogância principesca. Sua magia a torna imensamente poderosa e musculosa durante o dia, mas frágil como uma boneca à noite. A "Fome" aqui pode ser interpretada como uma necessidade desesperada de provar seu valor e preencher o vazio deixado pela falta de afeto familiar genuíno.
Para os fãs que se decepcionaram com a animação das temporadas finais de Nanatsu no Taizai, esta sequência foi um alívio.
Qualidade de Animação: Produzido pela Telecom Animation Film (e não pelo Studio Deen), o anime apresenta uma fluidez de movimento, cores vibrantes e coreografias de luta consistentes que resgatam a glória visual da franquia.
Narrativa: A crítica especializada elogiou o ritmo. A história não perde tempo com exposições desnecessárias e consegue equilibrar o fan service (aparições de Meliodas, Ban, etc.) sem ofuscar os novos protagonistas.
Lendas Arturianas: Se a primeira obra foi um prelúdio, esta é a adaptação "livre" dos mitos arturianos. Percival, Lancelot, Gawain e Tristan são, nas lendas originais, os cavaleiros mais proeminentes da Távola Redonda. Suzuki coloca Arthur como vilão, invertendo a lógica tradicional onde ele seria o herói unificador.
O "Vilão" Arthur: A transformação de Arthur Pendragon de um jovem rei idealista (na série original) para um ditador frio obcecado por criar um "mundo apenas para humanos" é uma das viradas de roteiro mais ousadas da série, explorando os perigos do poder absoluto (o Caos).
O Mangá: O mangá de Four Knights of the Apocalypse tem sido elogiado por seu traço limpo e criatividade no design de monstros, consolidando Nakaba Suzuki como um mestre da fantasia moderna.
Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse é uma aula de como fazer uma sequência. Ele respeita o passado sem viver dele. Ao focar em Percival — um personagem sem laços diretos com os "Sete Pecados" originais — a obra convida novos espectadores ao mesmo tempo que recompensa os veteranos. Com uma animação renovada e um enredo que questiona o conceito de "bem e mal" na figura de Arthur, o anime prova que a Britânia de Suzuki ainda tem muitas histórias épicas para contar.

















Nenhum comentário:
Postar um comentário