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[RESENHA #760] O ovo apunhalado, de Caio Fernando Abreu

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21 contos ”inseparáveis na sua alquimia profunda” “O que me inquieta e fascina nos contos de Caio Fernando Abreu é essa loucura lúcida, essa magia de encantador de serpentes que, despojado e limpo, vai tocando flauta e as pessoas vão-se aproximando de todo aquele ritual aparentemente simples, mas terrível porque revelador de um denso mundo de sofrimento. De piedade. De amor.” (Trecho do prefácio de Lygia Fagundes Telles)

RESENHA

O ovo apunhalado, de Caio Fernando Abreu, é um livro de contos publicado originalmente em 1975, que retrata a atmosfera social e política do Brasil nas décadas de 60 e 70, marcadas pela ditadura militar, pela contracultura e pelo desbunde. O autor, que foi um dos expoentes da sua geração, utiliza uma linguagem fragmentada, irônica e poética para expressar os sentimentos e conflitos de seus personagens, que são anti-heróis urbanos, marginalizados, angustiados e solitários.

O livro é dividido em três partes: Alfa, Beta e Gama, cada uma com sete contos. Alguns dos contos mais conhecidos são: "Retratos", que narra o abandono de um homem por sua amante; "O dia de ontem", que mostra a nostalgia de um ex-militante político; "O afogado", que conta a história de um estrangeiro que se envolve com uma mulher casada em uma ilha; "Gravata", que descreve a relação conflituosa entre um pai e um filho; e "O ovo apunhalado", que dá título ao livro e apresenta uma alegoria sobre a criação do universo.

O estilo de Caio Fernando Abreu é marcado pela influência de Clarice Lispector, pela intertextualidade com outros autores e obras, pela musicalidade e pela simbologia. O ovo, por exemplo, é um símbolo recorrente na obra, que representa tanto a origem da vida quanto a fragilidade e a violência do mundo. O autor também faz referências a canções dos Beatles, como "Lucy in the sky with diamonds", que sugere uma viagem psicodélica e uma fuga da realidade.

Algumas citações marcantes da obra são:

- "Era como se o mundo inteiro tivesse sido apunhalado. E sangrasse devagar, sem ninguém para estancar." (O ovo apunhalado)

- "A gente se acostuma a tudo, até a não ser mais quem a gente era." (Retratos)

- "Eu queria ter nascido em outra época, outro lugar. Mas a gente não escolhe, a gente nasce e pronto." (O dia de ontem)

- "Eu não quero morrer, eu quero viver. Mas viver do jeito que eu quero, não do jeito que eles querem." (Gravata)

- "Eu não sei o que é o amor. Eu só sei o que é a dor." (O afogado)

O período histórico em que o livro foi escrito e publicado foi um dos mais turbulentos e repressivos da história brasileira, em que a ditadura militar impôs a censura, a tortura e o exílio a muitos artistas, intelectuais e ativistas. Caio Fernando Abreu foi um dos que sofreu as consequências desse regime, tendo que se exilar na Europa por um ano e enfrentar a perseguição do DOPS. Por isso, sua obra reflete os traumas, as resistências e as utopias de uma geração que lutou por liberdade e democracia.

Caio Fernando Abreu nasceu em Santiago do Boqueirão, no Rio Grande do Sul, em 1948. Desde criança, demonstrou interesse pela literatura, tendo publicado seu primeiro conto aos 18 anos. Estudou letras e artes cênicas na UFRGS, mas abandonou os cursos para se dedicar ao jornalismo e à escrita. Trabalhou em revistas como Veja, Manchete e Nova, e em jornais como Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo. Foi amigo de Cazuza, Hilda Hilst, Lygia Fagundes Telles, entre outros. Escreveu contos, romances, peças de teatro e crônicas, sendo considerado um dos maiores nomes da literatura brasileira contemporânea. Recebeu três vezes o Prêmio Jabuti e uma vez o Prêmio Molière. Foi declaradamente homossexual e militante dos direitos LGBT. Morreu em 1996, aos 47 anos, vítima de AIDS.

O ovo apunhalado é uma obra de grande importância e relevância cultural, pois revela a sensibilidade, a criatividade e a coragem de um autor que soube retratar a sua época com originalidade e profundidade. É um livro que desafia o leitor a mergulhar nas questões existenciais, sociais e políticas que atravessam a história do Brasil e da humanidade. É um livro que emociona, provoca, questiona e inspira. É um livro que merece ser lido e relido por todos que apreciam a boa literatura.

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