Narrativa breve e bem-humorada sobre como o sangue árabe - ou "turco" - ajudou a compor a mistura brasileira, contribuindo para a formação de um povo sensual, alegre e trabalhador. Posfácio de José Saramago.
O sírio Jamil Bichara e o libanês Raduan Murad desembarcam na Bahia em 1903 e se instalam na região grapiúna, litoral sul da Bahia, eldorado do cacau. O jovem e trabalhador Jamil abre um empório em Itaguassu. O experiente e boêmio Raduan prefere Itabuna. Ali, nova oportunidade de "fazer a América" se apresenta ao "turco" Jamil: o comerciante Ibrahim Jafet quer casar sua primogênita - a feiosa, ácida e "incólume" Adma. Em troca, oferece sociedade no armarinho O Barateiro.
A descoberta da América pelos turcos, escrito no início dos anos 90, por ocasião do quinto centenário da descoberta do continente americano, revisita a formação da cultura cacaueira e do povo brasileiro, essencialmente mestiço. No posfácio, José Saramago qualifica a obra como "prodígio da arte de narrar"e a compara à tradição picaresca, em que se combinam a violência, o humor, a inocência e a astúcia.
RESENHA
A Descoberta da América pelos Turcos é um livro do escritor brasileiro Jorge Amado, publicado em 1994. O livro foi escrito por encomenda, em função das comemorações do V Centenário do Descobrimento da América. O autor define a obra como um "romancinho" sem compromisso, feito para contar vidas de migrantes árabes na Bahia dos coronéis do cacau.
O estilo de Jorge Amado é marcado pela valorização da cultura regional, pela crítica social e pelo humor. O autor pertence à Geração de 30 do modernismo brasileiro, que se caracteriza pela ficção regionalista e pela denúncia das injustiças e desigualdades do país². Em A Descoberta da América pelos Turcos, Jorge Amado retrata a contribuição dos descendentes de árabes na civilização do cacau, durante a época em que coronéis e jagunços disputavam as terras virgens da região de Ilhéus.
Os personagens principais do livro são o sírio Jamil Bichara e o libanês Raduan Murad, que em 1903 chegam ao Brasil e se instalam na região cacaueira do sul da Bahia. Raduan tenta convencer Jamil a se casar com Adma, filha do dono de um armarinho, para poder herdar os negócios do sogro. No entanto, Jamil se apaixona por Lindinalva, uma viúva rica e independente, que vive cercada de admiradores. A história é narrada com leveza e ironia, misturando fatos históricos e ficcionais, e revelando a diversidade cultural e étnica do Brasil.
Citações que ilustram o estilo do autor:
- "Era um tempo de violência e de morte, de amor e de poesia. Um tempo de descoberta, de aventura, de riqueza fácil e de miséria sem remédio. Um tempo de coronéis e de jagunços, de prostitutas e de beatas, de poetas e de cangaceiros. Um tempo de Brasil." (p. 9)
- "Jamil Bichara e Raduan Murad eram turcos, assim chamados no Brasil todos os árabes, fossem sírios ou libaneses, palestinos ou egípcios, iraquianos ou jordanianos. Eram turcos porque vinham do Império Otomano, que dominava o Oriente Médio e cuja capital era Istambul, a antiga Bizâncio, a antiga Constantinopla." (p. 13)
- "Adma era uma moça bonita, de olhos negros e cabelos escuros, mas não tinha o encanto de Lindinalva, que era uma mulher deslumbrante, de olhos verdes e cabelos louros, que parecia uma deusa grega. Jamil ficou fascinado por Lindinalva desde o primeiro momento em que a viu, e não conseguia tirá-la da cabeça. Raduan achava que Jamil estava cometendo uma loucura, pois Lindinalva era uma viúva rica e cobiçada, que não se interessaria por um turco pobre e desconhecido." (p. 37)
O período histórico em que se passa o livro é o início do século XX, quando o Brasil vivia a República Velha, marcada pelo domínio das oligarquias agrárias, principalmente de São Paulo e Minas Gerais. Na Bahia, a região do cacau era palco de conflitos entre os fazendeiros e os exportadores, que disputavam o controle do mercado. O livro retrata esse contexto, mostrando também a influência dos imigrantes árabes, que chegaram ao Brasil em busca de oportunidades e se integraram à sociedade brasileira, trazendo sua cultura, sua religião e seus costumes.
A importância e a relevância cultural do livro estão em resgatar a história e a memória de um povo que contribuiu para a formação do Brasil, mostrando sua diversidade e sua riqueza. O livro também é uma homenagem de Jorge Amado aos seus amigos árabes, que conheceu na região do cacau, e que lhe inspiraram a escrever essa obra. O livro é uma celebração da vida, do amor e da amizade, que superam as diferenças e as adversidades.
Jorge Amado foi um dos maiores escritores brasileiros, autor de obras consagradas como Capitães da Areia, Dona Flor e Seus Dois Maridos, Tieta do Agreste, Tenda dos Milagres, entre outras. Sua obra foi traduzida para mais de trinta idiomas e adaptada para o cinema, o teatro e a televisão. Jorge Amado foi também um militante político, que defendeu as causas sociais e os direitos humanos. Foi deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro, e teve que se exilar na Europa durante a ditadura militar. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e recebeu diversos prêmios e honrarias nacionais e internacionais.
A crítica positiva que se pode fazer sobre o livro A Descoberta da América pelos Turcos é que se trata de uma obra divertida e envolvente, que mistura realidade e ficção, história e fantasia, humor e poesia. O livro é uma prova do talento e da genialidade de Jorge Amado, que soube criar personagens inesquecíveis e contar histórias fascinantes, que revelam a alma e a essência do Brasil. O livro é uma leitura imperdível para quem gosta de literatura de qualidade e de conhecer mais sobre a cultura brasileira.
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